ACRÔNICO. #Parte 21. Penúltima Parte

Um conto erótico de Ralph.
Categoria: Homossexual
Contém 2543 palavras
Data: 12/05/2017 21:48:01
Assuntos: Gay, Homossexual

Eu voltaria a passar noites acordado, mas por um ótimo motivo, é claro.

Despertei para o fato de não ter levantado da cadeira por um minuto completo quando eu procurei pelo significado de uma palavra aleatória e vi o dia amanhecer lá fora. O sol preguiçoso me trouxe a palavra desejada e eu a adicionei ao texto, finalizando o capítulo que escrevia. “Finalmente”, suspirei me espreguiçando e levantando logo em seguida para abrir as janelas e deixar a primeira luz invadir o quarto.

Inclinado sobre a tela, salvei o documento e desliguei o computador depois de ver que pouco passava das seis da manhã. O meu reflexo na tela me revelou o que já era esperado: as duas bolsas abaixo dos meus olhos estavam maiores e um tantinho mais escuras. Finalmente a cara de escritor a beira do precipício tinha voltado. “Sejam bem-vindas, queridinhas”, brinquei comigo mesmo.

Quando saí do banho o dia já estava formado e o apartamento estava completamente iluminado. Do jeitinho que eu gostava de vê-lo. Vesti minha camiseta mais leve e uma calça de tecido fino e não tão agarrada às coxas, afinal ainda era meio da semana e a informalidade pedia moradia. Penteei os cabelos, ignorei o perfume e escovei os dentes antes de sair com a intenção de deixar Bernardo um pouquinho mais raivoso, caso ele tivesse alguma raiva de mim.

No trajeto passei por uma padaria e comprei algumas coisinhas para nós dois. No pacote marrom eu carregava pão de queijo, rosquinhas doce, algumas unidades de miúdas coxinhas, um suco cítrico, e um croissant de chocolate, porque ele adorava isso. Deixei o porteiro para trás com uma expressão curiosa e segurei o riso antes de bater na porta do meu moço-não-tão-moço-assim. É claro que ele estaria dormindo naquele horário e minha intenção era mesmo acordá-lo. Eu nunca tinha feito aquele tipo de surpresa e um dia normal, meio de semana e sem data comemorativa, era perfeito para isso. Não esperem os momentos importantes para surpreender, eu diria aos mais jovens.

Uma batida na porta.

Segurei o riso novamente.

Outra batida.

Quando eu me preparava para o terceiro encontro dos meus dedos fechados com a madeira, uma fresta surgiu entre a porta e o arco e por ela Bernardo olhou para o corredor, mais assustado que surpreso:

– O que é isso? Perdeu-se na vida? Não sei se você viu, mas ainda é madrugada.

Eu ri e coloquei meus dedos na porta, forçando-a um pouquinho. Ele a segurou e novamente diminuiu a fresta por onde olhava.

– Surpresa! – Eu elevaria minha voz se não fosse tão cedo.

– Surpresa? De quê, Ralph? Estamos completando um mês de caso amoroso? – Ele quis rir, mas parecia nervoso demais para isso.

– Não é nada grandioso. Eu só queria tomar café com você. E por que está sussurrando? Aliás, por que eu ainda não entrei?

– Ferrou! – Bernardo sussurrou para o chão e não para mim.

– O que está acontecendo? Há algo que eu não possa ver aí dentro?

Eu quis empurrar a porta, mas não faria isso, primeiro por não ter esse direito e depois pelo risco de machucar Bernardo, então somente tentei ver pela pequena abertura, mas dali tudo parecia normal.

– Você está sob a ameaça de alguém? Eu tenho croissant aqui. Posso causar um traumatismo com ele. Deixe-me ser o herói desse dia ordinário.

Minha tática deu certo, pois ele deixou o queixo cair sobre o peito, rindo. O cabelo estava levemente bagunçando e eu quis tanto cheirá-lo que sequer medi o espaço entre nós e acabei com ele, segurando o queixo com a mão livre e roubando-lhe um beijo, que foi logo interrompido com olhares direcionados ao interior do apartamento.

– Você poderia ao menos ter avisado. Sabia que telefones existem para isso? Mas seja o que os deuses quiserem. Isso aconteceria de qualquer forma. – Bernardo sussurrou para si mesmo abrindo a porta e me liberando a passagem.

Que suspeito!

– Se tiver algum macho aí, eu juro que acabo com ele. – Brinquei da pior forma possível.

Bernardo tomou o pacote de minhas mãos e dispôs as coisas sobre o balcão. Vi quando ele cheirou o croissant e quase esboçou o sorriso que dava quando cavalgava sobre o meu pau. Aliás, que saudade eu estava de tê-lo em meu colo. Tanta saudade que não demorei um segundo em grudar meu corpo no dele e aspirar sua nuca com meu nariz. Talvez rolasse um amor gostoso antes do café. O cheiro de pele amanhecida ainda estava presente na região e ele me deixou dar só alguns beijinhos para me afastar, nervoso:

– As coisas podem ficar feias. Ou não. Mas elas vão ficar, é quase certo. Ai que confusão!

– Tá bom, acho que você extrapolou as cotas de estranheza. Que merda está acontecendo?

Ele riu discretamente da minha tentava de ser, talvez, um pouco mais ríspido e logo o mesmo sorriso voltou-se ao nervosismo explícito. Seu olhar viajou sobre os meus ombros e eu acompanhei a jornada para encontrar na porta do seu quarto o homem que Bernardo poderia esconder, se pudesse.

A expressão no rosto do homem passou de curiosidade para fúria numa fração de segundos e todas as sensações possíveis passearam pelo meu corpo para estacionarem em minha garganta.

– Tire esse homem da sua cozinha! – A voz do homem cortou o breve silêncio que existia e era tão grossa que eu, aos 38, temia uma possível aproximação.

– Pai! – Bernardo bradou e logo percebeu que sua frase sairia gritada, mas ele não precisou falar nada.

– Nem um único segundo de explicações. De ambos. – O homem nos fuzilou com seu olhar autoritário e respeitável. – Não me faça usar a força e vocês sabem que eu posso fazer isso.

– Eu saio? – Bernardo era o alvo da minha pergunta.

– Eu não estou sendo claro? – O homem continuava tão raivo quanto antes e aquilo soou como uma ameaça que poderia muito bem ser cumprida no próximo segundo.

– Não, pai. – Ele sorriu em minha direção, tranquilizando-me. – Não quero reproduzir aquele diálogo de novela das nove, mas esta é minha casa e antes que o senhor monopolize tudo, eu tomo a frente do pelotão. Ralph fica e você também.

Eu engoli os sentimentos alojados entre a língua e o céu da minha boca e vi o homem também engolir as palavras com que pretendia interromper o que dizia seu filho. Ele somente ergueu o queixo, encenou pentear os cabelos grisalhos com as pontas dos dedos e ajeitou o blazer escuro que trajava. Talvez tenha sido a primeira vez que um Capitão-de-Fragata acatou as ordens de um homem fora da hierarquia militar. Eu quis rir disso, mas também não queria complicar as coisas.

– O dia ainda está começando - Bernardo falava caminhando atrás do balcão –, e você não precisa de toda essa brutalidade, pai. – Ele serviu o café que preparava antes da minha chegada. – Amenize todo esse mau humor com um café quentinho.

– Terei que recusar. – O homem continuava olhando para além das janelas.

Quanto drama.

– Terá que recusar? – Bernardo erguia o croissant que eu tinha lhe comprado. É sério que ele faria aquilo? Ofereceria meu agrado ao rabugento do seu pai?

– Ralph – o homem chamava minha atenção mesmo ainda olhando para as janelas e eu tive que interromper a mordida que pretendia dar em uma das rosquinhas –, você reconhece que eu tenho o direito de não apoiar isso aí?

– Não sei se quero iniciar essa conversa – eu lhe respondi e Bernardo continuou calado, observando-nos.

– Não existe o seu não querer. Eu tenho medo do que sinto quando penso no que você fez para Bernardo cair daquela forma.

– Espere aí – eu me apressei em diminuir distância entre nós dois e estendi a mão para Bernardo, convencendo-o de que estava tudo bem. – Você bem sabe que ele já sofria antes de sair de sua casa e sabe que, em algum momento, a volta daquilo nos surpreenderia.

– Depressão, Ralph. Não estamos falando do Lord Voldemort.

Eu quase ri quando fui interrompido por Bernardo, ainda lá no balcão, brincalhão e de boca cheia.

– A culpa do que aconteceu, da partida e do retorno, não é minha. Nem sua ou dele – eu continuei. – Aliás, nem culpa deve existir. Eu reconheço que deve ter sido difícil vê-lo sair tão novo da sua proteção, mas enquanto pude, tudo que fiz foi garantir que ele estivesse bem. Tão bem quanto estaria se fosse cuidado por vocês.

O olhar do homem à minha frente continuava fixo na vista para além da clara janela. Ele tomou alguns suspiros e ajeitou outra vez o blazer que despencava dos seus ombros fortes.

– Eu fui o vilão nos dias que antecederam a partida dele. – O homem parecia mais calmo, talvez até introspectivo demais. Ele mergulhava sozinho em um passeio por outros dias. Outro tempo. – Eu fui cruel quando disse que ele não seria feliz longe dos pais e fui burro quando... – A pausa me fez respirar profundamente junto com ele. – Eu fui burro quando não reconheci que havia amor no que vocês criaram.

Algo inédito acontecia e de tão surpreso, eu vi Bernardo atravessar o espaço que era dividido em sala e cozinha e tomar o peito do homem que falava. Os braços ainda franzinos como sempre foram, abraçaram as costelas do homem e os dois continuaram assim. Não havia lágrimas, nem constrangimento. Era um abraço sincero e muito, muito amoroso. Não havia perdão a ser dado porque não havia remorsos esperando para serem tratados. Eram só algumas verdades que precisavam ser colocadas em jogo.

– Ralph, o que ele quer dizer é que sempre foi um pai babão, ainda mais quando o filho parecia um passarinho doente.

– Que coisa esquisita de se dizer, Bernardo. – O homem esboçou um sorriso enquanto abraçava o filho e eu sorri mais por dentro que externamente.

– Ele fica? – Ouvi a frase sussurrada da boca do meu Bê.

– Você pode, por favor, me deixar ser dramático.

Eu tive que rir de costas já abocanhando um pão de queijo quando os dois caíram em gargalhadas.

Do que eu lembrava quando visitava a casa de Bernardo em nossa adolescência, pouca coisa tinha mudado do tratamento entre os dois. O abraço era o mesmo, o cuidado sempre fora excessivo e talvez isso tenha se intensificado com a morte da mãe dele.

Vê-los protagonizar um abraço tão bonito, me lembrou que eu sentia saudade dos meus pais e no primeiro dia livre os visitaria e com certeza levaria Bernardo comigo. Eu não perderia a oportunidade de mostrar o quanto eu estava bem e o quanto Bernardo tinha ficado bonito com o tempo, porque minha mãe sempre dizia que ele não tinha muita graça. “Ral, esse garoto é meio sem vida”, ela dizia e eu ria exageradamente.

O pai não mentia quando recusava o café da manhã. De fato ele não ficaria por muito tempo depois de ter passado a noite por ali. A despedida rendeu um beijo carinhoso no cabelo de Bernardo e um toque firme me meus ombros que quase me assustou.

– Eu preciso dizer para cuidar do meu garoto? – Ele perguntou ainda na porta.

– É claro que não precisa. – Que credibilidade eu transmitiria dizendo isso de boca cheia?

– Eu preciso dizer que é bom tê-lo de volta? – A mesma seriedade ainda morava em seu rosto.

Eu sorri confortavelmente e disse um sim com a cabeça.

– É bom ter você aqui. – As palavras me acertaram e me abraçaram. – Agora eu preciso sair. Estou prevendo coisas que não quero ver. Não quero mesmo!

E o som da risada grossa foi diminuído depois que a porta se fechou e antes mesmo que eu terminasse de mastigar, Bernardo se colocava entre meus braços e o balcão e tomava meu peito para si, com pressa e desejo.

– Isso foi uma permissão? – Os olhos azuis brilhavam e nem parecia que um dia guardavam toda a tristeza do mundo.

– Permissão para quê? Nós não precisamos dela um dia e não precisamos agora.

– Calma, rapaz – ele riu. – Não ouse esquecer que ainda estamos no meio de um caso.

– Ainda com isso, Bernardo? – Eu não conseguia segurar o riso frouxo. Era delicioso vê-lo falar daquilo e brincar com minhas vontades.

– Aham. Nós não elevamos nenhum nível. Ainda somos dois caras naquele processo de descobrimento.

– Que gracinha – eu tentei ironizar.

– Pensei que fosse excitante. – Havia uma manha gostosa na voz dele. Ela se concretizava com o toque sutil e muito carinhoso que escorregava sobre os pelos dos meus braços.

– É excitante pra caralho.

– Que tal... – Ele deu uma pausa para colocar os dedos fininhos sobre o cós da minha calça e eu o vi abrindo meu zíper –... Nós descobrirmos algumas coisinhas?

– Pode começar explorando com sua boca. Essa bem aqui que me deixa extasiado. – É claro que eu contornava os lábios rosados com a ponta do meu dedão.

– Você vai me chamar de “meu pequeno explorador”, não vai? – Ele sabia dos perigosos que corria quando falava roçando os lábios nos meus, aninhando-se em meu corpo com toda a delicadeza tão característica de seus movimentos.

– É claro que sim, minha coisinha curiosa. – Eu poderia ter falado em um gemido, porque ele já tinha arrancado meu membro de dentro da calça e o deixava duro entre seus dedos. – Agora explora o seu homem do jeito que o seu pai previa, antes que eu goze só com esse olhar dengoso.

Ele sorria ao se colocar de joelhos e enquanto isso fazia seus olhos ainda encontravam os meus.

Bernardo me colocou em sua boca e me chupou como só ele poderia fazer. Sua língua era mão macia e me recepcionava tão bem. Ele sabia o momento exato de tocar-me com seus dentes e quando poderia fazer isso mais forte. Ele me chupou por longos minutos entre meu corpo lânguido e a parede dura do balcão e só me deixou livre do sofrer que era estar em suas mãos quando sentiu que eu gozaria. Arrancamos nossas roupas e fizemos amor ali mesmo, entre rosquinhas e o cheiro de chocolate misturando-se ao cheiro do nosso sexo. Minha penetração foi forte quando o vi de costas para mim e o tremor em nossos corpos foi severo quando gozamos ainda em pé, colocando em prova a nossa resistência masculina.

Limpos, passamos bastante tempo abraçados no sofá. Eu não precisava implorar por mais beijos e ele não me pedia carinho, pois eles eram gratuitos e inesperados. Nosso corpo, quando junto, ainda combinava e a textura de nossa pele ainda lembrava uma da outra. Nosso abraço era só nosso e o calor que emanava dos nossos poros era raro. Cada átomo existente no universo desejaria fazer parte de nossa composição e Bernardo riu quando isso eu confessei.

Eu fui expulso do conforto daquele abraço quando ele disse que tinha muitas coisas para fazer e eu nem reclamei, pois ainda tinha muitas páginas do livro para preencher. A entrega de um novo produto estava atrasada há tempos.

Já em casa e sentado à frente do computador, coçar a testa me fez sentir o perfume do gozo de Bernardo impregnado em meu pulso. Eu aspirei minha própria pele com desespero e inevitavelmente eu estava duro por baixo das roupas. O outro pulso massageava o volume acordado por cima do zíper e eu soltei algumas respirações pesadas no meio de um sorriso. Ainda estar excitado muito combinava com as palavras despejadas nas páginas em branco.

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