Escrito em Azul - Capítulo 33 (final)

Um conto erótico de Gatinha 007
Categoria: Homossexual
Contém 5076 palavras
Data: 11/04/2018 00:05:36

Capítulo 33 – Final

(O coração tem suas próprias razões)

O amor, segundo o dicionário em uma de suas definições é, uma “forte afeição por outra pessoa...” Pois, bem, o psicólogo Erich Fromm, diz: "se quisermos aprender como se ama, devemos proceder do mesmo modo por que agiríamos se quiséssemos aprender qualquer outra arte, seja a música, a pintura, a carpintaria, ou a arte da medicina ou da engenharia". Sendo assim, então podemos dizer que o amor é uma construção evolutiva, acima de tudo. Ou ainda, que amor não é algo que meramente podemos propor a outra pessoa, pois o futuro não nos “pertence” e, seria arriscado prevê-lo. O amor também não é um objeto que se põe de lado, enquanto se faz outra coisa, esperando que ao voltar basta tirar a poeira, e pronto. Não. O amor raramente será o mesmo sempre. Até porque, na verdade, o amor se altera, a cada dia, uma nova experiência, um novo resultado. Exigindo uma busca quase devotada por transformação. O amor nos transforma e nos faz pertencentes à realidade. Realidade esta, que também está em constante transformação. Assim, é sabido que existem amores de toda natureza. “Ágape”, “Philia”, “Eros”, já dizia a filosofia. Alguns escolhem vive-los todos, outros sequer escolhem, e às vezes ele (o amor) apenas os acha. E para todos que o buscam, que o encontram, ou simplesmente nele “esbarram-se”, ele se torna um processo. Contínuo, mutável, dependente. Por isso é necessário aprender o amor e com o amor, e acima de tudo, colocá-lo em prática de forma fidedigna e vibrante.

(Seis meses depois...)

— Vamos?!

Carolina virou-se, sobressaltada por ouvir a voz de Alicia tão repentinamente. Fazia meses que andava reclusa, afastada dos outros, até mesmo de Miguel que sempre fora seu melhor amigo. Saía para a Agência todos os dias, e mesmo sendo um sofrimento a mais estar ali naquela sala, onde compartilhou com Anna-Lú de momentos tão intensos, não fora capaz de mudar-se quando Miguel deu a sugestão. Ele a conhecia tão bem que soube, sem sequer precisar de palavras ditas, o quanto era difícil para ela. Carolina afundou-se no trabalho, pois fora a única maneira que encontrou para que sua mente não entrasse em colapso. Depois do expediente voltava para casa e enfiava-se no quarto.

Naquele dia em particular, nem sabia a razão pelo qual conseguira arrumar-se, sua vontade de sair era pouco ou nada existente. Encontrava-se outra vez com aquela caixa em cima da cama, o conteúdo totalmente espalhado, segurava algumas fotografias entre as mãos olhando-as de forma triste e pesarosa. Alicia que já não aguentava mais ver a mãe naquele estado, mirou-a fixamente com olhos inquiridores e bufou antes de perguntar.

— Novamente essa caixa, mãe? Até quando você vai ficar olhando essas fotos e papeis? Quantas vezes vou ter que repetir que olhar essas coisas não vai trazer ela de volta?! Já se passaram seis meses... — suspirou sentando-se de frente para Carolina — ... Você precisa reagir!

— Eu sei meu amor, prometo que é a última vez que irá me ver assim — respondeu enquanto tentava, em vão, conter as lagrimas que já rolavam por seu rosto.

Alicia segurou o rosto de Carolina entre mãos enxugando outras tantas lagrimas que ainda escorriam, sentiu o coração apertar-se no peito por não ser capaz de tirar aquele sofrimento, que nesse momento parecia enraizado nos olhos de sua mãe. Mudara-se de vez para o apartamento de Carolina logo após o infortúnio com Anna-Lú, principalmente para dar apoio à mãe. Foram dias de intensa angústia e Carolina ainda não estava totalmente recuperada, não fora a primeira e nem a segunda vez que flagrara a mãe revirando aquela “maldita caixa de recordações”, foi como passou a chama-la, depois de perder a conta de quantas vezes pegara Carolina aos soluços diante de todas aquelas memórias que Anna-Lú havia começado a reunir e deixado na casa de sua mãe.

— Não preciso que me prometas nada, Carolina. Apenas acho que esse não é um comportamento saudável. Mas, deixa isso pra lá, vamos levantar dessa cama, refazer essa maquiagem e sair. A Flávia já está pronta e Miguel acabou de chegar. E prometemos a Mari que você não faltaria ao casamento dela — respondeu já levantando e conduzindo Carolina até o banheiro.

Depois de recomposta Carolina finalmente deixou o quarto acompanhada de Alicia, indo encontrar com Flávia e Miguel que já as aguardavam na sala. Ao avistá-las Miguel logo se pôs de pé e foi de encontro à amiga que o recebeu em um abraço cheio de carinho, como não fazia há algum tempo. Saíram todos juntos e conversavam amenidades, mas Carolina permaneceu calada todo o percurso. Ao descerem do carro a tensão de Carolina era visível. Então, subiram as escadas que davam acesso ao salão menor onde seria realizada a cerimônia. O salão estava repleto, ambos vaguearam pelo corredor lateral em busca de seus lugares, logo nas primeiras fileiras próximo ao altar com Carolina sentada na ponta, ao lado do corredor central por onde passaria o cortejo nupcial. Depois de se acomodarem em seus assentos Miguel virou-se para Carolina.

— Você está bem? — Perguntou com cautela. Carolina deixou escapar um suspiro de tristeza antes de responder.

— Estou sim, não se preocupe — disse ela sem muita convicção. A vaga ansiedade que Carolina deixou transparecer não escapou do ouvido atento de Miguel, que apenas balançou a cabeça de forma negativa.

Alguns longos minutos depois o som de um fundo musical anunciava que a cerimônia já estava iniciando. Todos os presentes ficaram em pé e ao som da música uma á uma, as pessoas que ocupariam o altar foram entrando. Logo o semblante de Carolina se tornou melancólico adquirindo um ar de pesar e aflição. Miguel, já sabendo o motivo da mudança repentina tão-somente segurou uma de suas mãos, a fim de passar-lhe forças sem nada dizer, apenas respeitando o momento de Carolina. Foi com lentidão que finalmente os olhares se encontraram, um instante em que Carolina sentiu como se seu coração houvesse parado, para logo em seguida voltar a retumbar com toda a força dentro do peito. A intensidade com que foi correspondida fez Carolina sentir-se inebriada e ao mesmo tempo fora incapaz de sustentar o olhar por mais tempo, sentiu-se invadida por seu pior pesadelo. A última vez que vira aqueles olhos desde o dia em que quase a perdera para sempre. As imagens ainda vívidas em sua mente.

(Seis meses atrás...)

Carolina balançou a cabeça tentando focar a visão novamente. Foi o bastante para ver o exato momento em que a arma fora erguida e apontada na direção da mulher que acompanhava Anna-Lú, então o homem atirou. Soltaram ao mesmo tempo um grito de pavor. E logo uma fenda rubra deflagrou as costas de Anna-Lú, quando esta se arremessou empurrando a mulher. De repente dois policiais irromperam de entre as árvores, empunhando armas.

— Parado! — Gritaram. O homem, perplexo, fez um movimento para correr e no mesmo instante foi alvejado em sua perna direita. Parou apertando o local onde fora ferido e lentamente virou-se, e erguendo as mãos deixou que o revólver caísse ao chão.

Carolina levou um segundo infinito para recuperar-se da visão do corpo de Anna-Lú ao pender para direita, em uma espécie de câmera lenta, e cair sobre chão mesclado de terra e grama. Correu, cambaleando, e postou-se ao seu lado já em profundo desespero, tentando controlar a sensação de vertigem que arriscava apoderar-se de seu corpo. Segurou-a nos braços e viu a mancha vermelha que agora pintava a camiseta branca que Anna-Lú usava. Olhou-a e encontrou os olhos castanhos francos, denunciando a grande dor física que devia estar sentindo. O peito subia e descia rapidamente em uma grande tentativa de continuar respirando. Chorar copiosamente fora tudo que Carolina conseguiu fazer. Um pavor infindo apossou-se de todo o seu ser. Não queria perdê-la. Não podia perdê-la. “Não é justo, não é justo...” Era tudo o que conseguia pensar. Alguns minutos depois sentiu uma mão em seu ombro. Era um dos socorristas pedindo para que ela se afastasse. Anna-Lú foi levada as pressas para o Hospital Regional que havia na cidade.

Sentada na pequena e sombria sala de espera, Carolina permanecia inconsolável, o peito ainda ardia em desespero, enquanto Anna-Lú havia sido levada para o centro cirúrgico, não havia conseguido conter as lágrimas, enxugava-as por uns pouquíssimos segundos e novamente caía em um choro convulsivo. O medo, naquele momento era seu principal sentimento. Havia se passado quase meia hora de cirurgia quando os pais de Anna-Lú surgiram angustiados, a mãe, Dona Cecilia, veio ao encontro de Carolina e num sentimento mútuo abraçaram-se entre soluços. Seis horas depois a pequena sala já estava repleta, e nada de informações. Miguel, Caio e Marina haviam acabado de chegar e se encontravam igualmente tristes. Carolina correu para refugiar-se nos braços do amigo chorou novamente enquanto era consolada. Marina e Caio estavam desolados, o rosto de Marina totalmente inchado, denunciando que viera chorando o caminho todo. Fernanda, agora Carolina já sabia seu nome, acompanhada por outra mulher também se encontrava ali, naquela espera angustiante. Sem conseguir conter a aflição dentro do peito Carolina levantou e foi ao balcão de internação a fim de obter alguma notícia. Ao se aproximar, a enfermeira que estava atrás do balcão mirou-a e levantou uma das sobrancelhas de forma interrogativa.

— Posso ajudá-la? — Perguntou desviando sua atenção da tela do computador a sua frente.

— Eu espero que sim — respondeu Carol, a moça por sua vez apenas meneou a cabeça de forma positiva incentivando-a a continuar. — Eu gostaria de saber se você tem mais informações sobre a paciente Anna Luiza Valdez Garcia. Ela foi trazida pra cá com um ferimento à bala e direcionada ao centro cirúrgico a cerca de seis ou sete horas mais ou menos.

— O médico já veio falar com a senhora?

— Não, mas todos nós, familiares e amigos, estamos muito preocupados, a cirurgia já começou há horas e nada de notícias — explicou Carolina com voz suplicante. O tormento que transpareceu na voz de Carol pareceu compadecer a enfermeira, que respondeu de forma solícita.

— Olha só, vou terminar aqui — apontou para o computador — aí verei o que posso descobrir pra senhora, pode ser?

Carolina assentiu realmente agradecida e retornou à sala de espera sentando-se ao lado de Miguel, cerca de meia hora depois Carolina pôde ver a enfermeira com quem havia falado aparecer e vir em sua direção.

— A operação está quase acabando — anunciou ela. — O projétil está sendo retirado de uma área perigosa, porém não temos um quadro concreto. Infelizmente vocês terão que esperar o fim da cirurgia. Não se preocupem o médico responsável virá assim que a operação acabar — concluiu e Carol agradeceu antes dela afastar-se.

Mais de oito horas depois finalmente o médico surgiu anunciando que a cirurgia havia acabado, explicou que a bala entrara nas costas de Anna-Lú, do lado esquerdo, quebrando duas costelas, machucando o pulmão esquerdo, passando pelo coração, e ficando alojada no pulmão direito, entretanto, a equipe médica conseguira fazer a retirada do projétil com sucesso, para alívio de todos. Avisou ainda, que Anna-Lú encontrava-se estável e internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas o estado de saúde ainda inspiraria cuidados durante o pós-operatório. Lágrimas escorriam pelo rosto de Carol enquanto o médico relatava as circunstâncias da cirurgia, a angústia dera lugar ao sentimento de alívio e felicidade por saber que a mulher de sua vida estava viva.

— Mas, ela vai ficar bem? — fungando Carolina apressou-se em perguntar. O médico virou-se para respondê-la com cautela.

— Ela não está consciente, mas os sinais vitais estão bons, o que é um ótimo sinal. Mas, devido à gravidade do ferimento ainda iremos mantê-la em coma induzido pelos próximos dias. Conforme sua recuperação, iremos transferi-la para um quarto e só então, ela poderá receber visitas. Por enquanto, aconselho que todos voltem para casa e descansem, pois o pior já passou.

Os pais de Anna-Lú ainda conversaram por mais um instante com o médico enquanto o restante do grupo abraçava-se agradecendo aos céus. Carolina sentia-se imensamente feliz, abraçada a Miguel sentia seu peito inflar-se de alívio, contentamento e um bem-estar tão grande que não fora capaz de conter suas lagrimas, agora de alegria. Após o pequeno alvoroço Miguel e Dona Cecilia tentaram inutilmente convencer Carolina a voltar para fazenda e descansar, mas ela fora totalmente irredutível, apenas pediu a Miguel que trouxesse para ela algumas mudas de roupa e foi categórica em anunciar que não arredaria o pé daquele hospital enquanto Anna-Lú estivesse ali. Miguel bufou expressando sua total discordância das intenções de Carolina, mas como esta era mais teimosa que uma mula quando punha uma ideia na cabeça, apenas deu-se por vencido fazendo tudo que lhe fora pedido.

Passou-se uma semana quando Miguel e Caio resolveram retornar as suas vidas na cidade grande, a Agencia estava por conta e muitas coisas haviam ficado pendentes. Marina continuava na fazenda e vinha ao hospital todos os dias para ver Anna-Lú, e conversar com Carolina, e também lhe trazer mudas de roupas. Isso acabou as aproximando uma da outra e Marina não pôde deixar de notar como Carolina amava sua melhor amiga, em seu íntimo torcia para que Anna-Lú acordasse logo e pudesse viver esse amor de forma plena, como ela merecia. Passaram-se mais alguns dias naquela mesma rotina, completava-se então, vinte dias que Anna-Lú se encontrava inconsciente. Naquela tarde, como de costume, Carolina observava sua amada através da vidraça, embora soubesse que era inútil ficar ali, não conseguia arredar o pé. Por vezes pegava-se pedindo aos céus que ela se recuperasse para tão logo os médicos a acordassem e ela pudesse então, tocá-la, abraça-la, senti-la. Torturava-se com tudo o que havia ficado em suspenso entre elas, a conversa não tida, os mal-entendidos e todo o sofrimento e medo que sentira com o ataque do “ex-marido da primeira namorada de Anna-Lú, que doidêra” chegou a pensar. Finalmente Carol ficara sabendo de toda a história quando acompanhou Fernanda até a Delegacia para também prestar depoimento.

Sentia-se fatigada sim, afinal não era nada confortável dormir no pequeno e apertado sofá daquela minúscula sala de espera, e usar o banheiro às pressas então, era surreal, mas não esmoreceria em sua decisão de estar ao lado da mulher que amava. Encostada ao vidro da UTI ainda devaneava sobre a decisão que tomara quando uma voz conhecida atrás de si despertou-a de suas abstrações.

— Posso ficar aqui também? — perguntou, docemente, o pai de Anna-Lú juntando-se a Carol de frente para a parede de vidro. Carolina apenas anuiu retornando a sua posição.

Uma Anna-Lú cheia de fios e tubos ligados ao seu corpo era a visão que ambos tinham naquele momento, um silêncio um tanto quanto constrangedor se formou entre eles, Carolina que até então, não tivera a oportunidade de conversar a sós com o Sr. Eduardo, tinha consciência de todas as suas outras responsabilidades e algo dentro de si suspeitava que ele não estivesse ali apenas para observar a filha ou fazer-lhe companhia. Sua suspeita logo se confirmou quando ele começou a falar.

— Eu sempre fui um homem muito duro, mas sempre fui dedicado a minha família. A Anna Luiza sempre dera muita dor de cabeça, perdi as contas de quantas vezes tive conversas desagradáveis para defender minha filha de maledicências que lhe eram impostas. Ela sempre defendia suas ideias, jamais ficava de braços cruzados diante de injustiças e nesses casos sentia-me deveras orgulhoso — fez uma pausa. Aí o tempo passou e com ele uma nova faceta de Anna Luiza veio à luz. Devo dizer que ainda hoje, algumas coisas para mim são difíceis de compreender, mas eu procuro aceitar e enxergar da melhor forma possível — suspirou. — Quando a Anna Luiza nos falou de sua orientação eu fiquei muito chocado e a princípio achei um completo absurdo. Tivemos alguns embates e meu coração acabou por falar mais alto. Com o tempo comecei a aceitar. O grande problema de minha relação com ela estava no fato de querer muda-la a meu bel-prazer. Eu projetara para ela ser a sucessora de um trabalho que me custara muito esforço e dedicação, além de muitos momentos longe dela durante a infância. Eu desejava que ela fosse como eu e tivesse a mesma gana de conduzir os negócios da família. Tudo se complicou depois da revelação que ela fizera e mais ainda quando ela passou a circular com várias garotas, uma a cada semana. Isto me deixava tão envergonhado, eu era procurado por mães cujas filhas tiveram seus corações partidos pela minha, além de passar a ser motivo de piada e isso me incomodou por um longo tempo. Fato que nos causou muitos desentendimentos. Por conta disso, ela nunca me falara que pretendia seguir carreira na publicidade, ao contrário, ela fazia questão de demonstrar total falta de interesse por tudo isso, estava tão irresponsável que certo dia teve comigo uma briga feia, eu disse coisas que até hoje me arrependo e sei bem que ainda são essas mesmas palavras que a fazem pensar que eu não sinta orgulho por ela. Quando ela fugiu de casa foi à gota d’água para nossa relação. Depois de muito tempo é que ela passou a mandar notícias e falava apenas com a mãe, voltou a falar comigo somente quando estava para terminar o curso de Publicidade e Propaganda pedindo uma vaga de estágio. Uma surpresa total. Cecilia convenceu-me a aceita-la e foi a melhor decisão que já tomara na vida. Então, ela mostrou-se uma profissional muito competente e com o passar dos anos eu não pensei duas vezes ao coloca-la na presidência quando resolvi me aposentar. Nossa relação voltou a se estreitar, mas ainda era muito frágil, até VOCÊ aparecer — olhou-a de soslaio enquanto Carol arregalava os olhos com a última declaração, sentiu a boca secar e apertou os punhos fechados para tentar voltar a pensar com clareza. Como Carolina não dissera nada o Sr. Eduardo resolveu dar prosseguimento ao seu monólogo. — Confesso que fiquei surpreso quando aquela revista de fofocas publicou uma foto sua com a Luluzinha — continuou ele colocando as mãos nos bolsos da calça tentando transparecer displicência. — Na verdade, quando te chamei para trabalhar na minha Agência jamais passou pela minha cabeça que você se envolveria com a Anna Luiza, muito menos que ela mudaria tanto em tão pouco tempo. A senhorita tem noção do quanto mudou o modo em que ela levava a vida?

Carolina suspirou antes de responder, a súbita conversa sobre sua relação com Anna-Lú lhe deixou um pouco nervosa e com as mãos suando. Pigarreou.

— Eu sei Sr. Garcia...

— Por favor, me chame de Eduardo — interrompeu.

— Claro Se...quer dizer...Eduardo, eu sei o quanto Anna-Lú mudou por conta de nosso relacionamento. Acredito que ela me respeite tanto quanto eu a respeito. E apesar de nunca termos conversado com vocês de fato, Anna-Lú disse-me que isso não a preocupava, pois sempre teria seu apoio.

— Ela tem razão, na verdade fiquei muito feliz quando soube e a mãe dela também — sorriu fazendo Carolina enrubescer. — É nítido que ela te ama, enxerguei nos olhos dela. O mesmo brilho que via nos meus olhos, diante do espelho, ao pensar na mãe dela. Então não se preocupe, ela vai se recuperar e quando isso acontecer haverá tempo suficiente para conversarem e se resolverem — disse o Sr. Eduardo com sinceridade. — Mas, agora tenho um assunto pendente para tratar com você, senhorita. Sei que já falei, até demais, porém é realmente importante. Que tal irmos até a lanchonete?

— Claro. Vamos.

Carolina seguiu o Sr. Eduardo até a lanchonete e sentaram-se. Ela tentava não parecer tensa demais, no entanto algo dentro de si ainda martelava formando um incômodo em seu peito. Ele a fitou profundamente antes de propor.

— Aceita um café?

— Eu adoraria, obrigada — respondeu tentando não entrar em pânico. Falar sobre Anna-Lú com seu “Sogro”, era tão estranho pensar assim, dizia ela para si mesma. E além de tudo também era seu “Chefe”, “UAU”, pensou ela, isso tudo a deixava maluca. Carolina estava ainda a malhar essas ideias quando o pai de Anna-Lú retornou tirando-a de suas imaginações. Sentada de frente para ele, ela agradeceu o café enquanto ele bebericava um pouco do líquido fumegante. Pousou o copo já pela metade e sorriu ao começar a falar.

— Então, senhorita Vandré, eu a convidei para este café para que pudéssemos conversar sobre algo muito importante e delicado — Carolina apenas assentiu e ele continuou. — Sabemos que a situação de minha filha é muito delicada e inspira muitos cuidados e não será diferente quando ela sair deste hospital. Eu admiro muito o seu gesto de ficar aqui e esperar que ela acorde. Deixa-me imenso feliz e só confirma que a Luluzinha acertou em cheio ao se apaixonar pela senhorita. Porém, uma das coisas que ela mais ama na vida é o trabalho na Agência, e é de nosso conhecimento que ela não poderá retornar tão cedo a este ofício, logo, temos um grande problema, pois a Agência está sem as duas presidentes. E já comecei a receber muitas ligações — pigarreou antes de continuar. Um dos motivos que me levaram a contratar a senhorita foi o seu currículo impecável e impressionante. Os relatos sobre seu profissionalismo e talento foram fatores essenciais para esta escolha, por isso agora, pretendo contar com esse tão falado profissionalismo. Eu não poderei me ausentar do lado de minha esposa nesse momento e terei de dar todo meu apoio e dedicação à recuperação de Anna Luiza e, portanto, precisarei que você retorne a capital para assumir a Agência até que a minha Anna Luiza se recupere e possa voltar ao seu lugar — finalizou esperando por sua reação.

Para Carolina, naquele momento, fora como se estivessem os dois, a sós, naquela lanchonete. Enquanto o Sr. Eduardo a olhava fixamente, Carolina pensava em tudo que lhe acontecera durante aqueles meses, o novo emprego, o acidente de Alicia, a paixão repentina, o envolvimento, as brigas com Maggie, os desencontros com Anna-Lú, o medo de perdê-la, e principalmente, pensou na vontade que tinha de tê-la novamente em seus braços. E agora, tudo estava resumido a isso, um iminente afastamento. Um súbito entendimento apoderou-se aos poucos da mente de Carol. E quando ela de fato entendeu o que estava acontecendo, todo o peso de ter que se afastar de Anna-Lú esmagou seu coração, fitou o Sr. Eduardo, incrédula:

— Voltar? E deixa-la?! — sua voz saiu fraca, quase sem folego. Ele assentiu.

— Eu sei que sua vontade é de estar ao lado dela, mas nesse momento ela precisa de você lá. Na Agência que ela tanto ama. Cuidando de tudo até que ela volte. Você pode retornar amanhã mesmo e voltar ao trabalho na terça — suspirou como se estivesse cansado. — Bom, agora preciso ir, Cecilia ainda virá aqui hoje e preciso trazê-la — levantou-se para sair.

— Mas... espere.

— Eu realmente tenho que ir, mas eu a vejo daqui a algumas horas, está bem? Até mais — beijou-lhe o topo da cabeça e saiu sem esperar resposta.

Inerte mirava o horizonte através de uma das janelas, ao longe o sol se punha e o céu ia lentamente escurecendo, tal qual seu coração estava naquele momento. Se por um lado sabia que o Sr. Eduardo estava certo em requerer seu profissionalismo e responsabilidade, por outro lado, a dor que sentia por ter de deixar Anna-Lú era quase física. Pensava ser um exagero estar e sentir-se dessa forma, sentia-se até um pouco ridícula, mas a grande verdade é que carregava um pressentimento dentro de si, que não se afastou quando soube que Anna-Lú ficaria bem.

Refletiu longamente antes de encontrar novamente com o Sr. Eduardo. Ponderou sobre todas as coisas que se têm na vida, tanto as que conquistamos quanto as que deixamos passar, de alguma maneira. Coisas que muitas vezes damos valor além do que é merecido, e outras em que reconhecemos o valor quando já se é tarde demais. Anna-Lú fazia parte de algo muito grandioso e lindo de sua vida, e poderiam viver isso da forma mais bela possível, se caso ao acordar, ela ainda a quisesse. Tantos mal-entendidos quase fizeram essa oportunidade passar, Carolina dizia quase porque nutria grande esperança de que Anna-Lú a perdoasse por todas as suas inseguranças e toda a falta de confiança que já havia demonstrado. Todas as palavras e acusações injustas. Entretanto, agora tudo estava além de suas forças. E tudo o que podia fazer era torcer para que, quando Anna-Lú recobrasse a consciência, o que viveram até ali de forma tão intensa, não se perdesse.

Em algum momento desta divagação Carolina deixou-se esvair em lágrimas novamente, era engraçado para ela pensar que isto estava a se tornar um hábito. Levantou-se e saiu da lanchonete em direção a UTI, foi até a parede de vidro que, naquele momento era a grande barreira que a separava de Anna-Lú. Encostou a testa na superfície gelada e passou a contempla-la como se não a fosse ver nunca mais, ficou em silêncio por um longo tempo e depois pegou uma caneta e um bloco de papel que sempre carregava em sua bolsa e então, começou a escrever e ao mesmo tempo falar como se Anna-Lú, mesmo inerte naquela cama a pudesse escutar. Novas lágrimas começaram a escorrer conforme as palavras eram ditas, desta vez não as deteve, apenas continuou ditando para si mesma seu diálogo solitário.

Olhou para o papel em sua mão, fechou os olhos e respirou fundo. Dobrou-o com cuidado e decidiu que entregaria ao Sr. Eduardo, para que este o entregasse a Anna-Lú assim que ela acordasse, deu uma última olhada em Anna-Lú para certificar-se de que ela ainda estava imóvel, seria um sonho se ela acordasse naquele momento, mas não aconteceu. Voltou com os sogros naquela mesma noite para a fazenda, conversou com o Sr. Eduardo no escritório e entregou a carta, pedindo que quando Anna-Lú acordasse não dissessem que ela passara todos aqueles dias no hospital, pois para ela não havia necessidade de Anna-Lú saber.

Era manhã de domingo, quase no fim de outubro, e fazia cinco dias que Carolina estava de volta. Cinco longos dias em que não deixara de pensar em Anna-Lú uma única vez. Deixou-se cair sobre a cama, sua fiel companheira desde que retornara. Havia perdido o sono durante a madrugada, acordara agitada depois de outro pesadelo, novamente sonhara com Anna-Lú ferida e correndo para longe de seus braços, sem que nada pudesse fazer para alcança-la. Esses sonhos não haviam deixado Carolina ter uma noite tranquila desde que voltara. Passara o restante da madrugada na varanda de seu quarto, mais uma vez desejando que Anna-Lú acordasse. Finalmente o cansaço vencera, e adormeceu quase que instantaneamente ao cair sobre o colchão. Acordara com o barulho ensurdecedor do aparelho de celular. Atendeu.

— Alô!

— Oi Carol, é a Marina, desculpa te acordei?

— Não, tudo bem. Aconteceu alguma coisa, Mari? — perguntou ao perceber a ansiedade na voz de Marina.

— Sim! — gritou animada — A Lú acordou, Carol!!! Acordou!!! — Exclamou com imensa felicidade. Carolina levantou abruptamente sentindo o coração saltar dentro do peito, a simples menção ao nome de Anna-Lú já faria seu coração derreter, saber que ela finalmente acordara a fizera sentir-se nas nuvens. Perdera a voz e só percebeu o quanto estava emocionada quando sentiu em seus lábios um gosto salgado. Estava chorando. Felicidade. Eram lágrimas de felicidade. Voltou a si apenas quando Marina já a chamava pela quarta vez.

— Sim, sim, ainda estou aqui, desculpe — disse fungando — quando foi??

— Pela manhã, ela ainda está passando por uma bateria de exames, mas os médicos disseram que está tudo sob controle.

— Que ótima notícia, estarei aí ainda hoje e...

— NÃO! — gritou — Quer dizer... É melhor você não vir — disse cautelosa.

— Por que não? Preciso vê-la, Mari! — falou com voz suplicante.

— Bom... é...que... — escolhia as palavras.

— Vamos Mari, diga de uma vez... O que está acontecendo?

— Eu não sei como te dizer isso... Mas, é que... Ela não quer te ver. Disse em um fio de voz.

As palavras demoraram um pouco para fazerem sentido, quando Carolina se deu conta, era impossível de acreditar. Pior, era sufocante aceita-las. Prendeu o ar como se não soubesse mais como respirar.

— C. om...o assim, Mari? Você tem certeza disso?

— Desculpa Carol, ela está... Não sei nem dizer... Ela está magoada, eu acho, mas fica calma, eu sei que você esperou muito por esse momento, e imagino que deve ser muito difícil ouvir tudo isso. Mas vamos dar um tempo a ela, ok?! Ela acabou de acordar, talvez esteja um pouco desnorteada. E eu vou continuar mandando notícias, te atualizando de tudo, fica tranquila, ela só... Só precisa de um descanso, tá bem? — Marina tentou apaziguar os ânimos de Carol, apesar de ter quase certeza de que nada adiantaria, dizer o que Anna-Lú pedira, foi pesado demais. Despediu-se de Carolina e desligou sem esperar resposta, sabia que naquele momento ela precisava ficar sozinha com seus pensamentos.

Carolina ficara em silêncio, e tudo que absorvera da fala de Marina, não era mais que um zumbido de palavras sem sentido, “ela não quer te ver”, a frase ecoava dentro de si como uma lâmina a cortar sua carne. Dor era a palavra mais exata para o que estava a sentir. Uma dor intensa e dilacerante. Trêmula voltou a chorar com profundo desespero, o coração pequeno de tão apertado. Finalmente Anna-Lú acordara, mas não para ela. Sentiu-se novamente naquele mesmo pesadelo que vinha perseguindo-a durante as últimas noites, e por instantes desejou que tudo fosse realmente apenas um grande pesadelo.

Naqueles dias tentou inutilmente entrar em contato com Anna-Lú de todas as formas, conversou com Dona Cecilia, mas ela lhe informara que sua filha estava irredutível, e assim, a cada nova rejeição, a cada dia e mês que se passava Carolina sentia-se mais e mais, morrer um pouquinho por dentro. A indiferença de Anna-Lú deixou Carolina abatida e começara a ser visível sua perda de peso, já que sua alimentação era pouca ou quase nada. Não comia e nem dormia mais direito, os pesadelos intensificaram-se e passara virar madrugadas apenas em companhia de uma garrafa de vinho. Se não fosse por Alicia estar sempre ao seu lado, não saberia dizer como resistiria. Continuava a ir à empresa, porém era tudo que fazia. Cinco meses se passaram desde que recebera a notícia que Anna-Lú acordara, e sua paz de espirito havia evaporado, pois não saber o motivo o real do afastamento de Anna-Lú fazia com que o remorso e a culpa transbordassem em seu coração. Martirizava-se e xingava-se internamente, “fraca”, “idiota”, “covarde”, pensava sobre si mesma. Almejava mais que tudo, ter feito tudo diferente.

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