Guerreiro - Capítulo 4 (penultimo)

Um conto erótico de Jader Scrind
Categoria: Homossexual
Contém 5013 palavras
Data: 20/02/2016 18:27:34
Assuntos: Gay, Homossexual

QUARTA PARTE – GUERRAS SEPARANDO PESSOAS

Podia lá fora ter se passado um dia, ou dez, que eles não saberiam, ali entre aquelas quatro paredes do quarto, tão focado que um estava no outro. O reencontro dos garotos da beira do abismo, parecia tão natural que não queria se desfazer, e mesmo que Romulo tivesse seus compromissos como nobre, principalmente de dia, como almoços e recepções; e Arthur tivesse seus compromissos como guerreiro, principalmente de noite, como fazer a guarda do corredor e o juramento de todas as manhãs, eles conseguiam esticar um tempo um para o outro e trancados naquele quarto, sem a necessidade de roupas ou cerimônias, reatarem mais a amizade.

– Arthur, não acha que já está na minha vez de... você sabe... provar de você – Romulo comentou, quando estavam abraçados e cobertos apenas pelo lençol de linho que era presente do rei ao futuro marido de sua filha. Por baixo desse lençol, a mão de Romulo repousada sem alarde na bunda do ruivo que ele amava.

– Você não está feliz assim? – Arthur falou, não num tom sério de voz, mas também parecia não estar completamente de brincadeira, era um meio termo entre as duas coisas. – Por que eu posso passar o resto da vida te dominando e vou ficar muito contente...

– Não é que eu não esteja feliz, eu to contigo, e isso é bom. Mas sempre, desde pequeno, eu sou a fim da sua bunda. É que você era tão fragilzinho, tão inocentezinho que eu tinha medo de avançar, mas agora, tu é um homem feito, o mais corajoso dos guerreiros do reino, e agora eu tenho vontade de ter você porque um homem assim me dá desejo também. E meu pau não tá agüentando mais...

Arthur sentiu quando Romulo de brincadeira virou-se de lado e o pau dele tocou entre as coxas do guerreiro, pela frente, os dois se olhando nos olhos e o pau duro de conde Rômulo tentando passar por entre as duas coxas de Arthur, que eram grossas, o que tornava aquilo apertado.

– Por favor, me deixa fazer isso, Arthur. Deixa eu ser teu homem também...

– Não, Romulo. Quando você foi embora, eu jurei a mim mesmo que nunca deixaria que alguém ficasse com a minha bunda, a menos que se tornasse alguém realmente meu.

– Eu sou teu.

– Não, você é da princesa. Você só seria meu se abrisse mão desse compromisso com ela, e saísse desse castelo comigo...

– Você está brincando, né? – sua voz se tornou amarga, mais não brava, apenas magoada – Isso seria traição, eu jurei perante o rei que me casaria com ela. E minha família, eles seriam executados... e você Arthur, você teria coragem de fugir comigo, de quebrar o juramento de guerreiro?

– Eu não olharia para trás. Parece que você ainda duvida... eu saltaria do abismo se você fosse comigo, e nem ia ter medo.

Romulo abaixou os olhos, triste. Ele não tinha essa coragem, ele não conseguia se imaginar deixando tudo para trás e fugindo para ir viver com Arthur como Arthur gostaria. Mesmo que estivesse nu com ele na cama e muito feliz tendo ele do seu lado, alguma coisa dentro de Romulo ainda não estava entregue a aquele amor. Algum medo do que os outros fossem pensar se ele assumisse esse amor ainda era uma raiz daninha que se amarrava a seus tornozelos e impedia que ele saltasse daquele abismo junto com Arthur; sim, sim, o abismo é uma metáfora. Sim sim ele tinha medo de morrer do outro lado, ou que rissem dele do outro lado, ou que fizessem piadas sobre ele pelas suas costas do outro lado. Porque eles viviam numa terra arcaica em que isso acontecia, as pessoas não respeitavam os outros. Eles viviam numa terra nada tolerante e nada civilizada em que o amor não era respeitado em todas as suas formas. Sim sim, tudo é uma metáfora. Até a maneira que Arthur olhou decepcionado para ele, mas por apenas um instante, depois tratou de disfarçar, porque não queria pressioná-lo, tinha que vir dele a iniciativa, tinha que ser uma vontade dele saltar daquele abismo, e não alguém o empurrando.

– Então, eu acho que como você não tem nenhuma intenção de fazer isso, eu vou continuar sendo o homem que te protege, mesmo que você queira me proteger as vezes. Sabe, eu não sou aquele menininho que precisa de um amigo mais velho para cuidar dele, agora eu posso cuidar de ti. Mas mesmo assim, eu gostaria que você cuidasse de mim as vezes, quando você for só meu...

Ficaram em silencio, trocando olhares, decorando todas as expressões faciais um do outro, a maneira que o queixo ficava delineado com o fim do maxilar, o jeito que os cachos ruivos a se espalhavam pelo travesseiro quando Arthur estava deitado, o jeito que a pele de Romulo era dourada sem ter marcas de sol entre os braços e o peito, ainda uma herança da sua época de Paulo, em que ele lavrava a terra sem camisa. Não precisavam mais de palavras, não precisavam mais de discussões, só queriam um descanso assim um com o outro, só queriam mais um beijo na boca para se sentirem felizes de novo. Mas alguém bateu na porta e disse: “conde Romulo, o rei está ordenando a presença de todos no salão real que ele vai fazer um pronunciamento.” E então tudo virou um caos.

Os corredores do castelo cheios de gente falando alto, curiosos, assustados. O rei não se pronunciava pelas manhãs a menos que fosse muito importante. Os guerreiros que cuidavam da guarda lá do lado de fora, já sabiam de tudo o que o rei iria comunicar aos demais e já afiavam suas espadas, alguns morrendo de medo, outros mais que ansiosos. Arthur saiu primeiro do quarto, para não chamar atenção, mas Romulo terminou de se vestir alguns segundos depois e o encontrou ainda no corredor e pediu que o esperasse. Romulo estava se esforçando para fazer o que Arthur pedira, Romulo queria andar com ele até fora daquele quarto porque queria mostrar que estava se esforçando para ser quem Arthur queria, alguém que não tinha vergonha disso que sentia, de amar a um homem. Mas nem tiveram tempo de pensar sobre isso, pois um guerreiro muito alto e forte parou na frente dos dois e ficou encarando-os por alguns segundos até dizer: “Venham comigo”.

No corredor dos quartos dos serviçais, uma das portas estava escancarada e tinha um vai e vem muito grande de pessoas. Eles ainda não conheciam aquela área do castelo e nem sabiam de quem era aquele quarto, mas não demorou para que entendessem, ainda antes de entrarem por aquela porta, quando viram a esposa de Gabriel chorando no corredor eles já sabiam, já pressentiam, que lá dentro estaria ele, só não tinham como saber que daquela maneira. O corpo de Gabriel preso a uma corda, balançando ao gosto do vento, enforcado, e preso à sua roupa um bilhete, num papel com a insígnia do reino vizinho, as palavras “Eis o nosso primeiro presente ao príncipe plebeu”.

Eles sabiam, de alguma maneira eles descobriram toda a farsa, e ali num dos cantos o sábio do reino já estava matutando, tentando entender aquilo, e então ele se deu conta de que os dois rapazes estavam presentes, e os encarou, e ao perceber que tanto Romulo quando Arthur estavam com roupas de dormir, e estavam de cabelos desgrenhados, percebeu o que todas as outras pessoas estavam distraídas demais para notar, o guerreiro e o conde dormiram juntos. E a sua suspeita estava mais que comprovada, Romulo tinha um relacionamento com aquele guerreiro, Arthur. E mais importante que isso, entre todas as poucas pessoas que sabiam do segredo do conde, Arthur era a que o sábio menos confiava. Arthur não estava preocupado com o futuro do reino, Arthur não tinha a família ameaçada de morte e talvez o reino vizinho tenha lhe oferecido muito dinheiro em troca daquela informação. Ele era o traidor, só podia ser. E o sábio pensou em gritar isso para todos naquela sala ouvirem. Mandariam Arthur diretamente para a guilhotina, mandariam Romulo para a sua casa distante, ou para as masmorras. Mas... mas como todo sábio, ele pensou antes de agir, ele previa que em algum momento lhe seria mais vantajoso ter aquele segredo na manga.

E enquanto todos os demais tentavam entender a razão daquele bilhete, o que queria dizer um príncipe plebeu, porque o futuro filho da princesa seria plebeu, Arthur puxou Romulo pela camisa para fora dali, pelo corredor em silencio, o arrastando porque Romulo parecia desligado de si, parecia distante, chocado, a morte da única pessoa daquele castelo que sempre esteve do lado dele. Precisamos sair daqui, precisamos fugir daqui. E só no quarto de Romulo que ele explicou:

– Eles vão descobrir, Romulo. É uma questão de tempo até descobrirem que você é plebeu... isso que a gente viu, a morte do nosso amigo é só o começo. Quando o rei souber, vai declarar guerra. E os inimigos já sabem, já devem estar mandando navios cheios de soldados para cá. E se há uma guerra por sua causa, ela só vai terminar quando eles matarem você... está me entendendo? Você corre perigo.

– Você também, Arthur... e eu não... não quero que você vá lutar.

Em meio a toda aquela confusão, um instante de silencio, em que tudo desacelerou quando Romulo disse aquelas palavras tocando na mão do seu amigo, Paulo estava de volta, aquele Paulo queria proteger seu amigo impulsivo, que queria vê-lo sempre bem, e naquele rosto claro emoldurado pelos cabelos loiro dourados, aqueles olhos nunca foram tão cândidos, tão suplicantes. Nem sabiam se podiam pedir o que pediam, que Arthur não se envolvesse em perigo, que Arthur ficasse a salvo. Mas Arthur, mesmo sabendo que agora era tarde para tentar evitar a guerra, gostou daquele olhar e se sentiu tocado. Aquele Paulo que ele amava, que não pensava primeiro em si próprio, que colocava Arthur na frente, aquele Paulo o enchia por dentro, de uma alegria, de um amor, olhando assim para ele. Eram tão novos, era tudo tão complicado, como um jogo de xadrez em que todas as peças dos dois jogadores estão exatamente na última casa segura, que a qualquer movimento começará um banho de sangue, viver assim não era o que eles esperavam nem quando brincavam de ser guerreiros, nem quando se beijaram pela primeira vez.

– Mas eu sou um guerreiro. É minha função lutar.

Rômulo se aproximou dele, meio passo, seu corpo todo junto ao dele, seus olhos vivendo dentro dos olhos dele, nadando na alma dele. Já não cabia palavras, já nem lembravam se haviam trancado a porta, e nem importava. Quando Romulo tocou seu rosto, na bochecha, tentando resguardar cada traço daquele outro rosto, que ele amava, e que estava em perigo, como o seu. – Quando você me beijou, eu tive certeza – ele disse, sem explicar certeza do quê, mas não foi ambíguo, Arthur sabia exatamente do que ele tinha certeza agora, e só fechou os olhos sabendo que Romulo vinha aproximando o rosto para beijá-lo. Para retribuir ao primeiro beijo, agora era Romulo que beijava a sua boca. Rômulo sendo impulsivo, Rômulo fazendo as coisas sem pensar tanto nas conseqüências era o que Arthur mais queria, porque Arthur era quem agia por instinto, e ser correspondido era a chave para alguma algema ali dentro dos dois. Arthur sabia o que o outro sentia, porque havia o mesmo dentro de si.

Um beijo com gosto bom, os dois tinham um pouco de barba, só em alguns pontos do rosto, e ela tocava no rosto do outro, áspera, arrepiando. Lento, longo, carinhoso. Um beijo que quase os fez esquecer da guerra. Mas então tinham que abrir os olhos, quando o beijo acabou, e Arthur então falou:

– Há três meses, um pouco antes de eu entrar para os testes e me tornar guerreiro, eu desci o penhasco, não saltei, desci pela trilha até a beira do mar, e deixei uma canoa ancorada lá embaixo. Deve estar lá ainda, com quatro remos...

Ele só disse isso, agora, de tão unidos, parecia que o outro conseguia entender tudo nem que as palavras não estivessem sendo assim tão claras. Às vezes as palavras confundem se você não entrar de corpo e alma no que elas querem dizer.

– Você acha que ainda dá tempo? Será que daria pra gente fugir daqui, e sumir nessa canoa.

– Você iria comigo? Avisaria seus pais para que eles fossem embora daqui, e depois iria comigo? Deixaria para trás o titulo, o dinheiro, o luxo?

Rômulo sorriu, e sorriu como um menino. – Podemos sair em dez minutos?

Arthur retribuiu ao seu sorriso de menino com outro, igual. E depois eles sabiam o que precisavam fazer. Arthur iria até o seu aposento e vestiria a sua roupa de guerreiro, pois com ela seria mais fácil de andar pelo reino com um conde; Romulo iria até seus pais e explicaria a eles, não tudo, porque não havia tempo, mas o mais importante, que ele e o seu amigo de infância, iriam juntos embora dali. Uma frase tão pequena que talvez explicasse tudo, talvez seus pais já desconfiassem da amizade deles. E eles desconfiavam, Romulo viu nos seus olhares enquanto explicava isso, e não ligavam para dinheiro, e disseram que nesse caso eles também iriam embora, que só as coisas que eles ganharam de presente como condes já era o bastante para levarem uma vida confortável dali para frente em algum outro lugar. E abençoaram ele. Assim, abençoando-o com um beijo na testa, era como se dissessem que sabiam sim de toda a verdade que nem precisava ser dita para ser tão bonita. Era bonita de qualquer forma.

E do lado de fora, saindo juntos do castelo como se Arthur estivesse apenas fazendo a guarda de um conde que decidia passear um pouco para espairecer. Outros guerreiros apareciam e comentavam com Arthur que era melhor que voltassem, que o rei anunciara que faria um pronunciamento ainda naquela manhã. Arthur desconversava e explicava que estariam de volta logo, estariam de volta antes do pronunciamento. E saíram dos muros por aquela portinhola que Oscar lhe mostrara certa vez, aliás, falando em Oscar, Arthur não o vira mais, nem no seu posto mais comum que era ali no acampamento dos novos guerreiros onde ele supervisionava. Nem importava. O ruivo estava tão feliz, tão realizado com o momento, ele e Romulo indo embora, ele e Romulo enfim juntos até o fim, se pedisse, com certeza seu amigo saltaria do abismo com ele, mas não havia tempo agora, estavam na beira da guerra e não na beira do abismo, e quando entraram na mata, apostaram corrida, indo pela trilha que levava a parte de baixo daquele penhasco, onde um barco os esperava, e o mar, que remariam, e depois um lugar só deles, um lugar onde tudo seria mais fácil. Talvez vivessem numa floresta, como selvagens e ainda assim seriam felizes um com o outro, muito mais felizes do que vivendo numa sociedade que não queria vê-los juntos. Talvez se tornassem quase animais, talvez parassem de usar palavras, apenas o corpo, um com o outro, e seriam extremamente felizes.

Mas.

E sempre havia um mas para atrapalhar a vida deles.

Quando estavam a menos de cem metros do mar o som de cavalos surgia atrás deles. Rápido, perseguidor. E os dois se entreolharam e começaram a correr mais depressa porque se chegassem antes de serem alcançados pelos cavalos já não importaria mais se alguém havia descoberto, se alguém sabia que estavam juntos, cavalos não conseguiria segui-los quando estivessem remando no oceano, era só importante que chegassem lá antes, mas o trote estava mais alto, mais perto, e não parecia ser só um cavalo, era mais, dois ou três. E Romulo já não conseguia respirar, mas continuava correndo. E Arthur já estava vermelho, suando, arfando, mas continuava correndo, porque faltava tão pouco, porque o mar já estava acenando com o cheiro da liberdade e do final feliz, só que antes do mar o grito:

– Parem se não eu terei que pará-los – era uma voz mais que familiar, Arthur olhou para trás e viu Oscar, com arco e flecha na mao, só esperando o cavalo parar para atingi-los, e junto com ele uma outra pessoa, que a luz do sol não deixou que ele identificasse. Só depois, quando os dois cavalos ficaram a frente dos dois rapazes e impediram que eles continuassem correndo, faltando apenas quinze metros para o mar, que mesmo assim nenhum deles via ainda, nem a canoa, mesmo sabendo que estava lá. Oscar mirou a flecha no Romulo, ele era tão bom com essa arma quanto Arthur era com espadas. Mas não atirou, esperou por uma ordem do homem no outro cavalo, que vestia uma espécie de batina marrom dos nobres, mas não era nobre, ao tirar o capuz todos souberam, era o sábio.

– Vocês vão pagar caro por terem traído o reino – ele disse, com o veneno de um escorpião.

***

Menos de três horas depois Arthur estava num navio junto com dezenas de outros guerreiros indo na direção do reino inimigo. Mesmo que aquela não fosse a função de um guerreiro protetor de nobres, mesmo que se o rei soubesse que alguém tinha ido contra as suas ordens talvez mandasse matar. O sábio o mandou mesmo assim no primeiro navio, na linha de frente, já para que não sobrevivesse. E a Romulo ele trancou no próprio quarto, pelo menos até saber o que deveria fazer com ele. O sábio procurou pelos pais do conde em todos os cantos do castelo, e não encontrou nem rastro da família de Romulo, muito porque eles se aproveitaram da confusão que se transformou aquele castelo assim que o rei declarou que o castelo foi atacado por um espião assassino que matou um dos seus homens e levantava calúnias sobre a origem do conde prometido a sua filha. O rei bem sabia que não eram calúnias, mas agora não poderia dizer que antes estava mentindo, mesmo quando o sábio, muito pernicioso falou ao seu lado no trono “Bom rei, vossa majestade já está muito consciente de que tudo isso, toda essa guerra está começando por culpa do plano que tínhamos para aquele rapaz, e que não deu certo. O senhor não acha que seria uma boa solução se nos livrássemos dele, diríamos a princesa que os inimigos o mataram, ela um dia se conformaria, e nós pouparíamos o reino de milhares de mortes.”

Mas o rei se exaltou – Nunca! Eu nunca darei o braço a torcer para o paspalho daquele rei, ordeno que protejam a todo custo o conde da minha filha, e que nada aconteça a ele até o fim da guerra. Ainda a casarei com ela e dedicarei o primeiro filho ao rei que ousou caluniar esse matrimonio.

– Já deixei três guerreiros na porta do quarto de Romulo, eu sei que ele não vai fugir. E quando os soldados do inimigo chegarem até nós, podem destruir metade do reino, mas aquele quarto estará intocável.

– E o guerreiro Arthur? Está entre esses três guerreiros protegendo-o?

– Eu não o encontrei, vossa majestade – o sábio mentiu, sabendo que as únicas pessoas que poderiam desmenti-lo seriam Romulo, que estava trancado, Arthur que estava longe dali, e Oscar, que estava no mesmo navio que Arthur. – Imagino que esteja junto aos demais guerreiros organizando estratégias para a guerra. Já mandei homens a procurá-lo.

– Me avise quando o encotr... – a frase do rei foi interrompida de súbito. Um estrondoso barulho estourou do lado de fora do castelo, muito próximo dali. Era uma bala de canhão atirada de um navio inimigo na costa do reino, e que atingirão muro da capital.

***

Trancado no quarto, mesmo com todo o luxo daquelas quatro paredes, mesmo com os quatro mil fios daqueles lençóis, mesmo com os sete mil dobrões de ouro que era o que valiam aqueles quadros nas paredes, mesmo com todas as roupas do reino no guarda-roupa, mesmo com todo o futuro que um conde tem direito ao se casar com uma princesa, Romulo chorava. Sentado de costas para a porta, com o rosto entre os joelhos ele chorava, baixo, já sem ter forças para gritar porque era inútil, os guerreiros do outro lado da porta tinham ordens explicitas de não deixá-lo sair dali sob hipótese nenhuma.

E aí estava a armadilha do dinheiro, o valor real do dinheiro, sem Arthur, era tão valioso todo esse luxo quando a ossada de carneiro que na noite anterior alimentara os nobres e hoje estava no lixo.

Se pudesse voltar atrás, refaria seus passos, não iria embora depois daquele primeiro beijo. Diria que o amava, nunca disse isso a ele. Era tão estranho, nunca disse a Arthur que o amava, mesmo que fosse a mais pura e brilhante verdade, a frase que valia mais que toda aquela porcaria de quarto. E se essa guerra tirasse Arthur dele, essa frase nunca seria dita. Porque ele não teve coragem desde o inicio, de dize-la. Droga, socava a madeira da porta. Droga. Burro. Covarde.

Mas agora era mais que tarde. Agora era o fim.

***

Voltando ao navio, Arthur não conseguia mais ver seu reino, em pé na proa, enquanto eles se afastavam cada vez mais. Tanto o abismo dele e de Romulo, quanto o castelo e todo o vilarejo já haviam sumido no horizonte, mesmo assim ele estava em pé, olhando para a aquela direção, preocupado com seu amigo, com seu amor, dessa vez era Arthur que o estava deixando para trás, mas não por vontade própria, fora golpeado na cabeça quando estavam outra vez no reino, e desmaiado não fazia idéia do que fizeram a Romulo, embora tivesse quase certeza de que o sábio não o mataria nem nada parecido. Ao acordar nesse navio, Arthur sabia para onde estavam indo e sabia que estava num navio com mais setenta pessoas para lutar contra quase três mil soldados assim que desembarcassem no porto vizinho. Estava ali porque para o sábio seria bom que ele morresse. E para Arthur seria bom que os soldados inimigos chegassem n0o seu reino e matassem o sábio. Mas aqueles senhorzinho escorregadio certamente sobreviveria, como uma cobra se esconderia, se esquivaria dos perigos. Covarde.

– Quanto tempo você acha que vai resistir quando a gente chegar, Arthur – a voz atrás dele parecia tão acida que se caísse nas tabuas do navio, talvez corroesse a madeira. Oscar surgiu tão repentinamente que quase parecia um fantasma.

Arthur voltou-se para ele, seus cabelos preto, agora mais desgrenhados, pareciam combinar muito bem com os olhos neuróticos que Oscar certamente não tinha antes. Um olhar de quem toparia até matar a si mesmo, só para destruir outra pessoa junto. E Arthur entendeu tudo, na hora, na fúria, sacou a espada e se lançou sobre ele, derrubando-o no chão, imobilizando-o com seu corpo, a ponta da lâmina a três centímetros do olho esquerdo do seu antigo amigo.

– Foi você, você contou ao rei inimigo...

– Sabe, a única coisa que eu não esperava de um cara como você era uma traição, o guerreiro que sempre pareceu tão ético, tão corajoso, me traiu na primeira oportunidade...

Outros apareciam ao redor, tentavam entender a conversa somente pelos fragmentos que conseguiam escutar, alguns até pensavam em separar os dois, mas a maioria gostava muito de ver brigas e estavam até incentivando Arthur a mata-lo.

– Eu não te traí, a gente era amigo Oscar, eu nunca disse que seria algo a mais...

– Eu tinha me esquecido que você age daquela forma com as suas amizades, você beija na boca de tooodos os seus amigos, você chupa o pau de tooodos os seus amigos. Mas só vai pra cama com eles se forem nobres, não é? Ou falsos nobres... você vale tanto quanto as prostitutas daquele bordel.

Arthur ameaçou afundar aquela espada, mas se conteve. Seus olhos muito abertos, arregalados, de raiva, de desprezo. – Eu te mataria agora... eu enfiaria essa espada na sua cabeça, mas não vou fazer isso, você é tão baixo que nem merece que eu te mate, você vai destruir o reino por uma coisa que não gostou, e eu quero estar lá quando algum dos inimigos que você ajudou lhe matar, eu vou assistir a tudo, e não vou te ajudar. Eu-espero-que-você-morra.

E então o soltou. Aquela frase machucou mais que qualquer lamina poderia. Oscar fizera aquilo tudo porque gostava dele, do seu jeito distorcido, do seu jeito incapaz de ser rejeitado, ele gostava de Arthur e ouvir aquilo só deixou claro que não era um sentimento recíproco.

E um dos comandantes chegou para ver o que era aquela baderna toda, mas a confusão já havia se dissipado e ele apenas disse: “Preparem-se, chegaremos ao reino inimigo em cinco minutos.”

Mas foi mais rápido que isso. A guerra chegou até eles antes de eles chegarem ao continente, uma bala de canhão atravessou a carcaça do navio, que começou a afundar, e depois outras balas vinham da direção do porto, onde soldados inimigos gritavam empunhando espadas e arcos. E os guerreiros (a guarnição dos guerreiros era uma exclusividade do reino de Arthur, em nenhum outro dos reinos próximos os soldados mandados a guerra eram chamados dessa maneira, geralmente denominavam-se soldados ou algo do gênero), se lançaram ao mar, nadando na direção da costa, Arthur era rápido e viu Oscar ficando para trás assim como a maioria dos demais. Atrás dele, o navio despencava no oceano, a sua frente, dezenas de soldados inimigos sedentos, e enquanto nadava, de maneira quase involuntária, lembrava de quando menino, das lições de Paulo ensinando-o a usar a espada.

*

“Primeiro você precisa respirar fundo, respirar fluentemente, assim...” Paulo se posicionou atrás dele, enquanto Arthur respirava olhando atentamente o tronco da árvore em que ele estava mirando sua espada de madeira, eles sempre treinavam nos troncos, eles sempre treinavam durante as tardes, mesmo quando estava assim chovendo como naquele dia.

Paulo segurava com a mão direita na sua barriga, controlando o ar que Arthur colocava para dentro e a velocidade que ele soltava “assim, devagar... você precisa ficar calmo, pensar no golpe, mesmo em perigo, você precisa respirar e se acalmar”, a camisa encharcada da chuva, a mão de Paulo pressionando sua pele, o peito de Paulo colado as suas costas, a boca de Paulo perto do seu ouvido. “Agora, ataca”. O golpe foi tão forte que um casco da árvore se soltou e caiu no chão.

*

Assim como caiu no chão a cabeça de um soldado inimigo quando Arthur o golpeou, depois de respirar lentamente, com calma, com precisão, seu golpe. E se virou para trás porque um inimigo estava gritando enquanto vinha em sua direção, e seus cachos caíram sobre os olhos com o movimento de se virar assim tão depressa, a espada num corte horizontal nessa hora passou de ponta a ponta pela barriga do homem, que caiu no chão. Mas havia outros, muitos outros e Arthur, calmo, respirando, calculando muito bem, ia cada vez mais em frente por aquele porto, atacando, matando, três, quatro, cinco, e vendo lá atrás outros guerreiros chegando na costa e já tendo que entrar na batalha.

Três soldados inimigos tinham armas diferentes: bastões perfurados de pregos enferrujados, e vinham juntos na direção daquele guerreiro ruivo que, quarenta minutos de batalha depois, já estava causando problemas para os inimigos, uma vez que cada mais ele matava, mais seguia em frente e logo chegaria ao castelo, onde o rei estava escondido e protegido enquanto seus súditos morriam.

Um deles tentou acertar com essa arma direto na cabeça de Arthur, que por ser menor e mais esguio conseguiu desvirar dando um passo para trás, mas não conseguiu desviar da braçada do segundo, que lhe acertou forte e em cheio e o derrubou no chão. Oscar estava por perto e não fez nada para ajudar, primeiro porque estava lutando com outras pessoas, e segundo porque ele não queria. Arthur se levantou com dificuldade, mas ergueu a espada outra vez, a lateral do rosto próximo ao olho direito estava vermelha do golpe, mas o cabelo ruivo encobria. Ele gritou e correu na direção desse segundo homem que lhe atingiu, um golpe preciso depois de respirar o ar, e como o tronco daquela árvore, um casco do corpo daquele homem caiu no chão. Um casco não, um braço. Mesmo com a armadura de metal, o golpe de Arthur fora tão certeiro que agora aquele homem gritava feito um bebe de dois metros de altura enquanto sangue jorrava farto da abertura no seu corpo, seu braço jogado no chão com a arma bem presa entre os dedos, e os olhos verdes de Arthur ainda não demonstravam piedade, nem quando, segundos depois, por causa da hemorragia ele caiu, agonizando. E os outros dois grandalhões tinham a sua vez. Novamente atacavam meio sem destreza, devido a sua grande estatura, e Arthur se aproveitava disso, era mais rápido, era mais ágil e conseguiu fazer um corte no primeiro, não muito profundo, masd o bastante para que ele ficasse desorientado e desse tempo do ruivo saltar sobre uma pedra e ter altura o bastante para atingir de cima, num só instante, o segundo homem, perfurando-lhe o olho direito com todos os setenta centímetros da espada. Depois, o primeiro olhou para ele como que clamando misericórdia, mas era guerra e não havia misericórdia, havia mais um golpe. Respira, pensa, ataca. Caiu no chão sem nem ver quando foi que a espada lhe beijou o pescoço, mas depois viu o sangue, muito sangue, e morreu. E os outros guerreiros olhavam para Arthur com uma mistura de orgulho e temor, porque o jovem ruivo ainda não demonstrava cansaço, nem pena, nem remorso, seguia avante, matando quem se pusesse no caminho.

O sol se punha, a brisa vinha com cheiro de sangue e morte, o céu alaranjado anunciava um outono de noites frias, as nuvens meio rosas sem se importar com a brutalidade da guerra, e a batalha não cessava ali naquele porto.

Ele era guerreiro. Ele era corajoso. E ele não ia morrer sem antes rever seu amigo.

***

CONTINUA NA PARTE FINAL

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Comentários

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Por favor, posta logo o próximo capítulo, num aguento mais esperar. Estou apaixonado pela história.

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Esse conto com certeza é um dos melhores que já li. Muito bem escrito e super envolvente. Você está de parabéns JADER. PS: Posta logo o próximo capítulo.

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Perfeito demais! Espero que eles fiquem juntos.

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Omg! Está sendo tão maravilhosa essa história! Pena q já vai acabar...Mas quero muuitoo que eles consigam se reencontrar e serem felizes juntos! Não demore p Att!

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Cara sem palavras, muito bom, esperando o final, que não demore por favor qwq tá muito bom, vai ser uma perda chega logo esse fim, mas fazer oque tudo que bom dura pouco...

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O QUE? COMO ASSIM VAI ACABAR? Gostei tanto dessa história :// enfim, espero que dê tudo certo e ja estou super ansioso pro proximo capitulo

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