Oito dias para Michele

Um conto erótico de Paula Cedezin
Categoria: Homossexual
Contém 5461 palavras
Data: 09/08/2017 22:03:22
Última revisão: 30/08/2017 17:42:43

CAPÍTULO 1 - O CASTIGO

- Não, mamãe, por favor, não!

- Sim, sim, sim.

- Mamãe, tudo menos isso!

- Você sabia que o castigo era esse. Quantas vezes eu te avisei?

- Mas não faz isso!! Eu não quero!!!

Eu chorava copiosamente. Mas ela não ligava.

- Eu te avisei mil vezes, você nunca deu ouvidos. Agora vai ser assim. Toda vez que você bater na filha da vizinha, vai ter castigo.

- Mas ela provocou! Ela fica implicando!

- Ela é uma menina! Você não vê? Menino nenhum pode bater em menina! Nunca, por motivo algum! Quantas vezes eu já falei?

Eu tinha 10 anos nessa época e era um garoto muito indisciplinado. Apesar de ser um pouco baixinho para a idade e magro, brigava com todo mundo por quase qualquer coisa e queria sempre ter a palavra final nas brincadeiras. E nesse dia eu tinha, mais uma vez, brigado com a Aninha, filha da vizinha do apartamento acima do nosso, e nessa briga, como era meu jeito, tinha batido nela. Dei uns empurrões e socos nela, que saiu chorando e foi falar com sua mãe. A mãe dela na mesma hora desceu e reclamou com a minha.

Aninha tinha a mesma idade que eu, e eu a conhecia há poucos meses, desde que Mamãe e eu tínhamos nos mudado para aquele prédio. Na maior parte do tempo nos dávamos bem, mas volta e meia alguma discussão aparecia e a gente brigava. Em geral porque eu queria impor alguma regra que me favorecesse nas brincadeiras e ela não aceitava.

- Tire sua roupa toda, Marcos.

- Não, mamãe! Tudo menos isso!! Inventa outro castigo!

- Chega, Michel, eu já tinha avisado que seria assim. Chega. Não tem papo. Vamos, tire sua roupa.

Chorando muito, e após reclamar e espernear muito, obedeci. Mas não tirei eu mesmo, ela que tirou. Com gestos rudes, tirou minha camiseta (quase arrancando minhas orelhas), o short e a cueca.

- Vá tomar banho, você está todo sujo. Quando terminar volte aqui imediatamente. Sem roupas.

Fui para o banho e demorei na esperança dela mudar de ideia e deixar de lado o castigo. Ou, quem sabe, inventar outro! Eu preferia mil vezes ficar sem videogame uma semana! Aceitava até mesmo umas boas chineladas!

Saí do banho e ela me chamou na mesma hora.

- Venha cá! Estou aqui no meu quarto!

Fui. Chegando lá, vi que meu castigo estava sobre a cama dela. Chorei de novo.

- Não mamãe, qualquer outra coisa menos isso!!

- Sem chances, Michel. Vamos ver se assim você aprende como as meninas devem ser tratadas!

- Eu prometo que não vou mais bater nela! Nunca mais!

- Já estou farta de suas promessas, mocinho. Você nunca cumpre. Perdi a conta de quantas vezes você já prometeu isso nesse pouco tempo que estamos aqui. E no prédio anterior as brigas eram com a Maria Paula, não eram? Uma menina doce, uma graça! Então não adianta ouvir você, não adianta lhe dar umas palmadas, nem tirar videogame, no outro dia você vai lá e faz de novo. Dessa vez vai aprender na marra!

- Mas, mamãe!! Isso não!!

- Isso sim. Você vai ver como é ser menina e vai aprender a respeitar. Venha cá. Tome, coloque essa calcinha.

- Não! Por favor! Eu sou homem!

- Ah, sim, para bater em menina você é muito homem. Sem dúvida. E esse é justamente o problema. Pois agora você vai ser menina por um tempo para aprender a respeitar.

Não tinha apelação que desse certo. Ela me deu a calcinha na mão. Era rosa, de lycra com detalhes de rendinha. Eu peguei a roupinha com a ponta dos dedos, como se ela fizesse mal.

- Vamos, veste logo. E chega de choro, já cansei desse espetáculo.

Vesti. A calcinha era apertadinha, bem mais que minhas cuequinhas, pelo menos. Meu pauzinho pequeno, pré-puberdade, sumiu, todo apertadinho na roupinha. E minha mãe ainda fez questão de ajeitar melhor a calcinha no meu corpo puxando a cintura mais para cima.

- Agora veste essa blusinha.

Era uma blusinha branca, de mangas bem curtinhas, com a gola e as bordas da manga em rosa forte e uma enorme estampa de coração vermelho bem no peito. Ficou justinha, não era folgada como minhas camisetas. E aquele coração enorme era muito de menina!

Sem falar mais nada, mamãe pegou a minissaia sobre a cama e me deu. Era toda soltinha e com elástico na cintura. Toda estampada em flores de muitas cores, mas com predominância de rosa e lilás. Eu vesti, e ela imediatamente ajeitou em mim a cintura da saia mais para cima. Depois colocou a blusinha para dentro da saia.

Ali estava eu, o menino brigão do prédio, de saia, blusinha e calcinha. Que vergonha! Mas o castigo estava longe de terminar.

- Vamos, calce agora essas sandálias Melissinha.

Calcei. Eram rosa forte também.

- Está quase pronta. Venha cá, deixa eu pentear seu cabelo.

Eu tinha cabelos longos, um pouco encaracolados, pelos ombros. Naquele momento amaldiçoei o dia que inventei de deixar meu cabelo crescer. Era moda entre a garotada, mas nessa hora, prometi para mim mesmo que tão logo pudesse faria um corte militar!

Ela penteou meu cabelo com escova e secador de cabelos. E para meu desespero, alisou ele e fez um penteado bem de menina, com as pontas viradas para fora.

- Nossa, você está ótima. Ah, só falta um batonzinho. Meninas da sua idade já gostam de usar batom.

Dito isso ela pegou meu rosto, e me mandando abrir a boca, passou o batom. Que, claro, também era rosa. Quando terminou, me fez virar para o espelho de corpo inteiro de seu quarto.

- Olha aí no espelho, você está pronta. Enquanto eu mandar, você será essa menina que está vendo no espelho, entendeu?

Me vi no espelho. Eu estava uma perfeita menina de 10 anos, toda arrumadinha. Meu cabelo estava penteado de um jeito terrivelmente feminino, e com o batom, me dava um rosto muito de menina. Junto com a blusinha de coração, a saia floridinha e as sandálias, era difícil para alguém que não me conhecesse dizer que eu não era uma menina.

Fiquei atordoado em frente ao espelho, sem saber o que pensar ou como agir. Mamãe me tirou do transe.

- Minha filha, você ficou uma linda menininha! Olha só! Que graça!

Morri de vergonha e comecei a chorar de novo.

- Não sou sua filha! Eu sou seu filho! Eu sou menino!

- Ah, não comece de novo. Vai ficar de cara inchada, toda feia. Não vai querer aparecer na frente de todo mundo com cara de choro, né?

- Como assim, aparecer na frente de todo mundo? Não, mamãe, por favor! Não quero que ninguém me veja assim!!!

- Sem chances, garota. Sem chances. É parte do castigo. Todos vão ver você assim. Dessa vez você vai aprender como é ser menina!

- Não, mamãe, não!! Tudo menos isso!!

- Olha, chega de drama. Você está uma menina muito bonita, acostume-se com isso. E hoje é só o primeiro dia!

- Como assim, não é só hoje?? Não, mamãe! Por favor!!

- E você acha que vai aprender a ser menina em um dia só? Claro que não. Você vai ser menina por uma semana inteira. E o tempo todo. Esse é o seu castigo. E digo mais, nem pense em estragar suas roupas! Então nada de jogar bola ou fazer qualquer dessas brincadeiras de garoto.

Jogar bola. Como que eu iria jogar bola com a gurizada de sainha e sandálias? Aliás, como eu ia encarar a gurizada toda do prédio?

- Olha, como eu falei, seu castigo é ficar essa semana inteira assim, como menina, o tempo todo. Eu já guardei todas as suas roupas de menino à chave. E mais, nessa semana seu nome é Michele.

Eu apenas seguia minha mãe pelo apartamento, chorando e resmungando.

- Michele, chega de choro. Chega. Pode ir acostumando. E olha, trate de agir direitinho, porque se eu achar que você não está sendo uma boa menina o castigo vai continuar por mais uma semana, entendeu?

- Não, mamãe, tudo menos isso!

- Então para com esse choro. E me ajude a arrumar a casa. Lave a louça. Você já é mocinha, sabe fazer isso.

Fui, não tinha opção. Lavei toda a louça, sequei e guardei nos lugares. Mamãe, enquanto isso, arrumou o resto da casa. Quando ela terminou, me chamou:

- Michele, vamos sair.

- Mamãe, não quero sair! Deixa eu ficar em casa!

- Nem pensar. Nós vamos no shopping. Precisamos comprar outras roupinhas para você usar nessa semana e você precisa experimentar.

Pensei: “meu deus, além de sair na rua todo vestido de menininha eu ainda vou ter que experimentar roupas de menina numa loja?”

Mamãe me pegou pela mão e saímos do apartamento. Eu fui torcendo por um milagre - que ninguém me visse.

O milagre não veio, muito pelo contrário. A turma toda de garotos estava justamente na área de estacionamento do prédio jogando bola. Minha turma tinha uns dez meninos de diferentes idades, os mais novos pelos 7 ou 8 anos, os mais velhos já com uns 13.

Quando ouvi os gritos deles lá fora ao sair do elevador na garagem eu queria morrer. Implorei mais uma vez:

- Mamãe, meus amigos estão todos aí fora! Não podem me ver assim! Não posso aparecer na frente deles como menina! Deixa eu ficar em casa!!

- Mas é claro que eles vão ver você assim. A semana toda, aliás.

Dito isso apertou mais minha mão e o passo. E eu apareci na frente de todos os meus amigos vestido de sainha, blusinha de coração, com penteado de menina, batom e melissinha nos pés. Eles, quando perceberam que era eu, caíram na risada. E logo depois, começaram a zoar.

- Olha ali!! É o Michel todo de menininha!! Olha, ele tá de saia!!

- Ahahahaha! Que gracinha!! Ahahahaha!! Ele tá até de melissinha!!

- Quem quer namorar a Michelinha? Ahahahaha!!!

Caíram todos na risada às minhas custas. Um deles veio correndo e levantou minha saia, deixando todo mundo ver que eu estava de calcinha rosa com rendinhas.

- Olha, ele está até de calcinha rosa!! É uma menina mesmo!! Ahahahaha!!

- Michel é menininha!! Michel é menininha!!

Eu larguei a mão de mamãe e parti para cima dos garotos para tentar bater no João, que foi quem levantou minha saia. Gritei uns desaforos para todos eles, mas logo ouvi mamãe me repreendendo:

- Michele! O que é isso? Volte já aqui! Minha filha, que modos são esses? Você já é uma mocinha! Se comporte!

E na sequência, falou com os garotos:

- Meninos, essa agora é Michele, minha filha. Vocês por favor tratem ela com respeito, como se trata uma menina! Senão eu vou reclamar com a mãe de cada um de vocês!

Eles ficaram desconcertados com a fala dela, não esperavam. Mas ainda assim saíram rindo de mim. Zeca se afastou me mandando beijinhos. Se eu pudesse desaparecia do mundo bem naquela hora. Mas ainda não tinha acabado. Mamãe, falando alto para eles ouvirem, disse:

- Vamos Michele, precisamos ir no shopping comprar uns vestidinhos para você!

CAPÍTULO 2 - UMA MENINA NO ESPELHO

Entramos no carro. Imediatamente após colocar o carro em funcionamento mamãe falou:

- Michele, preste bem a atenção. Não gostei nem um pouco do que você fez agora com os meninos. Não gostei nada mesmo. Você agiu muito errado, nenhuma menina age daquele jeito, dizendo aqueles xingamentos em público. Então vou deixar bem claro para você, desde já. Se você continuar assim, se você fizer isso de novo, seu castigo será aumentado mais uma semana, entendeu?

Não respondi nada. Ela continuou:

- Seu castigo é esse - nessa semana você será Michele, uma menina. Então deve agir como menina todo o tempo, entendeu? Nada de xingamentos, nada de agressões!

Reclamei.

- Mas mamãe, eu não sou menina! E eles estavam implicando comigo.

- Não me interessa o que eles estavam fazendo. Uma menina não sai correndo para bater nos meninos, nem fala todos aqueles desaforos que você disse. Então preste muita atenção: Para cada vez que eu ver você agindo como menino, resmungando, choramingando que não é menina, dizendo desaforos ou brigando, vou adicionar um dia a mais no seu castigo. Isso vai até você aprender, entendeu?

De novo não respondi. Eu não concordava, mas que diferença isso fazia? Ela continuou.

- E começa agora mesmo. Aliás, já começou. Nós vamos agora no Shopping comprar umas roupinhas para você, e se você não se comportar direito lá, já vai sabendo que vai passar mais tempo ainda como menina.

Ainda tentei um protesto.

- Não é justo! Eu não sou menina! Eu sou menino! Eu não quero!

- Bom, com essa reclamação você acabou de ganhar mais um dia de castigo. Quer mais? Se continuar assim vai voltar das férias para a escola ainda como Michele, é isso que você quer? Suas férias acabam em dez dias, seu castigo já tem oito.

Opa, ir para a escola como menina? Nem pensar. Parei de contestar para não piorar as coisas.

Chegamos no Shopping, e ela me conduziu pelos corredores segurando na minha mão. Eu, morto de vergonha de andar na frente de todo mundo vestido de menina, evitava até levantar o olhar para as pessoas.

Fomos direto para a loja C&A, na seção de roupas infantis femininas. Mamãe passeou pelas araras de roupas, pegando um vestido aqui e outro ali, uma sainha, blusinhas. Vez ou outra estendia o vestido em mim para ver se o tamanho servia. Eu morria de vergonha toda vez que ela fazia isso. Quando ela estava já com uma porção de roupinhas acumuladas no braço, me disse:

- Michele, agora é hora de você provar essas roupas. Precisamos ver se ficam bem. Vamos ali nos provadores.

Eu falei baixinho:

- Mamãe, eu não vou experimentar roupas de menina na loja!

- Com certeza vai.

Pegou minha mão e me puxou até lá. Eu pensei em resistir, chorar, fazer uma cena, mas me dei conta que só ia atrair atenção para mim, o que piorava a situação. Todo mundo ia descobrir que eu era um menino vestido de menina. E ainda podia me render mais dias de castigo.

Ela me levou para os provadores femininos. A funcionária da loja contou a quantidade de peças e fomos para a cabine. Lá dentro mamãe me fez experimentar cada vestido, saia e blusinha que tinha pego. E a cada roupa, ela fazia eu sair do provador para olhar com maior distância no espelho de corpo inteiro no corredor entre os provadores. Ela se encantou com algumas das roupas:

- Michele, esse vestidinho ficou lindo em você! Olha que graça! Vira para eu ver, minha filha!

Eu tinha que virar, como se fosse uma modelo, para ela ver de todos os lados.

- Olha que coisa linda que você ficou com esse conjunto de blusa e sainha! E essa saia combina também com a blusinha de coração que você já tem, né?

Quando experimentei um vestidinho amarelo todo cheio de babadinhos, mamãe perguntou para a funcionária da loja:

- Moça, esse vestido aqui você teria no tamanho 12? Achei que o tamanho 10 ficou um pouco pequeno nela, não acha?

A moça foi prestar atenção em mim, o que só me deixou mais envergonhado. Ela falou:

- Vou ver para a senhora... mas olha, ao meu ver esse tamanho ficou ótimo na sua filha! Tem certeza que quer maior? Pode ficar folgado.

- Você acha, é? Michele, dá uma voltinha para a gente ver melhor!

Lá fui eu dar voltinhas para elas verem se o vestidinho estava bem em mim... no final parece que a moça foi convincente, pois mamãe desistiu de buscar um tamanho maior.

- Michele, que você acha? Está confortável ou está lhe apertando? Gostou?

Eu não esperava ter que responder essas coisas. O que fazer? Se eu reclamasse ou resmungasse podia me denunciar para a moça, que parecia achar que eu era mesmo uma menina. Eu não queria isso. Então me olhei no espelho, passei as mãos pela roupa, senti como estava com ela. Não era desconfortável, não me apertava em nada. Só era uma roupinha muito, muito, muito feminina com todos aqueles babadinhos na barra! Mas disso eu não podia reclamar. Então respondi baixinho:

- Tá bom esse, mamãe, não aperta nada.

- Mesmo? Mas diz, você gostou? Achou que ficou bonita? Prefere esse amarelinho ou aquele outro rosa?

Mas que sacanagem dela me fazer responder essas coisas na frente da moça! Tive que seguir fingindo ser menina.

- Ah, mamãe, qualquer deles... o outro também não incomoda nem aperta.

- Você ficou uma graça com eles. Vou levar os dois. E mais essas blusinhas e essas saias.

Saímos do provador. Achei que tinha terminado, mas mamãe lembrou que faltavam outras peças.

- Michele, vamos ali naquele setor, você precisa de mais calcinhas e uma ou duas camisolinhas para dormir.

Ela mesma escolheu as calcinhas. Para minha idade a maioria era de algodão e estampadas, e mamãe comprou duas dessas. Uma era cheia de coraçõezinhos vermelhos e tinha as bordas com uma rendinha fininha. A outra era branca com detalhes rosa. Mas mamãe procurou outras de lycra com rendinha, como a que eu estava usando. Comprou duas dessas brancas.

- Essas de lycra são mais bonitas, muito mais femininas. Eu sei que não são bem da sua idade, mas você ficou bem com essa que está usando, né? Não é gostosa?

Eu pensei na calcinha que eu estava usando, toda apertadinha... mas não respondi nada.

Ela ainda escolheu duas camisolinhas de dormir. Eram como uns vestidinhos curtos, de algodão estampado, e tinham babadinhos na borda inferior. Ela mais uma vez colocou uma sobre meu corpo para ver o tamanho na frente de todo mundo.

Depois dessas compras todas, mamãe parecia muito animada:

- Michele, você ficou tão bonitinha com essas roupas novas! Uma graça! E dessa vez você se comportou muito bem, muito bem mesmo. É assim que tem que ser!

Saímos daquela loja e eu quis tomar um sorvete. Mamãe me deu o dinheiro para comprar uma casquinha no quiosque que tinha próximo, e falou que enquanto eu tomava o sorvete ela iria numa loja próxima. Era para eu esperar por ali.

Eu fui no quiosque, e quando chegou minha vez, o atendente perguntou:

- E você, menina, o que vai querer?

Eu, menina. Pelo jeito ninguém percebia que eu era um menino. Bom, menos mal. Pedi meu sorvete e fiquei no banco esperando mamãe voltar da outra loja.

Depois disso, caminhávamos pelo corredor do Shopping quando passamos por um salão de beleza. Mamãe imediatamente parou uns segundos olhando lá para dentro, pensando alguma coisa. E daí me perguntou:

- Michele, que acha de um corte de cabelo? E podemos pintar suas unhas também! Vamos?

O que eu podia responder? Eu achava uma tragédia um corte ainda mais feminino no meu cabelo, e outra tragédia pintar minhas unhas! Mas eu podia reclamar? Que adiantava minha opinião? Se eu dissesse não ela não ia considerar mesmo!

Ela entrou no salão comigo pela mão, e perguntou para o rapaz que apareceu:

- Vocês fazem corte infantil ou só adultos? Tem manicure?

- Senhora, não somos especializados em cortes infantis, mas podemos fazer, claro. É para sua filha? E temos manicure, sim.

- Ah, então vamos. Eu quero que você acerte o corte do cabelo da minha filha. Tá um pouco bagunçado o cabelo dela, sem corte.

- Entendo. Como é o nome dela?

- Michele.

Ele se agachou para falar comigo:

- Olá Michele, tudo bom? Vamos cortar o cabelo? Vou deixar você linda! Vamos lá?

Eu não falei nada, o que ele entendeu como um “sim”. Pegou minha mão e me levou para a cadeira de lavagem. Lavou meu cabelo cuidadosamente, e depois fomos para o corte e penteado. Aí ele me perguntou:

- Como você quer que eu corte? Que você acha de cortar seu cabelo com uma franjinha?

Não respondi. Ele falou com mamãe:

- Ela é bem quietinha, né?

- Sim, é muito tímida. Mas ela adora ficar bem bonita!

- É mesmo? Ela tem um rosto muito bonito, não vai ser difícil deixar bem bonita! Olha, tive uma ideia! Que tal a gente fazer duas mechas rosa no cabelo dela, caindo ao lado do rosto? Bem moderno!

Pensei desesperado: “Meu deus, que é isso? Vou sair daqui com cabelo rosa? Esse pesadelo só piora?” Tive que falar alguma coisa:

- Ai, mamãe, não sei se eu quero mechas rosa no meu cabelo!

- Por que não, Michele? É moderno, as meninas estão usando!

O carinha falou:

- Podemos fazer sem as mechas, só com a franjinha, também fica uma graça. Que você prefere, Michele?

Não tive como escapar. Escolhi a franjinha. E ele assumiu o controle. Cortou as pontas, alisou e depois cortou uma franjinha bem na altura das sobrancelhas. Ao final, enquanto minha mãe lia uma revista, ele falou só comigo:

- Ela disse que você gosta de ficar bem bonita... vamos fazer uma surpresa? Eu sei que meninas de sua idade não precisam de maquiagem, mas um pouquinho só não vai fazer mal algum, né? Acho que você gosta de maquiagem, pois está de batonzinho, né?

Dito isso, e sem esperar resposta minha, ele pegou uns produtos e passou no meu rosto. Um pozinho nas minhas bochechas, depois uma coisinha colorida, rosa, sobre os olhos, e por fim retocou meu batom. Aí me virou para o espelho e disse:

- Nossa, Michele, você está uma graça! Olha só!

Eu olhei no espelho e fiquei desconcertado. O que eu via ali era uma menina! Meu cabelo, cortado, alisado e de franjinha estava absolutamente feminino. E o rosto, com a maquiagem, mais ainda. Não era uma maquiagem pesada, nada exagerado, era só uns toquinhos coloridos. Mas já tinha feito uma diferença! Nem eu me reconhecia!

Ele chamou mamãe:

- Venha ver como ficou sua linda garotinha!

Ela veio, e me vendo pelo espelho abriu um sorriso enorme.

- Ai, mas tá absolutamente linda!! Michele, olha como você está bonita!!

Virando para ele mamãe falou:

- Olha, ficou melhor que eu esperava! Está muito bom mesmo! Muito obrigado! Agora só falta a manicure!

- Ah, sim. Carmem está logo ali, é só levar Michele lá.

Mamãe me levou para essa outra moça. Sentei numa cadeira, ela pegou minhas mãos e reclamou com mamãe:

- Nossa, as unhas dela estão muito mal-cuidadas! Parecem até unhas de menino!

Pensei comigo: “São unhas de menino!” Mas não falei nada, obviamente. Imagina se eu ia dizer que era um menino com aquelas roupas e todo maquiado como menininha?

Mamãe não gostou do comentário da moça.

- Ela é uma criança, ela brinca, não fica preocupada com as unhas. Por isso estão assim. Mas você pode melhorar elas, não pode? É para isso que estamos aqui.

- Ah, sim, posso. Não vou fazer milagres, mas dá para melhorar. Vamos limpar, lixar e colocar uma cor. Pelo que vejo um esmalte rosa ficaria bom, não?

Eu novamente não opinei. Elas não precisavam de minha opinião para seguir em frente. Mamãe decidiu.

- Ah, sim, rosa ficará ótimo. Mas, por favor, um tom de rosa leve, pois ela é só uma menina de 10 anos. Não quero nada forte.

A moça fez as minhas unhas dos pés e das mãos. E ao final eu estava com todas as unhas bem pintadinhas de rosa. Coloquei minhas Melissinhas de volta e dava para ver algumas unhas do pé rosinhas. As da mão mais ainda. A manicure falou:

- Olha, cuidado com suas unhas na próxima hora, tá? O esmalte ainda não está completamente seco, qualquer coisa pode estragar.

Eu fiquei olhando minhas mãos, meio sem saber o que fazer com elas. Mamãe me tirou do transe:

- Michele, olhe você ali naquele espelho! Minha filha, olha como você está linda! Nem acredito!

Era um espelho de corpo inteiro. E eu estava na frente dele, uma menininha em todos os sentidos. O cabelo lisinho, leve e solto, meu rosto maquiado, a minissaia soltinha e bem colorida, a blusinha de coração, as unhas pintadinhas, as sandálias. Tudo que eu via na minha frente era feminino. Não tinha um único detalhe visível que lembrasse que eu era um menino!

Mamãe me deu um beijo na bochecha, e falou baixinho no meu ouvido – “minha filha, você está tão linda, mas tão linda!” E eu fiquei pensando que não lembrava de nenhum outro momento na minha vida que eu tivesse visto ela tão feliz comigo.

CAPÍTULO 3 – EU SOU A MICHELE

Naquela mesma tarde Mamãe ainda me levou ao cinema para assistir “Frozen”. Na fila praticamente só tinha mães e filhas e quase nenhum menino. Algumas mães acompanhavam montes de meninas, todas elas super animadas. Não paravam quietas, corriam de um lado a outro, conversavam alto, riam! E eu ali grudado na mamãe, me sentindo um verdadeiro peixe fora d'água sem saber como agir nesse papel de menininha que mamãe me impôs.

Uma menina logo atrás de nós na fila puxou conversa comigo. Parecia ter a minha idade.

- Oi! Eu sou a Ana! E você?

Uma pergunta tão simples e tão difícil de responder naquele momento! Eu não tinha alternativa! Como ia responder “Michel” se estava ali de batonzinho, blusinha e minissaia? Então, pela primeira vez na vida eu tive que me apresentar como menina. Estava claro que não seria a última vez.

- Eu sou a Michele.

- Qual seu personagem favorito no filme?

- Eu? Ah, não sei, não vi o filme ainda!

- Não viu? Nenhuma vez? Não acredito! Eu já vi 5 vezes! Ai, eu tenho o mesmo nome da Anna! Adoro ela!!

- O que ela faz?

- Ela vai buscar a irmã dela, que é a princesa Elsa, para salvar o reino do inverno congelante que a Elsa colocou sem querer!! E ela enfrenta tudo para conseguir!

Nisso a menina começou a cantar a música do filme, e outras meninas por perto acompanharam! Eu só fiquei olhando. Mas nessa hora a fila começou a andar e nos separamos.

Assisti ao filme ao lado de mamãe. Durante o filme tinha várias meninas no cinema que diziam as falas dos personagens antes mesmo deles falarem! Sabiam tudo decorado!

Ao sair do cinema eu queria muito ir ao banheiro. Estava muito apertado! Soltei de mamãe e fui correndo. Já estava quase entrando quando um senhor me bloqueou:

- O banheiro das meninas é ali ao lado, garotinha. Esse é dos homens!

Que vergonha! Tive que ir no banheiro feminino, o que dava mais ou menos a mesma sensação de dizer “eu sou a Michele”. Eu tinha que assumir essa personagem feminina a todo momento.

Entrei no banheiro com aquela sensação de estar fazendo coisa errada, como se alguém fosse me expulsar dali a qualquer momento. Mas obviamente nada disso aconteceu. Ninguém deu a mínima, eu era só mais uma menina entre muitas ali na saída do cinema.

Entrei na cabine, levantei minha saia e tentei pegar meu pauzinho na calcinha sem tirar ela completamente, como fazia com as cuequinhas. Mas não consegui, a calcinha era apertada e a saia ficava atrapalhando! Fiquei com medo de sujar a roupa, então baixei a calcinha toda e sentei para fazer xixi. Assim a saia não atrapalhava.

Voltamos para casa, e à medida que o carro se aproximava do prédio, minha sensação de pânico aumentava. Mais uma vez ia ter que encarar os garotos vestida de menina. E agora de cabelo cortado, maquiado e com as unhas pintadinhas de rosa.

Mamãe estacionou o carro e a garotada estava toda ali. Zeca me viu ainda dentro do carro e gritou para a galera:

- Olhem só! Michelinha tá de volta!

Todos vieram me zoar de novo. Ficaram a uns dez metros e fizeram um coro “Michel é menininha! Michel é menininha!”. Só que dessa vez as meninas do prédio também estavam por ali perto, e pararam para ver o que estava acontecendo. Eu queria desaparecer, sumir, cair num bueiro. Comecei a chorar baixinho, não consegui evitar. Mamãe percebeu:

- Michele, não ligue para esses garotos. Se você não reagir a brincadeira deles logo perde a graça, entende?

- Eles são os meus amigos, mamãe!

- Se eles são mesmo seus amigos vão aceitar você.

Aceitar? Nem eu queria aceitar nada disso! Mas não tinha opção, então saí do carro. João e Sérgio logo viram:

- Olha, ele cortou o cabelo como menininha! Agora tá de franjinha! E de batom! Ahahahaha! Michel está de batom!!

- Olha as unhas pintadinhas! Que gracinha! Ahahahahaha!

Todos retomaram o coro “Michel é menininha”. Mamãe segurou minha mão e falou com os garotos:

- Nunca viram uma menina, garotos?

Seguimos em direção ao corredor, e eu passei pelos garotos sem dizer nada. Na entrada do prédio estavam as meninas. Aninha, Andréia, Melissa, Lara e Valentina. A mais nova tinha uns nove anos, a mais velha doze. Todas me olhavam com a maior cara de “não estou entendendo nada”. Ao passar por elas mamãe me perguntou:

- Quer ficar aqui brincando com as suas amiguinhas, Michele?

Na verdade o que eu queria era desaparecer do mundo!

- Não mamãe, eu quero ir para casa!

Subimos no elevador e eu comecei a chorar. Mamãe me abraçou e fez carinho nos meus cabelos. Mas dessa vez não falou nada. Nem eu.

Entrei em casa e fui para o meu quarto. Sentei todo encolhido na minha cama e chorei sozinho. Fiquei não sei quanto tempo assim. Só levantei quando ouvi a campainha e uma porção de vozes na porta. Eram as vozes das meninas do prédio. O que elas queriam?

Mamãe atendeu a porta. Aninha perguntou:

- Oi tia! O Michel está?

- Oi Aninha, oi meninas! Michele está lá no quarto dela. Vou chamar.

Ela se virou para me chamar mas viu que eu já estava ali. Então chamou as meninas para entrar. Elas todas entraram e mamãe fechou a porta. Aninha me perguntou:

- Oi! Você quer brincar com a gente?

Nessa hora era tudo que eu queria era isso, um pouco de aceitação. Fiz que sim com a cabeça. Aninha perguntou para mamãe:

- Tia, por que o Michel está vestido de menina?

- Aninha, é porque Michel está de castigo. Ele brigou e bateu em você várias vezes, e em outras meninas também. E isso não pode acontecer. Um menino nunca pode bater em uma menina! Então, para ele aprender a respeitar as meninas, ele vai ficar uma semana toda como menina. Esse é o castigo. Começou hoje.

- Ele vai ficar todo esse tempo como menina?

- Sim, vai ficar assim toda a semana. E eu posso pedir um grande favor para vocês, garotas?

- O que é?

- Para ele aprender mesmo essa lição eu preciso da ajuda de vocês. Preciso que vocês tratem ele como menina, entendem? Esqueçam o Michel, agora é Michele! É como uma brincadeira de “faz de conta” de uma semana, tá bom?

- Michele é o nome dela, tia?

- Sim! Chamem ela de Michele.

Todas aceitaram. Acharam muito divertida a proposta e ficaram todas animadas! Mamãe ainda continuou:

- Meninas, posso pedir outro favor? Uma coisa muito importante! Se nessa semana a Michele brigar com vocês, disser desaforos ou agir como menino vocês me contem, tá? Ela está avisada que se isso acontecer o castigo vai aumentar.

- Tá bom, tia! Pode deixar!

Nisso mamãe nos deixou e foi lá para dentro. E eu fiquei sozinho em frente às meninas. Melissa perguntou:

- Vamos descer e brincar lá fora?

Não me animava a ideia de enfrentar os garotos de novo.

- A gente não pode brincar aqui? Ou na casa de vocês? Os garotos…

- Eles estão implicando com você, né? A gente viu.

- É, estão.

Fomos para a casa da Lara. E no elevador eu me dei conta que talvez tivesse sido uma má ideia. Tinha a mãe dela, talvez o pai, era mais gente para me ver todo de menina. Pelo menos o irmão estava lá embaixo com a garotada. Mas não tive esse problema. A mãe dela estava ocupada com alguma coisa e nem prestou atenção naquele monte de meninas que passou em direção ao quarto. Eu estava no meio, apenas mais uma menina entre outras.

Ficamos brincando no quarto de Lara e as meninas sem dificuldade me incluíram nas brincadeiras. Elas logo se acostumaram a me chamar de Michele. E eu me deixei levar. Pelo menos não sentia vergonha! Brinquei de bonecas com elas, jogamos “stop” e conversamos. Contei que tinha ido ao cinema e descobri que todas elas já tinham visto “Frozen” muitas vezes!

Brincamos até a hora da janta, quando cada uma foi para sua casa. Quando Aninha ficou sozinha comigo no elevador, falou:

- Você me desculpa?

Estranhei, tínhamos brincado a tarde toda, ela não tinha me feito nada!

- Por que? Você não me fez nada!

- Sua mãe disse que tá castigando você por minha causa!

- É que eu bati em você. Mamãe não aceita que menino bata em menina. Eu é que tenho que pedir desculpas para você.

- Posso te dizer uma coisa?

- Pode, claro!

- Adorei brincar com a Michele! Você é bem mais legal assim, sabia?

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Queridos, a continuação deste conto está no livro de minha autoria "Oito dias para Michele", disponível em e-book na Amazon.com.br.

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Comentários

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Queria ler o resto, mais não tenho condições de comprar o livro na Amazon... ;-;. ;-;. ;-;

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É realmente uma das melhores que você escreveu, eu lembro do final da história quando tava aqui no site, mas seria legal se você continuasse a história e aprofundasse a história sobre a vida da Michele, mesmo que fosse publicado só lá no Amazon.

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Meus amores, tá prontinho, publicado e disponivel na Amazon.com.br o e-book da Michele. Se chama "Oito dias para Michele". A historia ficou linda, linda! Eu acho que é melhor que já escrevi. Espero que gostem!

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Parabéns Paula, como sempre suas histórias são maravilhosas que prendem ao leitor, beijos...

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Manu, obrigada pelo comentário e incentivo para terminar o conto da Betinha! Por enquanto tá me faltando inspiração para ele, enquanto para este a inspiração sobra. Eu escrevo o que me dá 'ganas', como dizem os espanhóis, e hoje é essa historinha que me move! E fidelidade, só com meu desejo... Adoro meus leitores, mas sem tesão o texto não flui!

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Continue escrevendo a história de betinha. Que fidelidade é essa com os seus leitores? Simplesmente parar de contar a história sem nem dar um final e começar outra?

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Estava sentindo falta de você, VeriPassiva! Nenhum conto meu está completo sem seu comentário! Espero que goste de mais essa historinha! Beijão!

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