Eu e os três, A.B.O. que eu não sabia - pt10-A

Um conto erótico de Hubrow
Categoria: Homossexual
Contém 3995 palavras
Data: 05/08/2018 19:30:53

Estava na sala da casa de meus pais, lendo um livro para cumprir mais um dos plantões de duas horas que eu mesmo havia estabelecido, quando o celular tocou. Eram dez horas da manhã, o horário exato que Rai havia marcado para me ligar. Dez horas, sem um minuto a mais, numa pontualidade britânica que, ao menos quando ambos tínhamos 16 anos e ele me namorou, não era uma característica sua.

– Tudo certo, Zeca. Você vai poder vir jantar, sim. Você vem?

Confirmei e não falamos muito mais. Ele avisou que teria de desligar logo, pois estava enrolado em compras, o que o burburinho ao fundo confirmava. Passou-me o endereço, deu algumas coordenadas de como chegar, e pronto. Não entendi bem aquele “você vai poder vir”, mas não dei importância. Na curta caminhada até a rodoviária, ele também havia falado de modo parecido, “vou ver se posso te convidar”, ou coisa que o valha.

Nossa conversa na rua nada teve de erótico, mas evidentemente o jantar era apenas um pretexto para o sexo que se seguiria depois – ainda porque já estava previsto que dormiríamos juntos, pois tarde da noite não havia ônibus para que eu retornasse. Avisei em casa; não deram muita bola mesmo e fui, animado. Não que eu guardasse qualquer tesão reprimido; a razão não era essa. Foi longa a minha recuperação após ter levado o fora, mas, depois, nunca mais pensei nele – inclusive porque deixamos de conviver e desde então não mais o vi. Estávamos em férias quando Rai desfez a ilusão adolescente de que vivíamos um grande e eterno amor. Na volta às aulas, ele não estava mais – aliás, nem na cidade estava.

Como era previsto, Rai foi cursar o último ano em outro colégio, justamente nesta cidade maior onde o reencontrei, onde o pai, viúvo, estava abrindo uma filial de seu restaurante. O plano era que, após completar o ensino médio, ele trabalharia algum tempo na unidade nova. Depois, assumiria a gerência sozinho e o pai voltaria a morar em nossa cidade para cuidar do antigo restaurante. Teria uma vida independente e, claro, arranjaria uma mulher e iria lhe dar netos. Eu mesmo não duvidava que ele cumpriria todo o plano traçado pelo pai, incluindo no pacote um casamento hétero e a produção de alguns filhos.

Claro que o tesão especificamente nele contava para aquela expectativa da confirmação do jantar. Rai era bonito quando adolescente, e estava mais ainda agora. Não só no rosto: ele, que tinha um corpo parecido com o meu se eu fosse cheinho, estava bem mais magro e os músculos resplandeciam sob a pele bronzeada – que, ao vê-lo na rua, até estranhei, visto que estávamos numa época de sol fraco e aquela cidade nem praia tinha. Nunca dei muita bola para caras sarados, como até hoje também não, mas um corpo trabalhado mal não faz.

O tesão pelo corpo daquele novo Rai podia até ser um ótimo motivo, mas havia outro: em seu apartamento, havia finalmente a possibilidade de uma foda completa, não só numa cama e sem a preocupação de ser pego em flagrante, mas, principalmente, uma foda que fosse carinhosa. Um sexo com beijos de um homem que desfrutasse de mim inteiro, e não apenas dos meus buracos. É até pecado reclamar tendo dois homens como Rodrigo e Otávio sempre a disposição para me dar pica, mas eu sentia muita falta dessas coisas, do olho no olho afetuoso, da mão que acaricia com suavidade e gosto, do abraço de quem quer ser um só naquele momento. Pode ser bobagem, mas eu sou assim.

Meu espanto começou logo ao vê-lo abrir a porta, me recebendo com um shortinho algo feminino, largo, bem curto. Vestia uma camiseta cavada, estampada com um desenho infantil, e que deixava quase metade de seu belo torso à mostra. Parecia radiante; me deu dois beijinhos que mal se aproximaram do meu rosto e me fez entrar, indicando o sofá que se podia avistar ali do hall. Aquele não era o Rai que tinha me namorado, nem mesmo o Rai que eu tinha encontrado na rua, na véspera.

– Olha, deixa logo eu te dizer, para não parecer indelicadeza da minha parte, tá? Mas eu não vou te oferecer, não... – fez uma expressão simulando tristeza, indicando com o olhar, sobre a mesa de centro, uma garrafa de uísque, ladeada por um copo e um balde de gelo. – Deixa o Rômulo chegar... Ele não ía gostar de ver alguém bebendo o uísque dele assim, sem ele aqui.

– Rômulo?

– Meu marido. Vai chegar um pouco mais tarde. Está no trabalho ainda.

E levantou-se, comentando enquanto sumia num corredor:

– Alguém tem que cuidar do leite das crianças, né, meu bem? – riu. – E a criança aqui adora leite...

O resto falou lá de dentro, num volume mais alto:

– Por cima, por baixo, de manhã, quando ele chega, de madrugada... O que não falta nessa casa é leite! Muito e grosso!

O apartamento era espaçoso, com uma decoração um pouco duvidosa, mas transbordando luxo. Não demorou a voltar. Sentou-se novamente, pondo uma travessa na mesa de centro, com petiscos, e me passou um dos dois copos de suco que também havia trazido. Depositou a bandeja de pé, encostada na lateral do sofá, dispensando a quase metade do tampo da mesa que se mantinha vazia.

– Nada de refrigerantes... Não é bom para nós. Para o sexo da gente que é passiva, sabe. Dá gases.

Achei o comentário embaraçoso; gratuito e de mau gosto.

– Mas, e você, me conta agora que a gente tem tempo, como está? Ainda morando na mesma casa lá?

– Não... Fui para a universidade mesmo; vim só para as férias. Mas... você está diferente.

Fez uma cara de travesso.

– Estava doida pra você falar isso!

Naquele pouco tempo, tudo já me incomodava. Se não fosse ficar tão mal na fita, iria embora sem esperar mais nada. Os trejeitos de Rai, sua roupa afetada, o tom promíscuo do que dizia, a decoração, e até os petiscos, o ar daquele apartamento, pareciam me deixar desconfortável.

– Eu ganhei a liberdade – disse, num tom mais intimista. – Graças ao Rômulo, eu me libertei.

– Como assim?

– Eu vivia num fingimento, Zeca. Até três anos atrás, eu fingia o tempo todo... Essa Rai que você vê agora é a Rai verdadeira; a que você conheceu era uma mentira.

– Você... Você fingia pra mim quando...? – balbuciei.

Tantos anos depois, ele iria me magoar novamente?

– Não, não pra você... Eu era sincera com você. Quer dizer, fora umas galinhagens, né, querida... Mas isso não vem mais ao caso, agora. Eu fingia era para mim mesma. Era honesta com você dentro do fingimento que fazia pra mim mesma.

Aguardei que prosseguisse.

– Estou adorando essa sua carinha espantada, Zeca. Aliás, você continua lindo, hein... Uns com tanto e outros com tão pouco...

– Você continua bonito. Mais bonito ainda – eu disse, sendo sincero, mas principalmente querendo retribuir a gentileza.

– “Bonito” não, Zeca! “Bonita”, faça-me o favor! Aqui dentro, pelo menos, posso ser eu mesma – baixou o tom da voz, como se me contasse um segredo. – O Rômulo não deixa, sabe. Ele gosta de mim bem machinha na rua; bem machinha mesmo. Você viu, né?

Manteve o tom sussurrante:

– Dá tesão a ele, sabe? Ser fêmea exclusivamente pra ele. Adora quando a gente sai e eu fico xavecando as rachas... Compra umas roupas bem de bofe, sabe, me manda pôr enchimento pra mala aparecer mais, diz pra eu de vez em quando dar uma mexida no pau, falar grosso com balconista... Fica olhando de longe, de pau duro debaixo da mesa. E aí, quando a gente chega aqui... Ai, meu deus, já entro pronta pra sofrer , de tanto que ele me arromba pra mostrar que o machinho dele é Fanta! – fez uma pausa e arregalou os olhos. – Adoro...

Olhou para a mesinha e pegou a travessa.

– Come alguma coisa, vai... Assim vou achar que você está chateado por causa do uísque.

Não queria pegar nada, mas peguei por educação. O que queria era me levantar e sair.

– “Chateada” é melhor, né, querida?

Fiz uma expressão de contrariedade, mesmo sem querer. Ele sorriu.

– Ah, Zeca... Te conheci na cama... Não se faz de tolinha comigo...

– Eu... Desculpa, Rai, mas eu não me sinto bem com você falando assim comigo.

– Tá.

Fez um olhar compreensivo, com afetação.

– Tá bom, se você prefere. “Chateado”, pronto. “Chateadinho” – e me deu um beijinho.

Eu estava abismado. Quando namoramos, Rai era um garoto viril, bem rapazinho mesmo, líder entre os amigos. Um dos melhores jogadores de futebol da escola, mesmo com uns quilinhos a mais. Foi por notar meu olhar para ele quando jogava que me elegeu para mamá-lo uma hora depois, com o ginásio já vazio. Começamos a namorar a partir daquele dia mesmo. Foi surpreendente, pois eu achava que ele gostava de meninas. Éramos garotos, ele menos experiente do que eu, e se julgava bissexual, mas sempre ativo. Eu me apaixonei imediatamente.

Aproveitávamos que seu pai ficava o dia todo no restaurante para namorarmos na sua casa. Gostava de me chamar de “menina” quando metia em mim, mas eu não ligava. Era ultra carinhoso. Comia menos do que as oportunidades permitiam, porque parecia preferir mais as mamadas do que as penetrações. Foi um dos poucos homens, antes de Rodrigo e Otávio, de quem tive esperma com alguma frequência. Depois, me beijava para sentir o gosto da gala em minha própria boca. Quando decidia me fuder, era maravilhoso. Ou, pelo menos, na época eu achava.

Ninguém sabia de nós dois, nem tampouco que eu fosse gay e, muito menos, ele. Não escondia o orgulho de ser o ativo da relação. Fazia questão de frisar esse ponto, fosse com ironias meio desdenhosas ou em brincadeiras aparentemente inocentes entre nós. Chamava meu canal de buceta, porque garantia que parecia com uma, embora eu tivesse dúvidas se ele já tinha efetivamente provado alguma.

Fui tomado por um clima Romeu e Julieta, vivendo um amor proibido não só por causa da homossexualidade mas por uma fantasia de que o inimigo de nossa felicidade eterna seria o pai dele: ia tirá-lo da cidade dali a alguns meses e acabaria forçando-o a casar. Mas nosso amor era mais forte do que tudo, e eu tinha certeza de que ele jamais desistiria de mim. Montaria um ninho de amor na cidade vizinha, onde eu viveria como seu amante eterno, sendo chamado de tio por seus filhos, talvez até padrinho de algum deles, e dando-lhe em segredo o prazer que nem sua mulher nem qualquer outra seriam capazes. Tinha 16 anos; era um gayzinho enrustido completamente apaixonado pelo machinho da escola, que me prometia mundos e fundos.

E, agora, quase sete anos depois, eu estava mesmo em seu ninho de amor – só que seu amor não era eu, e o macho não era ele. Conhecera o tal marido numa sauna – a mesma onde eu havia estado na véspera –, e desde aquele dia Rômulo o tomou como sua “fêmea especial”, como ele mesmo definiu. Rai, sem eu saber, já ía de vez em quando ao banheiro do Pontal enquanto me namorava, compensando com mamadas em turistas o tesão que ele não podia viver comigo nem com as garotas. Eu só conheci aquele banheiro depois que ele já tinha me abandonado.

Apesar disso, continuou se considerando exclusivamente ativo, e bissexual. Com a mudança junto com o pai, descobriu a sauna, onde permitiram que entrasse porque parecia mais velho do que seus 17 anos. Acabou tornando-se frequentador assíduo, tanto porque a conquista da maioridade afastou o perigo de ser expulso como porque, sendo relativamente novo numa cidade maior do que a nossa, não havia tantos conhecidos que pudesse encontrar. Numa destas vezes, finalmente não resistiu à investida de um versátil que, após dar para ele, o desvirginou.

– Engraçado, Zeca... Ali, no fundo, eu já era eu, mesmo sem ter conhecido o Rômulo ainda. Porque eu não me arrependi nadinha... O Rômulo mesmo diz que passivas como nós já nascemos assim, que o problema é que educam a gente como se fosse macho e a gente acaba se deixando enganar. Porque eu não me arrependi nadinha mesmo; nada, nada... Saí bem feliz, com o cuzinho meio dolorido, mas feliz. Claro, ele não tinha me feito a buceta; eu não estava acostumada.

– Buceta? Te fez uma buceta?

Não respondeu. Continuou contando sua história, sem me dar muita atenção. Percebi que não estava apenas conversando: era quase um sexo verbal. Estava excitado por falar aquilo tudo para mim, desmascarar-se diante do passivo que o tinha acreditado macho. Antes de Rômulo, eu tinha sido sua única relação fixa e, ele logo confessou, nunca tinha feito sexo com garota alguma, assim como eu. Talvez estivesse me usando para completar seu rito de passagem: o desenlace do processo de transformação que Rômulo havia ativado e gerenciado para ele.

Repetiu ainda umas duas vezes de como não havia se sentido culpado ao descobrir o prazer em ser passivo, de como aceitara rapidamente aquela nova realidade, passando a se definir como versátil. Inicialmente, como bi versátil. Uma mentira que nem a ele mesmo convenceu mais do que alguns meses, já que era óbvio seu desinteresse por mulheres, em contrapartida a tantas idas à sauna. Então, se definiu como gay, mas ainda versátil. E foi como um versátil aparentemente ativo que conheceu Rômulo, que o apassivaria de vez.

– É comum lá, você deve ter visto, né... Principalmente no quarto escuro, mas até nos cantos acaba rolando... A três, a quatro... Surubinhas mesmo – riu, teatralmente travesso. – Então, quando cheguei perto, o viado mamava o Rômulo. Passei a mão na bundinha da puta; dei uma dedadinha. Gostava de fazer a linha ativa; me sentia orgulhosa. Daí, o Rômulo veio em minha direção, meio de cara fechada, mostrando que aquela bunda era dele por direito. Homem de verdade, né, querida? Trocamos, então, e eu peguei o lugar pondo na boca da viada, mas sem tirar muito os olhos do Rômulo, assim, como quem não quer nada. Ele roçava o cacete no rego dela, pra dar um aquecimento. Era um tesão de ver.

Reacomodou-se no sofá, pondo as pernas paralelas sobre o estofo. Fez uma careta rápida. Achei que a rapidez do movimento, fechando as pernas de vez, o tinha incomodado por estar em ereção. Mas não sei; não tinha mais qualquer interesse em seu pau, duro ou mole, então nem pensei em olhar.

– Foi quando eu ouvi a voz dele pela primeira vez. Voz grossa; uma delícia, você vai ver só. Na hora eu fiquei toda arrepiadinha, você nem sabe... Voz de macho, me pedindo camisinha. Mas como quem manda, não como quem pede. Eu nem me ofendi com aquele jeito dele, mesmo fazendo a ativa; fiquei foi fascinada. E aí, Zeca, quando ele começou a enrabar a outra passiva... Ai, Zeca, eu nem queria saber mais dela chupando meu grelo, só de olho no macho. Mas ela nem deve ter percebido, porque continuei com ele duríssimo! Aliás, esse é o meu problema. O Rômulo odeia, e eu já sofri muito por causa disso! Mas está quase resolvendo; questão de mais um tempo só. Então, continuando, aquele garanhão na minha frente, um coroa muito bofe mesmo, arrebentando com a passiva que quase gritava... ele sem me olhar nem nada, só curtindo o cu dela... Eu fiquei doida! Doida, Zeca! Não sabe o que eu fiz...

– O que?

– Olha, nem sei onde eu estava com a cabeça... Não sou tão puta assim... Mas eu fiquei tão deslumbrada com o Rômulo que, quando ele tirou da passiva e jogou a camisinha fora, larguei da boca do viado e me ajoelhei diante dele... E comecei a limpar aquela caceta toda, Zeca! Assim, fazendo a louca tarada! Abocanhei e caprichei para agradar aquele homem! Ainda estava inchado, sabe, pau de homem mesmo; ele tinha acabado de tirar; tinha muita porra ali...

Seus olhos faiscavam de excitação.

– Ele me deixou mamar um pouco, lamber o saco, ali ajoelhada diante dele... Estava me sentindo realizada! Mas logo segurou firme no meu braço e me levantou. Disse “vem comigo” com uma voz que até me deu medo, e deixou o viadinho lá de lado. Ainda vi a putinha tocando siririca desesperada enquanto eu saía com o macho que ela achava que era dela... Que horror; sou terrível, né...?

O desfecho da história me deixou confuso comigo mesmo. Eu não estava gostando daquele Rai, não estava gostando nada de como ele contava e via as coisas; não estava gostando de nada ali. Mas senti um arrepio ao imaginá-lo de joelhos, depois de agir feito ativo, desmoralizando-se diante de um macho mais decidido. Ele tinha me excitado.

– Não foi nem dois meses, Zeca. Mas ele já estava para se separar da mulher mesmo, sabe. Não queria por causa dos filhos, mas já não agüentava mais a mocreia. Uma bruxa; devia comer ela tampando a cara com o travesseiro.

– Você conheceu ela?

– Imagina! Nem por foto! Aquela racha bandida... Fez de tudo para segurar ele, mas a bucetinha aqui... Ó, não tem igual – e inclinou-se para dar uma palmadinha na própria bunda.

Rômulo separou-se definitivamente e se mudou para o apartamento onde, na época, Rai morava e o pai achava que ele usava como local de abate das gostosas da cidade. “Se mudou” não: Rômulo chegou tomando conta. Tornou-se o homem da casa e pôs Rai do seu jeito: tirou-o do restaurante, meteu-lhe numa academia e passou a controlar sua vida. Era sua “fêmea especial”.

– Ele fala assim porque diz que meu grelinho é maior do que das outras. Então sou especial; vê se pode! Mas graças a ele hoje tenho buceta, Zeca. Ele fez uma buceta pra mim; fez de tudo pra mim; faz de tudo – baixou novamente o tom, que pareceu levemente comovido. – Ele é tudo pra mim.

Ficou em silêncio. Não sabia o que dizer diante daquela repentina reação emotiva dele, mas também porque estava perturbado por mim mesmo. Nada daquilo tinha a ver comigo; eu não me via como Rai. Mas tinha alguma coisa que me tocava. Enquanto falava, senti algumas vezes algo como uma vontade de estar no lugar dele; não sei. Não no lugar dele, de ser como ele tinha ficado, mas imaginei como deveria ser bom ter alguém que me quisesse com aquela força toda de Rômulo.

– Ele mudou a minha vida. Não só no sexo, não. Mudou tudo mesmo. Meus hábitos, meu gosto pra me vestir, minha alimentação... Eu hoje sou outra, Zeca; muito melhor. Lembra como eu era sempre atrasada pra tudo? Isso acabou. Ele me fez ter disciplina; ser organizada; ter sempre tudo arrumadinho, a casa sempre pronta pra ele. E o cuzinho também, lógico – riu. – Não tem jeito; se eu não andar certinha, apanho...

– Ele te bate???

– Ah, uns tapinhas só, de vez em quando. Coisa de marido mesmo; de casal... Pra me pôr na linha. Teve de ser duro comigo, sabe. Mas hoje não faz mais assim; não precisa.

Rômulo havia montado aquele apartamento fazia três anos, e vivia com Rai uma vida de casados. Claro, ele sendo o marido – como o próprio Rai o tinha chamado – e meu ex-ativo como sua fêmea na intimidade. Para o mundo, era um empregado, um secretário hétero.

– Não sei; no fundo ninguém acredita muito não, Zeca... Mas Rômulo não esquenta. Eu tenho um quarto separado aqui.

Passou a quase sussurrar, novamente naquela pantomima ridícula de quem contava algo que ninguém mais deveria escutar:

– Papai não sabe disso; quando vem, acha que é só um quarto de hóspedes. A gente não dorme toda noite juntos, não. Depois que ele faz amor, às vezes me deixa ficar, às vezes manda eu ir pro meu quarto.

Empinou o tronco e alteou novamente a voz:

– Mas não faz a menor questão de me esconder de ninguém. Nem dos filhos. Sou tipo um secretário dele; me leva pra todo canto e me apresenta assim. Eu fico machinho; talvez convença. Mas, querida, meia palavra basta, né... Um coroa todo macho como ele com um rapaz do lado do jeito que eu fico... Todo saradinho, arrumadinho, todo cuidadinho... Um bofinho. Mas quem eles acham que é o bofe da história se eu faço tudo o que ele manda na frente de qualquer um...? E o Rômulo faz de propósito mesmo, até uns caprichos, só pra verem que sou obediente. Só falta me levar na coleira pra exibir o cachorrinho sarado dele. Cachorrinho... todo mundo vê que é uma cadelinha, querida... Que secretário é esse que vive a tiracolo, até em noite de sábado? Alguém vai acreditar? E ele tem idade pra ser meu pai, né...

– Mas teu pai... Ele vem aqui? Ele está sabendo?

– Sabendo? Ele adora o Rômulo.

– Jura? Não ficou puto nem por você sair do restaurante?

– Nada... Ele já estava querendo fechar mesmo o de lá e vir pra cá. O faturamento aqui é bem maior. Não tem baixa temporada; é contínuo, estável o ano todo. Lá faturava mais no verão, só. E papai precisava sair mais, ver gente, sabe. O negócio dele é trabalhar; vai trabalhar até morrer mesmo. Mas tem que ter diversão também, né, meu anjo...

– Mas... Não estou entendendo... O lance dos netos... Ele sabe? Aceita que você e o coroa...

– Claro, né, Zeca! Como não ía saber? Lógico que na frente dele eu fico machinho. Sei que disso ele não abriria mão. Mas sabe muito bem que é só teatro. Ficou chocado quando percebeu o que acontecia, veio falar comigo todo duro, mas acabou engolindo. Só tem a mim mesmo, fazer o que? Melhor ganhar uma filhinha do que perder totalmente o filho, né? Viu que o Rômulo já tinha me tomado dele fazia tempo. E ele e Rômulo se dão hiperbem; até saem, os dois, sem mim. Ficaram amigos. Sério! Vão beber juntos! Se duvidar, até falam de mulher, coçando o saco. E é claro que não precisou conviver muito pra ver que Rômulo é tão macho quanto ele; que aquele ali não dá a bunda nem sob tortura. Respeita ele. Não vê como viado, que ele não é mesmo, mas como um igual, um amigo homem que nem ele – sorriu. – Adorou o novo amigo que enraba o filhinho dele!

Eu estava abobado com toda a história. Aquilo tudo não fazia o menor sentido para mim, mesmo que algo indecifrável me despertasse.

– Mas eu tenho medo, Zeca – disse, olhando para baixo.

– Do que?

– Do futuro. Do futuro da gente. Ele é muito mais velho do que eu.

Fez uma pausa, olhando para baixo.

– Sei que vou cuidar dele; vou fazer tudo que precisar, quando ele ficar velhinho. Vou ser sua companheira até o fim; não é isso. E quando o sexo acabar, se ele ficar broxa, se não tiver mais forças, eu me viro. Mas...

– Que foi, Rai?

Ele estava realmente emocionado. Aquilo me sensibilizou.

– Quando ele morrer, Zeca... Quando ele não estiver mais aqui...

Voltou os olhos para mim.

– O que vai ser de mim depois, Zeca?

– Cara...

Eu me calei; aquele não era mais um termo para se usar com Rai, e fiquei sem graça depois de pronunciá-lo.

– Eu não vou saber viver sem ele. Eu não sou nada sem ele, Zeca.

– Se chegar a hora, você vai saber como se levantar. Tenho certeza – disse, lançando mão do lugar-comum para ocupar minha total distância daquele universo estranho no qual tinha me metido sem saber. – E você nem sabe se... Não é porque ele é mais velho que necessariamente vai morrer antes de você, né?

Ouvimos a fechadura virar e, logo depois, a porta se abrir. Era Rômulo. Rai saiu saltitando para o hall e o recebeu com um beijinho na bochecha, sem muita atenção em troca. O macho deixou Rai de lado e encaminhou-se em minha direção, sem me tirar os olhos. Não soube se devia sorrir para ser gentil ou me resguardar, temendo pelo que viria a seguir.

...

[continua]

[PS: Abaixo, pus um comentário explicando a divisão desta parte em três segmentos. Publico o próximo segmento ainda hoje, por volta das 20:30]

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Comentários

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Porra..... Esse Raí nao tem nada a ver! Já teria me mandado de lá a muito tempo!

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UAUUUU. ISSO É DE CORTAR O CORAÇÃO. LAMENTÁVEL ZECA. MAS SE É FELIZ...

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Amigos(as), esta parte acabou ficando enorme, e por isso eu a estou publicando dividida em três segmentos. Fiz alguns cortes, reescrevi alguns parágrafos, mas, mesmo assim, continua grande. Se editasse mais, acho que perderia a graça e a importância que ela tem para os próximos passos do Zeca (que não são os que provavelmente muitos de vcs estão pensando, se tiverem acabado de ler esse segmento...). De qualquer forma, parece mais longa do que na verdade é, porque, daqui pra frente, ela é quase toda tomada por diálogos entre Rômulo, Rai e o agora assustadíssimo Zeca. E diálogos ocupam muito espaço, por causa das constantes puladas de linha. Para os mais sensíveis, já vou avisando que os dois segmentos seguintes são repletos de fetiches, alguns considerados meio escabrosos, hehehe. Bom, para quem tiver tido paciência de ler, tem curiosidade de saber no que deu esse encontro do Zeca com o casal e coragem para enfrentar prazeres não tão comuns para a maioria, vou publicar o segundo segmento esta noite ainda, por volta das 20:30. Na publicação do terceiro deles, que também pretendo fazer hoje, meto meu bedelho nos comentários que os leitores fizeram nas duas partes anteriores (tanto a 8 e quanto a 9). Obrigado pela atenção!

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