Unha e carne

Um conto erótico de Aparecido Raimundo de Souza
Categoria: Heterossexual
Contém 1301 palavras
Data: 02/02/2016 20:45:07
Última revisão: 03/02/2016 21:37:21
Assuntos: Heterossexual

Unha e carne

(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.

Especial para a “Casa dos contos”.

1

LUCIENE BRAGANÇA, a loira mais bonita do pedaço, vicejando no enflorar da juventude, destilada sobejamente na aparência airosa de um arcanjo, conheceu o Armeu albergada numa festinha de aniversário de uma de suas colegas de trabalho, que também era chegada do rapaz. O moço parecia um príncipe. Bem apessoado, contava vinte e cinco anos (enquanto ela, dezenove). Alto, quase um metro e noventa, possuía olhos verdes, tinha a tez clara, quase ebúrnea, o corpo sarado, e os cabelos castanhos e compridos, presos por um elástico sujo desses de prender dinheiro. Autônomo, trabalhava por conta, como pirófogo. Foi exatamente pela sua profissão de nomenclatura estranha, que Luciane Bragança se interessou e resolveu se abeirar e amolecar como um cão hidrófobo nos pés da criatura. Entabularam conversa, quando se viram a sós num jardim que frenteava para uma paisagem linda e aconchegante, com a lua cheia brilhando a semelhança de pano de fundo.

- Você disse, ainda a pouco – indagou ela radiante, quando fomos apresentados pela Gracinha que é pi... Pi... Pi... Piru, piru o que mesmo?

- Pirófogo.

- Isso. E o que é? Algo que se coma acompanhando com refrigerante bem gelado?

Risos.

- Você não imagina?

- Não tenho a menor noção.

- Ao menos tente... Seja criativa.

- Deixa ver: planta bananeiras num pé de abacate com um macaco pendurado na cacunda?

- Não.

- Faz show com cobras venenosas tirando o veneno delas com uma seringa, para o Instituto Butantã?

- Está frio.

2

- Engole espadas com suas respectivas bainhas untadas a gordura de porco com cara de javali?

- Cada vez mais gelado...

- Come ovos quentes, tirados na hora, da bundinha da galinha que acabou de transar com o galo?

- Credo em cruz! Você acaba de cair inteira num buraco no meio do Polo Norte.

- Então diga de uma vez. Sou extremamente curiosa.

- Ok. Pirófogo engoleInsetos cozidos em água quente com bastante sal grosso – interrompeu Luciene Bragança, com uma vozinha meiga e cativante. Acertei?

- Calma, Luciane. Agora deixa eu falar. Você já perdeu todas as oportunidades.

- Está bem, Armeu. Fique à vontade.

- Um pirófogoEntorta garfos e facas usando a força da mente que flui da orelha esquerdaPelo amor de Deus, cala essa matraca. – Ralhou, transido de vergonha e impaciência o simpático rapaz. - Não é nada disso. Droga!

Luciene Bragança fez carinha de zanga. Protestou.

- Não precisa ficar nervoso.

- Não estou nervoso.

- Está sim.

- Não estou não.

- Está.

- Não estou.

- Pois bem: prove que não e me diga de uma vez o que é que faz um pifógoro igual a você.

- Já disse que não estou nervoso. E não é pifógoro. O certo é pirófogo. Ouça o que vou dizer Luciene. Ficarei muito brabo, se você não fechar essa boca cheia de dentes. Fui claro? Outro detalhe: um pirófogo igual a mim, não. Todos os pirófogos fazem a mesma coisa. Sempre.

- Tudo bem. Agora desembuche.

- Pirófogo é o sujeito que engole fogo.

- Engole fogo?

- Sim senhora.

- Senhorita. Sou solteira e acabei de sair dos dezoito.

- Pois bem. Senhorita... Engulo fogoQue horror! Não tem medo de se queimar? Dizem que quem brinca com... Mija no sapato dos outrosDe forma alguma. A profissão é segura. Exige foco, treinamento contínuo, busca de novas técnicas, persistência, obstinação, seriedade.

- Entendi. E por onde você engole?

- Pela boca.

3

- Não é bem isso o que quero saber, mas onde você trabalha com essa coisa?

- Geralmente nas praças públicas. Nos sábados e domingos em festinhas de aniversários e até em casamentos. No meio da semana ataco os semáforos.

- Ataca o quê?

- Os semáforos. Sinais de trânsito, as sinaleiras. Ta ligada?

- Estou. Ei, você por acaso indiretamente está me chamando de loira burra só porque sou loira?

- Longe de mim essa concepção de burra. Não existe nenhuma loira burra. O que me chamou a atenção é que você fez uma carinha engraçada quando falei em semáforos.

- Não havia entendido bem. Mas conta, como é que você faz?

- É assim: me preparo enquanto os veículos estão em movimento. Quando o sinal fecha, eu pulo na frente dos carros e começo a engolir o fogo. Depois saio colhendo os louros.

- Louros?

- Dinheiro. Grana. Bufunfa. Costumo ganhar uns bons trocados.

- Meu Deus! Repetindo a pergunta. - Você nunca tostou o rosto, ou chamuscou os cabelos?

- Só uma vez.

- Como aconteceu exatamente?

- Bebi o fogo, sem querer.

- Espera ai: você não engole o fogo? Engole ou bebe?

- Esse é o segredo, Luciene. Não posso revelar a fórmula de como é feito o troço. Não teria graçaTudo bem. E depois?

- Tive que desengolir. Botar para fora. Foi o diabo. Vi estrelas...

- Por que não muda de profissão?

- Porque não sei lidar com outra coisa. Meu pai fazia isso, meus irmãos, ou melhor, ainda fazem. Mamãe parou recentemente, porque numa de suas apresentações perdeu a dentadura. Só uma irmã, a Donela, seguiu outra carreira.

- Qual?

- Enroladeira de mangueira.

- Que profissão é essa que também nunca ouvi falar?

- Ela casou com um bombeiro. O nome dele é Picasso.

- Casou?

- Não exatamente. Na verdade, resolveram juntar os paninhos de bunda...

- Indiretamente o cidadão apaga fogo?

- Não, ele não apaga nada.

- Bombeiro que não apaga fogo?

- É. O infeliz vive de biscates: desentope pias, ralos, bueiros, rebaixos de águas pluviais, limpa calhas, tubulações e fossas...

- As pessoas que fazem isso não são bombeirosE o que são?

- Não sei o nome certo, é alguma coisa parecida com hidráulico, mas tenho certeza de que não é bombeiro.

- Pois então: Donela dobra a mangueira.

- Legal. E a mangueira dele é muito grande?

- Espera ai. Essa conversa está tomando outro rumo. Lá vou saber se a mangueira do cara é grande?

- Meu querido, presta atenção. Estou falando da mangueira que ele usa para desempenhar as funções no seu dia a dia. Ou a que sua irmã enrola.

- Ah!... Deve ter perto de uns vinte metros.

4

Nesse momento Luciene Bragança começou a dar sonoras e espalhafatosas gargalhadas, sem parar. Depois de um tempo voltou ao normal.

- Desculpe. Não pude deixar de achar engraçado. Com uma mangueira desse tamanho a sua irmã... Como é mesmo o nome dela? - Não vai largar do cobertor de orelha nem daqui a cem anos. Será que ela sofre da tal síndrome da mangueira encarnada?

- Querida, preste atenção. – disse depois de pesado silêncio tumular, como se sopesasse as palavras, temendo ofender a jovem. - Não quero saber e nem falar desse assunto. Esse negócio de mangueira é lá com ela. Minha irmã se chama Donela. Vamos mudar o rumo da prosa. Diga, pois, e quanto a você?

- O que tenho eu?

- Como ficamos nós? Você quis me conhecer. Pediu a nossa amiga em comum, a Gracinha, para ser apresentada a mim. E daí? Enxerga algum futuro para nós?

- Antes de responder, quero ver você engolir fogo. Acha que pode fazer isso para sua futura namoradinha? Penso em um showzinho particular? Só eu e você. Acho que deixei uma dica no ar. Diz ai, meu pirúfulo.

- Não é pirúfulo, é pirófogo. Repita comigo: P... I... R... Ó... ACENTO CIRCUNFLEXO NO Ó... F... O... G... O.

- Tudo bem. Não há necessidade. Com o tempo eu aprendo a pronunciar essa droga de palavra sem errar as letras.

- Espero que sim. Então, Luciene. Uma vez que pensa em ser minha metade da maça, esclareça um ponto. Não tem medo que, perto de você, ou nas minhas apresentações futuras, eu fique nervoso e acabe botando fogo nas ventas?

A moça se quedou, por um instante, pensativa. Por derradeiro, encontrou uma resposta adequada. Mandou brasa.

- Bem, se isso por acaso vier a acontecer, eu pego a mangueira emprestada do seu cunhado, a que sua irmã manipula com tanta destreza e juro, juro por tudo quanto é sagrado, que meto inteira, na sua boca.

(*) Aparecido Raimundo de Souza, 62 anos é jornalista.

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Comentários

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Enfim, um conto erótico sem ser politicamente erótico. Aparecido Raimundo de Souza fala da sacanagem, sem ser sacana. Nos mostra a merda, sem que nosso nariz queira sair correndo, em desabalada carreira em face do cheiro forte e pegajoso. Parabéns. Virei sua fã. Carina. Ca. carinabrattistoegente@gmail.com

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CORREÇÕES: sem ser imoral ao invés de moral - pacóvios e boçais, ao invés de pacóvio e bossal. Como pode ver, os jornalistas também erram. Isto não quer dizer que eles sejam burros ou tenham parentescos com jumentos.

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Meu caro "Treinadorsex". O erótico está nas entrelinhas. Eu não preciso olhar para o céu ao meio dia, ou a meia noite, para saber que ele está lá. Eu sei que ele está, seja de dia, de noite, a tarde... Certas coisas, meu caro, são ditas, ou escritas, nas pequenas coisas, nos atos mais humildes, na sutileza, no silêncio de uma palavra, na esdruxulez de um mimo. Vou dar um exemplo mais pívio, ou mais síndio: "o cara chegou com a gaiola aberta, passou a mão na pomba da moça, acarinhou-a e depois, como um gato tresloucado, a comeu". Carlos de Aguiar autor do livro "O Encantador de pombas" conto nº 18 'Comedor inveterado'. Editora Lix PR 1ª Edição 2013 página 45. A isto se chama de simetria do pornográfico sem ser ser bizarro, sem ser moral, prolixo, todavia, profícuo. O erótico de Aguiar, está nas entrelinhas, no escondido, no saber dizer com poesia, sem ser poeta. A gaiola aberta, era o pinto, a pica, o caralho. A pomba, por sua vez, a boceta, a racha. Concluindo, amado; podemos dizer coisas eróticas, sem melindrarmos o erótico, ou, tocar nele, sem sermos infinestamente (de infinesto) pacóvio e bossal. A "arte de dizer é dizer, dizendo sem dizer o que se queria dizer dizendo" ( frase de Tiririca dublê de palhaço). Mas, apesar de não ter visto, a eroticidade do meu texto, fico feliz em que tenha lido. Seu fã, Aparecido Raimundo de Souza.

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