Amor de Carnaval não Vinga (06)

Um conto erótico de Peu_Lu
Categoria: Homossexual
Contém 4197 palavras
Data: 12/06/2015 01:03:34

"A tristeza não tem mais lugar, no meu leito não pode morar, o lugar que tenho é pra te ver feliz..." (Auê, Banda Cheiro de AmorComo é? – sentei assustado, percebendo que ainda estava no escritório.

- Foi agora de madrugada. O Gustavo ligou desesperado pra gente.

“Puta merda...”, levei a mão à boca, chocado.

- Marcos, onde vocês estão?

- Subi pra pegar uns documentos que tinha esquecido e a Ju tá no carro me esperando. Vamos direto para o aeroporto. Liguei pra avisar que vamos ficar o fim de semana lá, ok?

- Cara, sem essa. Eu vou também – disse já me levantando – Avisa quando chegar lá, beleza?

- Não precisa Guto. Só informa para o pessoal da empresa. Juliana está muito abalada.

- Eu faço questão... Pode deixar que aviso sim. Não se esqueça de me ligar.

Encerrei o telefonema e corri para um rápido banho, ainda surpreso com o ocorrido. Organizei algumas coisas em uma pequena mala de mão e tentei encontrar alguma passagem com horário flexível. O voo iria para Ribeirão Preto, onde seria necessário buscar um transporte para a cidade vizinha. Ainda assim, preferia essa opção a ter que dirigir por um longo período, perdendo mais tempo para chegar. O fim de semana começava da forma mais tenebrosa possível.

Quando amanheceu, mandei uma mensagem para Marcela avisando sobre a mudança de planos. “Ela vai compreender”, pensei. Tomei um café da manhã reforçado, imaginando a tristeza que os meus amigos deveriam estar sentindo. Dona Helena era uma pessoa muito importante na vida deles, e agora tudo seria diferente, principalmente para Gustavo.

A caminho do aeroporto, já com o sol a pino e a cidade em plena movimentação, liguei para a empresa. Pedi para a secretária chamar Marta, uma das nossas principais profissionais de atendimento, e expliquei toda a situação. Solicitei que procurasse alguma floricultura em Jaboticabal e encomendasse duas coroas de flores - em meu nome e de toda a empresa - para prestar-lhe uma homenagem póstuma. Dei-lhe mais algumas instruções sobre o andamento dos trabalhos naquele dia e me despedi, observando o portão de embarque se aproximar cada vez maisanos antes:

- Ô de casa! Cheguei! – Juliana anunciou, sem se importar com o horário.

- Aqui na cozinha!

As datas festivas na casa da família de minha sócia eram uma diversão. A alegria rolava solta, todos tinham um astral contagiante e o ambiente ganhava ares de festa, onde até os vizinhos apareciam. Aquele natal, provavelmente, não seria diferente e me sentia feliz por estar sendo convidado mais uma vez.

- Tem visita, viu? – minha amiga preveniu.

- Ai meu deus! Eu tô toda descabelada!

A voz familiar se misturava ao som de uma panela de pressão, junto com um rádio que tocava com interferência uma dessas músicas antigas da Jovem Guarda.

- Tarde demais! – a surpreendi entrando no recinto.

- Mas era o que me faltava – ela veio me dar um abraço após o susto – E desde quando isso é visita?

Rimos do seu jeito serelepe, largando algumas sacolas pela mesa.

- Não tá muito cedo pra cozinhar não, mãe?

- Ah, você sabe que eu fico agoniada. Já vou deixar tudo prontinho e mais tarde asso o peru – ela mostrou o que estava fazendo.

Sentamos à mesa, esfomeados e exaustos da longa viagem de carro que Juliana insistia em achar mais prazeroso. Empolgada, Dona Helena preparou um desjejum caprichado, juntando-se a nós em seguida.

- Me contem. Tudo bem por lá? Porque Marquinhos não veio?

- Ele não vai ter folga – a filha tentou não se mostrar contrariada – E a família dele vem pra São Paulo esse ano. Aí nos dividimos.

- Mas que bom que você trouxe o Guto – ela deu um apertão na minha bochecha – Adoro esse menino de ouro.

- Tô percebendo que você gosta mais dele mesmo... – Gustavo nos surpreendeu com uma cara que denunciava o sono – Nem me chamou para o café da manhã.

- A gente te acordou? Foi mal... - me ergui para cumprimentar o último integrante da família.

- Não se desculpe não, Augusto! – a matriarca alertou – É bom que ele aprende a sair mais cedo da cama pra ajudar a mãe – gargalhou.

Acompanhamos a brincadeira. Ele fez um afago na irmã e se uniu ao banquete. O caçula da casa me pareceu mais alto, mas mantinha um corpo algo franzino, revelado pela sua presença sem camisa, trajando uma calça de moletom. As acnes persistentes no rosto também denunciavam o estágio final da adolescência, típico da sua idade. A voz mais grossa, entretanto, alardeava que ele se desenvolvia cada vez mais.

O papo seguiu animado, mas logo nos entregamos ao cansaço e tiramos uma longa soneca na sala, aproveitando o silêncio interiorano da rua. À tarde, nos alojamos com mais calma. Fiquei no quarto de Gustavo - oferecendo mais privacidade à minha colega - e, suado, tirei a camisa na sua frente, me permitindo uma maior intimidade. Não tardou muito para ele procurar saber como eu me exercitava e respondi que mantinha uma alimentação balanceada e sem grandes excessos, além de continuar praticando natação, incentivando-o o fazer o mesmo. Ficamos conversando por um longo período, sobre suas perspectivas, faculdade e todo o estresse que envolvia o vestibular.

Ao anoitecer, o clima de confraternização tomou conta do lar. Era uma típica ceia de natal, com muita fartura, conversa alta e descontração. Dona Helena era uma cozinheira de mão cheia, e deixar o prato vazio por muito tempo era uma ofensa para ela. Cada porção generosa servida significava uma imensa satisfação exaltada no seu semblante. Terminado o jantar, aproveitei que todos permaneciam esparramados no sofá e entreguei os presentes que havia comprado: um perfume para a minha sócia, um pequeno terrário para a anfitriã - uma amante declarada de jardins - e um livro de arquitetura para Gustavo.

- Soube que essa é a sua escolha profissional – justifiquei, deixando-o sem graça.

- Ai Guto, você exagera viu? – Juliana me censurou – Não precisava de nada disso.

- Precisava sim. É muito bom passar mais um feriado aqui com vocês. Eu me sinto muito... Incluído – respondi timidamente – Muito obrigado, de verdade.

Dona Helena se aproximou para um forte enlace. Um abraço de mãe, de gente acolhedora, afetuosa. Sorri um pouco emocionado, e logo estávamos de volta à algazarra, tirando fotos e rindo à toa.

...

Segui de táxi para o cemitério, olhando aquela foto em uma das minhas redes sociais. Nós quatro, como uma família feliz. “Natal inesquecível!”, resumia a legenda. Não era difícil compreender porque a minha colega de longa data estaria tão abalada. Cheguei ao fim da manhã e não demorei em encontrar a capela onde o corpo estava sendo velado. Marcos acenou brevemente e percebi que Juliana chorava muito. Aproximei-me para um abraço silencioso e demorado, onde um parecia entender perfeitamente o que o outro queria dizer. Ajeitei o seu cabelo e dei-lhe um beijo na testa. Sabia que ela precisava extravasar tudo o que estava sentindo naquele momento.

Ao seu lado, Gustavo permanecia estático. O seu olhar perdido parecia não acreditar que aquilo estava acontecendo. Ele também me cumprimentou visivelmente arrasado. Sentei num dos assentos livres e fiquei ali quieto, alimentando o lamento dos meus quase irmãos. A cerimônia foi bem triste e um grande número de amigos acompanhou o cortejo fúnebre, dispersando-se após o enterro. Avisei a Marcos que voltaria ao hotel onde estava hospedado, mas sua esposa fez questão que eu dormisse na casa deles, algo que não podia negar.

Mais tarde, soube que Dona Helena sucumbiu a um infarto fulminante. Foi Gustavo quem a encontrou quando chegara de viagem no meio da madrugada, desacordada no chão. O fato explicava em boa parte o seu choque, mas a sua mudez era algo preocupante. Deitei em um colchão próximo à sua cama e avisei que me chamasse se precisasse de qualquer coisa, esperando-o adormecer.

No dia seguinte, algumas pessoas visitaram a casa oferecendo os seus pêsames e condolências. Juliana aproveitou e agradeceu a minha presença ali, afirmando que sua mãe certamente estaria feliz com a minha atenção. Na hora do almoço, ela aproveitou a breve reunião na mesa e tentou quebrar o silêncio do irmão:

- Guga, eu sei que é difícil. Pra gente também é, mas tenta se animar.

Ele respondeu com a cabeça, fazendo um esforço para parecer agradável.

- Me fala o que você quer fazer... Conversa comigo, por favor.

Encarávamos pacientes o seu olhar vazio.

- Eu não sei – ele sussurrou baixo, bebendo um copo d’água.

Juliana suspirou, tateando o rumo da conversa.

- Mas eu sei – me intrometi – Passa um tempo lá com a gente, cara. Adianta a sua mudança e volta comigo ou com a Ju.

Marcos concordou.

- Por mais que sua irmã fique aqui alguns dias com você, não será legal. Não tô dizendo pra esquecerem o que aconteceu, mas será melhor estar rodeado de pessoas conhecidas. Pega algumas roupas aí, se matricula lá na natação, vai se preparando para as aulas e depois vocês resolvem o restante. Tudo em seu devido momento, mas não fica sozinho aqui, porque não vai te fazer bem – prossegui incisivo.

Sua irmã continuava apreensiva, olhando o seu rosto choroso. Ele respondeu positivamente, ainda que de maneira vaga, e seguimos normalmente com a refeição.

...

Juliana explicou a decisão para uma vizinha amiga da família, confiando-lhe uma cópia da chave para averiguar se tudo estava bem na casa. Separamos algumas malas e arrumamos a maior parte das roupas de Gustavo, separando-as para que cada um despachasse uma bagagem no aeroporto sem maiores contratempos. No fim da tarde do domingo, retornamos para São Paulo.

Ajudei a organizar algumas coisas no quarto extra do apartamento de Juliana – que futuramente seria do bebê, como ela anunciava – e voltei para casa. Liguei para Marcela e ela já tinha viajado para Salvador, lastimando a minha ausência. Ela se mostrou triste e compreensiva com o ocorrido e prometeu uma nova visita em breve. Esgotado com o clima pesado dos últimos dias, me retirei mais cedo para um merecido descanso.

...

Na segunda-feira, muitos me procuraram para saber da minha sócia, a qual instruíra passar uns dias em casa. Agradeci por ela a sensibilidade de todos, e avisei que daria os recados consternados. No intervalo do almoço, advertido pelo lembrete do celular, fui a um shopping nos arredores e comprei um novo aparelho telefônico. Aproveitei o tempo livre, baixei os principais aplicativos e sincronizei-os às falsas contas criadas. Configurei todos os alertas para possíveis avisos e fiquei aguardado uma resposta.

Próximo ao fim do dia, um apito me assustou. Era uma nova mensagem no Facebook. Remetente: César. Gelei.

“Oi, vi que me adicionou. Nos conhecemos de algum lugar?”, a tela me hipnotizou por alguns minutos. Afastei-me subitamente empurrando a cadeira, sem saber o que fazer. Precisava estudar o próximo passo, senão daria um tiro no pé. Estava nervoso, agindo como se ele estivesse do outro lado, aguardando ansioso por uma resposta.

“Pensa Augusto... Pensa!”, tentava me concentrar, já desprezando um projeto em andamento. Era hora de arriscar um chute. Peguei o celular novamente e digitei uma reposta:

“E aí cara! Você me deu o seu contato lá na faculdade, logo depois do carnaval, esqueceu?”. Titubeei por alguns instantes e, como se tomasse uma decisão que poderia mudar o rumo do jogo, enviei. Se ele investigasse a circunstância específica, tudo estaria perdido. Um novo assovio me causou um frio na barriga:

“Na festa? Ah claro, como poderia esquecer... É que na foto você tá diferente, foi mal!”, ele mordeu a isca, evitando ser indelicado em me desmentir. Logo em seguida, uma notificação avisava: “César aceitou a sua solicitação de amizade”. E parte da vida de um dos integrantes da gangue se abria para mim. Suspirei aliviado. As cartas ainda estavam na mesa.

Abri rapidamente o seu álbum de imagens e passei foto por foto, analisando-as cuidadosamente. Uma em particular, me chamou a atenção: um grupo de pessoas reunidas, todos com latas de cerveja nas mãos, parecendo comemorar algo. “Curtir a calourada com essa galera top de economia é bom demais!”, dizia o primeiro comentário com inúmeras curtidas.

- Malditos estudantes de economia! – pensei alto, lembrando o meu ex-namorado.

Não reconheci nenhum outro membro da Liga do Mal no meio e comecei a considerar que eles talvez não fossem colegas de curso.

- “Qual a boa? Quando a gente vai se ver?” – ele continuou o papo virtual.

Não escondi a risada. Ou ele estava realmente me confundindo com outra pessoa, ou estava muito interessado em algo mais, se aproveitando do fato inusitado. Resolvi dar corda:

- “Você que manda!”.

Após um breve silêncio, a página sinalizou que ele estava escrevendo algo:

- “Vamos dar um giro lá no MAC amanhã, depois da aula?”.

Corri para o mapa do Google para não dar uma bola fora: Museu de Arte Contemporânea. “MAC, seu burro!”, me recriminei pela distração. Cidade Universitária, USP. “Touchê!”, vibrei em silêncio.

- “Claro! Vamos sim! Que horas?”.

- “Depois do almoço, pode ser?”.

- “Fechado, te encontro na porta!”.

Dez minutos de conversa e eu já tinha descoberto o curso, turno e a universidade de um deles. Era um grande avanço. Para não correr o risco de ser questionado sobre mais algum assunto, emendei:

- “Vou precisar sair. Tô no estágio e meu chefe está me chamando. Te ligo!”.

- “Certo, te espero lá!” – avistei antes de me desconectar.

A essa altura imaginava que ele deveria estar quebrando a cabeça tentando lembrar onde e quando me viu. Era melhor assim: deixá-lo achando que já tinha mais um no papo. O painel de vidro com certeza ficaria contente em receber mais algumas informações.

...

No dia seguinte, para o meu espanto, Juliana apareceu na firma bastante abatida. Reunimo-nos informalmente e ela me explicou que não estava mais aguentando ficar em casa, preferia trabalhar para espairecer.

- Se isso te faz se sentir melhor, seja bem-vinda!

- Eu tô bem, Guto. Valeu pela força – ela vacilou – Só fico preocupada mesmo é com o Guga.

- O que houve? – indaguei receoso.

- Sei lá, desde que tudo aconteceu, ele mal fala com a gente. Não diz nada, parece que tá fazendo voto de silêncio – ela lamuriava – Marcos tá achando melhor leva-lo num psicólogo.

- Calma Ju! Dá um tempo, é tudo muito recente.

- Eu sei, mas eu conheço meu irmão. Ele está muito estranho, morro de medo que fique depressivo.

- Olha... – ponderei uma ideia que me ocorreu – Me deixa tentar uma coisa, certo? Mas não conta nada pra ele. Vou aparecer lá hoje de noite.

- Como assim, pra que?

Olhei para o relógio pendurado na parede, lembrando o compromisso:

- Te explico depois! Agora preciso ir, marquei um almoço com um amigo.

Ela agradeceu novamente, sem fazer qualquer questionamento sobre o meu “encontro”, como lhe é de costume. Voltei à minha sala, pegando o endereço que tinha anotado, e segui para o destino estipulado. Com a ajuda de um aplicativo de trânsito, não demorei muito para chegar. Pouco antes do horário marcado, lá estava eu. Claro que não daria a ele o privilégio de saber a verdade sobre a minha identidade. Iria instiga-lo para averiguar até que ponto ele queria ir fundo em um possível lance com “Alessandro Silva”. Um pouco afastado e de óculos escuros (o único disfarce que surgiu na minha mente), numa altura em que passaria despercebido, observava paciente a movimentação na entrada do museu. Quinze minutos depois, reconheci o seu rosto. Era ele, sem dúvida. Olhou ao redor e não encontrou o seu pretendente.

César adentrou o local, como a me procurar nas cercanias, mas logo voltou ao ponto inicial, encostando-se à parede. O tempo passava e ele começou a ficar impaciente, consultando insistente o celular. Em determinado momento, senti o meu outro aparelho vibrar, com uma provável mensagem dele cobrando a minha presença. Estava me divertindo com aquela situação. Quando contabilizei quase uma hora de chá de espera, ele partiu em retirada, visivelmente irritado.

Era a oportunidade única para um segundo round. Passei a segui-lo, espreitando com cuidado os seus passos, atentando para a vaga onde o meu carro estava parado. Começamos a caminhar pelo estacionamento e logo escutei um alarme. Cauteloso, olhei a placa do modelo importado, e saí correndo em direção ao meu veículo, memorizando os números que tinha visto. Sentei esbaforido, desci o vidro e percebi que ele começou a manobrar para sair.

Sem pensar duas vezes, subi um canteiro, atravessei ligeiramente uma pequena via pela contramão e consegui mantê-lo no meu campo visual. “Vamos lá Augusto, vamos lá!”, procurei focar em não perder ele de vista. O trânsito naquele horário não estava colaborando com a execução do meu plano improvisado e era difícil manter o mesmo trajeto que o motorista adversário. Em alguns instantes, entradas bruscas e curvas mais fechadas causavam um desencontro, mas logo o número da placa que repetia a cada segundo voltava para me entusiasmar.

Chegamos a um bairro nobre com ruas mais tranquilas e arborizadas. “Cadê, cadê...?”, não escondia a tensão, sentindo estar prestes a descobrir algo interessante. A resposta veio logo em seguida, quando ele sinalizou para entrar em um edifício luxuoso. Parei um pouco mais à frente e, pelo retrovisor, contemplei o portão da garagem se abrir, fazendo o condutor buzinar em agradecimento ao funcionário da portaria. “Então é aqui que você se esconde...”, sorri vitorioso.

Registrei o número da placa e o endereço para não esquecer, e só então visualizei a sua mensagem:

- “Poxa, cadê você?”.

- “Um professor escroto inventou uma prova surpresa e acabei saindo atrasado. Tô aqui no lugar que a gente marcou. Você vem?” – inventei, sabendo que ele não se daria ao trabalho de retornar. Não naquela ocasião.

Teríamos outras oportunidades. Liguei o carro e segui de volta para o trabalho. A brincadeira estava só começando.

...

Marcos abriu a porta quando toquei a campainha pela segunda vez.

- Opa, e aí Guto? Beleza?

- Tudo tranquilo, e você?

- Espero que melhore um pouco. A energia aqui não anda lá essas coisas – ele cochichou.

- Eu imagino. Ju te contou que eu vinha, né?

- Falou sim.

- Ela ficou adiantando algumas coisas lá na empresa e daqui a pouco chega – expliquei – Cadê ele?

- Lá no quarto. Desde que chegamos, não sai de lá pra nada.

- Vamos resolver isso agora... – sorri.

Caminhei pelo corredor e bati na porta. Sem resposta, resolvi entrar sem ser convidado. Gustavo estava deitado, e agia como um zumbi, olhando fixamente para a televisão desligada.

- Fala Guga! Tá vivo?

Recebi apenas um movimento com a cabeça em réplica. Aquilo não estava nada bom.

- Vim te buscar, tá pronto?

Ele espiou em minha direção, sem entender.

- Nem adianta me olhar com essa cara. Você não deve ser muito leve, mas eu aguento te carregar, viu? Não me desafie de novo.

Nada. Ele não estava propenso a brincadeiras, então resolvi ser mais prático. Abri o armário, ainda bagunçado com a mudança repentina, encontrei uma sacola e comecei a guardar algumas roupas. Sem muitas opções, parti para uma bagagem fechada no chão, em busca de maior variedade.

- O que você tá fazendo? – escutei baixinho atrás de mim.

Era a primeira vez que escutava a voz dele naquele dia.

- Não preciso esconder nada – prossegui encarando-o por um instante – Sua irmã tá muito preocupada. Aliás, todos nós estamos. Achei que seria legal você passar um tempo lá em casa, sair daqui, dar uma espairecida... A gente faz uma programação legal.

- Não precisa, eu vou ficar bem...

- Eu disse qual era a minha ideia, mas não disse que você teria escolha – sorri – Anda, levanta e vai lavar esse rosto.

Ele sentou na cama a contragosto, pensando se deveria seguir o meu plano.

- E não me faça escolher as cuecas que você deve usar. Aí vai ser demais... – me adiantei.

Gustavo esboçou um meio sorriso no rosto, e aquilo era um grande avanço. Encorajado, ele caminhou para o banheiro, avisando que tomaria uma ducha. Para lhe dar maior privacidade, disse que estaria na sala aguardando-o.

Marcos estava sentado no sofá, curioso com a conversa.

- E aí? – esperava ansioso por notícias.

- Ele vai ficar bem, só precisa se animar um pouco.

- É, ele tá muito pra baixo. Não sei se foi o baque de ver a mãe naquele estado...

- Olha só – interferi – Vou leva-lo para passar uns dias lá comigo, certo? A gente vai pra natação, pega um cinema, sei lá. Avisa a Ju que amanhã converso com ela.

- Guto, a gente não quer causar nenhum transtorno.

- Relaxa, podem ficar despreocupados.

O motivo da minha visita apareceu no fim do corredor com uma mochila nas costas, mais apresentável e aparentemente envergonhado, chamando a nossa atenção.

- Vamos nessa? – encerrei o assunto com Marcos, me dirigindo a ele.

Errante, apenas assentiu com a cabeça, e se aproximou. O cunhado lhe deu um abraço, avisando que poderia ligar a qualquer momento e nos despedimos.

...

Mostrei-lhe o quarto temporário onde ficaria alojado, emendando uma breve explicação sobre os cômodos do apartamento:

- A casa é sua, sinta-se à vontade.

Perguntei se queria fazer alguma coisa, mas pelo horário, o meu novo hóspede preferiu dormir. Aceitei a sua decisão e resolvi ficar no escritório, averiguando alguma possível novidade. César não tinha me respondido mais nada. Entrei no seu perfil do Facebook e notei que fui bloqueado, sem mais acesso a nenhuma foto ou dado.

“Filho da puta”, pensei irritado. Fiquei imaginando que talvez ele tivesse percebido a farsa, ou se dado conta de que nunca me vira realmente. Teria que encontrar uma nova solução para chegar até o meu alvo e extrair novas informações, ou partir para outro integrante do grupo. Ao menos já sabia onde ele morava, e poderia trabalhar em cima disso.

Chateado, decidi desligar o computador, trancar tudo e esvaziar a mente. A caminho do quarto, escutei um soluço abafado vindo do quarto de Gustavo. Acerquei o ouvido e era perceptível que ele estava chorando, se esforçando para passar despercebido. Precisava fazer algo, me senti um péssimo anfitrião.

Sem pedir licença, abri a porta lentamente, encontrando-o acuado na cama. Sentei na quina fazendo-me notar e ele enxugou as lágrimas rapidamente, como pego no flagra.

- Gustavo... – disse fitando-o sem ser correspondido – Eu não vou comparar o tamanho da sua dor, porque isso me parece irresponsável. Mas eu queria te dizer que eu também perdi os meus pais de uma maneira muito brusca, e eu sei o que você tá sentindo. Foi uma época muito difícil, também me senti sozinho no mundo, perdido e sem rumo.

Ele já fungava mais lentamente, cessando o choro, enquanto eu prosseguia:

- O que eu quero te falar é que a dor sempre estará aí. Você não vai esquecer. Se alguém te falar que vai, não acredite, é mentira. Mas aprenderá a conviver com ela. Não da maneira que você está achando que vai conseguir lidar. Eu me apeguei a qualquer coisa que pensava me fazer bem. Não tinha nenhuma estrutura, e ganhei uma baita sustentação: tios, prima, estudos, quadrinhos, esportes... – suspirei – E olho seu momento hoje e vejo que você já tem tudo isso. Um homem formado, que sabe o que quer da vida, com um mundo de oportunidades se abrindo, uma família generosa e acolhedora... Não é uma justificativa, como eu disse. Sofra, chore o que tem pra chorar, mas não deixe isso tomar conta de você. Tenho certeza que sua mãe não iria querer isso.

Ajeitando-se na cama, Gustavo agora me olhava atento.

- Estamos aqui pra te ajudar. Se quiser conversar ou desabafar, também estou aqui, sou seu amigo, certo? – disse paciente – Descanse, e pense um pouquinho no que falei.

Quando alcançava a porta, escutei sua voz meio rouca, fazendo-me virar novamente para ele.

- Não é a morte dela que tá me corroendo – enfatizou.

Aproximei-me novamente, com as mãos no bolso, em total atenção:

- Minha mãe sempre soube tudo sobre mim e me dava apoio no que precisasse. Já tinha umas semanas que eu tava criando coragem pra conversar com ela sobre uma coisa, mas não dava. Ficava travado, algo me impedia – seus olhos voltaram a lacrimejar – Quando eu voltei pra lá, eu já tinha compreendido e estava decidido, mas foi tarde demais.

Gustavo se lamentava aos prantos, fazendo-me sentar na cama outra vez, com o intuito de consola-lo, mesmo sem ter ideia do que se tratava o desabafo.

- Eu queria que ela escutasse de mim, velho – tentava completar a frase – Queria não ser um babaca que esconde o que está sentindo, não ser um covarde mentiroso.

Seus soluços deixavam o seu rosto ainda mais vermelho e puxei-o para um abraço silencioso. Após alguns minutos, ele se afastou, limpando as lágrimas na manga da camisa, ainda cabisbaixo, até concluir o raciocínio:

- Eu sou gay, Guto...

(continua)

...

Oi pessoal! Bom, agora é pra valer e as cartas estão na mesa. A partir do próximo capítulo, tudo pode acontecer! Drica Telles (VCMEDS), vou me despreocupar então! O ruivo manda um beijo. Fica querendo saber se alguém já comentou, o que falaram... É bem engraçado! Jeff08, obrigado! Sou meio crítico quanto ao que escrevo e fico em pânico quando encontro errinhos depois que o material já está publicado. Às vezes o olhar fica viciado e acabo deixando passar, rs. Trager, vai apertar cada vez mais, pode acreditar! Irish e GatoPEBR (e todo mundo que levantou a bola do Gustavo), queria muito poder adiantar alguma coisa, mas não quero estragar as surpresas. Continuem torcendo (rs)! Kevina (minha leitora em dose dupla), agradeço os elogios! Mais uma vez obrigado pelos votos e comentários! Segura que no fim de semana tem mais! Abração!

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 0 estrelas.
Incentive peu_lu a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários

Foto de perfil genérica

Ótimo...só vim ler agora e estou adorando.... continua logo!!!!

0 0
Foto de perfil genérica

Babado confusão e gritaria! Tadinho do Gustavo, espero que o Guto de todo tipo de força para ele, shippo demais esse casal. #TeamGutavo

0 0
Foto de perfil genérica

Pode ficar totalmente despreocupado. E deve realmente ser divertido todo esse interesse do ruivo, beijos para ele também:). Tô super curiosa com o desenrolar deste conto. Abraço.

0 0
Foto de perfil genérica

Agora eu to esperando muito que o guto e o gustavo fiquem juntos! Acredito que o Guto vai ajudar ele a passar por essa fase... Essa vingança promete! como outros ja disseram seu conto é mto bem escrito, vc sabe como deixar todo mundo preso a sua historia!!

0 0
Foto de perfil genérica

Opa, uma oportunidade se vislumbra no horizonte! Seria legal se estes dois se apaixonassem e formassem um "casal". Claro que a vingança deve continuar. POrém, me recordo de algo que li no conto "Namorado de aluguel": a vingança não é doce como imaginam, mas tem um sabor amargo. Um abraço carinhoso paa ti e para "o ruivo", Plutão

0 0
Foto de perfil genérica

Momento mais íntimo! Realmente o jogo esta para ficar louco!!! Abraço

0 0
Foto de perfil genérica

Desconfiei dele no capitulo passado. Tomara que formem.um casal *-* Seu conto é muito bom, bem construido e amarrado. Acho uma pena nao ter tantos votos. Abraços em ti e no ruivo!

0 0