O protagonista da epopeia

Um conto erótico de Aparecido Raimundo de Souza
Categoria: Heterossexual
Contém 1982 palavras
Data: 02/03/2017 10:46:21

O protagonista da epopeia.

(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.

Especialmente escrito para a “CASA DOS CONTOS”.

1.

Parlatore, vez outra, ou melhor, quase sempre, viaja na maionese. Nessas ocasiões costuma ter umas ideias estranhas, principalmente com Rosinha, sua mulher, uma loirona gostosa de abrir o apetite até de cadáver passado recentemente à condição de defunto. Como sempre, na sexta-feira, chega do trabalho, jubiloso e animado. Toma um banho demorado, janta em silêncio mais a esposa e a empregada. Finda a refeição, se aboleta com a companheira para ver televisão.

- Rosinha estou num daqueles momentos de pura loucura eufórica.

- O que vai ser desta vez?

- Penso fazer um negócio diferente.

- O que, exatamente?

- Quando a Suzi acabar com as louças, mande se recolher mais cedo.

- Ela vai adorar amor. Daqui a pouco começa o Big Brother Brasil, e você sabe que ela ama assistir a essa porcaria.

- Perfeito.

- Qual é a idéia?

- Estou com vontade sair à cata de uma prostituta.

2.

Rosinha dá um salto do sofá como se impulsionada por molas, enquanto range os dentes para reprimir um grito de raiva.

- O quê?

- Calma, meu bem. Relaxe. Você será a minha garota de programa.

Rosinha puxa o ar pelo nariz – uma inspiração profunda, intensa. Se abre num sorriso matreiro e volta a se aninhar nos braços do amado.

- Quero que vá lá dentro, bote uma daquelas sainhas curtas, complemente com a cinta liga que lhe trouxe de São Paulo, calce as botas e vá para a rua. Estou pensando na Praça Mauá, ali ao lado do Edifício “A Noite”. Tem uns “inferninhos” maneiros. Você se mistura às outras, ai eu passo, jogo conversa fora com uma e outra, até que vejo você...

3.

Rosinha está pra lá de supercontente. Acalma completamente a raiva de minutos atrás. Seu rosto, agora, se assemelha com o de uma boneca e, quando se desmancha em sorriso, parece um pedaço de sol, ainda que seja noite de forte tempestade.

- Legal, amor. Que imaginação. Gostei! Você tem cada idéia. Sexta passada eu amei me passar por enfermeira e acudir você de um “acidente”. Foi massa. As colegas lá do pronto socorro (principalmente a minha amiga Simone, que me ajudou na “encenação”), acharam a ideia genial. Por isso te amo cada vez mais. Meu gênio lindo.

- Vamos combinar o seguinte: não quero te ver pronta. Sairemos daqui depois que terminar a sua novela. Te dou o dinheiro para o taxi. Vá direto para a Praça Mauá. Seguirei atrás, cinco minutos depois, no nosso carro. Combinado?

- Combinado.

- Maõs à obra. Cuide da Suzi. Não quero que ela lhe veja saindo vestida de puta. Desculpe hoje você será a minha kenga particular. Depois de pegar você viremos para cá, para o nosso quarto. Quero te devorar na nossa caminha. Meu amorzinho, o pau vai comer feio, por aqui...

- E eu quero sambar a noite inteira nesse pau. Vou te chupar, engolir a pica até os colhões, e depois... gozar, gozar, até a Jiripoca ficar rouca e cansar de piar.

- Calma, amor. Jiripoca é um peixe. E peixe não pia.

- Brigue com o Daniel. Foi ele quem gravou a Jiripoca. Está lembrado? Hoje a Jiripoca vai piar, vai... vai piar a noite inteira ai ai... hoje eu quero enxugar... vou tomar muita cerveja... hoje eu quero aliviar...

4.

Assim sucede. Por volta de meia noite o casal se posiciona. Rosinha deixa o apartamento num prédio chique na lagoa, de frente para os braços abertos do Cristo Redentor. Um taxi a espera. Ela desce pelo elevador de serviço e sai pela garagem, sorrateira, sem ser notada, com uma peruca engraçada, na cabeça. Irreconhecível. Quinze minutos depois Parlatore se põe em marcha. Entra na BMW preta e segue para o local combinado. A noite que mal começa, promete ser das melhores e, como nas brincadeiras anteriores, terminará numa inesquecível explosão de alegria e felicidade.

***

Quando Parlatore chega à Praça Mauá encontra problemas para estacionar. Depois de algum tempo consegue uma vaga. Corre. Ligeiro, embica para o ponto de encontro, ansioso, exaltado, inspirado, o coração quase a saltar fora. Para num vendedor ambulante e compra uma latinha de cerveja. Avista uma vagabunda que, ao vê-lo se achega melosa. Parlatore fuge dela e segue em frente, decidido. Duas garotas encostadas às costas do Edifício “A Noite” jogam charme.

- E aí, bonitão, vamos ali em cima fazer um nenenzinho em nós duas?

5.

O negócio do rapaz, contudo, não é nenhuma daquelas piriguetes que cruzam com ele. Sua vontade maior e objetiva, encontrar a esposa. Quer reaver Rosinha sem delongas e escrever mais uma página nova na história de amor que vive com ela, um romance bonito que dura cinco anos.

De repente, eis que o amor sublime de sua vida surge no pedaço, parada, logo adiante. Engoli uma exclamação de surpresa, ao vê-la farta, inesgotável, diluvial. Ao lado dela, todavia, um entrave que não faz parte do script. Um sujeito alto e encorpado, beirando os trinta, sem camisa e tatuado da cabeça aos dedos dos pés. A criatura leva um papo, naturalmente tentando arrebatar Rosinha para seus braços. No fundo, a tara de todos que circulam por ali, àquela hora da noite, procuram sexo. Querem acabar numa horizontal, entre gritos e gemidos de satisfações plenas. Contados a dedo, essas orgias não chegam a alcançar os cinco minutos, como diria com muita propriedade José de Alencar, embora Paulo Coelho bata pé afirmando categoricamente serem onze.

6.

Os olhos de Parlatore (desde o momento em que veem a mulher assediada por outro), mudam. São tomados por um ímpeto de cólera inexplicável. Rosinha, apesar de vestida de vadia, não perde o charme. Parece uma deusa grega, um sonho perfeito misturado com o ilógico e o irreal. A saia curta, muito acima dos joelhos deixa, à mostra, um belo par de pernas que fazem lembrar Giovanna Lancellotti. Os seios pequenos, o rosto provocante, o charme, o sorriso completam o cenário. Parlatore por breves segundos se vê embasbacado. Tanto, mas tanto que nem percebe a presença de uma branquelinha de corpo fino e esguio, as maças faciais cheias de sardas. Ela enlaça o rapaz pelo braço e o convida para os regalos e os diletantismos da carne.

- Não estou afim, moça...

- E por que está aqui?

- Quero aquele monumento.

- Uau, o gato tem gosto apurado. Nunca vi essa potranca no pedaço. É nova. Deve estar começando hoje. Todo dia uma piranha surge do nada. Esqueça meu príncipe. Seu “prato” de entrada já arranjou um freguês no restaurante da eterna sacanagem. Aquele que está com ela é o Ruivão.

- Ruivão?

- Trabalha para o Jambo. E como ele não perde tempo, quer fichar a moça no bordel do patrão. Não pode ver uma bezerra nova que logo aparece para botar a marca do chefe na bunda da infeliz. Dizem que o desgraçado pressente, fareja de longe, a fragrância da carne virgem. Entende o que digo, não é? Aquela, pelo jeito como se porta, nunca deu a boceta em troca de dinheiro. No nosso linguajar bem vulgar: é mocinha... cabaço zero bala.

7.

Parlatore tenta se desvencilhar da rameira que, apesar das suas negativas, continua insistindo em ser levada para um quartinho de hotel.

- Me larga.

- Essa aí é muito cara. Olhe, faço um preço especial. Barba, cabelo, bigode e... se o seu bilau estiver limpinho, deixo rolar um oral e no final da festa, você me come o cuzinho...

- Sai moça.

À medida que fala procura se mover rápido, apertando os passos, andando em círculos.

- Ei...

Rosinha vira o rosto para o marido. Olha de cara feia para a acompanhante dele.

- Quero um programa com você. Dá para ser? Quanto?

O homem abeirado a ela (que a vadia dissera ser conhecido no pedaço, por Ruivão) toma as dores. Rosna.

- Qualé, meu. Não se enxerga? Cheguei primeiro no pé da beldade. Tenho o direito de preferência. É melhor ficar com a que está contigo. Luana. Boa menina. Um fodão se quer saber. Agora, dê o fora da minha vista...

- Não quero a Luana. Quero ela...

Ruivão engrossa.

- Escuta, meu. Não sei de que chiqueiro saiu. Nem quero saber. Volte para de onde veio e vá se ferrar. A princesa aqui tem dono para esta noite.

8.

Ato contínuo Ruivão abraça Rosinha pela cintura e a puxa de encontro a seu peito, enquanto tenta beija-la à força.

- Vamos nessa, safadinha. Vou te mostrar com quantos paus se faz uma mundana da sua laia...

Parlatore perde a noção do tempo. Cega de raiva. Uma sensação estranha o invade. Sem pensar nas consequências, parte quente, bufando de raiva e ódio para cima do sujeito e lhe aplica um soco na barriga.

Ruivão, porém, é forte e, além de parrudo, musculoso. Não sente o golpe. Sem que Parlatore espere por qualquer tipo de reação, o elemento se volta como um raio e lhe desfere um direito na mandíbula. Essa cacetada pega em Parlatore como um coice de mula, bem no meio de seu rosto. Com essa porrada inesperada, o infeliz se desequilibra e vai para o chão catando cavaco.

9.

Contudo, parece possuído por uma força estranha, sobrenatural, algo além de suas possibilidades de cidadão pacato. O fato é que do mesmo jeito que beija a poeira da calçada, se volta levantando ligeiro. Ensaia novo soco e manda brasa. Ruivão, porém, acostumado a esse tipo de vida, desvia e emplaca um novo gancho. Parlatore, de novo, toca a sarjeta e suja de sangue toda a roupa e parte da calçada.

Rosinha, sem saber o que fazer, corre para ajudar o marido, gritando seu nome. Agarrada e presa por dois outros brutamontes que chegam se torna impotente. Esses desgraçados são companheiros inseparáveis de Ruivão.

- Segurem essa fofura enquanto dou uma lição neste palhaço.

Parlatore cai e levantava. Levanta e cai. Rosinha continua gritando e se esperneando. Morde o braço dos dois que a detém, desesperada, tentando escapar, mas nada. Os mal encarados riem a mais não poder enquanto lhe arrancam a calcinha e enfiam os dedos em seu ânus. Não contentes, penetram a sua vagina introduzindo uma lata de cerveja gelada. Rosinha urra de dor. Luta, chora se debate na tentativa de se livrar dos grosseiros. Seus esforços, contudo, restam frustrados e malogrados.

10.

Parlatore avista, então, uma garrafa jogada no meio fio. Embora esteja grogue, desorientado e mal podendo enxergar um palmo a frente, passa a mão nela e parte, como um possesso para cima do seu opositor. Seu derradeiro gesto. Ruivão, atento, não dá tréguas. Puxa de uma peixeira que carrega numa das pernas da calça e a enfia, sem dó, nem piedade na barriga de Parlatore. Estoca, transpassa estileteia. Uma, duas, três, cinco, dez, vinte, vezes e o fez seguidamente, com uma velocidade e uma destreza de açougueiro que conhece a fundo a sua profissão.

- Assim que mandar você para o inferno vou relaxar com meus amigos comendo, nós três, o fiofozinho daquela galinha. Mando depois, as pregas que sobrarem, pra você. KikikikikikiParlatore não chega a ouvir essas palavras. Descamba para trás e só não arrebenta com a nuca no cimento frio de cimento porque a boquiaberta e espantada Luana, num gesto de misericórdia, o ampara com os braços e o aninha em seu colo. Rosinha sai arrastada pelos dois comparsas que se instalam num taxi que faz ora por ali, enquanto Ruivão, ágil como um gato, salta para a garupa de sua moto, uma Harley-Davidson sem placa. Como um louco, dispara acelerando em direção à Avenida Rio Branco.

12.

A polícia faz graça em cinco minutos. Ninguém fala nada. Nenhum transeunte presenciou coisa alguma. Prevalece a lei do silêncio. Parlatore nem chega a ser efetivamente socorrido. Quando a ambulância encosta, nada mais pode ser feito. Morreu em menos de três, em decorrência das vinte facadas que lhe fizeram mergulhar num mar de sangue sem volta.

(*) Aparecido Raimundo de Souza, 63 anos é jornalista.

(**) do livro “PIPA VOADORA”OBJETIVA. 173 páginas.

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