"No começo todos são perfeitos"

Um conto erótico de Piet
Categoria: Homossexual
Contém 1150 palavras
Data: 14/05/2015 21:33:00
Última revisão: 14/05/2015 22:57:10

A epiderme que reveste os músculos, fibras, articulações, ossos, tendões, ligamentos perfeitos, que executam os movimentos de um trabalhador braçal, dentro dos ossos, cálcio, que permite a resistência do trabalho. O homem primitivo, que guarda em si, a mais intensa carga biológica de um homem. Em sua biologia, em seu indumentário, em suas ideias, em sua violência – por conseguinte seu instinto de proteção – tem-se a plenitude do homem. Aquela velha garrafa com coisas das quais desconheço, mas que o deixa insano; numa sala de estar nós estávamos, ele e eu.

“Você pode ser meu pai esta noite”, ele era mais um entre os tantos homens. Mas dependendo do homem, ele poderia ser ideal, ao menos no começo. “Estou cansando de andar, eu preciso de limites, até que o tédio retorne e eu siga minha jornada”, pensava enquanto via-o fumando cigarro, com a elegância adquirida de uma longa prática deletéria. Viver é deletério!

“Se eu me comportar como um garoto normal eu terei você, ou se você me fizer ser bom eu conseguirei me comportar?”, eram indagações não verbais, que se expressava no meu olhar tão desesperado.

Eu queria apenas ser parado por um tempo, amarrado numa cama e saber que, liberdade não condiz com esta estabilidade, muito menos com salvação. Sei lá se isso me traria segurança, eu nunca havia passado por nada parecido, eu queria tentar. Aquele homem rudimentar e quase bárbaro talvez atendesse ao esperado.

Ele me dizia o que fazer, por onde andar e com quem falar, ele se tornou constante na minha vida. Ele tomou meu celular, tentou me deixar inacessível ao mundo; à noite ele me dopava, era mais fácil me controlar assim, quando eu acordava ele me dava anfetaminas para rebater o efeito “grogue”, quando percebi, estávamos morando juntos. Eu, louco e vívido; ele, racional e controlador. Parecia que tínhamos sido feitos um para o outro, na medida em que encontrávamos no outro, o que em nós faltava, e dávamos ao outro o que sobrava em nós. Era uma simbiose!

Quando ele ia embora, eu me desesperava, como um bebê chora ao ver a mãe partir. Talvez o bebê esteja certo, pois a mãe pode nunca mais voltar, ele pode estar sendo deixado num orfanato ou um caminhão podo destroçar sua mãe no meio do caminho; o bebê apenas não racionaliza as variáveis, mas ele sabe que a partida pode ser pra sempre.

Seu nome era Dionísio, ele tinha quase quarenta, não usava drogas (cigarro e álcool não é nada perto do que já vi), era um novo-rico, que tinha sido um porra louca na juventude mas que soube juntar o dinheiro sujo e também investir na sua formação. Eu tinha um pouco de nojo de pessoas assim, eram levados a uma mudança radical baseada no patrimônio, eram como esses vermes de igreja que deixam de existir em nome de uma merda de doutrina, anyway, ele prometia a redenção, caso ele falhasse eu o mataria.

Conquanto eu o admirasse, ainda assim não sentia amor, não me culpo por isso. Não foi o que fizeram comigo? Só estou compensando. Quando falávamos ele sequer ligava, sua ânsia por sexo o deixava retardado, uma mosca voando lhe prendia mais a atenção. Comecei a odiá-lo, escondido eu cospia seu remédios, saía para foder com qualquer homem que me fizesse sentir que eu era vivo. Era assim, todas as tardes, eu saía pelas ruas para seduzir alguém, não era difícil conseguir. Eu estava novamente sem rumo, aquele verme não correspondeu ao esperado, ao que eu necessitava para me tornar um novo “eu”; nós poderíamos juntos, nos construir, através de nossas relações, das positivações e dos condicionamentos, como numa terapia, pois no cotidiano, no prosaico há uma terapia vinda das relações, não é por acaso que uma má relação pode destruir uma vida, ou que uma boa relação pode salvá-la, é uma terapia alternativa, mas ainda sim, válida.

Não o matei, não por questões éticas, mas pelo simples fato de ter dezoito anos e não querer problemas sérios advindos de um homicídio, (homicídios passionais deveriam ser perdoados). Um belo dia eu parti, para sempre, como quem deixa um filho num orfanato, ele pensaria que eu iria na esquina mais próxima e retornaria, ele não foi um bebê, justamente quando ele deveria ser. O problema do adulto é pensar ter certeza de tudo, desprezar quem tem medo das possibilidades da vida, mas numa dessas a gente vê que o medo não é irracional; o bebê sabe mais que nós, ele “sabe” que uma merda pode acontecer, você pode pensar que é um sofrimento a toa, desnecessário, mas quando se ama não devemos nunca esquecer que o nosso amor pode ir embora para sempre, isso é claro, só é válido pra quem ama, não pra quem acha que ama.

Ao sair eu senti uma enorme dor, não por saudades, mas por saber que o espaço estava novamente vazio e, também, pela desesperança de achar quem o preencha. Senti como se eu estivesse no réveillon de Paris, com pessoas de todas as partes do mundo, porém ao mesmo tempo sozinho procurando uma mão para segurar. Parei na rua e foi como se meus olhos se transformassem em câmera, e meu corpo girasse ao meu redor, sem que focasse em algo, mas apenas percebesse a quantidade de humanos que estavam ao meu redor; senti uma tontura, não conseguia andar sem cambalear, nem olhar para nada sem que meus olhos se fixassem no que eu olhasse, comecei a imaginar que todos estavam percebendo o meu pânico. Ninguém veio me ajudar, estavam cheios de sacolas, falavam trivialidades, enquanto isso eu realmente passava mal, como nenhuma droga tinha me deixado antes. Nem chorar eu conseguia, era como se tudo estivesse preso, eu estava proibido de pôr pra fora, eu tinha apenas de padecer. Até que um homem veio perguntar se estava tudo bem, a minha entonação contradisse minha resposta afirmativa, ele então me levou para um posto de saúde, depois de horas nessa morosidade desgraçada do SUS, eu pude me consultar com um clínico geral, que me passou para um psiquiatra e o diagnóstico foi: Síndrome do Pânico. Deu até vontade de rir, pois quem não teria pânico sabendo que estava na sarjeta? Eu não tinha porra nenhuma, eu só estava desesperado por não ter boas escolhas, uma era viver com um manipulador filho da puta, a outra era me livrar dele mas ter de ir pra rua. Quem ficaria bem? As drogas que ele me passou só serviriam pra me fazer voar sobre o caos em que eu estava, somente isso, sai de lá com umas boas cartelas, pois era um caso “emergencial” e com duas receitas na mão. Não achei em momento algum que aquelas porcarias iriam ME ajudar, pelos menos pra mim, eu precisava mais que apenas drogas, eu precisava de um lar, mas sem que pra isso me transformassem numa espécie de brinquedinho.

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Comentários

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Obrigado a TODOS, principalmente a você, Irish, que me acompanha desde o início. Eu sei que é difícil enteder o Pietro, ele é desses que dão raiva, que irritam, que fazem você pensar "por quê ele age assim?, ele só se afunda!", eu não sei quanto ao futuro de Pietro, porque pra mim ele já se tornou um ser à parte, o desenrolar natural do texto dará conta de seu destino.

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E essa necessidade dele em sempre estar "preso" a alguem? Talvez se ele conduzisse a propria vida sem depender de outra pessoa, poderia ate sair do limbo. Sairia por si mesmo, e seria algo heroico. Mas sera que ele consegue?

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