Uma Fantasia de Uma Tarde de Primavera - Parte 5

Um conto erótico de Ahygo C. T’vilerrã
Categoria: Homossexual
Contém 8257 palavras
Data: 25/04/2019 09:32:21

E Enfim... Terminou...(?!)

Assim que terminei de falar, vi nos olhos do meu namorado o quanto ele tava se segurando pra não começar a chorar(!); e também vi os sentimentos fervilharem dentro dele: raiva, descrença, compaixão, tristeza, fúria, medo, angustia e ate um pouco de desespero...! [Mas não contei tudo, omiti a parte da chantagem quanto ao Dérick, e o que ameacei fazer a ele.]

— Victor, isso é muito sério! Você precisa ir pra um hospital e fazer os testes pra DSTs...

— Beto, calma. Como eu disse, ele tentou, mas não conseguiu nem me beijar. Mesmo assim, ele me machucou...

Eu falei isso, mas queria ter terminado dizendo: “ele me machucou, no corpo e na alma e ainda tentou fazer mais do que isso...!” Algumas lágrimas rolaram novamente, e Beto me abraçou então.

— Por isso então que você precisa denunciar ele! Esse monstro não pode ficar impune...

— Eu sei disso, — falei chorando silenciosamente nos braços de Beto, porém, eu ainda sentia medo! Medo que não acreditassem em mim, medo que eu fosse o único a denunciá-lo e isso nem ser levado a sério, ou que o professor Marlon me delatasse e fizesse tudo parecer um “crime passional” revertendo a culpa e atenção para mim — mas-mas... Eu não...

— Você não tem coragem...? É isso?

— Eu queria, mas, sim, eu não tenho coragem. Porque eu sei que ele fez isso com outros garotos, mas eu sei que dificilmente levam em conta ou acreditam na possibilidade de assédio! Quase nunca acreditam na palavra de quem sofreu com isso... — falei cobrindo o rosto com o peito de Beto. Queria afundar ali e sumir daquela escola, daquele lugar, daquele país, desse mundo! Porém, eu sabia que não poderia reagir assim... — Eu só queria que tudo isso parasse logo...!

— Hai, amor, não chora... — ele me abraçou forte. E lá no fundo, eu estava feliz por meu corpo não confundir Roberto com o [monstro] do Professor Marlon. Nunca pensei isso antes por uma pessoa, porém, queria esquecer o que aconteceu com tanto afinco, que nem parei pra pensar na gravidade do problema. — Não chora, Meu Amor. Para, não precisa... — Ele parou também voltou a chorar junto comigo.

Passamos a tarde toda assim, mas não conseguimos dormir ou falar qualquer coisa. Eu sentia muito medo que voltasse a sonhar com o que aconteceu; e acredito que o Beto também sentia esse medo. Depois, enquanto eu ainda tava na cama, ele disse que tinha que comprar comida para comermos um lanche ou qualquer coisa assim. Só para não ficar de barriga vazia, porém, eu suspeitava que ele queria é que não ficássemos mais um dia sem comer!

Enquanto ele estava fora, eu fiquei pensando no aconteceu. Ponderando se deveria ou não fazer uma denúncia. E decidi naquele momento esperar o Beto voltar para tomar uma decisão definitiva. Para ter com quem conversar, e tals.

“Queria que aquilo nunca tivesse acontecido comigo...!”, pensei. “Mas e você acredita que qualquer um dos outros garotos quiseram?”, uma voz disse na minha cabeça. “Você nem sabe o que aconteceu com eles...?! Pra você, o que aconteceu com VOCÊ, já foi ruim o suficiente, mesmo sem Marlon conseguir fazer muita coisa, imagina para os outros...!” E os meus pensamentos só me faziam ficar pior. Ficava imaginando como deveriam estar se sentindo agora, mas... o que DEVERIA fazer? Eu sabia o que é certo, o certo a se fazer, que seria fazer a denúncia, mas...

Quase vinte minutos depois de sair, Roberto volta com cinco pastéis, duas coxinhas e uma empada de padaria. Eu não sabia se ele comprou aquilo tudo pra mim, ou se essa história deu fome nele. De todo modo, ele comeu dois pastéis e uma coxinha. E tentou me convencer a comer pelo menos um pastel e uma coxinha, o resto ele guardou na geladeira.

— Eu sei que lanche de padaria não substitui uma refeição completa, mas... — Ele suspirou olhando pro lado. — É tarde da noite, e a maioria dos supermercados agora já fecharam.

— É tarde? Como assim...?

— É, é tarde, já são quase 10 da noite...!

— Nossa! Como isso aconteceu?

— Não é pra menos, né, amor... Você ficou na cama por uma semana remoendo todos esses sentimentos...!

— Espera, uma semana?! — A verdade é que o tempo passou e nem vi, ficando depressivo e tão cansado, me impressionei com a passagem do tempo de forma tão rápida. — Que dia é hoje...?

— É quarta-feira, dia 5 de dezembro...

— Hugh! Sério...? — Quase engasguei com a coxinha.

Pensei que ele fosse falar alguma ironia, ou contar alguma piada. Ao invés, ele só disse:

— Sim, é sério, tão sério quanto já é 10 da noite...!

— Gente, e...

— Calma, amor, eu já confirmei com todo mundo que você não tem mais nenhuma prova pra fazer essa semana...!

— Hum...

Depois de terminar de comer tudo, voltamos pra cama. Lá eu deitei no peito do Beto com ele fazendo cafuné em mim. A intenção era deitar e assistir um filme, e com todos os últimos acontecimentos, não existia clima pra sexo! (O que significava também que Déreck não se manifestou desde o nosso último encontro na véspera do ocorrido com o professor Marlon...)

Beto e eu começamos a conversar sobre o dia dele, e o fato de que ele pediu duas semanas de folga do trabalho e simplesmente deixou de ir às aulas do curso! Falamos sobre coisas que planejávamos para o futuro, e ele tocou no assunto “casamento”. Roberto disse que eu já estava enrolando ele...!

— Enrolando?

— Enrolando sim, o senhor acha que pode escapar?! — Admito, que não estava entendo nada! — Sim, porque, por justiça, como eu fiz o pedido de namoro, — ele disse parando o cafuné [eu não gostei, mas, né...] — agora é sua vez de fazer o pedido de casamento, né!

— Há-há, hã? O que...? — eu disse rindo. — Como assim, Brasil?!

— Sim, pois é... Eu vou ter que fazer tudo...?!

— Não, quem fez o pedido de namoro, é que faz o pedido de casamento também...! — Rimos juntos. O ar de romance estava voltando. — Há-há-há! Não era assim...?

— Não, eu acho que não...

— Desde quando...? — brinquei com ele alisando seu peito.

— Pelo fato que somos um casal gay, não tem essa de “o homem faz isso”...! Afinal, nós dois somos homens, não deveria ter isso de “o homem da relação”... — ele brincou, mas falou sério. — Aliás, não precisaria ser “assim”, ASSIM, sabe... Tão... assim e assado pra todo mundo...! A liberdade existe pra quê, afinal?!

— É, né... — eu falei e me aninhei mais ainda em cima de Roberto. — Há-há, mas nós ainda precisamos resolver outro problema...

Então, o silêncio voltou. E todos os sentimentos que tentei esquecer até ali, até aquele momento, voltaram em parte, pelo menos. E uma lágrima escorreu pelo meu rosto, em parte pensando no que iria acontecer, em parte pelo que já aconteceu. Eu nem sei dizer o medo que eu sentia...

Porque, eu não sei quanto a outros caras gays, principalmente os mais femininos, mas... Parecia que eu finalmente tinha encontrado um lugar junto do Beto, alguém pra amar, mas também alguém que me entende! Um cara que sabe o que sinto e os sentimentos que tenho, de solidão, de tristeza, de incompetência, de IMPOTÊNCIA... E de sempre parecer estar fazendo algo errado...!

Quando somos LGBTs, parece que o mundo sempre está te julgando! Mesmo agora a gente podendo casar com quem quiser, parece que um olho atravessado vem com uma tocha acesa e o grito de “ABERRAÇÃO!”, ou de “ABOMINAÇÃO!”. E quanto a ser um homem feminino, isso piora até três vezes mais porque, significa duas vezes mais olhares tortos [e não SÓ de quem é hétero, mas de quem é homo também!]. Aparentemente, por ser feminino, tem gente que acredita que quero chamar atenção, ou ser uma mulher... E não tô dizendo que é errado ser mulher, mas eu não sou! E não quero ser uma também; porém, não é porque eu desmunheco ou falo fino que quer dizer que mereço apanhar! Não é porque eu “pareço mulher”, que significa que sou um lixo, ou ser menos digno de amor que você ou qualquer outra pessoa...

E o sentimento de ter vencido todos esses obstáculos sempre me iludiram quando eu estou com Beto. Aquilo de pensar que estou livre de sofrer preconceito enquanto namorar com ele, e agir de f0rma que me pareça ser tão igual e importante quanto um homem hétero por manter uma relação estável, passível de virar um casamento! Diga-se de passagem, casamento que já é comparado com o heterossexual pela justiça brasileira...!

Então, quando percebi que correria o risco de nunca mais ter esse sentimento, essa ilusão se foi. E o sentimento de tristeza, de solidão, de VAZIO... voltou com a força de um soco de lutador de MMA! E acertou em cheio o meu peito, tirando o ar. Porém, o sentimento de falsa felicidade ficou por mais alguns dias, o tempo que levou para que eu percebesse que o término com o Beto seria inevitável...!

— Eu sei... — ele disse com pesar na voz. Ninguém tinha morrido [dentro do que a gente sabia], mas o sentimento era parecido. — Hum... Eu estava pensando enquanto comprava o nosso lanche e...

— Hum...? — falei ainda abraçando o Roberto.

— E... se você quiser não contar, não fazer a denúncia, eu vou entender... — ele disse tudo num tom baixo e eu percebi que na verdade ele não queria terminar. — E prometo te apoiar em tudo o que for, também...!

Olhei pra ele, debaixo, e vi que ele estava de olhos fechados. Ele não queria me olhar, para segurar o choro. Mas isso também era inevitável...!

— Sim, tudo bem. — foi só o que deu, e ele pareceu aceitar. — Muito obrigado, então...

— Vitor?

— Hã...?

— Eu te amo! — ele falou com voz de choro.

Foi a seco, duro e direto! Sem perguntar nada, ou pedir algo que confirmasse retribuição. Ele simplesmente me abraçou ainda mais forte, e chorou molhando o meu cabelo! Foi um choro baixo, de quem sofre em silêncio há muito tempo.

“Ele guarda as próprias mágoas...!”, eu já sabia. Porém, ressentia que eram muito piores do que eu imaginava. Portanto, eu tinha medo de perguntar e saber qual seriam essas mágoas...

— Eu também te amo, Beto. — falei com a voz falhando. E o abracei de volta. — Também te amo, Amor...

***

Nós passamos a quarta toda na cama; quinta-feira não foi tão diferente! Na verdade, só saímos da cama para receber a Silvia aqui, que não parava de perguntar por mim e dizer que queria conferir com os próprios olhos se eu estava bem mesmo...

— Tá, já enrolaram demais! — ela disse terminando o seu café no copo de requeijão [ela é povão, fazer o que].

— Há-há, o que...? Não... — eu falei sem graça.

Olhei para Beto que tava sentado no meu colo. Ninguém falou nada, meu namorado sério e sua irmã me encarando inquisitivamente.

Tentei abrir a boca pra fazer uma piada, mas o olhar de Silvia foi mais pesado! Então, me calei também... Só após quase cinco minutos se passarem, ela falou alguma coisa. Seu rosto foi do inquisitivo para o de desconfiança.

— Não vim aqui saber por que vocês acham que precisa trocar a cortina da janela do boxe do banheiro...! Nem pra só tomar um cafezinho com vocês, e conferir se estão bem... — Silvia disse e nos encarou. — O que foi que aconteceu? — “Direta, como sempre!”, pensei.

Então, mais alguns minutos se arrastariam. Se a própria Silvia não tivesse aberto a boca. E dito:

— Se eu descobrir sozinha, vai ser muito pior pra vocês...!

— Credo! — Pensei nela me botando de castigo no milho.

— Até parece a mãe, criatura...! — Beto disse e iria rir, mas olhou pra mim e eu percebi claramente seus pensamentos. Ele me perguntava silenciosamente se eu queria contar o que aconteceu...! — Hã, bem, não a... — ele ia começar.

Porém, eu o interrompi. E disse:

— Não, Roberto, ela precisa saber...

— Amor, tem certeza? Porque...

— Sim, eu tenho...

— Mas... Você decidiu o que fazer então...?

— Sim, e por enquanto, vou contar o que aconteceu para a Silvia primeiro.

— Hum, bom saber que vou ser a primeira pessoa a saber. — ela disse, e cruzando os braços, ela deu um leve sorriso de canto de boca. — Não me falem que vocês engravidaram...?!

— Não, arr... — Roberto passou as mãos no rosto e se levantou de cima de mim. — É melhor o Vitor te contar...

Meu namorado foi para a sala, dizendo que a tevê ficara ligada. Mas eu não ouvia nada. Então, ele voltou e começou a lavar a micro louça suja entre a noite de antes e esta manhã.

— Bem, é, como posso começar...? — falei olhando pra baixo.

— Pelo começo, ué! — Silvia brincou. Foi aí que ela viu o quanto a coisa é séria. — Óh, Meu Deus!

— Tudo bem... — falei soltando o ar e tentando não parecer tão triste quanto realmente estava. Mas era inevitável! Por isso, só contei o que aconteceu... Disse tudo, menos a parte sobre a ameaça com relação a minha traição. — E foi isso. Ele me agarrou, tentou bem me beijar, e usou a minha nota na matéria pra me chantagear a transar com ele...!

Silvia não falou nada, não esboçou reação no início – demonstrando que não estava acreditando no que eu disse. Mas em algum momento a ficha caiu, tudo pareceu fazer sentido pra ela, e ela acreditou então. E só começou a chorar quando eu terminei.

Por quase dez minutos, ninguém falou nada. Era um assunto delicado, porque Silvia disse já ter passado por algo parecido, mas com um namorado. E como a mãe dela é conservadora, ao pedir ajuda, Silvia foi ignorada e ainda ouviu de sua mãe que ela deveria continuar na relação...

— Desculpa, desculpa, Vitor, eu não tinha... — Silvia se levantou e me abraçou. — Eu deveria ter...

— Não, não, a culpa não foi sua...! — falei a abraçando ainda. — A culpa é minha, se eu não tivesse ficado e...

— Não, não é. — ela segurou os meus braços e olhou fundo nos meus olhos. — A culpa é só dele! Aquele monstro não deveria ficar impune...

— Eu sei...

— E eu já disse isso pra ele... — Beto voltou-se a nós, com os olhos inchados, claramente estava chorando também. Ouvindo tudo calado novamente no canto. — Mas também ofereci apoio caso ele não queira fazer a denúncia...!

Silvia me encarou esperando uma resposta a fala de meu namorado. Entretanto, nenhum de nós disse uma palavra. Ele só veio até mim e ficou do meu lado, e Silvia entendeu que seria muito doloroso pra mim ter de reviver o que aconteceu. Roberto me abraçou meio de lado, e afagou o meu ombro com sua mão esquerda.

— Pois é... — eu disse e apertei a mão dele no meu ombro.

Ele beijou o topo da minha cabeça e eu beijei o peito dele, repousando a minha cabeça ali. No meu lugar preferido no mundo todo, o meu lugar de direito!

Nos sentamos no sofá da sala [o único da sala inteira] e ficamos por lá, quase uma hora. Silvia não falou nada no início dessa hora, até que nos encarou e olhou pra baixo e eu soube que algo havia acontecido com ela também.

— Tem um tempo que queria contar uma coisa pra vocês também... — ela disse e outra lágrima escorreu por sua bochecha antes de ela olhar pra gente de novo. — Eu... eu não sei o que me deu pra fazer isso... — ela riu sem vontade, quase como se estivesse sem vontade de continuar brigando por algo que já faz anos que ela luta e batalha. Como se ela já estivesse cansada de lutar tanto... — Eu vou tentar ser direta! — ela disse suspirando querendo juntar coragem para contar. Nós sequer fazíamos a menor idéia do que se trata o assunto. — Cinco meses atrás, quando eu voltei com o Edilon, — o namorado dela que ia e voltava com ela, porque ele não tem a capacidade de se decidir se quer namorar ou ficar solteiro — no dia que voltamos, a gente transou... E eu não imaginei que mesmo tomando pílula, se eu transasse sem camisinha, poderia acontecer de... Mesmo que continuasse menstruando...

— Óh, meu deus! — Roberto entendeu antes de mim — Você não...? Óh, Céus! Silvia...!

— Sim, — ela disse e continuou chorando. E eu ainda custei a entender [faísca atrasada que sou] — engravidei do Edilon, mas...

— E ele, não me diz que esse covarde não...? — Eu havia ouvido, mas não tinha captado. Porque sempre pensei que a minha cunhada e melhor amiga fosse a pessoa mais prevenida. — Que canalha! Esse, esse...

— Não, calma, mano. Eu só quis... — ela ainda estava chorando. — Eu fui até ele pra perguntar se ele queria ter esse filho, não pra informar a ele...!

Assim que finalmente havia caído a minha ficha, outra informação surgiu. E essa sim, por ironia do destino, captei com uma velocidade estranha. “Ela disse que... Óh, meu Deus! A Silvia tirou...”

— O que...? Você...?

Roberto quase parecia furioso, mas eu conhecia ele o suficiente para saber que ele estava só preocupado com o bem-estar da irmã. Eu queria continuar ouvindo. Por isso, pedi calma para ele...

— Beto, deixa ela contar...

— Hum, tudo bem.

— Eu...

— Silvia, seja o que for, eu vou te apoiar, amiga. — falei eu.

— Eu também, mana...! — Beto tentou mostrar um pouco de confiança, mas foi impossível esconder a preocupação que ele sentia por ela. — Eu só tava... preocupado contigo, só isso, tá...

— Sim, hã... — Ela olhou a sua volta como se procurasse por sua coragem [sendo que ela nunca foi fraca]. — Eu... huh, eu... perguntei se ele queria ter esse filho... e ele disse...

— Disse...? — perguntamos Beto e eu ansiosos quando ela parou pra segurar o rosto com as mãos, e chorou copiosamente. — Calma, amiga. Só nos conta o que aconteceu...

— Ele disse que recém tinha conseguido começar a trabalhar e, que mesmo assim, tudo já estava dando certo pra ele que... Tipo, ele disse que o patrão dele o chamou para viajar para o Canadá, durante um ano...!

— Canadá...? Nossa!

— Um ano... Sério? E ele...?

— Ele disse que iria conversar comigo sobre a gente continuar namorando, mas a distância... Ou, se eu quisesse, a gente terminaria e pronto. — ela fungou tristemente e eu quase chorei junto, me pondo no lugar dela. — Aí, quando contei pra ele da gravidez, ele custou a acreditar... Disse que eu estava inventando para prender ele aqui... Há-há, — Ela riu sem graça nenhuma, passando a mão no rosto — como se eu precisasse mais dele aqui do que da minha dignidade...!

Ela bufou de desgosto dele. Então, olhou pra baixo e depois para nós...

— Então, eu insisti em dizer que era verdade, que, sim, eu estava grávida dele. E, mesmo assim, ele ainda teve a escrotice de me perguntar se eu fiz de propósito! — Roberto quase se levantou irritado para ir até o Canadá e bater no tal Edilon. Tive que fazer força para que ele parasse de andar pela sala, senão, iria abrir um buraco no chão. — Dei um tapa na cara dele, e disse que preferia terminar tudo do que continuar com um cara tão babaca e idiota feito ele!

— Isso mesmo, mana! Fez certo. — Beto falou com orgulho. Mas suspeitava que ele queria fazer mais do que só dar um tapa no ex cunhado. — Agora, pode continuar... Desculpa...

— Bem, aí, eu pirei e não soube o que fazer! Saí chorando do apartamento do Edilon, só querendo que o avião dele caísse no meio do caminho daqui até o Canadá...! — Eu não sei o que dizer, mas com certeza teria desejado o mesmo. — Eu queria ter pensado no que iria acontecer, planejar e ter certeza se estava fazendo o certo...

— Como assim...?

— Eu só pensava que se tivesse essa criança agora, a minha vida iria mudar pra sempre! E o Edilon... Ele sempre disse que não queria ter filhos. Sempre disse que... — Ela começou a chorar mais ainda. E eu tinha cada vez mais certeza do que viria a seguir. Depois de quase cinco minutos inteiros passar, Silvia para de chorar tanto para nos olhar. — Eu ainda estou no ensino médio, porra! Eu...

Eu tentei abraçar ela. Roberto custava acreditar no que poderia ter acontecido. E eu já imaginava o que ela viria a contar. Só queria poder confortá-la, demonstrar apoio e que eu sempre estarei aqui pra ajudá-la!

— Silvia, e a criança...? Você não tem barriga...

— Eu... — ela fungou alto e com força — eu-eu... Eu fui numa clínica... E...

— E...?

— Tirei a criança, antes de completar um mês...! — ela disse sem graça. Obviamente que ela já estava se julgando muito, por isso, tentei [torcendo] fazer o Beto não sentir repulsa da própria irmã. — Ai, meu Deus! Os nossos pais vão... A mamãe vai me matar pelo que eu fiz...!

Porém, ao contrário do que eu esperei, meu namorado ficou estático sem saber o que fazer! Ele ficou sem reação... E eu só tentei reconfortar a minha cunhada para que ela soubesse que sempre serei amigo dela. Que a amo, e que, independentemente do que ela fez, agora já está feito. Simples assim... porque, tudo bem, ela tirou, mas foi antes de completar um mês de gestação [a “criança” não tinha sequer coração ou um cérebro – lembrei disso das aulas de biologia]... E aliás, como já diz o ditado: “não dá pra chorar pelo leite derramado.” Não tem mais como voltar atrás!

— Calma, amiga. Eu tô aqui para o que der e vier...!

Abracei-a e por 10 minutos a confortei como pude.

— Muito obrigada, por tudo, mesmo... — ela fungou e depois limpou o seu nariz. E eu me perguntava como foi pra ela suportar isso, o peso de se culpar pelo que aconteceu, todo esse tempo! A abracei de novo. — Muito obrigada por ser esse amigo, Vitor...

— Que isso, se eu não fosse assim, mereceria apanhar na cara!

— Há-há, só você mesmo... — ela disse um pouco mais alegre. E com isso, eu já fiquei melhor. — Mas... ainda tem o problema, os meus pais vão...

— Eles não precisam saber! — Roberto interrompeu ela no meio. Eu fiquei paralisado de surpresa, mas a verdade é que as palavras dele pareceram fora de contexto. “O que???” perguntamos Silvia e eu juntos. — Sim, eles não precisam saber. Porque, o que você faz da sua vida, Silvia, só você pode opinar!

— Você tem certeza...? — eu ia perguntar.

— Sim, quero dizer...

— É, ele... — Silvia olhou para o lado depois para o outro, pensativamente. — Ele está certo!

— Pois é, pois a mamãe iria só se preocupar com o que os outros iriam dizer, se soubessem. E o papai iria ficar furioso porque é contra o aborto...!

— Hum, sim... — falei eu com vergonha.

Porque os meus problemas em comparação aos deles, não eram nada! Mas a cima de tudo, não pareciam mais serem tão importantes assim...

— E eles não iriam entender o meu lado...! — Silvia falou tentando cortar um soluço. — Com certeza... Iriam me expulsar...

“Nossa!” falei mentalmente, mas saiu sem querer pela boca.

— Bem, pelo menos você está bem, irmã. — falou Beto depois de abraçar Silvia. — Se você quiser passar uns tempos aqui sempre que brigar com a mamãe, eu... a gente, vai te receber de braços abertos!

— Sim, com certeza. — falei concordando.

Depois disso, nos abraçamos e ainda tentamos ajudá-la a secar suas lágrimas. E fazer ela se sentir mais acolhida e em casa. Quando terminamos de conversar, voltamos a nos sentar no sofá e resolvemos falar sobre coisas alegres... Em outras palavras, fofocas!

Fofocamos enquanto fazíamos um bolo de laranja com cobertura de chocolate e comemos com suco de manga. Beto ajudou na maior parte das coisas – foi ele quem fez a cobertura, quem comprou o suco. Rimos um pouco, visto tudo ocorrido...

— Olha, migo, nem sei o que dizer... — Silvia falava enquanto me abraçava. Já havíamos comido quase todo o bolo e tomávamos só o suco agora. — Mesmo, eu não sei...

— Não precisa dizer nada, eu só fiz a mesma coisa que você teria feito...! — eu respondi.

— Muito obrigada, de novo... —Nos desgrudamos para que ela me encarasse. — Sério... Muito obrigada mesmo... E, você, — ela olhou para Beto, e o abraçou novamente, pela terceira vez — muito obrigada, também por esse cunhado. — Ela sorriu novamente, dessa vez, com mais vontade e o abraçou novamente. — Amanhã, vamos ir pra escola, pelo menos pra saber quem passou e quem rodou...??

— Hã, sim, — falei super nervoso, a verdade é que eu sentia medo de reencontrar o professor na escola... — digo, claro...!

— Hum, tudo bem... — ela respondeu. E Beto só ficava me observando pra saber qual seria a minha reação. — Mas eu tenho que ir agora, tá... — Me abraçando novamente, Silvia cochichou ao pé do meu ouvido: — Te amo, viu. — Eu só respondi “eu também”.

A levamos até o portão e lá nos despedimos e ela foi pra casa.

***

Assim que minha cunhada foi embora, lavamos a louça e depois eu disse que iria tomar um banho. Eu não sei como, porque ou quando, mas Roberto entendeu que eu queria ir sozinho.

Ainda não me sentia a vontade pra fazer acompanhado coisas que requeressem intimidade. E o Beto foi super compreensivo; me deu todo o espaço que eu precisava... E só entrou no banheiro depois de eu ter saído.

Com banho tomado, resolvi começar a fazer a janta. Não lembro o que foi, e também não importa...! Depois de terminar de comer, nos sentamos na sala pra assistir o filme Loucas Pra Casar. E pareceu que parte foi a minha história com o meu primeiro namorado. Super divertido, apesar que é bem maluco.

Quando o filme acabou, fomos deitar. E na cama, Beto puxou assunto, e como ele tinha coisa pra conversar...

— Amor, — ele chamou. Ainda não tinha vindo o sono, por isso, ficamos encarando o teto, eu deitado no ombro dele e ele com o outro braço embaixo da cabeça — hã, a gente nunca conversou sobre isso, né...

— Sobre o que...?

Após um breve momento de silêncio, ele pareceu muito calado.

— Hum, hoje a Silvia nos contou que há cinco meses atrás engravidou do namorado e...

— Você se arrepende de ter oferecido apoio e ajuda caso ela brigue com a mãe...? É isso...?

— Não, claro que não! Ela é minha irmã, e sempre vou amar ela, e nunca vou me importar em oferecer ajuda... — E ficou em silêncio novamente. Demorou a falar de novo, só até eu olhar para ele o procurando. — É só que... Ela foi mãe, quero dizer... quase, ou sei lá... Já que a criança não chegou a completar nem um mês de vida de verdade...!

— Sim, e...? — falei olhando para cima novamente. Não imaginava onde ele queria chegar, mas já estava estranhando tudo aquilo! — Onde você quer chegar...??

— Hã, é que... A gente nunca falou sobre ter um filho, ou em filhosss... — Ele frisou bem o “s” no final de “filhos”. — Hum, e você já...

— Se eu já pensei em ter um filho...? — perguntei eu já que ele não conseguia formar uma frase completa, de tão nervoso que estava. Eu percebi só depois que estávamos falando sobre o nosso futuro, o porque de ele ter resolvido tocar no assunto agora eu não sabia...! — Hã, bem, não sei... — falei casualmente passando a mão no peito dele. Uma questão complicada, porque tanto o meu pai quanto a Maria Eduarda sempre me falavam que eu nunca iria ter uma família de verdade... — E você...? — perguntei saindo de cima do braço dele e parando de fazer carinho no peito dele.

— Hã, bem, não. — ele falou simplesmente, mas sem me encarar ainda. Gostaria que ele não tivesse tocado no assunto; aí, depois que ele tocou, eu pensei desejar que ele tivesse dito que sim. — Quero dizer, não que eu acredite que a gente não possa ou não deva por sermos gays... — Ele se levantou e sentou-se na nossa cama. Nervoso ele ainda não quis me encarar. — Eu só nunca tive vontade, sabe...

Eu refleti sobre o que ele disse. E realmente, fazia sentido...

— Sim... — falei eu ainda ponderando.

— Nunca quis pra mim isso de adotar três crianças, ou só duas, um casal, sei lá... — ele disse, bem nervoso. Eu notei que ele estava preocupado é com a nossa relação. Então, só concordei com a cabeça. — Sei que vai parecer egoísta, mas... está bom pra mim assim, só a gente...

— Sim, — falei ainda encarando o teto, pensativamente — eu te entendo, Beto...

— Mas... o que você acha...?

— Do que...? — inquiri levantando-me também.

— Você já quis...?

— Filhos...? — perguntei [a verdade é que eu tinha muito medo de que ele estivesse mentindo só para me agradar...!] — Hã, sabe Beto... Eu também nunca me imaginei sendo pai...

— Huh, ufa! — ele disse.

— Há-há, é, Amor, eu também não quero isso que tantos casais gays querem... — expliquei. — Porque, eu sonho em um dia fazer faculdade de química forense, como já te contei, e trabalhando, não pretendo fazer outra coisa a não ser casar com um cara forte, lindo e perfeito! — contei, e depois me debrucei sobre ele e o beijei ternamente.

— Hum, sim, e quem seria esse cara forte, lindo e perfeito? — ele continuou me beijando. — Seria eu...? — ele perguntou entre beijos.

— E quem mais seria...? — perguntei sem graça. “O Déreck é que não seria...!” Então senti culpa de mim mesmo novamente... — Hã, desculpa, Beto, mas eu não tô pronto pra isso ainda... — falei quando ele tentou continuar o beijo com mais sensualidade e tesão.

Já estávamos nos deitando novamente, com ele por cima de mim. Eu sentindo o pau duro dele, mas sentindo o desconforto como se fosse o professor Marlon novamente ainda...!

Roberto, entretanto, compreendera totalmente. E só quis se deitar de conchinha comigo o cobrindo, como um edredom. O edredom dele! E dormimos, nem tão mal, nem tão bem, mas eu pelo menos, dormi com medo de voltar a escola no outro dia...

No outro dia, eu não soube o que faria... mas tinha a certeza de uma coisa!

Tomei café amargo com pão puro e depois fui me aprontar para ir à escola, com um bom banho quente para mandar embora o medo de voltar lá.

Mas antes... Teria de passar num lugar...!

***

Na escola, chegamos na moto do Beto até que sedo. Porque tinha apenas poucas pessoas, alguns alunos dos primeiros anos; pais de alguns alunos; duas professoras que ainda pegavam suas coisas nos seus carros; e um professor explicando a matéria para uma garota que parecia ser do segundo ano.

A maioria tinha uma cara enjoada de sono, como se recém ter acordado fosse uma maldade! Não nego que eu também tive a minha “fase” de não gostar de acordar cedo – e ainda não gosto. Mas responsabilidades chegam uma hora ou outra e agora não tenho mais escolha...

— Esperava chegar tarde aqui... — falou casualmente Beto com seu capacete na mão. Foi então que Silvia chegou depois da gente. — Oi, mana, como vai?

Ela nos deu abraços demorados, e nos cumprimentou. E depois respondeu a pergunta de seu irmão, então, nos devolveu a pergunta. Respondi vagamente por causa de tudo...

— Entendo... — respondeu ela. — Bem, e o que você decidiu...?

— Você vai ver... — falei.

Foi aí que chegou a diretora da escola com uma monitora que carregava as chaves das portas. Não lembro seus nomes, e isso também já não importa mais [não estudo mais NAQUELE lugar...!]; então, também não preciso descrevê-los.

Entramos Silvia, Beto e eu, e ficamos conversando durante o tempo que faltava para começar a aula de verdade. Foi então que, perto dos corredores onde estávamos, vi o Professor Marlon passar com uma pasta de livros nas mãos.

Sendo bem direto, ele estava como sempre: com roupa justa!

— Ele... Ele veio... — falei sem querer. Silvia ficou pálida ao ouvir, e Beto custou a entender. — O professor...

— Ele tá aqui...? — Silvia perguntou.

Eu afirmei que sim, porque seria capaz de reconhecê-lo fosse onde quer que fosse. Então, numa carranca de raiva e ódio, Beto cerrou os punhos e saiu andando sem falar nada.

O que ele tinha ido fazer lá, sinceramente, ele não disse...

Até que finalmente entendi...!

— Não, Beto, não, não... — Silvia e eu saímos correndo atrás dele.

Porém, ele já tinha alcançado o professor, e lhe desferido o primeiro soco. Os dois começaram a rolar pelo chão, foi então que Silvia e eu fizemos força para tirar Beto de cima dele. Professor Marlon segurou a boca sangrando e perguntou o que foi que aconteceu, quando Roberto o cuspiu e disse que ele é um monstro!

— Roberto, não, — Silvia e eu tentávamos ainda segurá-lo, mas era difícil, visto o tamanho dele — o que foi que você fez...?! — falei só eu desta vez.

— Beto, isso mesmo, deveria ter dado mais dois socos nele! — Silvia encorajou-o a continuar.

— Eu fiz o que deveria ter feito há muito tempo, com gente DESSE tipo... — ele disse com tamanho asco que quase me senti mal pelo professor Marlon (eu disse quase). Professor Marlon era segurado e contido por outro professor. — E nunca mais chega perto do Vitor! — ordenou Beto o segurando pelo colarinho.

— O que...? Há-há-há! — ele riu ao perceber do que se tratava. O tal professor já ficava para trás, mesmo que fizesse cara de querer se meter novamente. Ele estava sempre dizendo “não, não faz isso...”, mas é claro que o outro não parou de falar. — Você é o namorado...? Ele não contou que é a putinha do segundo ano, né...

Eu arregalei os olhos, e teria dado um soco nele também senão estivesse tão atônito! Foi então que Beto o agarrou pelo colarinho, e o professor tentou olhar a sua volta procurando por ajuda. O segundo professor não se metera dessa vez, só foi até outro corredor, e eu tive medo que ele chamasse a policia, mas para levar o Beto preso. Quando uma garota disse que iria chamar a policia se o Roberto não fosse embora.

— Não precisa... — Beto falou e todo mundo, menos eu e Silvia, ficaram em expectativa. — Nós já chamamos!

— É, e, — Silvia se avançou sobre o professor e lhe chutou com força o saco e ele ficou quase roxo — isso é por ter machucado o meu amigo! E essa, — ela deu um soco no queixo dele — é por ser um pedófilo...! — Ela se afastou um pouco segurando o punho mexendo-o levemente — Nossa! Dar um soco dói tanto... Parece que dei um soco numa parede...

— Mas não pense que vou deixar assim... — Marlon falou olhando pra mim. — Você não contou mesmo, né... Ele não te contou, Namorado, que ele já andou dando pra mais alguém além de você...?!

Foi aí que Beto deu outro soco e o fez desmaiar por alguns segundos... Quando Professor Marlon se recompôs, levantando-se com um olho um pouco vermelho e um machucado no seio da face, ele iria falar mais alguma coisa, mas, então, a policia chegou.

— Francisco Nogueira Schimidt?

— Francisco? — eu perguntei em silêncio.

“Quem é Francisco Nogueira Schimidt?”, uma garota perguntou. “Será que o garoto do 1º C?”, outra inquiria saindo de uma sala. “Você se chama Francisco?”, um professor retorquira olhando para um dos alunos, que respondeu que não. “Eu só sei que eu não sou...!” disse uma garota de cabelo cacheado num coque.

— Você está preso por falsidade ideológica, desacato a um mandato policial, fugir a um depoimento, abuso e aliciamento de menor de idade, e por usar do cargo de professor para chantagear alunos. — falou um delegado parado no inicio do corredor onde estávamos.

Juntos também estavam dois homens com algemas, mais três fardados com armas em coldres. Custei a entender, porque, na delegacia haviam nos falado que iria só prendê-lo pelo que ele me fez. Então, com isso, Marlon, ou Francisco, ou seja qual for seu nome verdadeiro, ele arregalou os olhos de medo. E depois olhou pra mim, como se perguntasse “você fez...?”; “por que você fez isso??”; e “como foi que você fez isso?!”

— Sou o Delegado Peçanha, e vamos levá-lo preventivamente para a delegacia. Seus delitos, só por abuso e aliciamento, contam em 13 para cada pessoa que o senhor prejudicou... — Todo mundo ficou mudo, enquanto que eu começava a recuperar a consciência e perceber o que estava realmente acontecendo. De boca aberta, percebi que as coisas que ele fez foram muito maiores do que só eu, piores do que eu imaginava. — E o senhor injuriou muitas pessoas, desde São Paulo, até Niterói, e chegou aqui, onde finalmente podemos pegá-lo! Rodrigues, pode efetuar a prisão...!

E o policial mais próximo avançou rapidamente e segurou o professor com força enquanto o algemava por trás. E, com ajuda de outro policial, levaram o professor Marlon dali, arrastado. Esperneando, ele foi, durante todo o corredor da escola gritando. E me chamava de nomes horríveis, falando da minha mãe, da minha família, dizendo coisas piores do que queria fazer comigo e com o Beto, e assim confessando os crimes...

— Mas gente... — Silvia suspirou surpresa — Esse ser é pior do que eu imaginava...! — ela falou com as mãos na cabeça. — Pelo menos ele está preso agora...! — Eu não a ouvia direito, como se eu estivesse num túnel muito comprido, a entendia vagamente.

— Pronto, amor... — Beto me abraçou por trás. Eu ainda estava muito nervoso com tudo que tinha recém acontecido, mesmo assim, retribuí o abraço.

Virei-me, mas não antes de cruzar o olhar com o de Déreck. Ele se escondeu em outra sala, como se estivesse com medo de algo. Talvez do Beto, eu suspeitava. Mas não quis lhe dar atenção. [Porém, só depois eu vi que ele havia me enviado uma mensagem de texto...] Ficamos lá até a diretoria e a pedagoga me chamarem para esclarecer o ocorrido.

Quando me chamaram, a aula ainda não havia começado, por causa de toda a algazarra criada pelas pessoas na volta da sala. Alguns professores não nos deixaram sair; colegas de turma e de corredor, nos perguntavam a todo momento o que aconteceu. E nós resolvemos não falar nada. Só até me chamarem na direção...

E lá, contei tudo, tentando omitir, é claro, sobre as chantagens em relação a minha traição com o Déreck. A pedagoga, que não lembro o nome [talvez fosse Vera, Dira ou algo assim...] estava presente e disse que eu não precisaria ter medo de nada. Me contou que a culpa do ocorrido não era minha, e que se eu quisesse, me dariam todo o apoio que eu precisaria! Ela foi compreensiva e gentil comigo, apesar da voz dura e autoritária...!

Depois que terminei, chorei muito, porque não acreditava que aquilo finalmente terminaria. E por tantos outros motivos, que só consegui pensar nos principais: “essas pessoas não estão me julgando...!”; “eu ainda sinto tanta dor por quase ter fraquejado, mas principalmente por não ser capaz de esquecer o que ele me fez...!”; e “eu só quero ir pra casar e ficar com o Beto na cama, o resto do dia e nunca mais sair de lá...”

O último pensamento era tão forte que começou a latejar na minha cabeça. “Quero ir pra casa”, pensei. “Ai, que dor de cabeça...” A pedagoga também disse que talvez eu precisaria de acompanhamento especializado, com um profissional de psiquiatria. Não a questionei, só agradeci e disse que não queria...

— Não, é sério! Você deveria ir, — ela falou e pegou a primeira página de um bloco de anotações, uma caneta e escreveu alguma coisa lá — aqui, o número de um amigo da área especialista em tratamento de vítimas de traumas como o seu...! — ela me entregou o pedaço de papel, e, sem querer me encarar ainda, ela pediu para a diretora fosse chamar o Beto, para conversar com nós juntos. — Queria te pedir para que não conte nada para ninguém, para evitar julgamentos, mesmo você se formando esse ano, né... É melhor assim...

— Sim, eu sei... — respondi sem graça, olhando para o número — E... esse cara...? Quanto ele cobra por sessão...?

— Bem, hã, fala que foi eu quem recomendou, e ele vai te fazer um preço mais em conta, tá... — ela respondeu. Eu ainda estava chorando, quando lembrei das minhas lágrimas e resolvi secá-las. O assunto iria virar outro, quando Beto entrou. — Há, pronto! Quem faltava, queria conversar com is dois juntos...! — ela disse e se levantou para oferecer a cadeira para meu namorado. — Hum, então. Só queria ter certeza, se você apoiar seu namorado agora que ele mais precisa...?! Porque, eu imagino que o namoro de vocês esteja passando por um problema no momento...

— Como você sabe? — perguntamos juntos. — Porque, eu não contei... — falei olhando para o Roberto que estava sem jeito também — Juro, Beto, eu não contei...!

— Não contou mesmo... — a pedagoga admitiu. — E nem precisou, porque é completamente natural nesse tipo de “caso” um casal passar por um momento de crise quando um deles, ou os dois, sofrem assedio ou até... estupro, porque é uma coisa muito difícil para a vítima, né, conseguir voltar a rotina como casal!

— O que...? Como assim...? — perguntei.

— Isso tem a ver com o sexo...? — Beto perguntou apreensivo.

— Sim, mas não só com isso... — ela falou e se escorou na mesa da diretora [que estava fora ainda, numa reunião de última hora – eu suspeitava que deveria ser por causa da prisão do Professor Marlon]. — A vida de vocês, eu imagino, já deve ter mudado nem que seja um pouco... como, por exemplo, talvez você, Vitor, demonstre medo ou receio que o Beto te toque por trás... ou quando se aproxima dele ou de qualquer outra pessoa, talvez você se retraia, a ponto de até não se permitir se aproximar de outra pessoa novamente.

Eu não havia percebido naqueles últimos dias, mas, sim, eu ficava com medo de cada barulho que o Beto fazia quando chegava da rua, ou quando eu não estava vendo ele na nossa casa. E também eu quis me afastar de todo mundo com medo que outra pessoa fosse me tocar, e também fazer comigo o mesmo que o monstro fez antes...!

Eu havia notado tanto da minha mudança de personalidade, e nem visto, que eu quase não me reconhecia mais! Eu sequer aceitava tomar banho com o meu namorado, e não me sentia mais a vontade para me permitir que ele me tocasse quando quisesse, ou quando eu não estava olhando. Queria morrer depois disso, do que aconteceu, e eu não havia parado para pensar que isso talvez indicasse uma possível depressão!

Foi só então que percebi que mesmo sem fazer tanto comigo, talvez o professor Marlon tenha me destruído por dentro...

— Vitor, você deve ter a oportunidade de chorar o quanto quiser, porque você foi muito corajoso em fazer a denúncia, mas vai precisar ser mais ainda pra continuar! — ela me explicou, e foi aí que olhou para o meu namorado em expectativa. Roberto me abraçou por cima dos ombros, e isso foi um alento, mas pouco. Em comparação a tudo o que passei... — E isso quer dizer que ele vai precisar do seu apoio agora, Beto. E muito!

— Sim, eu sei... — ele respondeu. E eu fiquei feliz por ele estar ali, mas a cima de tudo, por ele ser a pessoa que é! — Vou fazer de tudo para protegê-lo! — ele disse me apertando contra seu peito.

Dira/Vera apenas sorriu sem mostrar dentes, e cruzou os braços. Como autoridade, ela só soltou o ar satisfeita e depois nos liberou.

Saímos de lá, não muito contentes, mas rápido o suficiente para não encarar e receber os olhares dos outros! Silvia só nos recepcionou na rua, no portão, a nossa espera. Chorando também, ela só nos abraçou e depois disse um “tchau” com o coração, claramente, pesado. Nós sabíamos o quanto doía nela, mas foi necessário deixá-la lá...! [Ela ainda teria de fazer a última prova de português da turma.]

***

Em casa, ninguém disse uma palavra! A minha mãe havia ligado, e eu achei melhor mentir ao invés de preocupá-la com isso. Não quis ela também chorando...

Tiramos todos os telefones das tomadas; desligamos nossos celulares depois disso. Não queria falar com ninguém mais, e Beto entendeu...!

Por quase dois dias, ficamos sem falar com ninguém. Foi quando eu decidi procurar o psiquiatra que a Vera/Dira me recomendou, falei no nome dela e falaram que não precisaríamos pagar nada. (Fiquei super feliz com isso, mas nada havia mudado dentro de mim ainda!) Me disseram também que eu poderia marcar hora para a semana seguinte. A mesma semana que a turma iria começar a se preparar para fazer a nossa formatura. [Não preciso dizer que, apesar de ter ido, eu me sentia apático sobre tudo aquilo... — não queria ficar; e não me sentia a vontade e parte daquele lugar também.]

Durante as seções de terapia, eu não me sentia tão diferente do que na escola! Mas depois de dois meses indo, já sentia alguma diferença... Beto já havia voltado ao serviço e me levava após o almoço, e eu voltava com a Silvia com o carro do pai dela, que deu a desculpa de que assim a gente poderia por o papo em dia. (Mesmo que na maioria das vezes, a gente nem falasse nada na verdade...!)

A formatura havia sido em final de dezembro, no dia 21, pouco antes de todo mundo entrar de férias, e eu não estava muito bem subir no palco para receber o canudo. Mas o Beto, minha mãe, Silvia, Carlos [o meu melhor amigo que eu não via há muito tempo – porque ele havia pedido transferência para outra escola, e com tudo o que aconteceu eu não tive como vê-lo tanto] e a pedagoga me convenceram a subir lá. Dizendo sempre que eu merecia tanto quanto qualquer outra pessoa! E depois foi a vez de Silvia, que estava linda num vestido cintilante cheio de lantejoulas e brilho, apesar que era simples.

E só com três meses de terapia, eu pude dizer que já estava melhor. Já não me sentia mais tão inseguro, desconfortável e fora do lugar “certo” pra mim! Já estava melhorando, mas ainda precisaria continuar por mais um ano, no mínimo, foi o que o terapeuta disse...

E nesse meio tempo, nunca houve uma oportunidade ou sequer vontade de eu fazer sexo com o Beto novamente. Tampouco Déreck me procurou novamente, e isso me foi de um alívio impressionante...

Entretanto, depois de um ano sem transar com o meu namorado, eu sentia medo que ele estivesse com vontade de terminar comigo! [Sim, eu sentia medo que ele fosse ainda mais fútil do que eu; assim como também me sentia sem graça em ter que esperar que ele se “resguardasse” para quando eu melhorasse...!]

Mas não, não foi o que ele fez, eu acho. E não forçou em nenhum momento, e pra falar a verdade, eu não sabia como ele fazia fora de casa...! Porque, ele se encontrava com outros garotos na rua, no trabalho e no curso dele(mas sempre casualmente, eu acho), e eu sei que mesmo sem querer, as pessoas olham uma para as outras com desejo... SENTEM admiração, vaidade e até luxuria, porque ninguém é de ferro ou robôs pra dizer que não acharia o vizinho do outro lado da rua, por exemplo, bonito; ou que a prima recém saída da faculdade não tem um perfume que chama tanta atenção que não vai olhar quando ela passar!

Só não queria pensar muito nisso, porque eu já havia traído ele com o Déreck antes disso tudo acontecer. E foi tudo por causa de desejo, e eu só empurrava com a barriga ter lhe contar o que aconteceu... Sem mais lembrar disso, simplesmente fingia que nada aconteceu e me focava em só tratar do acontecido em relação ao professor.

Até queOlha, gente desculpa a demora... é que a minha vida é muito complicada [e tão parada que prefiro mais escrever sobre a vida de outras pessoas!] que tanto, vou explicar resumidamente...! Ano passado finalmente me assumi como uma pessoa trans; comecei a namorar a distância com um cara tão "legal" que aceitou eu ser trans e não quis terminar comigo... [nisso, pensei que finalmente fosse perder a virgindade...!] e no inicio desse ano, ainda em janeiro, ele só disse que não aguentava mais a distância entre nós, e queria terminar...

Então, entrei em aplicativos com o Badoo, Grindr e Tinder, querendo só pra ficar, beijar na boca e aproveitar a solteirice, comecei a falar com outras pessoas, homens que dizem querer namoro sério e tals, mas são tão desesperados que não esperam eu sequer ter interesse neles e já falam em até casar [tipo, no primeiro "oii" já pulam logo pra "quer namorar namorar comigo?"], então, se eu digo que quero esperar (até pelo fato que demorei 5 anos pra me apaixonar pelo primeiro cara; e um mês pra começar a namorar com o meu primeiro namorado - não sou do tipo que se apaixona tão rápido assim, desculpa) por isso, sempre somem, seja com uma "desculpa" ou com outra. Por isso, que resolvi simplesmente largar a minha vida amarosa, deixar de lado, pelo menos, por enquanto, até os próximos 10 ou 20 anos, até eu entrar e terminar as faculdades que pretendo cursar.

Porque, continuar procurando coisa onde não tem (e nunca vai ter - pelo menos até eu tomar um banho de sal grosso, e conseguir um galhinho de arruda kk), não posso seguir... Não posso deixar isso também influenciar a minha vida acadêmica, escolar, financeira, e aqui também, mesmo que indiretamente...!

Ah, também escrevo fora daqui da CDC, no site Wattpad, histórias mais gerais [por enquanto, só publico histórias infanto-juvenis, mas com o mesmo conteúdo LGBTQ+, só que sem tanto "pornô", digamos...], com um pouco mais de "adolencentices", quase o mesmo romance, um pouco mais de discussão ativista. E pretendo também ainda começar a publicar romances mais "quentes", gays, trans e LGBTQs em geral um dia. Esse é o meu perfil lá no Wattpad: https://www.wattpad.com/user/TieserCenteno

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