Minhas transas e meus homens - Parte II

Um conto erótico de TeuToque
Categoria: Gay
Contém 4919 palavras
Data: 19/05/2020 16:54:59
Assuntos: Fetiches, Gay, Sexo casual

Era segunda-feira, dia de folga e começo de mês. Nelson me chamou ao seu quarto e pediu que eu o ajudasse com a gravata. Iria cantar num restaurante sofisticado no centro da cidade e nunca o tinha visto tão bem polido e arrumado.

“Diz se não tô lindo", ele sorri me olhando nos olhos.

“Lindo", eu pauso o vídeo do tutorial de como dar nó em gravata no Youtube. Estou quase lá.

“Você não quer ir comigo?”, Nelson ergue as sobrancelhas como costumava fazer quando falava. “Nesses eventos eles deixam trazer alguém e ainda dão uns petiscos de graça.”

“Valeu mesmo, Nelson, mas eu não tenho terno.”

Ele sorri.

“O que foi?”, pergunto.

“É que não consigo te imaginar vestindo um terno.”

“Eu ficaria lindo vestido de terno.”

“Não sei não”, Nelson passeia o palmo da mão da minha cintura até um pouco abaixo. “A cada dia que passa você fica mais feminino.”

Gosto da massagem no meu ego. Ser comparado com traços femininos sempre me soa como elogio.

“Pronto. Acho que consegui”, dou um tapinha no peito dele.

Nelson faz uns ajustes no espelho e me agradece pelo favor prestado. O observo enquanto ele passa perfume pelo corpo e a extensão do traje, esfregando em seguida com os palmos das mãos.

“Não esfregue as mãos quando passar perfume", eu aconselho. “Diminui a intensidade da fragrância.”

“Sério? Não sabia.”

Nos fitamos um momento em silêncio e começo a sentir uma sensação de desconforto em estar no quarto de Nelson. Apesar da nossa relação amigável eu sempre sentia que éramos diferentes demais quando ficávamos muito próximos. Sentíamos carinho um pelo outro, mas não podia dizer que éramos extremamente íntimos. Era comum nos olharmos com a roupa de baixo e alguns flagras quando algum dos dois esquecia de trancar a porta do banheiro, mas era só.

“Obrigado, benzinho.”

“De nada, gostoso", e então volto ao meu quarto e fecho a porta.

A noite transcorre tediosa, eu já não gosto tanto de ficar sem nada pra fazer. O ritmo da semana se tornou costumeiro e ficar um dia todo ocioso me causa certa inquietude.

Pego o celular e olho a mensagem que Celso tinha me enviado ainda na noite do nosso encontro.

SATISFAÇÃO DEMAIS

ESPERO QUE A GENTE REPITA A DOSE

Eu não sabia se ria ou chorava do jeito sem noção de Celso. Mas por mais que eu criticasse e por mais peculiar que ele parecesse eu gostava desse jeito autêntico dele. Não deixava de ser um pouco afetuoso por mais que nossa última transa tivesse sido bem mediana e sem beijo na boca.

Todas as minhas roupas e roupas de cama estão sujas, apesar de não serem muitas, não tive tempo te lavá-las e agora estou deitado no colchão sem cobertas que pinica e um ventilador barulhento, nu. Queria muito o calor de um homem para esquentar meu corpo e então decido me masturbar.

Penso na minha transa com Celso e no começo isso me estimula, imagino nós dois nos beijando, ele a lamber meus mamilos e nós dois chegando ao orgasmo juntos (tudo que de fato não tinha acontecido da última vez). Mas depois a imaginação perde a força quando lembro de como as coisas realmente tinham sido e isso me desestimula. Minha mente é bastante aleatória e é quando a imagem de Nelson surge na minha cabeça.

Não!

Eu protesto.

Ele não é o tipo de pessoa que eu quero fantasiar.

Mas minha mente é persistente e desobediente. Por mais que eu tente afastá-lo dos meus pensamentos a imagem do meu colega de apartamento de terno e bem composto se impregna no meu imaginário.

Ok, só dessa vez.

E eu começo a tecer um cenário picante.

Do contrário da falta de ânimo momentos atrás o ajudando com a gravata, na minha cabeça eu tomo uma investida e beijo Nelson. Ele reage de maneira calorosa, segurando minha bunda e nós dois começamos a nos agarrar. Eu tiro o colete do blazer e ele desfaz o nó na gravata. Ou não, com a gravata fica mais sexy. E transamos loucamente.

Era isso que você queria, né? Eu pergunto na minha fantasia.

Desde quando te vi, ele sorri em satisfação. Com os olhos verdes que ele tinha, envoltos em olheiras escuras. Agora eu consegui, a voz dele soa ofegante e cheia de desejo.

Você sempre quis me comer, eu sempre soube, eu digo enquanto cavalgo nele, o som do ritmo da transa a ecoar pelo quarto.

E você sempre quis me dar.

Quando fantasio essa frase eu sinto o orgasmo anunciar sua chegada. Sempre fui muito sensível a coisa do falar e ouvir sacanagem. Os homens com que eu saía dificilmente gostavam desse tipo de coisa, então sobrava pras minhas fantasias realizarem esse desejo íntimo.

“ Ei Duda, trouxe comida do restaurante pra você!”

A porta se abre num rompante e eu viro num milésimo de segundo de costas, em pânico.

Consigo ouvir a risadinha maléfica de Nelson e eu grito pra que ele saia e feche a porta, já que estou nu, de costas pra ele. Maldita mania de não lavar as roupas de cama, não possuía um lençol sequer para me cobrir. Meu pênis continuava ereto e eu o cobria com as mãos, o corpo tenso.

“Desculpa, desculpa", Nelson finalmente sai entre risinhos.

Irritado eu me cubro com uma toalha e me dirijo ao banheiro.

“Nelson, você não pode simplesmente entrar sem bater na porta!” Posso sentir o tom da minha voz ficar cada vez mais afetado. Minha voz já não era muito grave, mas quando eu ficava bravo ela ainda ficava mais aguda e anasalada.

Me encaminho até a cozinha soltando fumaça pelas narinas e ainda berrando, me deparo não só com Nelson, mas uma figura familiar.

“O que foi? Perdeu a língua de repente?”, Nelson provoca, saboreando minha vergonha.

“Oh...”

“Oi", o garoto cumprimenta.

Se tratava do garçom do cerimonial. O gatinho. Na luz clara da cozinha ele parecia ainda mais bonito. Era alvo, tinha o cabelo cortado em camadas em degradê, do tipo que se vê no instagram. A mandíbula dele era bem marcada e eu gostava das mãos dele. Eram cheias de veias e dedos grossos e ásperos.

“Já se conhecem?”, Nelson olha primeiro para o garoto, depois pra mim. Estou morto de constrangimento.

“Ele trabalha de recepcionista no mesmo lugar que eu faço uns extras” o garoto esclarece.

“Legal”, Nelson diz e um pequeno momento de silêncio se faz presente.

“Desculpa qualquer coisa é só que...”, estou de toalha na frente de dois caras. Um deles um estranho. De alguma forma esse fato me causa certa confusão. “... esse indivíduo não aprende a bater na porta do quarto das pessoas antes de entrar e... isso pode ser bem chato.”

“Principalmente quando a pessoa no quarto está numa situação comprometedora”, Nelson me constrange.

É a primeira vez que vejo o garoto sorrir e Nelson também ri contemplando a piada de mal gosto. Eu queimo por dentro de ira e desconforto. Quando estou prestes a me retirar, a voz de Nelson me chama.

“O que é?”, novamente minha voz soa afeminada e atacada.

“O evento acabou cedo hoje. Eu e o Gilberto estávamos a fim de fazer alguma coisa, quer ir com a gente?”

Um lado meu queria matar Nelson. Pegar a escova de dentes dele e mergulhar na água da privada e depois colocar novamente na pia, como se nada houvesse. Mas o outro lado meu não queria se afastar de Gilberto, o garçom do cerimonial. Eu não estava muito no clima de sair de casa, mas o salário tinha caído na conta e era meu dia de folga. Tinha deixado de sair devido a falta de dinheiro de fim do mês e eu sentia que devia comemorar tamanha coincidência de ter Gilberto na minha cozinha e ainda de quebra sair com ele.

“Eu não sei... onde vocês querem ir?” eu tento parecer desinteressado, pra que eu não acabe envaidecendo Gilberto e deixando meu interesse muito óbvio para Nelson que certamente não perderia a chance de fazer outra piadinha.

“No Bar do Ogro", Nelson responde.

“Mas hoje é segunda", eu permaneço na minha atuação.

“Tudo bem, o convite foi feito. Não vou insistir se não quiser ir.”

Os dois se preparam pra sair e eu congelo em desespero. Penso numa forma de detê-los antes que eles saiam, mas seria duplamente patético se deixasse transparecer que queria fingir um descaso que eu não sentia de fato.

“ Espera.”

Eles param no meio da cozinha.

“Tô sem sono", eu coloco uma mecha atrás da orelha. “Eu vou me arrumar rapidinho e vou com vocês, pode ser?”

“Só não demora", Nelson adverte.

Quando estou prestes a dobrar para o banheiro, ele grita:

“E vê se não vai fazer nada comprometedor nesse banheiro".

Risadas se seguem. Eu ranjo os dentes com ódio, no chuveiro.

O Bar do Ogro fica na parte da cidade mais alternativa. Apesar de ficar a pouca distância da área nobre, era ali que pessoas aleatórias gostavam de se encontrar. Antes eram os roqueiros fervorosos e jogadores de sinuca, agora eram adolescentes esquisitos e jovens adultos confusos.

Não era meu tipo de lugar. Mas a cerveja era barata e a bata frita era boa.

Eu só tinha saído com o Nelson uma vez. Ele tinha me levado em uma festa bizarra com um monte de senhores de meia idade que bebiam demais e não sabiam escutar, só falar. Eu já tinha ido ao Bar do Ogro, mas foi uma experiência só, um after qualquer de uma festa anterior mais interessante. Aquele era o tipo de lugar para evitar de ir pra casa quando a noite ainda está divertida, não o tipo de lugar que você se dispõe a ir no começo da noite.

Mas eu nunca tinha ido numa segunda-feira e tudo ali parecia mais tranquilo.

Alguns rapazes cochicham quando eu passo entre risinhos e curiosidade. O Bar era muito mal iluminado e eu sabia que causava essa reação quando meu cabelo formava uma sombra no meu rosto.

“Oi", alguém dizia.

“Não é mulher!”

“É sim!”

“Não, não é.”

Sorrio da confusão.

O som é de um rock indefinido, do tipo não mainstream e eu logo me arrependo de ter saído de casa. Mas estar com Nelson e Gilberto me dá certa segurança e apesar dos olhares, não me sinto acuado em estar ali.

“Vou pegar umas cervejas.”

Ficamos eu e Gilberto parados um na frente do outro, enquanto Nelson se encaminha à fila do bar.

“Você tem horas?”

Gilberto suspende o queixo, não tinha ouvido.

“Horas. Você tem horas?”

Ele então aproxima o rosto em direção a minha boca. Eu vejo alguns olhares até nós em curiosidade e eu me envaideço por acharem que talvez nos tratássemos de um casal.

“Como?” Ouço a voz dele abafada pela música que escapa dos autofalantes em cada parede.

“Você sabe que horas são?”

Gilberto se afasta e checa o punho.

“Duas horas.”

E então uma luz emana do meu bolso. Meu próprio celular, onde eu poderia muito bem conferir as horas nele e quando vejo o olhar de Gilberto para meu smartfone, engulo em seco.

Ficamos calados por algum tempo até que uma garota se aproxima de nós. Ela abraça Gilberto e uma amiga imita o cumprimento. Elas usam piercing e cabelos tingidos de cores do arco-íris. A principal é magra como uma modelo e a outra mais voluptuosa e encorpada. Ambas usam roupas minúsculas. Eu fico de fora, parecendo um objeto inanimado, até que elas acenam pra mim e eu sorrio forçadamente pra elas.

Dois rapazes cochicham num canto e sorriem pra mim, maliciosos. Eu puxo a barra do meus shorts e cruzo os braços, impaciente.

Incomodado, aviso que vou no banheiro e passo algum tempo fitando meu reflexo.

O cheiro é insuportável de urina e eu gosto do que vejo. Meu cabelo parece brilhoso e sedoso e o moletom que peguei do cesto de roupa suja não aparenta estar precisando ser lavado. Muito menos os shorts que acabam abaixo do meu quadril. Estou com meias brancas e um tênis miraculosamente branco no meio de tanta sujeira e gosma daquele lugar.

“Banheiro errado, gata", um senhor com uma barba gigante me assusta ao adentrar e eu apresso o passo em direção à saída.

Encontro com Nelson e Gilberto conversando com alguns amigos. Eles são receptivos e do contrário de Gilberto, bem calorosos. O mal estar de quando tinha chegado passou e logo estamos todos papeando entre goladas de cerveja em copos de plástico. Não fumo, mas finjo naturalidade quando alguém me oferece um cigarro. Deixo a mortalha ser queimada até a base enquanto dou no máximo umas três tragadas.

Os amigos de Nelson são divertidos, mas feios. O que me deixa à vontade e me faz ser mais natural.

Conversamos sobre sexo, preferências na cama e o assunto enveredou agora para o amor. Eu digo que sou um romântico, mas ao mesmo tempo descrente, enquanto os rapazes se vangloriam de serem românticos inveterados.

“Nasci pra casar", um diz.

“De que vale toda glória do mundo se não se pode compartilhar a vida?”, outro filosofa.

“Eu quero uma mulher pra mim”, o mais bêbado confessa. “Difícil mesmo é que ela me queira.”

E gargalhamos todos.

Gilberto sorri de maneira discreta, pouquíssimas vezes deixando escapar uma gargalhada, o que me incomoda. Pensei que toda aquela pose fosse proveniente de uma timidez latente, mas agora começava a achar que vinha de algum complexo de superioridade. Após alguns copos de cerveja decido provocá-lo.

“E você, Gilberto?”

Ele se surpreende com minha voz. Todos se viram a ele.

“Que tipo de cara você é? Romântico ou descrente?”

Ele massageia a nunca com uma das mãos.

“Nem uma coisa, nem outra.”

Aquilo me faz flamejar de raiva, não sei bem por quê.

“Isso não existe! Ou se é uma coisa ou outra”, eu sinto meu corpo perder um pouco o equilíbrio quando um dos amigos de Nelson segura minha mão quando me movimento e ameaço desequilibrar. “Essa sua resposta me parece coisa de homem safado.”

Os rapazes riem.

“O Duda não está mentindo", Nelson finaliza um de seus milhares de cigarros.

“Ou então isso talvez seja um disfarce", eu pareço obcecado. “Talvez, ele... Não precisa me segurar, gordinho". Mais um acesso de risadas quando recuso a ajuda do amigo de Nelson. “Talvez ele esteja escondendo alguma coisa.”

“O que quer dizer?”, Gilberto parece ainda mais sério e plácido em seu porte de homem discreto. Eu podia socá-lo por ser tão sóbrio.

“Você sabe o que eu quero dizer.”

Os rapazes emanam um som como se falassem a palavra “um", só que de maneira longa e zombeteira. “Huuuuummmmm". Queriam subentender alguma coisa entre nós dois e eu nem mesmo tinha me dado conta de que minhas provocações davam abertura àquelas suposições.

“Eu realmente não sei", os olhos dele me encaravam. Não se podia dizer que ele estava alterado, ou irado. Longe disso. Sua postura era fria e sem emoção, como um jogador de poker. Quem aquele cara pensava que era com toda aquela marra?

“Afinal, fala pra gente qual o motivo de tanta seriedade?”

Os rapazes se entreolham.

“Esse seu cabelo arrumadinho, esse seu jeito... robótico”, eu imito passos de um androide e o pessoal cai na gargalhada. “Você devia se soltar mais, cara. Ser mais... sei lá, normal.”

“Tá bom, agora já chega, Duda", Nelson me policia.

“Não, deixa ele falar, eu estou adorando esse cara!”

“Ele é hilário!”

“Traz ele mais vezes!”

E eu termino mais um copo de cerveja. Faço uma dancinha e caminho até a direção de Gilberto.

“Escuta...”, eu enfio o indicador no peito dele. “... pessoas como você sempre tem alguma coisa a esconder. E assim... Não precisa, cara. Olha pra mim. Depois que eu me assumi, não precisei me inibir, sabe?”

Agora as gargalhadas ressoam como nunca. Um deles bate no joelho e espreme os olhos de tanto rir.

“Assim, não se ofenda, não quero dizer que você seja...”

“Você não me ofendeu", a voz de Gilberto ressurge calma e paciente entre as risadas. “Gay pra mim não é ofensa.”

E por alguma razão a serenidade de Gilberto me desarma. De repente me sinto um idiota. Os outros não percebem, mas ele sim. E logo eu passo o resto da noite calado, jurando pra mim mesmo que nunca mais beberia na vida.

Acordo e releio a mensagem de Celso.

SATISFAÇÃO DEMAIS

ESPERO QUE A GENTE REPITA A DOSE

Fico encarando a tela do celular por um tempo. Entediado, penso em uma resposta. Tenciono os lábios, franzo o cenho e começo a digitar.

“Tá livre hoje?”

E espero. Mas ele não está online.

Dou de ombros e vou à cozinha. Abro a geladeira e somente uma jarra (a única jarra que tínhamos) de água me encara, sem graça. Chacoalho uma caixa de leite vazia e abro um pacote de biscoitos baratos e passados. Só de sentir o cheiro já é o suficiente pra que eu os jogue fora. Mas bem quando estou prestes a despejá-los na lixeira, Nelson me impede.

“Não!”, ele avança sobre mim arrancando o saco das minhas mãos. “São meus preferidos.”

Nelson está com uma cueca de algodão que parece dois números menores no corpo dele. Meus olhos não evitam fitar os pelos do umbigo se mesclando com os pubianos. Eram nesses momentos que qualquer fantasia com Nelson parecia loucura.

“Que é isso que você está vestindo?” Nelson ergue uma sobrancelha ao me ver.

Tinha comprado em uma loja online alguns robes e camisolas. Eu sempre quis usar, mas a ideia seria um afronte na casa dos meus pais e como não tinha receio da reação de Nelson, resolvi usar as camisolas.

“Gostou? É lindo, não é?”, eu brinco com barra do meu kimono florido.

“Você me faz sentir um ogro", Nelson abocanha os biscoitos. “Aposto que até sua merda deve ser cheirosa.”

“Não é grande coisa, sabe? Não custa nada você comprar uns pijamas decentes de vez em quando.”

“E esconder toda essa gostosura?”, ele acaricia a barriga e a estufa pra fora. Depois enfia a mão por dentro da cueca, como se eu não estivesse vendo. “De jeito nenhum.”

“Tenha dó”, eu torço o nariz.

Eu encontro um ovo solitário e uma banana já muito passada e improviso uma panqueca. Passo um café e faço um lembrete mental de fazer as compras do mês. Fico conversando com Nelson até que ele decide acender um cigarro e a fumaça àquela hora do dia me causa mal estar.

Meu turno no trabalho começaria só no fim da tarde, então decidi dar uma volta no shopping.

Eu precisava deixar uma grana separada pro aluguel, metade da conta de internet e as compras do mês, mas um comichão me incitava a me mimar.

Alugo algumas vendedoras esforçadas em uma perfumaria, depois dou uma passada na livraria e por fim numa loja de departamento. Todas as lojas somente são vistas, me abstenho de comprar qualquer item, por mais difícil que seja. No meu terceiro mês de vida adulta, exagerei nas compras e fiquei devendo metade do valor do aluguel. Tive que pedir adiantamento no cerimonial pra quitar a despesa. Mas todo mundo elogiava as botas novas que eu tinha comprado.

Em uma cafeteria no shopping, tomo vagarosamente um capuccino com um queijo quente. Fico no celular e curto minhas últimas horas tranquilas, antes de pegar mais um turno, até que vejo um rosto familiar à distância.

Celso.

Ele andava com uma garota ao lado, os dois conversando e a uma distância segura, no entanto eles estavam vindo em minha direção.

Atordoado, corro pro balcão e pago o capuccino e o queijo quente às pressas. Saio em disparada da cafeteria e entro em uma loja de calçados. Seguro, vejo quando os dois passam batido pela vitrine e eu suspiro de alívio. Pra comemorar, decido comprar um sapato pra mim e saio da loja sentindo as alças da sacola penderem dos meus dedos.

São mais ou menos umas três da tarde, e eu já deveria estar me organizando pra pegar o ônibus e ir ao trabalho, já que o shopping ficava distante do cerimonial. Mas minha curiosidade me instiga e procuro por Celso. Com o coração na boca, torcendo pra que ele não me encontre primeiro e nós dois acabássemos falecendo e a garota sem entender nada, cuido pra parecer discreto. E então os vejo, pedindo sorvete em um quiosque.

Celso sorri enquanto a garota mexe em seu celular, sorrindo, mas atenta à tela. Ela parece mandar mensagem pra alguém e ele continua falando. Ela é magra, tem cabelos lisos até a altura dos ombros. Ela não é muito bonita, mas ao lado de Celso, os dois parecem formar um casal atraente. Fico, como um espião bizarro, acompanhando-os por alguns minutos.

Até que a brincadeira perde a graça e me canso de ficar seguindo os passos de dois estranhos. Porque mesmo que Celso tivesse transado comigo, eu não sabia nada sobre ele (exceto que ele gostava de ver o “estrago" que tinha feito e beijá-lo). Sorrio comigo mesmo ao pensar nisso.

Chego antecipado à casa de festas onde trabalho e me dirijo à área de funcionários. Essa área consistia em um alojamento com alguns colchões mofados e muita, muita poeira. Encontro os garçons jogando cartas do lado de fora, no pátio do prédio. Me encontro na grade e observo o sol se pôr.

“A bela da tarde chegou", um deles brinca.

“Seja bem vinda, princesa.”

“Se vocês deixarem as bicas de cigarro por aí e eu tiver que ouvir por isso, faço todos vocês levarem suspensão”, digo catando um resto de cigarro falecido no chão.

“Diremos que você distribuía pra gente e fazíamos orgias aqui no alojamento”, eles riem.

“Até parece que alguém acreditaria nisso.”

O sol se põe e todos se preparam para a labuta.

Distraído, tinha esquecido até então o fora que tinha dado na noite anterior, com o Gilberto. Ao imaginar nosso encontro, senti uma pontada de vergonha e arrependimento. A áurea dele, sempre naquele estado de sobriedade e plenitude, do contrário da minha sempre inconsistente e caótica, me causava náuseas. Agora que ele tinha motivos pra me considerar um idiota, sua superioridade estava legitimada, assim como minha estupidez.

“Eu preciso parar de beber", eu digo enquanto abotoo a camisa de seda, item do meu uniforme.

Na recepção eu fico com minha prancheta, meus sapatos bem polidos e lustrosos e meu cabelo amarrado em um rabo da cavalo baixo. A noite consiste em um jantar de uns cirurgiões da terceira idade e tudo parece tranquilo e tedioso demais. Diferente das formaturas animadas onde os formandos vomitavam no carpete e brincavam com a equipe.

E então eu vejo Gilberto.

Com seu ar de superioridade, alheio a tudo e a todos. Mais irresistível que nunca com seu cabelo brilhoso e seu olhar desconcertante.

Nossos olhos se encontram por um milésimo de segundo, quando ele passa com uma bandeja prestes a servir algumas senhoras cheias de pulseiras e jóias.

Sinto dó dele. Ele parece ser um cara tão bonito e promissor. Lembro do dia em que ele me pediu o celular emprestado. Tão jovem e tão bonito... o que tinha acontecido pra que ele acabasse se tornando garçom? Não que eu estivesse em uma posição melhor, na verdade, meu salário era até inferior ao dele de acordo com o pagamento da casa e se considerasse as gorjetas, mas ainda assim eu me questionava como era a vida de Gilberto.

O restante do pessoal tinha dentes escuros, só falavam de futebol e sexo, mas Gilberto era diferente. O porte dele era diferente. Ele não era só bonito, ele sabia ser ao mesmo tempo atraente e misterioso. Calmo e elegante. Eu o invejava. Dificilmente conseguiria chegar ao patamar de compostura de Gilberto, eu que sempre punha os pés pelas mãos, falava sem parar e não escondia qualquer detalhe da minha vida para o primeiro estranho que eu cruzasse.

O evento tem fim às onze e ponto da noite.

Os convidados saem em passos vagarosos e sorridentes. Os rapazes recolhem os talheres e as taças e esse seria um dos expedientes mais rápidos que tivemos em anos.

Quando estou na porta, já com o pessoal em suas motos ou caminhando até o ponto de ônibus, eu peço um Uber pelo celular. Estou indisposto demais para pegar condução até em casa. Fico mexendo no celular até que Gilberto cutuca meu ombro.

“Você pode entregar isso pro Nelson?”

Eu não consigo disfarçar minha surpresa. Devo parecer um completo abobalhado, com a boca entreaberta e sem reação.

“Ããããh... Claro!” Pareço incrivelmente artificial na minha resposta.

Gilberto me entrega um microfone que parecia muito usado. Estava dentro de um estojo, mas dava pra ver do que se tratava.

“Você também canta?” eu pergunto.

Então era isso. Ele era um sonhador.

“Não, não!” Gilberto balança as mãos, esclarecendo. “Eu pedi emprestado pra um outro amigo meu que canta na noite.”

“Ah, sim.”

E mais uma vez o clima esquisito se inicia.

“Então, você tá esperando alguém?” ele pergunta.

“Não.”

“Precisa de carona? Eu posso te levar na moto.”

Àquela altura era tarde demais para cancelar a corrida e o motorista devia estar chegando a qualquer momento.

“Obrigado, eu aceito.”

Um carro com um motorista confuso passa por nós, à procura de um passageiro. Eu finjo que não percebo e subo na garupa da moto de Gilberto.

Ele é veloz e eu sinto vontade de abraçá-lo tanto por segurança, como por vontade própria. Ele não se contém e eu sinto meu corpo todo tenso, como se caso eu me mexesse um milímetro eu acabaria escorregando e caindo na próxima curva.

Saboreio o momento e sorrio, contemplando o fato de que estava na garupa de Gilberto. Eu devia ter jogado a carta de garoto indefeso, solitário no final do turno, sem ninguém pra levá-lo pra casa há mais tempo.

Finalmente chegamos e eu desço quase caindo e entrego o capacete a Gilberto que o guarda no banco que serve também de compartimento.

“Obrigado, Gilberto.”

“Quê isso.”

Ele se prepara para arrancar, mas eu sinto que preciso me redimir com ele. Não só o tinha constrangido na noite com os rapazes e Nelson, como ainda assim ele tinha sido super atencioso e me deu uma carona pra casa. Eu não podia ser tão rude.

“Olha, desculpa por aquela vez no bar.”

“Não se preocupa”, ele sorri e eu sinto vontade de beijá-lo. Ele conseguiria ser ainda mais lindo sem roupa?

“Não, é sério. Eu fui um idiota com você e eu não queria te deixar chateado.”

“Não fiquei chateado.”

“Eu acho que você ficou bem chateado.”

“Não”, Gilberto olha pros lados como se estivesse falando com um lunático. “Eu não fiquei.”

“Sabe Gilberto, eu sei que fui um babaca com você no outro dia, mas não tem problema em admitir que te coloquei numa situação chata.”

E mais uma vez Gilberto me olha como se eu tivesse acabado de dizer que eu era a power ranger rosa.

“Ok, se você diz... Tudo bem eu te desculpo.”

Eu sinto uma irritação tomar conta de mim.

“Será que você pode reconhecer o que aconteceu e não me pintar como se eu fosse um maluco?”

Gilberto sorri.

“E dá pra parar de debochar da minha cara?” estou em chamas.

“Olha, Duda, tá tarde e é melhor eu ir.”

Ele dá partida na moto e se distancia, anunciando:

“Desculpas aceitas!”

Bato a porta do apartamento e Nelson corre até mim, assustado.

“O que houve?”

“Seu amigo”, minha voz começa a falhar. “É um idiota!”

Nelson parece confuso.

“Mas o quê... quem?” E então chega a uma epifania. “O Gilberto? Vocês se encontraram?”

“Esse imbecil mesmo!”

E fecho a porta do meu quarto.

Tomo um banho pra acalmar os ânimos e meu celular anuncia uma notificação. Celso pergunta onde estou e se pode me buscar. De maneira impulsiva, digo que sim e me apresso em me arrumar.

Não me preocupo em secar os cabelos com o secador e não capricho muito na roupa. Dali a pouco eu não precisaria delas mesmo.

“Aonde vai? Mal chegou e já está saindo?”

Ignoro Nelson e bato a porta.

Quando adentro o carro de Celso eu abro o zíper dele e começo a masturbá-lo. Ele não dá partida no carro e começamos a nos despir ali mesmo. Abro a camisinha, posiciono no pênis dele e sento com tudo depois de passar lubrificante.

“Me fode!”

Eu grito e sei que ninguém pode me ouvir a não ser Celso. Eu continuo sentando nele, com força e agressividade.

“Bate na minha bunda!”

E Celso me acerta um tapa estalado na nádega direita.

“Puxa meu cabelo!”

Ele obedece. Por mais que pareça que não, Celso é quem é comandado e apesar de eu estar recebendo um pênis bastante grosso dentro de mim, eu já não estou mais com Celso.

Na minha mente quem está ali me traçando é um outro garoto irritante de jeito recluso, idiota.

Mudo de posição e fico de frente pro corpo que eu uso no momento pra fingir que se trata de outra pessoa.

“Você quer isso, não quer?” eu gemo.

“Quero", a voz responde, de Celso, mas não quero que seja ele.

“Você vai me comer todo dia", eu ordeno.

“Todo dia", o corpo responde.

“Quero dar pra você todo dia", minha voz sai ofegante.

“Vou te comer todo dia.”

E assim eu transo pela primeira vez com alguém pensando em outra pessoa. Chego ao orgasmo e vou dormir com uma sensação satisfatória. Nunca imaginei que mesmo quando transasse ainda teria que fantasiar.

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