Era Só Uma Noite. #12

Um conto erótico de Caio Alvarez
Categoria: Homossexual
Contém 2797 palavras
Data: 17/10/2016 16:14:01
Última revisão: 17/10/2016 17:39:48

Mais tarde naquele sábado acordei com pressa e com cuidado desfiz o abraço que eu dava em Alexandre. Eu precisava do meu minúsculo apartamento e das minhas coisas. Precisava também de tempo para pensar nas confusões que eu fazia gratuitamente ao me envolver em outros níveis com o próprio Alê e com o homem que ele insistia em chamar de meu cliente. Não considerava Vincenzo um cliente. O primeiro encontro se deu por minha curiosidade e os outros pela vontade de descobrir os segredos dele. O dinheiro era o que menos importava. Mas importava, é claro. Porém havia sentimentos demais para organizar. Ou não. Não sou do tipo que organiza as coisas. Quem eu estava tentando enganar, afinal?

Melhorei minha aparência no banheiro, vesti minha roupa, deixei um beijo descansando na bochecha rosada de Alexandre, admirei seu corpo nu iluminado pela a luz do meio-dia e saí da forma como queria ter saído do apartamento de Vincenzo, em completo silêncio.

Eu sempre soube que não era exemplo de pessoa que separava as situações. Eu estava envolvido por Alexandre e a diversão que ele me vendia, mas também estava encantado pela segurança e os mistérios que Vincenzo guardavam na palma de sua mão grande e forte. Ele parecia ancorar metade do mundo nos ombros. Duas pessoas completamente diferentes. Dois extremos. Duas formas de sentir. Definitivamente eu precisava me desligar o resto do final de semana. Para o meu bem e para o bem de todos ao redor.

Ao sair do prédio cumprimentei o porteiro rabugento e os três homens até simpáticos que esperavam na portaria. Perguntei se queriam entrar e me responderam sorrindo que estavam de saída. “Eu também deveria estar de saída” pensei em silêncio ao caminhar rua acima. Decidi no minuto seguinte que era uma tarde quente demais para pensamentos profundos e ri comigo mesmo da minha capacidade de parecer um completo maluco.

Já em casa visualizei a mensagem de um amigo que falava sobre as vagas para criador de conteúdo que uma revista eletrônica estava oferecendo. Eu estava no que chamam de “olho da rua” e não me submeteria a viver como Alexandre levava a vida e nem conseguiria, caso tentasse. Talvez era o que eu precisava: remar em outra direção, tentar outras alternativas que não envolvessem escritórios e horas perdidas tentando passar desapercebido pela multidão que seguia o mesmo caminho. Inevitavelmente eu estava pensando em Alexandre e sua influência sobre mim. Querendo ou não ele tinha mesmo me moldado. Eu estava me questionando e de quebra colocando o ambiente ao redor na balança. “Cretino” eu disse enquanto terminava de enviar o meu currículo para a revista.

Me perdi entre muitas coisas e a tela do computador me devolveu ao mundo real quando percebi que já tinha anoitecido. Tomei um banho, pedi a pior comida japonesa que já comi na vida e me dei ao direito de passear entre as várias opções de entretenimento dos serviços de streaming. A noite quente me obrigava a manter a janela aberta, mas de tão pequena, nenhum resquício de vento entrava por ali e não precisei de um segundo para lembrar do quarto de Vincenzo e de como a parede de vidro poderia ventilar o ambiente quando aberta. Aquilo era quase a coisa mais fascinante que eu já tinha visto.

Na manhã do domingo a tela esmaecida do computador avisava que eu tinha dormido entre um episódio e outro da série que assistia. Era um dia frio e isso me deixava confortável. No celular não havia ligações perdidas de Alexandre ou mensagens de Vincenzo. Nenhum sinal de que ambos me procuraram. Senti um gelo no estômago que significa um misto curioso e quase impossível e ansiedade e alivio. Para o almoço preparei preguiçosamente uma massa e quase não comi quando vi o resultado. Mas entre aquilo e a pizza ruim que vendiam nas redondezas do meu bairro, era melhor ficar no macarrão feioso. Decidi também que nada nem ninguém me tiraria da cama. Novamente os filmes teriam minha total atenção.

Ouvi o celular tocar distante de mim. Eu estava desligado e parecia transitar entre o sonho e a realidade. Outro toque insistente e então eu acordei, tomando consciência de que tinha novamente adormecido. O cinza do clima não me permitiu adivinhar as horas, mas parecia ser o fim do dia. Estiquei metade do meu corpo para fora da cama e peguei o celular que ainda tocava em cima de uma mesinha minúscula. Um número desconhecido aparecia na tela.

- Hmm – eu murmurei ao atender, ainda acordando.

- Caio, é do hospital São Lucas. Você conhece Alexandre Petrov?

.

Subi as escadas e atravessei o corredor em único suspiro. Eu estava prestes a vomitar mas segurava o que queria sair com forças que não eram minhas. Talvez eu devesse desculpas a enfermeira que foi completamente ignorada por mim quando citou Alexandre e Hospital na mesma frase. Vi Viny em pé em frente de uma das salas do longo corredor e ao lado dele Alessia segurava uma lata de refrigerante, o olhar tão perdido quanto o de Viny. Meus passos se apertaram e eu atravessei os dois como se eles não tivessem ali. Uma enfermeira bloqueou a porta que me deixaria dentro da sala.

- Saia da minha frente! - eu falei com força suficiente para fazê-la se mover sem protestos.

Alexandre estava deitado na cama hospitalar e um lençol branco muito fino cobria seu corpo até a altura do seu peitoral. A pele exposta guardava marcas absurdamente vermelhas e alguns cortes superficiais. O queixo exibia um corte profundo e havia resquício de sangue já seco em seu pescoço. Os lábios estavam inchados e roxos, as bochechas da mesma coloração e a pálpebra do olho esquerdo estava completamente saltada e machucada. Um roxo ainda mais forte e contrastante cobria toda a região ao redor do olho. Me forcei a caminhar e segurar na proteção da cama para conseguir me manter em pé. Todo meu corpo doía. Os machucados pareciam arder em minha pele e meu estômago se revirou inteiro ao ver meu garoto aparentemente desacordado sobre a cama.

Voltei para a porta com a mesma pressa e tirei Viny do meu caminho para pressionar a enfermeira que me esperava ali fora.

- O que aconteceu? – Minha voz era alta o suficiente para invadir as outras salas. – Anda, o que aconteceu?

- Se acalme!

- Só depois de saber que porra é aquela – eu disse apontando para dentro da sala.

- Ele chegou aqui essa manhã e a única coisa que ele se lembra é de ser abordado por três homens – disse a enfermeira numa calma que me incomodava. – Eu sinceramente não sei como eles não o mataram. Ele foi cruelmente espancado.

As palavras dela me golpeavam e me marcavam tão forte quanto os machucados de Alexandre. Não por saber que isso poderia acontecer e eu não evitei, mas por ter visto os três homens no dia anterior e não ter suspeitado que ele poderia sofrer algo do tipo. Apertei os olhos com força e voltei para dentro da sala fria demais. Segurei os dedos da mão que estava levemente para fora do tecido e os apertei, sentindo ele responder ao meu toque.

- Você – ele sussurrou com dificuldade, quase não abrindo os lábios.

Larguei sua mão e acariciei sua mandíbula, descendo meus dedos para seu pescoço. Ele quase esboçou um sorriso, mas logo gemeu de dor apertando o olho direito, o único que conseguia abrir para me ver.

- Não se esforce – eu disse segurando toda as lágrimas que eu guardava nos olhos.

- Desculpe – ele disse ainda sussurrando.

- Não peça desculpas. E eu já disse para não se esforçar.

Eu acariciei a orelha de Alexandre e desci meus dedos para o queixo, evitando o corte.

- Eu sabia que eles iriam voltar.

A voz dele falhava mais saía de forma audível.

- Você não precisa falar disso agora – eu disse em tom de ordem.

- Está tudo bem.

- Pare! Não está tudo bem. – Eu olhei para seu corpo coberto pelo tecido. – Devo me preocupar ainda mais?

- Não. – Alessia entrou no quarto e respondeu por Alexandre. Eu a olhei de lado, incomodado com a presença dela. – Eles só queriam se vingar da briga na boate. Uma correção, como costumam falar. – Ela completou.

- Eu deveria ter ficado lá – eu voltei minha atenção para Alexandre.

- Apanharíamos do mesmo jeito – ele disse em tom de brincadeira seguido de um gemido mais forte.

- Você é insuportável.

- Mas você está aqui – ele disse em outro sussurro.

Eu poderia jurar que Alessia saiu do quarto com a mesma pressa que entrou. Eu sorri pousando minha mão em seu peito que inflava suavemente em cada inspirada mais profunda e dificultosa.

- Eu estou bem aqui. Fique tranquilo!

Anoiteceu rápido. Com a minha presença, Alessia e Viny não precisariam ficar ali. A enfermeira permitira que eu continuasse no quarto até porque os pais de Alexandre só seriam avisados na segunda-feira conforme ele tinha pedido. Enquanto a enfermeira lhe servia o jantar que consistia de uma sopa aparentemente horrível, mas de cheiro saudável, eu desci ao espaço de convivência para comer alguma coisa mais pesada e possivelmente mais gostosa. Ao voltar Alexandre tinha tomado banho e estava consideravelmente mais limpo. A ponta do queixo estava coberta por um curativo e não havia mais os resquícios de sangue na pele do seu pescoço. Ele estava sentado na cama com as pernas esticadas mudando os canais da TV de forma quase infantil quando eu bati na porta já aberta, anunciando minha chegada. Já fui bombardeado:

- Estava comendo quem? Demorou duas vidas.

Eu ri sentando na ponta da cama com medo de causar algum movimento e provocar ainda mais dor. Me senti culpado por rir da forma como ele estava falando por causa dos lábios inchados.

- Estava lá paquerando alguns médicos. Cada monumento. Fingi dois desmaios, sabia? – eu menti ainda rindo enquanto tomava o controle dele.

- O que me atendeu é um pé no saco.

- Você que é.

Não se importando com minha provocação ele bateu no espaço ao lado dele na cama. Queria que eu o preenchesse.

- Não. Vão encrencar.

- Eu to pagando. Quero você aqui! – Ele se ajeitou soltando alguns gemidos, me obrigando a fazer o que ele queria. – Anda!

Dei a volta na cama e sentei do lado que ele tinha reservado para mim. Meu corpo estava muito próximo do dele e isso me transformou em uma escultura. Eu estava completamente imóvel quando ele alisou meu antebraço com as pontas fininhas dos seus dedos.

- Eu acho que vou morar com meus pais.

Eu deixei em um canal qualquer para lhe dar toda minha atenção.

- Você vai sobreviver? – eu perguntei sério.

- Não sei. Mas eu preciso ir. O que aconteceu mostra que eu estava levando uma vida... – ele deu uma pausa para ajeitar a postura que provavelmente lhe causava alguma dor. – Minha vida estava uma bagunça.

- Esse é o único Alexandre que eu conheço. Vou reconhecer algum outro?

Ele sorriu e seus dedos pousaram confortavelmente em minha coxa. Eles escorregavam para o interior delas e isso me causava arrepios violentos.

- Eu não vou mudar, mas você mesmo vivia dizendo para diminuir o ritmo. Eu sou completamente pirado.

- Pirado e encantador – eu completei.

- Que romântico – ele brincou me fazendo rir.

- Aliás, eu também estou tentando algo novo.

- Isso sim é uma novidade – ele me provocou.

- Cretino! – Eu coloquei meus dedos nas costas da mão que alisava o interior das minhas coxas. – Eu to tentando uma vaga em uma revista para criador de conteúdos. Você sabe que eu não seguiria os seus passos. E quando eu falo assim parece que você é a pessoa mais experiente do mundo.

- É claro que você não faria isso. E é claro que eu não sou.

Eu o olhei mirando os olhos escuros contrastando com a pele branca demais.

- E os próximos passos? – Eu perguntei.

- Eu volto a ter uma vida quase normal, você consegue essa vaga e é isso.

Ele não cogitava que pudéssemos ter alguma coisa além da relação de melhores amigos. No fundo eu esperava isso. Sabia o quão confuso seria para nós dois. Estava bom assim. Talvez não tivesse mesmo que atingir outros níveis.

- Ah – ele continuou. – Não podemos esquecer de transar de vez em quando.

Ele sorriu com dificuldade seguindo o interior das minhas coxas até chegar em meu volume. Não reclamei do toque, pelo contrário, deixei sua mão pousada ali enquanto ria. Eu já estava com saudade daquelas provocações.

- Então – disse a enfermeira parada na porta. – Você sabe que vai ter que sair daí.

Num susto pulei da cama e dei a volta nela, me jogando na poltrona. Ela ria ajudando Alexandre a deitar novamente. Ele piscou para mim enquanto ela preparava alguma medicação para ele. Os comprimidos o fizeram adormecer sem perceber. Levantei do meu sofá e beijei sua testa com carinho. Acariciei seu queixo e depois seu peitoral macio e levemente inchado antes de me deitar desconfortavelmente no sofá pequeno para então tentar dormir algumas horas que fosse.

Olhando-o do meu plano, eu sabia que teria que guardar qualquer sentimento de maior complexidade que eu sentisse por Alexandre. Ele não estava disposto a elevar a relação e eu sabia disso. Nós sabíamos disso. O que sentia não era amor, afinal. Era apego à sensação de liberdade que ele me vendia. Há nele um apelo violento em favor da adrenalina e isso me faz querer estar próximo demais para cuidar e esse instinto me faz confundir as coisas. Concertar isso com Alexandre me dava a oportunidade real de entender o que eu sentia por Vincenzo. Talvez não fosse nada, mas talvez fosse alguma coisa considerável. Eu tenho predisposição para a confusão, mas pela primeira vez eu estava colocando as coisas no lugar.

Eu estava concertando um sentimento que eu criei. Eu estava arrumando uma situação antes dela piorar. Pela primeira vez eu estava orgulhoso de ter feito algo por mim, mesmo que pensando nele, consequentemente.

Lisa e Ivan Petrov chegaram no outro dia mais cedo do que eu imaginava. Abri os olhos com dificuldade quando os vi atravessar o quarto em direção ao leito de Alexandre. Formais demais, me cumprimentaram apenas com o básico enquanto eu tomava uma postura inventada e arrumava o cabelo desgrenhado. Minha coluna estava moída e isso divertia Alexandre, que sorriu ao me assistir alongar ali mesmo. Seu sorriso sonoro demais atravessou os pais em pé ao seu lado e eu entendi que ele queria um momento em particular com eles. Saí com pressa sem falar muito. Tomei café na mesma área de convivência da noite anterior. Terminava de pagar o que tinha comido quando vi Alexandre apontar no final de um corredor. Seu pai segurava em seu ombro como se fosse uma máquina da indústria de montagem de automóveis que ele dirigia no sul do país. Seu garoto era um motor recém montado.

Alexandre estava frágil e isso fazia com que ele adotasse uma postura que não combinava com ele. Não havia calor em seu sorriso quando eles atravessaram o pátio e me encontraram do outro lado, entre algumas mesas, pacientes e outros visitantes.

- Eu já estou indo – disse ele.

Ele realmente não estava brincando. Seus pais vieram para buscá-lo.

- Mas assim tão rápido? – eu protestei.

Lisa, sua mãe, foi rápida ao tomar a fala.

- É melhor assim, não é Ivan? Não tem ninguém aqui que possa cuidar dele.

Alexandre praticamente não existia na presença dos dois. É claro que eles sabiam das escolhas que Alexandre fizera na vida, ou parte delas pelo menos, mas ali, diante da ultra formalidade deles, Alê não tinha posicionamento algum. Eu já não o reconhecia.

Ignorei ambos e atravessei o espaço entre eles para um abraço cuidadosamente forte em Alexandre. Deixei meu rosto roçar o dele sem entregar qualquer outra relação entre nós dois e beijei sua orelha carinhosamente.

- Não demore – eu sussurrei. – Prometa!

- Não demoro. Eu prometo! – disse laçando minha cintura com o braço livre, já que o outro estava preso numa tipóia esquisita.

- Eu te adoro – completei quando terminei o abraço.

- Que romântico – ele brincou não se importando com a presença dos pais.

Eu sorri e continuei calado enquanto os três caminhavam para o exterior do hospital. Havia um pesar no ar, mas havia também uma promessa que se confirmou com o olhar de Alexandre antes de sumir na saída. O olhar cruel e provocante dizia muito. Ele estava indo tirar férias, eu sabia que ele voltaria tão rápido quanto estava indo.

..

Não posso deixar de agradecer aos comentários do último conto. RickRiber, obrigado obrigado obrigado. Bagsy, não saber com quem você prefere que Caio fique é quase outro elogio. Só posso dizer que acontecerá coisas que você não espera. Continue aí! Marimarina, que responsabilidade essa. Pegue leve comigo. haha Obrigado, sempre! AllexSillva, você me deixa mal acostumado. Continue aí, pode ser? Estamos quase no fim. Quase! Espero que continue gostando de tudo.

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Comentários

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AllexScilva: ai meu Deus, não faz isso comigo! Péssimo momento para liberar o conto, hein.

Bagsy: desculpe qualquer coisa. Aliás, tudo pode se encaixar, ou não, vai saber... Eu só espero mesmo que você curta tudo e não fique tão perdido.

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Porra num faz isso comigo quase entrei na bad pelo Ale nesse capítulo. Espero que as coisas se encaixem nos lugares certos pro Caio. Enfim. To aqui no aguardo tão perdido quanto nosso protagonista com o que vem pela frente! Até o próximo 😘😘

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Ler esse capítulo escutando Joane da Gaga não é nada fácil, me fez chorar 😭😭😭

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