Asfalto - Capítulo 16

Um conto erótico de Lord D.
Categoria: Homossexual
Contém 6657 palavras
Data: 11/01/2016 23:00:07

– Capítulo 16 –

As dores ainda não passaram

O dia nascia esplêndido. O sol dissipava todo orvalho no máximo de sua intensidade térmica e luminosa. No hospital, Silvia dormia numa poltrona, próxima a Miguel, que respirava lentamente, coberto por curativos e com muitos inchaços nos braços, mãos e testa. Sua expressão não era de tranquilidade, e sim de alguém que havia aceitado um pesado fardo.

Ainda cedo, Conrado estava no hospital, com uma expressão de quem não dormira direito na noite anterior. Seu cabelo ainda molhado era resultado do banho de água fria que tomara, para melhorar a aparência, antes de vê-lo, Miguel.

Como era o filho do dono do hospital e namorado do paciente, Conrado conseguiu permissão para entrar no leito antes do horário de visitas. Ele chegou silenciosamente no quarto, e sentiu um calor aquecer seu peito, quando viu Miguel, apesar de ferido, com o aspecto muito bom, e acima de tudo, vivo. Seria insuportável viver, sem nunca mais olhar para aquele cabelo dourado com cachos pendentes, aquela expressão serena e seu otimismo pollyannesco.

Conrado mirou Silvia, ainda adormecida, e caminhou rumo a Miguel. Tocou-lhe de leve a mão e fez um carinho muito cuidadoso. Miguel mexeu-se, fazendo Conrado se lembrar de quando tencionou beijá-lo pela primeira vez, e ele se virou encobrindo o rosto. Conrado sorriu com essa lembrança. Mas dessa vez Miguel agiu diferente; seus olhos despertaram lentamente, encontrando dois pares do “Coração do Oceano”, a mirarem com amor e cuidado para ele.

- Bom dia – a voz rouca de Miguel soou como um sussurro. – Acho que é “Bom dia”

- É sim, meu amor – Conrado disse. – Que esse dia seja o melhor de nossas vidas.

- Esse romantismo todo não está carregado de segundas intenções, não? – Miguel sorriu sem forças.

- Ah, droga! – Conrado fingiu decepção. – Você descobriu meu plano.

- Ainda bem, pois nessas condições ninguém aguentaria um Conrado da vida.

Os dois riram um pouco alto, o suficiente para despertar Silvia.

- Miguel? – ela arrumou a postura na cadeira. – Conrado?

- Desculpa Silvia, mas eu queria ser o primeiro a ver esses olhos de mel, despertarem – Conrado riu para ela.

Silvia se levantou rapidamente e foi para a cabeceira de seu filho.

- Oi mãe – Miguel disse rindo para ela.

- Como você está meu bem?

- Me sentindo como se um caminhão tivesse passado por cima de mim, mas muito feliz por estar ao lado das duas pessoas que mais amo nessa vida.

Os três ficaram a conversar descontraidamente, trocando risos calmos. Conrado não resistiu e deu um beijo suave e cuidadoso na boca de Miguel.

- Bom dia – Luciano entrou no leito com a aparência péssima. – Conrado?

- Não prometi que não estaria cedo no hospital. – Conrado antecipou sua justificativa.

- Claro – Luciano compreendeu, mantendo-se cabisbaixo. – E como se sente nosso paciente?

- Vivo o suficiente para sentir cada machucado. – Miguel riu.

- Fico muito feliz de ver que está de bom humor, é um excelente sinal. – disse Luciano.

– Bem, Miguel, mas tarde eu passarei aqui para levá-lo para fazer alguns exames.

- Aconteceu alguma coisa Luciano? – Silvia perguntou.

- Não, são somente exames de praxe, não é mesmo pai? – Conrado se antecipou em responder.

- Volto mais tarde – Luciano se esquivou da pergunta do filho.

Julia estava recostada perto da porta do leito de Miguel, a espera do marido.

- E agora? – ela indagou dele.

- Cuide dos preparos para o procedimento, vamos submetê-lo a uma ressonância. – disse Luciano sem olhar nos olhos da esposa, e se afastando quase que imediatamente.

Conrado permaneceu ao lado namorado, acompanhado de Silvia. Ele explicou a Miguel, com cautela, todo o desfecho do acontecido, inclusive do fim trágico que tiveram Pezão e Michele.

A morte nunca é um motivo para se comemorar, mesmo sendo a daqueles que só causam mal a humanidade, pois é apenas a confirmação do fracasso que somos como raça, além de ser uma violência contra a natureza.

Um pouco mais de meia-hora depois, dois enfermeiros vieram levar Miguel para sala de exames. Conrado o acompanhou até a porta, lá o deixou aos cuidados de seu pai, que era incapaz de olhar em seus olhos, pois sabia que podia ser traído pela tristeza e melancolia que transbordavam por eles.

Miguel estava sereno, como se nunca tivesse passado por nenhum de seus horrores. Os exames foram realizados com sucesso, e logo ele pôde voltar para o seu quarto, sempre acompanhado por Conrado.

- Tudo bem com você? – Conrado perguntou, vendo uma expressão de desconforto no rosto de Miguel.

- Só estou um pouco nauseado e zonzo – disse Miguel, omitindo o fato de estar sentindo também muita dor de cabeça.

A manhã se esvaiu rapidamente. Silvia foi para casa para descansar um pouco e dar notícias para Fernando e Ivy, essa em especial lhe ligara durante toda manhã.

Conrado e Miguel ficaram sozinhos, mas eles pouco conversaram; só olhar era suficiente. No almoço, a presença do filho de Luciano foi fundamental, para que o paciente engolisse a sopa hospitalar. Sim. Engolir. Pois, é o máximo que se pode fazer com aquela comida com gosto de nada e temperada com brisa.

No meio da tarde, quando Silvia já havia voltado, Luciano voltou ao quarto de

Miguel.

- Gostaria de conversar um instante com Miguel – ele pediu.

- Algum problema? – Silvia se levantou ao lado de Conrado.

Luciano ficou em silêncio.

- Deixe-nos a sós – Miguel aceitou.

- Mas o que o senhor tem para conversar com o Miguel que a gente não pode ouvir? – questionou Conrado.

- Conrado... – pediu Miguel. – Mãe, leve-o. Depois vocês voltam, se o Luciano quer conversar somente comigo o que custa vocês concordarem?

- Tudo bem – aceitou Silvia. – Vamos Conrado.

Os dois caminharam para porta. Conrado ainda lançou um olhar inquiridor para seu pai, mas este não retribuiu, pois percebia que seu filho tentava buscar uma resposta em seus olhos.

Sozinho com Miguel, Luciano sentou-se na borda da cama.

- Há certas coisas que são muito difíceis de serem ditas, principalmente, para certas pessoas que nunca deveriam receber notícias ruins. – disse Luciano olhando para o nada.

Nem dos dois disse mais nada por um tempo, até que Miguel rompeu o silêncio:

- Minhas dores de cabeças e os sintomas que venho sentindo, não são uma simples consequência de uma sobrecarga de estresse, não é?

- Miguel... – Luciano soltou um suspiro olhando para ele.

- Por favor, Luciano – pediu Miguel.

- Seus exames apontaram uma dilatação anormal de uma artéria que leva sangue para o cérebro. – Luciano resumiu do diagnóstico.

- E o que isso quer dizer? – pergunto Miguel, sentando-se na cama.

- Você tem um aneurisma cerebral Miguel. – disse Luciano com dificuldade.

Sabe aqueles segundos, em se toma fôlego antes do mergulho? Aqueles segundos em que o silêncio reina, e a linha que divide o não e o sim, a morte e a vida, o ser e ou não ser, é tão tênue que chega a ser invisível? Pois era exatamente isso que Miguel estava sentindo.

- A doença da mãe do Conrado – Miguel concluiu.

- Sim – confirmou Luciano com muita dificuldade.

Miguel baixou os olhos, deixando algumas lágrimas molharem seus braços cruzados sobre a barriga. Mas não havia soluço, gemido ou qualquer ruído de choro, só as lágrimas.

- Qual o meu estado?

- O aneurisma está bem avançado, muito próximo de um estado crítico. O acidente infelizmente piorou muito a situação.

- Quais minhas chances?

- As previsões podem ser falhas Miguel, mesmo que eu te dê um prognóstico...

- Luciano, quais minhas chances? – Miguel insistiu com um tom um pouco irritado.

- Uma cirurgia nesse estado seria o mais recomendado, porém é um procedimento muito delicado e de altíssimo risco.

- Minhas chances de sobrevivência são poucas mesmo com a cirurgia?.

- Sim. – Luciano confirmou. – Ah, Miguel...

- Quero eu mesmo contar para o Conrado – decidiu Miguel, com a voz embargada.

- Será como quiser.

UMA SEMANA DEPOIS...

- E o meu pai?

***

- Não sei por que ainda pergunta. Ele não disse nada quando contei sobre você – disse Silvia. – Conrado vai ficar muito chateado por você ter recebido alta na ausência dele.

Silvia levava Miguel de carro para sua casa, depois de pegá-lo no hospital.

- Mãe, não fica assim – Miguel olhou para ela viu as lágrimas descendo.

- Como você queria que eu ficasse Miguel? – ela falou alto. – Eu deveria estar no seu lugar.

- Assim é a vida – ele disse.

- Pois eu não aceito! – Silvia falou imperativa. – Mesmo que eu suplique para que você faça essa cirurgia você não vai aceitar, não é mesmo?

- Pra quê? O jogo está perdido. As chances não estão ao meu favor. Não quero apressar as coisas, prefiro aproveitá-las com todo o tempo que disponho.

- Ah, meu filho, eu não quero te perder – Silvia soluçava.

- Nem eu mãe – Miguel soltou o choro. – Estou com tanto medo. Eu não sei como vou dividir isso com Conrado.

- Miguel...

- Mãe, eu sei que é difícil entender, mas eu sinto que estou falhando. Não quero vocês ao meu lado num leito de um hospital. Isso não.

O carro estacionou à porta da casa de Silvia. Christiane, Fernando e Ivy já os esperavam; essa última estava com o rosto molhado por suas lágrimas.

Miguel caminhou lentamente, abrindo um sorriso para todos. Foi recebido com um abraço caloroso. Um quarto havia sido preparado para ele, com todo conforto do mundo. Luciano havia recomendado muito repouso e poucas emoções.

- Gente eu não quero que vocês fiquem me olhando com essas caras penalizadas – disse Miguel, olhando para Ivy, Christiane e sua mãe. – Preciso da alegria de vocês.

Ivy se jogou na cama, se aninhando nos braços de Miguel.

- Eu te amo tanto, eu não quero que nada aconteça com você – a pequena estava desesperada. – Você não pode me deixar órfã de irmão.

- Ah, meu amor – Miguel comprimia os lábios acariciando os cabelos da garota.

- Estaremos com você, venha o que vier filho – disse Fernando.

- Obrigado Fernando.

- Ivy, promete que não vai soltar a minha mão?

- Eu prometo – ela falou com dificuldade. – Se você não puder andar eu te carrego, mas nunca vou te deixar sozinho.

Todos saíram do quarto e deixaram-no descansar. Quando Miguel já dormia sozinho no quarto, sentiu uma mão tocar-lhe o rosto. Era Conrado sentado ao seu lado.

- Por que você saiu do hospital sem me esperar?

Miguel o puxou para um beijo, fazendo uma leve carícia no seu rosto.

- Quero que você me leve a um lugar. – pediu Miguel.

- Que lugar?

- O nosso lugar.

Mesmo sob os protestos de Silvia, os dois foram de carro até os Pilares de Deus, palco de momentos inesquecíveis entre os dois.

O sol estava tão lindo como nunca. O vento batia no rosto dos dois, tão suave quanto um beijo sem malícia.

- Lembra-se de quando fizemos amor aqui? – perguntou Miguel.

- Como eu poderia esquecer?

- A natureza abençoando o nosso amor, e dissipando nossos medos. – Miguel fechou os olhos. – Tenho certeza de que nem a morte é capaz de dissolver o que sentimos um pelo outro, e mesmo que um venha a partir mais cedo do que outro; o que restará será mais que uma lembrança, e sim um vínculo eterno, marcado no lugar mais íntimo do coração.

- Miguel? – Conrado falou preocupado. Miguel abriu os olhos e o fitou.

- Eu estou doente Conrado, muito doente.

- Não, você está bem, e vai ficar melhor ainda.

- Eu tenho um aneurisma.

- Não.

- Tenho sentido muitas dores de cabeça, lembra?

- Não!

- Desmaios e tonturas. Minha convalescência é mais do que o resultado de uma má- alimentação.

- Para de dizer essas coisas Miguel! Por que você está fazendo isso comigo? Você está ótimo – Conrado o beijava.

- Eu queria dizer que era apenas uma brincadeira, mas infelizmente... Seu pai confirmou.

E mais uma vez, Conrado sentia a dor descomunal da lança atravessando seu peito. Poderá suportar? Quem pode dizer?

Miguel continuava falando sobre o seu estado, mas Conrado concentrava sua atenção no horizonte. Fingia não ouvir, mas a precipitação de suas lágrimas revelava o contrário. Sim, ele estava tomando consciência de tudo, mesmo contra sua vontade. Não era um pesadelo que poderia ser dissipado com um simples acordar, era real, e estava em carne viva.

- No fundo eu sabia que algo muito ruim estava acontecendo comigo – Miguel limpou o nariz. – Talvez ignorar os sintomas, tenha sido apenas um autoengano. O medo de ter que deixar tudo... Você.

- O sol está muito forte. – Conrado interrompeu Miguel. – Não deveríamos ter vindo para cá, sua mãe estava certa, foi uma irresponsabilidade.

- Conrado... – Miguel tentava o chamara para a realidade.

- Temos que ir – Conrado o segurou firme pelo braço, e ao arrastou, descendo o terreno inclinado. – Depois eu não quero a sogrinha buzinando no meu ouvido. – Conrado forçou um sorriso, daqueles que utilizamos quando queremos passar a falsa impressão de que tudo está bem, quando, na verdade, as coisas não poderiam estar piores.

- Meu, amor, eu sei que é difícil. – as lágrimas de Miguel reluziam à luz do sol, como cristais.

- Claro que é difícil – Conrado sorriu mais uma vez, agora com mais vontade. – Se a Silvia não fosse assim, ela quebraria com a tradição das sogras.

- Quero aproveitar todo o meu tempo com você – disse Miguel assim que os dois chegaram perto do carro.

- Eu sei que eu sou irresistível e você não consegue ficar longe de mim – Conrado fez uma piada. – Mas sou generoso e deixo você dividir um pouco do tempo com sua mãe, apesar de querê-lo sempre perto de mim.

- Isso não vai funcionar Conrado – Miguel sentia-se mais péssimo, assistindo a tentativa frustrada de seu namorado de fingir uma realidade que não existia.

Conrado, em silêncio, abriu a porta do carona, e assim que Miguel entrou, correu para o lado do motorista e arrancou com o carro. Colocou uma música bem alta, e ficou sério. Miguel apenas o fitou durante do trajeto, mas olhar não era recíproco.

O carro parou na frente da casa de Silvia, e Conrado deu um beijo rápido em Miguel, se despedindo com pressa.

- Precisamos conversar.

- Depois cordeirinho – Conrado olhava fixamente para frente, enquanto suas mãos comprimiam o volante ao ponto de deixar as veias saltadas ao máximo.

- Mas é que...

- Eu já disse que depois! – Conrado gritou com ele, mas logo pediu em tom choroso: – Por favor...

Miguel só fez positivar com a cabeça e saiu do carro. Conrado saiu em disparada.

- Aonde vocês foram Miguel? – Silvia veio até fora, ao ouvir o barulho do carro. – Tem ideia de como fiquei preocupada?

- Contei tudo a ele – disse Miguel, ainda olhando na direção que o carro tinha saído.

Silvia o abraçou por trás, encostando o queixo em seu ombro.

- Vamos entrar – ela levou o filho, que tinha os olhos vagos.

***

Conrado dirigia em alta velocidade, sentindo o peito rasgar de dor. Seu soluço era tão profundo que o corpo se contraia violentamente, esmagando os músculos sobre os ossos.

Chegando a sua casa, ele saltou do carro com a agilidade e a ferocidade de uma pantera, caminhando com muita determinação para o interior da casa. Luciano estava escrevendo alguma coisa, sentando no sofá da sala de estar. Conrado o viu, e se precipitou sobre o pai, o arrastando com toda força pela camisa.

- ME DIZ QUE É MENTIRA!!! – seus olhos vermelhos, estavam tomados por um misto de revolta e tristeza profunda. – ME FALA!!!

- O que está acontecendo? – Júlia saiu do escritório assustada.

- FALA DESGRAÇADO! – os punhos de Conrado estavam cerrados, suas lágrimas se misturavam com seu suor, ensopando todas as suas roupas.

- Conrado?! – Júlia tentou intervir.

- Não Júlia. – Luciano ergueu a mão, sinalizando que ele precisava encarar o filho sozinho.

Júlia recuou, mas ficou ao pé da porta do escritório.

- É verdade – respondeu Luciano. – O Miguel tem um aneurisma, assim como o de Clarice.

- Não!

- Eu já desconfiava algum tempo – Luciano ainda estava sob a mira do soco do filho. – Tive a confirmação com os resultados dos exames. Infelizmente é isso.

- “Infelizmente é isso”? – Conrado repetiu indignado. – O que o senhor fez?

- Expliquei para ele que a situação era grave, e que a cirurgia era única solução.

- Então ele vai ficar bem? – Conrado afrouxou camisa de seu pai.

Luciano ficou em silêncio.

- RESPONDE!!!

- Conrado, como eu disse a situação é grave, a cirurgia é de altíssimo risco e as chances são desaforáveis. – Luciano desviou o olhar.

- Para de me tratar, como você trata a porra dos seus pacientes! – Conrado segurou o rosto de Luciano e o fez olhar para ele. – Me fala. Fala como o Luciano meu pai.

O médico baixou os olhos, voltou a olhar para Conrado de novo, e deixou uma lágrima escorrer.

- Se eu acreditasse em Deus, eu diria que só Ele poderia salvá-lo – Luciano falou trêmulo. – Eu diria que só um milagre.

- Arh!!! – Conrado arfou, tombando para trás, ferido na alma.

- Meu filho – Luciano veio acudi-lo.

Conrado o empurrou, saindo de casa totalmente confuso. Pegou o carro que ainda estava fora da garagem, e saiu feito um louco.

Luciano caiu no sofá, e Júlia veio consolá-lo.

***

“- Não ele não veio para cá”.

“- Estou muito preocupado Silvia, já sai para procurá-lo, mas não o encontrei em parte alguma.”

“– Miguel me disse que contou tudo para ele”

“- Sim eu sei, e tudo está sendo mais difícil do que eu imaginei.” “- Se ele vier para cá eu te aviso Luciano”.

“- Eu agradeço. Até logo”.

“Até – Silvia desligou o telefone”.

- O que o pai do Conrado queria? – Miguel descia as escadas.

- Parece que Conrado saiu de casa já faz um tempo, e não deu notícias até agora.

- Isso tudo é culpa é minha – lamentou Miguel.

- Claro que não – Silvia o abraçou. – Você tinha que abrir o jogo para ele.

- Eu preciso fazer alguma coisa – disse Miguel pegando o celular e ligando para ele. – Caixa postal – ele disse depois de alguns segundos: – Não posso ficar de braços cruzados.

- Você vai ficar aqui sim – Silvia foi incisiva. – Conrado deve estar precisando de um tempo para digerir tudo isso. Ele logo vai voltar para casa.

- Será?

- Claro que sim – Silvia o levou para o sofá, e o fez recostar a cabeça em seu colo. Assim ela começou a fazer carinho na cabeça do filho.

A chegada da noite foi acelerada pelo o tempo nublado. O céu estava carregado de pesadíssimas nuvens, que se aglomeravam em uma massa cinzenta tenebrosa.

Conrado estava com a testa afundada em um balcão de um bar sujo, segurando um copo com frouxidão nas mãos.

- Enche o copo! – ele berrou para o dono do estabelecimento.

- Sinto muito, mas eu vou fechar o bar – disse um homem barrigudo. – Você já bebeu demais, e essa tempestade está próxima de desabar, isso aqui vira um aquário, por isso quero está na minha casa.

- A minha tempestade já despencou sobre mim – Conrado falou grogue.

- Olha, eu já enchi minha cota hoje de ouvir lamentos de bêbado corno, então rala peito

– o homem falou grosseiramente.

- Eu vou mesmo, pois esse seu bar é uma merda – Conrado atirou algum dinheiro na cara do homem, e saiu.

A chuva começou a despencar furiosamente. Conrado tentou ligar o carro, mas estava bêbado de mais para conseguir fazer isso, então pulou fora e foi andando sem rumo, trôpego. Ele apertava a cabeça com as mãos desesperado, chorando. Tropeçou em uma pedra e caiu no chão dentro de uma poça de lama, soltando um grito de dor, como um leão ferido profundamente, mas não pela dor da queda, mas sim pela aquela que o estava dilacerando de dentro para fora.

- DEUS!!! – ele gritou de joelhos. – POR QUE ESTÁ FAZENDO ISSO COMIGO DE NOVO?!!! ELA NÃO FOI SUFICIENTE?!!! MINHA MÃE NÃO FOI

SUFICIENTE?!! Minha dor não foi suficiente? – ele falou quase em um sussurro, parte pelo cansaço, parte pelo choro que era tão denso que o entalava. – EU NÃO VOU DEIXAR QUE VOCÊ O LEVE DE MIM!!! ESTÁ OUVINDO, DEUS?! EU NÃO VOU DEIXAR!!!

“Amazing Grace” estava sendo cantada por uma voz feminina suave. (https://www.youtube.com/watch?v=yf6gAHLHGHg).

Conrado havia caído perto de uma igreja, que de portas fechadas, devido o temporal, tinha a música abafada, mas ainda era possível compreender a letra.

A água caia sem misericórdia, sobre seu corpo estirado no chão. A lama o encharcava completamente. Conrado tremia de frio, mas não tinha forças para se erguer.

Uma luz o atingiu, fazendo-o erguer os olhos. A porta de um carro abriu-se, e alguém saiu correndo na frente do farol.

- Conrado? – era Luciano. – Meu filho.

- Me deixa em paz – Conrado se levantou.

- Vem comigo! – Luciano tentou levá-lo.

- Eu não quero! – Conrado o empurrou – Vai embora antes que eu te arrebente.

- Então me dê um soco, se e isso te fizer melhor – Luciano ergueu os braços. – Se for aplacar sua dor, me arrebente.

Conrado mirou o punho, mas desfez o soco assim que tocou no peito de seu pai.

Ele se lançou em seu pescoço e o abraçou com força.

- Salva ele pai – Conrado chorava com o rosto afundado no peito de Luciano. – Me prometa que vai salvá-lo.

- Eu prometo que farei tudo o que puder – disse Luciano, enquanto afagava o seu filho. Os dois ficaram parados abraçados em meio ao temporal, até que o pai de Conrado disse: – Agora vamos para casa.

Pai e filho entraram no carro e saíram.

Em casa, Luciano o levou para o banheiro e o lavou sob a água quente. Júlia fez um curativo no machucado da queda e o medicou. O pai de Conrado enxugou e penteou os cabelos dele, depois lhe deu uma sopa quente e por fim o pôs para dormir, assim como fazia quando ele era uma criança.

No dia seguinte, Luciano foi até a casa de Miguel bem cedo, antes que Conrado despertasse. Havia prometido algo ao filho e estava disposto a cumprir.

- Miguel – Silvia surgiu na porta do quarto do filho. – O Luciano quer falar com você. Ele consentiu com a cabeça.

Luciano entrou, e a mãe de Miguel os deixou a sós.

- E o Conrado?

- Ele está bem – disse Luciano. – O dia de ontem foi muito difícil.

- Eu sei – Miguel abaixou a cabeça.

- Miguel eu respeito a sua decisão de não querer fazer a cirurgia, mas é importante que você avalie que essa decisão afeta muita gente, inclusive meu filho.

- Mas foi por ele que eu decidi – disse Miguel. – Meus sintomas têm piorado, e isso significa que minhas chances de sobreviver a essa cirurgia estão menores, então eu não quero antecipar minha mor... Enfim, queria fica com ele durante esse tempo.

- Muita gente toma essa decisão – Luciano tocou-lhe a mão. – Então queria propor que você aceitasse a cirurgia no momento crítico, quando for tudo ou nada.

- É possível?

- Sim, apesar de ser muito difícil. Mas enquanto houver uma chance, há esperança. E enquanto houver esperança, vocês dois estarão apegados a alguma coisa nesse mar aberto.

- Eu aceito – disse Miguel. – Mas só no momento final.

Luciano ficou feliz com a decisão

- Então eu vou cuidar de tudo, para que nada saia errado. – disse Luciano. – Também queria que você fosse vê-lo.

- Eu já ia pedir a mesma coisa.

Com a permissão de Silvia, eles foram para a mansão.

Conrado já estava acordado, mas ainda deitado. Miguel subiu as escadas com passos macios, e parou na soleira da porta do quarto do namorado. Durante alguns segundos ficou encarando com ternura seu amor, até que Conrado, virando-se, teve uma grande surpresa em ver Miguel.

- Soube que você anda dando muito trabalho para seu pai – Miguel sorriu. Tinha uma aparência boa naquela manhã, como se não estivesse doente. – Acho que vou ter que dar umas palmadas no bumbum desse bebê fujão, ou então fazer um cercadinho.

- Miguel – Conrado se ergueu subitamente, se enroscando no outro, e devorando sua boca em um beijo sedento.

Miguel logo se entregou ao momento e os dois fizeram amor com muita urgência, como se fosse à última vez. Nada de doença, dor, sofrimento, só o amor emanava de seus corpos.

Enquanto curtiam o pós-sexo, Miguel falou sobre a proposta de Luciano, o que alegrou muito Conrado.

- Vamos fazer uma loucura? – Miguel riu.

- Que loucura? – Conrado o abraçava por trás em conchinha.

- Vamos passar o dia no sitio.

- Mas sua mãe nunca vai deixar.

- Por isso que é uma loucura – Miguel virou-se de frente e o beijou. – Eu ainda tenho umas coisas na casa do meu pai, a gente passa lá e pega, assim eu não preciso voltar.

- Tem certeza? – perguntou Conrado.

- Absoluta – respondeu Miguel mais que convicto.

Rapidamente Conrado fez um mochilão, colocando suprimentos e tudo de que iam precisar, e saíram sorrateiramente, deixando um bilhete para Luciano e para Silvia em cima da cama.

Conrado pegou o carro de seu pai e os dois saíram. A casa do pastor Oliveira não era o lugar onde o namorado de Miguel queria estar, mas o tempo de protestos e sensatez já passara.

- Eu vou sozinho – disse Miguel indo em direção à porta.

Conrado ficou recostado no carro o esperando.

Quando Miguel entrou, deu de cara com Paula que conversava com seu pai.

- Oi Miguelzinho – ela disse com um tom humilde.

- Oi.

- Soube do seu estado – ela disse.

- Os médicos estão cuidando disso. Agora se você me der licença – Miguel subiu para o seu antigo quarto.

O pastor apenas acompanhava tudo com os olhos. Miguel juntou algumas coisas em uma bolsa e não se demorou a descer.

- Não parece moribundo – disse o pastor assim que o viu descer.

- Desculpe em decepcioná-lo – Miguel riu, não com ironia.

- O pastor retribuiu o sorriso, também sem ironia.

- Sabe pai, ontem à noite, durante o temporal, eu me lembrei daquela música que o senhor cantava para mim quando eu ficava com medo dos trovões:

“Pai Eterno é um refúgio. É nossa proteção. Confiamos nele. Seus braços fortes são...”

– Miguel cantou.

- Não lembro – disse o pastor virando-se de costas.

- Me fez não ter medo ontem – Miguel caminhou lhe deu um beijo no rosto, saindo em seguida.

“Ele não permitirá. Que o mal sucumba à luz. Ele sempre estará ao nosso lado. Como pai que é. Não a noite escura e fria. Que resista a um novo dia.”, o pastor completava a música, na ausência de Miguel, chorando, e tocando carinhosamente no lugar onde o filho beijara.

Miguel e Conrado partiram em sua aventura para o sitio, onde com certeza reviveriam muitas lembranças. Pois um suco de manga sempre cai bem.

A viajem dos aventureiros decorria tranquilamente. Seus problemas ficaram todos para trás. E eles se sentiam como no início, quando estavam descobrindo o amor entre os dois.

- Já imaginou como nossos pais vão ficar, quando descobrirem nossa loucura?

- Conrado Lima Jadão, eu não estou te reconhecendo – Miguel o olhou com surpresa. – Onde está aquele pitboy pelo qual eu me apaixonei? Cadê o irresponsável que não se preocupa com as consequências de seus atos?

Conrado riu com vontade.

- Olha que se você continuar perguntando assim, ele pode aparecer. – Conrado apertou a coxa de Miguel e mordeu o lábio. – E talvez apareça numa hora bem interessante, depois não reclama.

- Reclamar? – Miguel jogou a cabeça para trás e gargalhou. – Eu estou requisitando a presença do Conrado inconsequente, por que não estou satisfeito com o desempenho do atual nas “horas interessantes”.

- Ah, é assim não é safado? – Conrado apertou com mais força a coxa de Conrado. – Vou te mostrar por que me chamavam de Demolidor.

- Estou pagando para ver – desafiou Miguel.

Os dois ficaram recordando sua última visita ao sítio. Era impossível não soar uma gargalhada a cada loucura lembrada.

Logo chegaram ao sítio. Conrado desceu do carro para abrir o portão, e notou que a limpeza periódica tinha acontecido recentemente, pois o chão estava quase sem folhas maduras das árvores. Perfeito, ele pensou.

- Precisamos fazer algo antes de entrarmos – disse Miguel, parado ao lado do namorado perto do portão de madeira do sítio.

- O quê? – Conrado olhou para outro.

Miguel enfiou a mão em dos bolsos de Conrado e retirou seu celular, desligando o mesmo assim como fez com o seu.

- Pronto! – Miguel sorriu. – Agora estamos sozinhos. Ninguém para perturbar.

- Nossos pais vão pirar, quando tentarem falar com a gente. – observou Conrado, mas não reclamando.

- Eles superam – afirmou Miguel.

Dessa vez eles não tiveram que fazer a limpeza da casa com tanto esforço. Apenas arejaram o ambiente e espanaram uma poeira aqui e outra acolá. Na verdade, Conrado fez todo esse trabalho, pois não deixava Miguel nem girar uma maçaneta.

- Já pensou quando a gente tiver nossa casa, nosso cantinho – disse Conrado, enquanto batia os tapetes pelo lado de fora da janela da sala.

- Sobrado amarelo – disse Miguel, meio perdido em seus pensamentos.

- Hã? – Conrado não tinha entendido.

- Eu sempre sonhei em morar em um sobrado amarelo, desses com arquitetura antiga.

- Já escolheu até a cor? – Conrado riu.

- Quando eu era criança, no quintal da minha casa tinha algumas árvores de Ipê amarelo. Eu ficava encantado com a beleza das flores, e me deitava sobre aquele tapete de ouro formado pelas pétalas caídas no outono.

- Sobrado amarelo – Conrado o abraçou por trás, beijando sua nuca. – Vamos morar em um sobrado amarelo, com um quintal enorme cheio de árvores, para nossos filhos crescerem saudáveis.

- Filhos?

- Dois. Inicialmente – Conrado beijava o pescoço de Miguel. – Depois a gente adota mais.

- Você será um ótimo pai – Miguel girou o corpo, ficando de frente para ele.

- Nós dois seremos, juntos – Conrado o puxou pela cintura e lhe deu um beijo forte. – Preciso de você para arrumar a bagunça que irei fazer com nossos filhos.

Os dois riram, E Conrado voltou aos cuidados da casa. Assim que ele concluiu os últimos detalhes, para garantir uma boa estadia para eles, um delicioso almoço, preparado por Miguel, fumegava sobre a mesa. Os dois comeram bastante, satisfeitos não só com boa comida, mas também com o momento, que era especial e talvez não voltasse a se repetir.

Depois de comerem a sobremesa: morangos com cobertura de chocolate branco; foram para varanda e ficaram deitados em uma rede enorme trazida por Conrado.

O vento morno do meio-dia somado ao efeito da pós-refeição, os deixaram preguiçosos, modorrentos. Miguel estava deitado no peito de Conrado, enquanto este lhe fazia um cafuné.

- As coisas nunca acontecem como desejamos – Conrado falou com os olhos molhados.

- Mas talvez seja por isso mesmo – Miguel argumentou. – Quem sabe a forma como desejamos não é a maneira melhor das coisas acontecerem.

- Quem sabe?

Um barulho de algo caindo no chão os assustou por um momento. Miguel ergueu a cabeça rapidamente, e deu sorrisinho malicioso ao ver do que se tratava.

- O que foi perguntou Conrado?

Em silêncio, Miguel levantou-se da rede e caminhou descalço em direção a uma mangueira bem próxima a casa. Ele abaixou-se e apanhou uma manga madura, que havia caído.

- E então? – ele se virou para Conrado balançando a manga. – Aceita uma segunda sobremesa?

Conrado deu um meio-sorriso safado, e pulou rapidamente para fora da rede.

***

- Foi uma delícia – gemeu Miguel.

- Se foi – Conrado sussurrou.

Os dois estavam nus e de bruços, na casa-da-árvore de Conrado. Miguel estava cheio de marcas vermelhas, pelas costas, coxas e bunda, consequência dos chupões de Conrado. Como da outra vez, eles haviam aproveitado o suco de manga da melhor forma possível, lambuzando os seus corpos em uma reciprocidade bem sexy.

- Um banho no rio – sussurrou Conrado, roçando seu pau ainda um pouco rijo, na bunda de Miguel.

- Tirou as palavras da Minha boca – disse Miguel, ouvindo o barulho da correnteza do rio.

Uma descida rápida, e eles já estavam mergulhando nas águas claras do rio. Imersos, deram as mãos e começaram a girar em ciranda, iluminados pela luz do sol que trespassava as camadas de água. Os cabelos dos dois se moviam lentamente, enquanto suas pernas se roçavam levemente.

À noite, Conrado ascendeu uma fogueira e ficou junto com Miguel, admirando o céu rendado por estrelas. Não fazia frio, mas mesmo assim o calor da fogueira era agradável, e o cheiro dos marshmallows era agradabilíssimo.

- Esses meses ao seu lado me fizeram compreender porque as pessoas buscam a felicidade tão desesperadamente. – começou Miguel.

- E a que conclusão você chegou?

- Por um motivo.

- Como assim?

- Nós não nos conformamos como o simples fato de estarmos vivos, ou de existirmos nesse mundo, é preciso ter um motivo, uma razão para continuar vivendo, e essa razão é a felicidade, e minha felicidade é você – Miguel inclinou a cabeça para Conrado, e o beijou calmamente, com maciez e suavidade.

Conrado foi até sua cabana e pegou o violão. Miguel apenas o observava com um sorriso bobo. Conrado sentou-se de frente a ele, e começou a tocar e a cantar “Aonde quer que eu vá” do Paralamas. Uma estrela cadente riscou o céu naquela noite.

No dia seguinte, Conrado acordou com um cheiro de café inebriando o quarto. Ele virou-se para o lado, preguiçoso, esfregando os olhos. Miguel estava parado na porta com uma bandeja cheia de delícias.

- Bom dia meu amor – Conrado falou com a voz rouca.

- Bom dia – disse Miguel feliz. – Eu... – Miguel fechou os olhos e soltou a bandeja.

- Miguel?! – Conrado gritou.

Ele já estava no chão desacordado.

- Ah, meu Deus, Miguel! – Conrado pulou rapidamente da cama, atirando-se junto a Miguel, jogado no chão. – Miguel, fala comigo! – ele dava leves tapas no rosto dele.

Com cuidado, Conrado o pegou no colo e o levou para cama, não demorou muito e o desespero o assombrou por completo.

- Miguel, por favor, não faz isso comigo – Conrado pedia em tom choroso. Ele continuava a tentar acordá-lo.

Conrado tomou o pulso de Miguel, e o sentiu fraco, porém regular. Não teve dúvida, precisava urgentemente de ajuda. Ele ligou o celular, que desde que eles chegaram ao sítio estava desligado, e procurou rapidamente um nome na agenda.

“- Alô, Pai?”

“- Conrado, até que fim você deu sinal de vida – Luciano estava um pouco irritado, na verdade mais preocupado do que irritado. – O que deu na cabeça de vocês para...?”

“- Pai depois o senhor me dá um sermão, mas agora eu preciso que venha para o sítio com uma ambulância o mais rápido possível.”

“- O que aconteceu?!”

“- O Miguel teve um daqueles desmaios, e eu não consigo acordá-lo. – Conrado chorava no telefone.”

“- Era disso que eu tinha medo – Luciano falou mais para si. – Há quanto tempo ele está desacordado.”

“- Há alguns minutos – respondeu Conrado. – Pai, não demora.”

“- Mantenha calmo, e tente acordá-lo com cuidado, eu estou chegando aí – Luciano estava nervoso.”

“- Eu confio em você – disse Conrado.” “- Estarei aí logo.”

“– Fica calmo.”

“- Tudo bem – respondeu Conrado”.

Luciano desligou, já organizando uma maleta.

- Júlia?! – ele gritou.

- Sim?– Júlia surgiu da biblioteca.

- Liga para o hospital e pede uma ambulância.

- O que houve?

- A loucura do Conrado e do Miguel pode acabar muito mal – respondeu Luciano. – Eles estão no nosso sítio, e Miguel desmaiou, e permanece inconsciente.

- Vou ligar imediatamente. – Júlia pegou o telefone e discou o número. – Devemos avisar a Silvia?

- Quando o trouxermos sim – disse Luciano. – Eu vou indo na frente no seu carro e você segue atrás na ambulância, tudo bem?

- OK!

Luciano saiu apressadamente, deixando Júlia falando ao telefone com a atendente do Hospital Jadão.

No sítio, Conrado tentava despertar Miguel, mas sem sucesso. Ele então reuniu todas as coisas de ambos, organizando nas bolsas.

Algum tempo depois, Conrado ouviu um barulho de carro se aproximando da casa. Ele olhou pela janela e reconheceu o veículo de Júlia.

- Pai! – ele solta um suspiro de alívio.

Conrado correu para recebê-lo na porta.

- Ainda bem que o senhor chegou – Conrado contorcia as mãos.

- A minha vontade é de dar uns bons puxões de orelha em você – Luciano falou nervoso.

- Se ele ficar bem, pode até arrancar o meu coro – Conrado puxou seu pai pelo braço e o conduziu até o quarto.

Luciano sentou-se na margem da cama, e mediu o pulso, batimentos cardíacos, realizou todas as primeiras averiguações.

- Como aconteceu? Ele sofreu algum acidente? – Luciano perguntou.

- Não. Ele estava com a bandeja com o nosso café, e num instante já o vi desmaiado no chão.

Luciano passou a mão na testa, tentando se acalmar. Antes que dissesse qualquer coisa, a sirene da ambulância soou. Minutos depois, passos apressados se precipitaram em direção ao quarto.

- Como ele está? – Julia entrou acompanhada de dois enfermeiros.

- Aparentemente, só desacordado – disse Luciano. – Precisamos levá-lo imediatamente.

Os enfermeiros, com a ajuda do pai de Conrado, levaram Miguel para ambulância. Luciano o filho e a esposa seguiram de carro, deixando o sítio.

Conrado permaneceu a viajem inteira de cabeça abaixada, escondida entre as pernas. Ele sentia um misto de medo, culpa e angústia. Algumas lágrimas lhe escorriam pelo rosto, e um choramingo abafado revelava todo o seu sofrimento contido. Obviamente, a atitude deles fora errada e perigosa, diante das circunstâncias,

mas talvez, a ideia de que um podia ficar sem o outro a qualquer momento, os motivasse a querer ficar o máximo juntos, era nisso que Luciano tentava acreditar, para não perder a paciência.

No hospital, Miguel recebeu todos os cuidados necessários dos quais careciam seu estado. O desmaio era algo que se tornaria cada vez mais frequente em sua rotina, e por isso mesmo, era muito importante que eles não se dessem ao luxo de agirem com irresponsabilidade.

- Ele recobrou a consciência – disse Luciano, entrando na sala de espera, onde Conrado estava ao lado de Silvia, que já havia sido comunicada do ocorrido.

- Podemos vê-lo? – perguntou Conrado com afobação.

- Sim. Um de cada vez, ele ainda está um pouco zonzo. – disse Luciano. – Silvia, você vem primeiro.

A mãe de Miguel rapidamente acompanhou Luciano, que lhe sussurrava algumas recomendações. Conrado, no aguardo, inclinou a cabeça para trás na cadeira, e fechou os olhos, levando as mãos cruzadas para o topo da cabeça.

Vinte minutos depois, Silvia voltou para a sala de espera, e se dirigiu a Conrado que permanecia de olhos fechados.

- Ele quer ver você – Silvia o despertou.

Conrado arregalou os olhos rapidamente, ficando de pé. Silvia apertou o ombro do rapaz e se dirigiu para a cantina do hospital. Conrado desamassou a roupa, limpou um pouco os olhos e rumou para o quarto de Miguel. Chegando lá, encontrou Júlia e Luciano que conversavam com seu namorado.

- Oi meu amor – disse Miguel com um sorriso ensolarado, vendo Conrado se posicionar na soleira da porta.

- Foi bom você ter chegado – disse Luciano. – Entre.

Conrado se aproximou com um pouco de cautela, já temendo o sermão do pai.

- Como eu estava conversando com Miguel, nós fizemos um trato, e para que isso dê certo, vocês têm que colaborarem conosco.

- Vocês dois entendem que esse ato foi muito irresponsável? – perguntou Júlia.

- Sim – os dois responderam de cabeça baixa.

- Sua doença, Miguel, é muito imprevisível, por isso precisamos ter todo o controle sobre o que você faz. – continuou Júlia.

- Pedi a Silvia para que Miguel ficasse em nossa casa, pois seria mais seguro caso algo acontecesse repentinamente – disse Luciano para seu filho. – Lá ele terá todo o aparato necessário.

- Ela aceitou? – indagou Conrado.

- Hesitou um pouco, mas percebeu que seria o melhor para Miguel – respondeu Luciano.

- Ótimo! – Conrado compartilhou um sorriso de contentamento com seu namorado.

- Antes que eu me esqueça, Miguel, eu consegui um excelente neurocirurgião para você

– começou Luciano. – O doutor Maurício já realizou diversas cirurgias complicadas, e...

- Como assim? – Miguel interrompeu Luciano.

- Eu disse que arranjei um neurocirurgião – repetiu Luciano.

- Eu achei que você realizaria minha cirurgia – espantou-se Miguel.

- Eu, Miguel?

- Sim.

- O doutor Maurício vai realizar um excelente trabalho, pode confiar nele.

- Não! – Miguel foi incisivo. – Quando eu aceitei fazer cirurgia como último recurso, eu contava que você seria o meu médico.

- Mas Miguel eu não...

- Ou é você Luciano, ou não é ninguém – Miguel foi definitivo. – Essa é minha palavra final.

Luciano ficou sem chão. Por um momento ele viu Clarice repetindo as mesmas palavras de Miguel, anos atrás.

- Confio em você – Conrado apertou a mão do pai. – Colocaria minha vida em suas mãos, e Miguel é minha vida.

- Por favor, Luciano – Miguel insistiu.

- Tudo bem – Luciano respondeu de cabeça baixa. – Eu farei sua cirurgia.

Por dentro, o pai de Miguel era só temor. Seus batimentos estavam irregulares, e suas carnes tremiam de medo.

Ironias do destino podem ser esmagadoras.

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Pronto S2Sonhador, seu safado! Prometi e cumpri. Mais um capítulo de Asfalto. NinhoSilva, o conto foi levemente mexido, mas pouca coisa, nada que crie uma distinção do texto original.

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Comentários

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Olha eu to apaixonada...que história linda. vc é um excelente contador. bjs

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Aguardo, ansioso, a parte 3 de Mario e eu. Por favor, continua aquele conto, ele começou lindo! Um abraço carinhoso,

Plutão

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Ai meu deus, meu coração ta do tamanho de uma ervilha!

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chorei de mais com a reação do conrado quando ficou sabendo.imagino como ele se sentiu .quero lhe fazer uma pergunta .espero que não leve mal.sua familia é tj?

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Nesse momento ja to com dores de cabeça de tanto chorar...foi um capitulo muito triste.Eu tenho fé que vai dar tudo certo Volte Logo.S2S2S2S2S2

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Tenho acompanhado esta nova edição de Asfalto. Percebo que está mais enxuta, com menos capítulos. Ainda não fiz o teste apra saber se cada capítulo está maior que a anterior ou se houve cortes. Contudo, continua sendo um belíssimo conto. Um abraço carinhoso,

Plutão

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Nossa!! Emocionante!! Nó na garganta e olhos marejados... Que conto!! Pena Q não acompanhei a primeira versão.. Ansioso pelos próximos capítulos.. Mas com medo por poder estar mais próximo do fim Rsrs.. X parabéns pelo contO e muito obrigado! Abraço!

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Ainda choro com tudo. Como sou bobo, meu Deus! Odeio ver todos sofrendo desse jeito. Fortes emoções no próximo episódio.

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