Amor de Carnaval não Vinga (09)

Um conto erótico de Peu_Lu
Categoria: Homossexual
Contém 4713 palavras
Data: 05/07/2015 22:42:55

“Não, não me abandone, não me desespere, porque eu não posso ficar sem você...” (Swing da Cor, Daniela MercuryCala a boca e me escuta! – ela gritou – Você confia em mim?

Não escondia um ódio mortal exalando pelos poros e travava os dentes evitando falar algo que me arrependesse depois.

- Responde! Confia ou não? – insistiu.

- Preste bastante atenção no que está fazendo – pronunciei com o dedo em riste – Vai querer mesmo colocar a nossa amizade à prova?

- Augusto... Se eu estiver errada, nunca mais vai precisar olhar na minha cara, mas se eu estiver certa, aí sim eu quero ver o que você vai fazer. Porque nesse exato momento estou confrontando o maior babaca que eu já conheci.

Continuava ofegante, irritado com o rumo daquela conversa.

- Eu vou sair agora desse apartamento – ela se mostrou impaciente – Se acredita em mim, me acompanhe e veja com os seus próprios olhos. Depois reflita se eu sou sua amiga ou não...

Juliana pegou a bolsa e caminhou para o hall, batendo a porta com força, uma das características marcantes que ilustrava a sua rispidez em determinadas ocasiões. Minha vontade era quebrar a primeira coisa que encontrasse pela frente, mas queria saber até onde ela levaria a acusação. Peguei a carteira e o celular e a encontrei aguardando o elevador.

- Reze para estar certa – disse furioso.

Chegando ao térreo, pediu que fôssemos no seu carro. Concordei em silêncio. Durante todo o trajeto não trocamos uma palavra sequer. Se o nosso companheirismo sobrevivesse a esse episódio, seríamos capazes de passar por tudo. À medida que avançávamos, as ruas ficavam cada vez mais conhecidas. No fim, estacionamos em um local bastante familiar para mim.

- O que a gente está fazendo aqui? – inqueri.

- A Suzana mora nesse prédio – apontou logo acima do vidro frontal do veículo – Foi ela quem viu, mas estava com medo de te avisar. Vamos logo, senão não dá tempo.

Não sabia ao certo como a residência de uma colega de sala serviria ao seu propósito. Comecei a me arrepender de ter aceitado a proposta. Juliana trancou o carro e seguiu para o interfone do antigo edifício.

- Oi, sou eu – falou agoniada ao ser atendida – Chegamos.

O portão se abriu e atravessamos a entrada. Suzana, visivelmente sem graça, nos convidou para entrar.

- Eles ainda estão lá? – minha colega perguntou.

- Estão, mas daqui da sala não dá pra ver. Vamos lá pro quarto.

Assim que fechou a porta, a moradora prosseguiu:

- Não façam barulho, ok? Meus pais já estão dormindo.

Assentimos e nos aproximamos da janela. Juliana inspecionava atenta e pediu para desligar a luz.

- Sabe que prédio é aquele ali, né? – me indagou séria.

Já tinha deixado Leonardo inúmeras vezes no imóvel citado, onde estudava com um colega de curso, mas não queria desenvolver a conversa. Apenas confirmei.

- Tenham paciência – a anfitriã revelou – Eles estão com visitas, mas logo ficam a sós. É sempre assim.

“Sempre assim?”, me peguei inquieto, reparando que a denunciante analisava a minha reação. O local vigiado não ficava exatamente em frente à residência de Suzana, por isso precisávamos mirar na diagonal, e dois andares abaixo, para averiguar alguma coisa. De fato, meu namorado estava na sala com outras três pessoas e não tardou para que duas delas se despedissem, partindo em seguida.

As meninas se afastaram e ficaram sentadas em um espaçoso pufe, deixando-me sozinho. A luz da sala se apagou na residência em análise e pouco depois a do quarto se acendeu, facilitando a visão pela proximidade com a janela que mantínhamos o posto. O estranho sorriu e rapidamente recebeu Leonardo, que pulou em seu colo enlaçando-o com as pernas. Os dois emendaram um demorado beijo. Fechei as mãos com força, e notei o meu rosto queimar.

Cuidadoso, o colega de curso repousou o corpo do meu companheiro na cama e, entrecruzados, começaram uma sessão de carícias. Minha vontade era de descer, atravessar a rua, arrombar a porta e exigir uma explicação. Meu olhar, contudo, permanecia hipnotizado por aquela cena surreal que presenciava a curta distância. Não havia um cuidado sequer em tentar esconder algo da vizinhança. Já tinha visto o necessário, minha amiga estava certa.

- Me leva embora daqui – sussurrei.

- Calma, vamos conversar – Juliana se levantou – A gente precisa falar sobre isso. Eu e Suzy pensamos muito em como te abordar...

Sem lhe dar ouvidos, abri a porta e andei pelo corredor em direção à saída.

- Augusto! – insistiu.

- Gente, por favor, sem gritaria – Suzana implorou.

Desci pelo elevador antes que ela me alcançasse e pedi um táxi assim que atravessei o saguão correndo. Queria fugir de tudo aquilo. Sentia-me envergonhado, humilhado e enganado. Meu celular começou a tocar, mas não atendi. Mais duas ligações também fracassaram na tentativa, e resolvi desligar o aparelho. Voltei ao apartamento, sem habilidade para raciocinar, tamanha raiva que me possuía. Seis anos de namoro, traído por um desgraçado possessivo e ciumento.

Deveria estar chorando num canto, sofrendo pela situação, mas só queria encontrar uma forma de extravasar a minha ira. Abri a gaveta dentro de uma cômoda, onde ele deixava algumas roupas para dormir ao longo da semana, e despejei tudo dentro de uma sacola velha, colocando-a em cima de uma cadeira. “Amar é uma perda de tempo”, repetia a todo instante, irritado. Deitei ofegante, ensaiando tudo que diria quando ele chegasse, e acabei adormecendo com o avançar das horas.

Comecei a recobrar a consciência quando constatei algo molhado em mim. Abri os olhos lentamente, descobrindo que já era manhã. Assustado, desloquei a cabeça para baixo e vislumbrei Leonardo me chupando, observando vigilante o meu despertar.

- Bom dia – ele sorriu maliciosamente, masturbando-me após uma breve interrupção – Pensei que não fosse acordar mais.

- O que você tá fazendo?

- Estava me preparando para tomar banho, mas vi que tinha um negócio grande aqui querendo furar o lençol – apertou o meu pau – Resolvi aliviar essa situação – e voltou a abocanha-lo.

- Chegou que horas ontem? – questionei.

Não obtive resposta. Suspirei, relembrando toda a noite anterior, sem impedir o ato. Não era o que tinha planejado. “Não tem mais volta”, pensei depois de tudo que tinha visto. O desejo era inexistente e faltava tesão, mas deixei que fosse até o fim. Enxergava a sua empolgação, o seu vaivém frenético e tentava imaginar em que momento tudo se perdeu.

Evitava contemplar o sexo oral, me sentia usado naquele instante. Pensava em quantas vezes transamos, logo depois dele ter feito o mesmo com o outro cara. Quantas vezes ele questionou suspeito sobre as minhas amizades, mostrando um ciúme irracional. “Era um grande teatro, tudo mentira!”, voltei a ofegar.

Atingi o orgasmo em silêncio, sem avisar. Ele engoliu, enquanto dava beijos na minha virilha, e se esparramou exausto na cama. Não escondi o nojo por nós dois ainda ocuparmos o mesmo espaço. Precisava dar um basta naquela situação degradante.

- Gostou? – levantei pelado, recebendo uma afirmativa em troca.

- Eu sempre gosto, Guto.

- Que bom, agora some – disse calmamente, jogando as suas roupas no chão.

Leonardo me examinou sem entender a ordem e permaneceu imóvel sobre os lençóis.

- Some daqui! – gritei, fazendo-o saltar com o sustoanos depois:

“Amar é uma perda de tempo”, repetia me analisando no espelho, pensando no meu último relacionamento. Abri o chuveiro e passei um longo período deixando a água quente relaxar o meu corpo. Angustiado, esfregava as minhas partes íntimas repetidas vezes, achando-me sujo. Quase uma hora depois, vesti um roupão e voltei à realidade.

A mochila continuava no mesmo lugar, perto dos travesseiros. A garrafa de uísque repousava intacta ao lado do abajur. Peguei o equipamento e tranquei tudo no escritório. Não teria capacidade para encarar os acontecimentos naquela noite. Segui para a sala para guardar o recipiente e percebi um casco de vodca pela metade em cima da mesa.

Um barulho de algo pesado caindo ecoou no ambiente. Estranhei, sem contemplar nenhuma movimentação no perímetro. Retornei para o quarto e escutei soluços contínuos no aposento de Gustavo. Sabia que tinha sido rude, e precisava me desculpar. Bati devagar e abri a porta, perguntando por ele. A luz estava acesa e o meu hóspede estava largado no chão escondido por uma cadeira virada, babando aos prantos.

- Guga?! – me lancei em sua direção.

- Desculpa Guto. Por favor, me desculpa – suplicava com a voz embolada, desfalecendo.

- O que aconteceu? – estava em alerta máximo.

Sua saliva continuava inundando a camisa e ele parecia não ter controle sobre os sentidos. Espreitei ao redor procurando por pistas e visualizei uma cartela de analgésicos vazia em cima da cama. Gelei.

- Gustavo! – gritei – Não faz isso, Gustavo! – bati no seu rosto.

Abri a sua boca e enfiei um dedo, mas ele não respondia aos estímulos. Estava desesperado.

- Não fecha os olhos, entendeu, não fecha! – me esforcei para levanta-lo, sem sucesso.

Saí correndo aflito, peguei o interfone e chamei o porteiro, gritando por ajuda. Vesti a primeira calça que encontrei pelo caminho e, descalço e sem camisa, arrastei-o para a entrada, já escutando a campainha. A respiração de Gustavo estava fraca e oscilante, e comecei a temer pelo pior.

...

Não sabia se estava tremendo por estar quase desnudo numa gélida sala de recepção hospitalar, ou pelo estado de choque causado pelas últimas horas. Repassei os últimos instantes da noite e não compreendia a motivação do meu colega. A porta da emergência se abriu e Juliana entrou correndo acompanhada de Marcos, fazendo-me pular da cadeira para alcança-la.

- Ju!

Ela parou, me afrontando nervosa:

- Cadê ele?

- Está sendo atendido, não deixaram eu entrar.

- Porra Augusto, você disse que tava tudo bem! – ela continuou apressada, procurando alguém que lhe desse qualquer informação.

- Mas estava, eu não sei...

- Não! – ela apontou o dedo para mim – Não fala nada!

- Velho, me espera lá fora – Marcos aconselhou, enquanto a esposa chamava algum responsável – Ela tá muito nervosa. Daqui a pouco vou lá falar contigo.

Um nó na garganta se formou e meu corpo voltou a tremer. Quieto, voltei para a sala e suspirei com a cabeça apoiada nas mãos. “Que tipo de ser humano eu me tornei?”, potencializei.

Quase uma hora depois, Marcos voltou, encostando-se à parede lateral.

- Me dê esperanças... – supliquei espevitando fixamente a parede que dava acesso ao atendimento.

- Ele vai ficar bem – tirou o casaco e me entregou – Anda, veste isso.

Não neguei o agasalho.

- Ela vai me odiar pelo resto da vida, eu sei que vai – sussurrei.

- Para com isso, Guto. A Ju tá muito nervosa, perdeu a mãe recentemente. Releve.

- A gente estava conversando numa boa anteontem. Não consigo entender.

- Não fique pensando nisso agora. Ele já está sendo tratado. Depois papeamos sobre o assunto – se empenhava em me tranquilizar.

Era impossível me desviar do ocorrido. No meio da madrugada, soube que Gustavo teve um princípio de overdose e intoxicação por excesso de medicamentos e álcool. Ele passaria um período sedado, fazendo uma limpeza no organismo. A irmã permaneceria no leito e as visitas estavam proibidas. Marcos me orientou a ir para casa descansar, mas neguei. Era um compromisso que tinha firmado em pensamento: ficaria ali até poder falar com ele.

Mais tarde, acordei de um cochilo na cadeira, com ele cutucando um par de meias e uma camisa no meu braço:

- Fui buscar algumas coisas. Não trouxe um tênis porque o seu pé é muito maior que o meu – ele sorriu – Vou ficar lá dentro e volto assim que tiver novidades, tá?

Agradeci, voltando a ficar desamparado. Peguei um café expresso numa máquina próxima ao banheiro e notei que o dia já estava amanhecendo. Alguns profissionais trocavam o turno e passavam por mim com uma feição de pena, denotando a angústia no meu semblante. Quase no meio da manhã, Marcos retornou, avisando que o nosso paciente tinha acordado.

- Ele tá bem? – levantei.

- Tá sim, ainda vai ficar repousando. O médico quer saber o que houve, investigar com cautela o quadro dele. Provavelmente vai indicar um psicólogo...

- E eu posso ir lá? – atropelei o seu discurso.

- Olha... Não acho que seja uma boa ideia.

Sem responder, comecei a caminhar apressado para o corredor dos leitos de emergência.

- Guto! – Marcos apertava os passos para me alcançar.

Espiava ligeiramente as janelas dos aposentos, tentando localiza-lo a qualquer custo. Na metade do percurso, vislumbrei minha sócia em pé, ao lado de uma cama hospitalar. Entrei subitamente, recebendo um olhar furioso em troca. Ao identificar a minha presença, o irmão ficou cabisbaixo.

- Eu preciso conversar com Gustavo – dispensei os cumprimentos.

- Hoje não, Augusto – ela vinha em minha direção, como se quisesse forçar a minha retirada – Ele precisa descansar.

Marcos entrou ofegante, incrédulo com a minha ousadia. Permaneci firme.

- Juliana – fitava o seu rosto desafiador – Eu preciso falar com Gustavo. Agora! – disse incisivo.

- Deixa Ju... – uma voz rouca se sobressaiu atrás de nós, autorizando a minha permanência.

Minha amiga estava tensa, mas compreendeu o pedido do irmão e o gesto do marido para que saísse. Ela ensaiou uma nova bronca, mas se retirou em silêncio. Fechei a porta e caminhei para a cabeceira, que contava com alguns equipamentos indicando os sinais vitais estabilizados. Vê-lo acordado era um alívio.

- Como você está?

- Bem... – respondeu monossilábico, evitando me encarar.

- Devo acreditar nisso? – cruzei os braços, aguardando atento a sua resposta.

Ele parecia calcular o que dizer, em busca das palavras corretas.

- Eu só preciso entender uma coisa – prossegui – O que você estava tentando fazer?

- Eu não sei... – seus olhos marejavam.

- Não sabe? Gustavo, você poderia ter morrido! Tem noção do significado disso?

O semblante estampado no seu rosto parecia perdido. Todo o esforço em alegra-lo desde a sua chegada aparentava ter sido em vão.

- Velho, te disse várias vezes que poderia se abrir – continuei - Somos amigos, te chamei pra passar uns dias comigo, se animar. Até ontem, estava tudo bem, e hoje estou te dando esporro num hospital. O que houve, explica!

- Eu não conseguia dormir... – ele sussurrou atraindo a minha atenção.

- Te enviei uma mensagem de manhã, perguntando se estava com algum problema, e logo recebi sua resposta, dizendo que conversava comigo depois.

- Você chegou irritado, me evitando.

- E por isso quis se matar? Não lhe ocorreu que eu precisava ficar um momento sozinho?

- Eu achei que era comigo, sei lá! Te vi nervoso, gritando, não parava de imaginar que era por estar ali, que estava de saco cheio da minha presença...

- Cara, pensa no absurdo que tá saindo da sua boca.

- Eu exagerei, só isso. Estava insone e inquieto, por isso experimentei tomar um relaxante.

- Só isso? – comecei a me incomodar com o assunto – Sabia que nesse exato segundo sua irmã quer me ver morto? Eu prometi a ela que cuidaria de você, Gustavo! Eu era o responsável!

- Eu gosto de você, tá bom? – ele se exaltou – Pronto, era isso, satisfeito?

- Mas que papo é esse? – estava atônito.

- Achei que tivesse me chamado pra ficar na sua casa por isso. Tem dias que eu tô tentando te dizer, porque presumi que quisesse escutar de mim. Todo aquele papo de me soltar mais, ser quem eu sou, não ter vergonha... – ele suspirou - Eu sempre gostei de você, droga!

Sentei-me em uma poltrona, incapaz de raciocinar com precisão a mudança brusca do tema.

- Sempre cismei que fosse recíproco. Os feriados que ia lá para o interior, as nossas conversas. Entendi que você estava me dando corda...

- Mas o que isso tem a ver com essa situação? – me peguei confuso.

- Acreditei que estivesse puto comigo, não sei explicar. Você meio que nunca deixou eu completar os meus raciocínios, sempre evita ir além. Ontem me destratou. Me senti um intruso na sua vida...

Apoiei as mãos na cabeça, abismado. Era muita informação para ser digerida em curto prazo:

- Vamos resumir: Você ensaiou um suicídio por idealizar que estava levando um fora. É isso?

- Não foi intencional, eu juro.

- Sabe o que eu acho? Que estou falando com um adolescente mimado que esperneia quando quer atenção – endureci o tom – Nem tudo gira ao seu redor, Gustavo. Também tenho os meus problemas e dilemas, também preciso de privacidade. Era difícil entender isso?

O silêncio reinou, pesando cada vez mais a sua consciência. Levantei, começando a andar de um lado para o outro, inquieto:

- Fui grosso sim, me desculpe por isso. Estava chateado e estressado, mas não justifica a maneira como lhe tratei. Ponto. Por outro lado, nunca dei indícios de que não era bem-vindo, você está sendo egoísta ao pensar assim. Não tinha ideia da sua afeição e sempre te dei total intimidade para discutir qualquer assunto. Só fui descobrir sobre a sua sexualidade essa semana! Várias oportunidades poderiam surgir, e a sua escolha foi usar a mais trágica!

- Não fique com raiva de mim, por favor – choramingou.

- Você é... – titubeei – Lindo, charmoso, gente boa... Porra Guga, é claro que eu já percebi isso. Mas não significa que a gente vá ter algo. Te considero como minha família. Sua irmã está no meu círculo de amizades há anos, já passamos por muita coisa juntos. Se ela já me odeia agora por te ver aqui internado, imagine quando a gente brigar, ou terminar o namoro? Vai explodir a empresa?!

Ele permanecia pensativo, e algumas lágrimas escorriam pelo rosto.

- Não dá, simplesmente não sou o cara certo. E por favor, não aceite isso como um fora. Já te disse isso, você é jovem e ainda vai abalar muitos corações por aí – esbocei um sorriso tímido – Me sinto lisonjeado pelo seu sentimento, mas tenho um histórico complicado demais nesse terreno, você não compreenderia.

Acostei-me exaurido, como se tivesse usado toda a energia do meu corpo para aquele diálogo. Ficamos calados por alguns minutos, até ele quebrar o silêncio:

- E agora... O que vai acontecer? – indagou.

- Agora... – suspirei indo ao seu encontro – Me prometa que nunca mais fará algo tão idiota na vida e peça perdão para sua irmã – passei os dedos para enxugar as lágrimas da sua face.

- Tudo bem, eu prometo.

- Vou te dar um crédito, certo?

Ele concordou no mesmo momento em que me inclinava para dar um beijo na sua testa. Era o mais próximo que chegaria da boca dele, provavelmente. Despedi-me fazendo votos de melhoras e abri a porta, encontrando a minha sócia sentada no corredor, impaciente.

- Seu irmão precisa de alguém que o entenda, sem julgamentos. Não diga nada, só escute o que ele tem a dizer.

Sem esboçar nenhuma outra palavra, ela caminhou para o quarto. Agradeci a Marcos pelo apoio e fui embora atordoadodias depois

Perdi a noção do tempo. Isolei-me no apartamento e lá permaneci trancado. Não tinha condições de trabalhar e decidi desligar o celular. Procurava entender o que tinha deixado passar desde que Gustavo pisara ali. “Será que fui mesmo negligente, que não entendi os sinais?”, “Será que estava tão na cara?”, relembrei a aula de natação. Diversos questionamentos invadiam a minha cabeça, arrastando-me para uma área cada vez mais nebulosa da mente.

Para piorar, ainda me considerava o pior ser humano do mundo por começar uma vingança dando o troco na mesma moeda. Para todos os efeitos, eu também tinha violentado alguém, era um criminoso do mesmo jeito, e isso me corroía por dentro. Não tive coragem de voltar ao escritório e assistir o estrago feito, ou checar se César estava cumprindo com o combinado.

Pensei em desistir. Estava tudo errado: minha moral em frangalhos, amizades abaladas, pessoas importantes quase mortas... Estar no fundo do poço ganhou um novo significado, e a solidão parecia ser o melhor remédio.

À noite, perdido em pensamentos (e nos lençóis), escutei um forte barulho. Levantei cauteloso no meio da escuridão e procurei algo que me servisse como defesa para um possível assalto, sem sucesso. A porta do quarto se abriu e uma enorme claridade vinda do corredor irrompeu no ambiente. Estava prestes a saltar no invasor, mas uma voz familiar me segurou:

- Augusto, tá aí? – a luz se acendeu.

- Juliana? – apertei os olhos para acostumar a visão.

De braços cruzados, ela permanecia prostrada na entrada, e parecia irritada:

- Quer me matar do coração? – ouvi em tom de sermão.

- Como entrou aqui?

- A chave de emergência – ela apontou para mim, portando o objeto – Tive que usar.

Não sabia o que responder. Estava surpreso com a sua presença.

- Tá pelado? – sondou quando me viu enrolado no edredom.

- Hum... Sim.

- Coloca uma roupa que eu te espero na sala então.

Desprevenido, vesti qualquer coisa na velocidade da luz e decidi encarar a reunião. Ela estava procurando algo na geladeira, enquanto me deslocava para a mesa da varanda:

- Tá com fome? – questionei.

- Não, só vendo como está sobrevivendo.

- Falando assim, até parece que estou fora há anos.

- Pra você ver a falta que faz.

Novo tapa na cara. Decidi ficar calado aguardando a revelação do motivo da sua visita.

- Olha, vou pedir licença, mas tá escuro demais aqui – disse caminhando e acendendo todas as luzes - Fico agoniada nesse breu.

Quando passou por mim, parou um instante e me puxou pelo braço para que eu levantasse. Depois, me abraçou com força. Aquele gesto, de certa forma, me tranquilizava.

- Desculpa... – ela começou, balbuciando baixo.

- Não, eu que peço desculpa – apertava-a com intensidade – Eu deveria saber que estava rolando algum problema, mas não fui capaz de enxergar.

- Não Guto, não é culpa sua. Eu tava muito assustada, é meu irmão poxa!

- Eu sei, eu também fiquei desesperado na hora.

A “sessão desabafo mútuo” estava aberta. Sabia que teríamos muita coisa para discorrer.

- O Guga tava com muito medo de ser rejeitado. Por mim, pelo Marquinhos, por você... – ela me avaliava séria.

- Ele te contou tudo?

- Contou sim. Me lamentei por ele fantasiar que eu não aceitaria bem. Pelo amor de deus, meu melhor amigo é gay!

- Eu também disse isso, mas não cabia a mim te dizer.

- Claro, fez bem. Gustavo passou por uma avalanche de novas situações em um espaço de tempo muito curto. Penso que ele se sente sem um lar de verdade, sem um espaço que o identifique, sabe?

- Eu nunca quis passar essa ideia.

- Não! Não é você Guto, é ele. Sabe essa coisa que nós temos de que pertencemos a um lugar? Então, ele não tem, acha que é um completo estranho – suspirou.

- Talvez seja só uma fase.

- É, eu sei. Ontem ele recebeu alta e amanhã fará a primeira consulta com uma psicóloga que o médico indicou.

- Isso é ótimo! Ele vai trabalhar melhor o que está vivenciando.

- Tomara. Marcos ficou com aquele cara de “eu te avisei”, mas ficou quieto. Vamos nos adaptar a isso.

- Todos nós iremos, vai dar tudo certo – estava um pouco mais leve – Vou preparar uma bebida pra gente, quer? – sorri.

Juliana riu, aceitando. Peguei duas taças na cristaleira e segui para o balcão da cozinha. Pegava uma coqueteleira e alguns cubos de gelo, quando escutei sua voz se aproximando:

- Sobre o outro assunto – ela ponderou – Não tô querendo impor nem forçar nada, mas não me considere como um impedimento para qualquer decisão sua. Nós somos adultos, certo?

“Nossa, ele contou tudo mesmo...”, pensei estudando o que dizer.

- Eu sei. A sua figura não é o impedimento, e sim o contexto. Quero que o Guga seja feliz, e não uma satisfação passageira. Você sabe que eu ainda tenho muito caminho pela frente nessa área.

- Eu te entendo, e ele também entenderá – bagunçou meu cabelo em brincadeira – Obrigado por querer o bem dele.

Entreguei um copo para ela e segurei o outro, suspenso no ar:

- Às amizades que superam tudo...

- Aos amigos que sabem a hora de voltar a trabalhar – cutucou.

Gargalhamos com o brinde e continuamos com muitas rodadas noite adentro, como na época de ouro da faculdade.

...

No fim das contas, a empresa estava muito bem. Alguns dias não foram suficientes para causar o fim do mundo e todos prosseguiam com os seus afazeres. Procurei focar em projetos que prendiam a minha atenção e me afastavam de pensamentos inoportunos. À noite, me isolava novamente. Fugi do esporte, de planos mirabolantes e da sede de vingança. A solidão ainda era reconfortante e assim continuou durante toda a semana.

O clima mudou no sábado seguinte a toda confusão e ações inconsequentes, de forma bastante repentina. Vegetava assistindo um programa qualquer na televisão, quando escutei a campainha. O porteiro não avisou a chegada de ninguém, deixando-me intrigado. Abri a porta e, para a minha surpresa, Gustavo aguardava a recepção:

- Não tenho uma chave misteriosa, mas sabia que não ia me deixar na mão.

- Guga? O que tá fazendo aqui?

- Tudo bem que você não é afim de mim, mas não precisa esnobar.

Fiquei sem graça com a piada, e o convidei para entrar. Ele segurava uma sacola e um monstruoso balde de pipoca.

- O que é isso? – inqueri.

- Ah, a Ju me disse sobre a sua fase sombria da vida. Resolvi entrar no embalo – me entregou a sacola – Só não vira gótico, pelo amor de deus!

Rimos, enquanto retirava um filme de dentro da bolsa.

- O cavaleiro das trevas? – entendi a artimanha com a brincadeira.

- Eu sei que você já viu. Mas é a edição de luxo em blu-ray. Faça como todo bom nerd e enlouqueça com isso.

- É o meu favorito, valeu.

Agradeci com um longo e cúmplice abraço. Aquele fôlego extra e o ânimo apaziguador revelavam que os bons tempos voltaram.

- Guto... Desculpe por estragar tudo – ele se afastou lentamente.

- Relaxa, estamos numa boa. Você tá bem? – encarei o seu olhar – Digo, bem de verdade?

- Eu vou ficar – se mostrou encabulado, mas sincero – Acho que estou no caminho certo.

- Sua irmã me contou da psicóloga. Tá gostando?

- Sim, tenho recebido sermões incríveis – ele parecia não querer desenvolver o assunto.

- Ótimo, já vi que ela fez um excelente investimento – caçoei.

Trouxe um refrigerante para a sala com os copos, coloquei o filme no aparelho e me assentei ao seu lado no sofá. A ação crescente da projeção preenchia o estranho silêncio entre nós dois. Pensei em todos os momentos em que ele buscou uma brecha na tentativa de se abrir para mim e tudo o que aconteceu depois. Poderia estar ali com o meu namorado, mas estava com uma pessoa que, assim como eu, decidiu que a amizade deveria prevalecer, e que sempre poderíamos contar um com o outro.

Gustavo comia a pipoca como se fosse o último alimento na terra, me divertindo com as caras que fazia. Àquela altura, na televisão, Batman encontrou uma razão para seguir em frente, no meio de todo o caos. Ele sabia que o Coringa não iria parar. Em determinada cena, Alfred esclarece a Bruce Wayne toda a motivação do vilão:

- “Alguns homens não procuram nada lógico, como dinheiro. Não são compráveis, ameaçáveis, razoáveis ou negociáveis. Alguns homens só querem ver o circo pegar fogo...”.

A engrenagem do mal, afinal, não teria fim, a não ser que alguém agisse. Alexandre, Adriano, Claudio e Júlio talvez estivessem por aí, colocando as suas atrocidades em prática. Comecei a entender a necessidade de uma voz que, assim como o mordomo, guiasse a razão dentro dos meus atos impulsivos. Parei o filme subitamente.

- Logo na melhor parte! – Gustavo reclamou.

- Guga... Preciso te contar uma coisa – disse sério.

- O que foi? – ele mastigava de boca cheia.

- Espero que não me julgue, independente do que eu te falar ou mostrar, tá?

- Eita! É tão sério assim?

Levantei rapidamente, vasculhei a gaveta de um cômodo e encontrei o que procurava. Em seguida, repousei a chave do escritório na sua mão:

- Vem comigo.

...

(continua)

Oi pessoal! De volta com um capítulo direto do forno! Sei que prometi dois por semana, mas por pura falta de tempo, estou preferindo entregar um mais estruturado a dois apressados (espero que me entendam!). M/A, que bom que está gostando, mais situações tensas estão por vir! Irish, sim, há algo de perturbador nas ações de Augusto que chocará com o que ele considera parte de sua moral. Obrigado pelos elogios (e o ruivo manda outro abraço, como sempre)! Jeff08, eu confesso que também não saberia o que fazer no lugar de Augusto. Espero que goste das outras vinganças! Trager, exatamente! Esse embate interno vai acompanhar a trajetória do protagonista durante um bom tempo :)! Plutão, te garanto que ela será bem amarga mesmo, mas com algumas pitadas de doce (chocolate amargo é bom, ué!). Eu sei com quem o Guto fica, mas não conto nem que me torturem (ahahahaha)! O ruivo também manda beijos! Mais uma vez, quero agradecer o carinho, votos e comentários. É muito animador compartilhar essa história com vocês. Um grande abraço!

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Comentários

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Não nos abandone!! Quero mto ver a continuação dessa historia!

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Ah, encontrei na página 34 da categoria Homossexual.

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Amo este conto teu; sabes disso. Achei estranho não o encontrar nas páginas 27 e 28 do site, no tema GAy, pois são as páginas dos dias 05/07 e 04/07. Um abraço carinhoso para os dois,

Plutão

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Desculpe não ter comentado no anterior, na verdade eu até comentei, mas deu algum erro e não apareceu e como não conferi, enfim...A vingança é doce sim, porém muito arriscada, temos que estudar a pessoa muito bem e acabamos meio que obcecados por ela, sem falar que que temos que despertar os nossos instintos mais baixos e liberar nossas feras e uma vez liberados fazê-los voltar ao cárcere é muito difícil, é como descer ao inferno e voltar puro...Só que ser como era antes será impossível de qualquer forma e a responsabilidade disso é do teu algoz então ele que pague por isso, temos três escolhas: pelo resto da vida sofrer como pobres vitimas e permitir que muitos outros sejam vitimas, perdoar, tentar esquecer e ainda assim permitir que a o agressor vitimize outros, ou então pagar pra ver e fazer o que tem de ser feito e depois lidar com as consequências da melhor forma possível. Beijos ao casal.💋💋💋

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Esse conto é muito bom! Eu li td q eu perdir! Amando a vingança. Quero vê o circo pegando fogo kkk

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Eu me espanto com essa sua capacidade de mostrar o passado sem causar estresse no texto. Será que vi ai um aliado?? Abraço.

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Meu Deus cara, foi muita emoção pra um capitulo só!! Muito fofo o Guga se declarando, espero que ele não te julgue por causa das vinganças.. será que ele vai te fazer desistir ou vai te ajudar?! Adorei o capitulo, torcendo pra esse romance... e pelas vinganças, claro! Abraço

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Que loucura o Guga foi fazer, nao? Caso eles namorem (e torço para isso), ele nao vai suportar um termino, uma grande contrariedade por exemplo. Talvez ele melhore com terapia. Tomara! Quero ver esse casal junto. Será que vai rolar? :) Abraços em vcs dois! Adoro o conto, seus lindos!

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