Amor de Carnaval não Vinga (03)

Um conto erótico de Peu_Lu
Categoria: Homossexual
Contém 4489 palavras
Data: 31/05/2015 14:16:04
Última revisão: 31/05/2015 14:25:38

"Vertentes que caem do céu, colares que trançam a flor, verdades que doem no peito, a razão..." (Duas Medidas, Banda Eva).

...

Recostei a cabeça no assento e retirei o cinto de segurança assim que o painel sinalizou a permissão. Estava com muito sono, mas era impossível dormir. Não demorou muito para começarem o serviço de bordo. Incentivado pelo meu colega de corredor (um homem que parecia viajar de avião pela primeira vez, de tão nervoso que estava), pedi uma dose de uísque para a aeromoça, já procurando o meu cartão de crédito.

Precisava organizar as ideias a qualquer custo. A minha mente era um exército de pensamentos que se atropelavam, chegando sem pedir licença, competindo para gritar mais alto. Eu realmente precisava fazer algodias antes:

Contei quatro deles, mas não sabia exatamente identifica-los. Alexandre e César com certeza estavam presentes, Júlio e Adriano eram suspeitos. Como penumbras inquietas, eles saíram rápido demais para que pudesse dizer com exatidão. Observei o rumo que tomavam e segui o caminho contrário. A poucos metros de distância, reencontrei a possível vítima do quinteto, vomitando atrás de um carro na calçada e tossindo muito.

“Esse cara vai apagar no meio da rua...”, pensei andando ao seu encontro:

- Você tá bem? – indaguei, apesar da obviedade do seu estado.

- Sai daqui! – gritou de volta.

- Escuta... Eu sei o que tentaram fazer com você. Vou te ajudar a chegar em casa.

- Já disse, sai daqui! – ele resmungava enquanto regurgitava.

Atravessei a rua e comprei uma garrafa d’água em uma das diversas barracas que estavam montadas na área. Voltei e permaneci ao seu lado, calmo. Com algum esforço ele se levantou, notando a minha presença.

- Respira fundo, bebe essa água – insisti.

Percebi que ele me olhava com desconfiança, mas aceitou se dando por vencido. Bochechou um pouco e cuspiu no chão, tentando limpar a boca.

- Quer sentar um pouco? – questionei, visualizando o quão pálido estava o seu rosto.

- Eu preciso achar um táxi.

- Aguenta caminhar?

- Não sei, eu não tô legal...

Fiquei pensando naquela situação e como tinha conseguido chegar a minha residência quando estava em igual circunstância. Tentava raciocinar uma forma de ajuda-lo, embora fosse um completo estranho para mim:

- Vamos fazer o seguinte... Você precisa deitar um pouco. O que acha melhor: parar num posto de saúde ou ficar um pouco na minha casa? Eu moro aqui perto.

- Não, minha mãe me mata se souber que eu estava em um posto médico – a sua fala já saía embolada.

- Beleza, você já deu a sua resposta. Segura aqui no meu ombro – passei o seu braço em volta do meu pescoço.

- Cara, por favor, não me machuca...

- Relaxa, vai ficar tudo bem.

Andava apressado, quase o arrastando, com medo de que ele enfim desmaiasse. Pedia licença a todo instante, e as pessoas abriam caminho ao perceber que alguém estava passando mal. Quase quinze minutos depois, chegamos ao meu prédio. Para o porteiro, expliquei rapidamente se tratar de um amigo que precisava ser socorrido e que estava hospedado comigo. Não recebi nenhuma negativa em troca.

Adentrei o apartamento e o repousei no chão, copiando o procedimento da minha prima. Pensei em leva-lo para o banheiro, abrir o chuveiro e deixa-lo embaixo da água fria, mas logo desisti, temendo que ele se exaltasse. Segurei o seu rosto, que já desfalecia:

- Ei, qual o seu nome?

- Eduardo – ele fazia um imenso esforço para abrir os olhos – Não faz nada comigo, por favor...

- Fica calmo. Tem alguém que eu possa ligar? Algum amigo, parente?

Não obtive resposta. A droga certamente estava no auge da eficácia. Entrei rapidamente no quarto, encontrei um colchonete e improvisei um leito para que ele descansasse. Voltei à sala, tirei a sua camisa, que exalava um incômodo cheiro de vômito, e joguei no lixo. Apanhei alguns lenços umedecidos no banheiro de Marcela e esfreguei o seu peito, no simples intuito de não ter aquele odor tomando conta do ambiente. Peguei-o nos braços e segui para o meu quarto.

Ele parecia respirar normalmente e provavelmente dormiria horas a fio. Apalpei os bolsos da sua bermuda e encontrei um porta documento preso à sua cintura. Afastei a sua roupa sem avançar o sinal e alcancei a sua identidade, o celular e um pequeno bolo de dinheiro. Olhei rapidamente e confirmei que ele se chamava mesmo Eduardo. Organizei os pertences ao seu lado e fiquei analisando-o.

“Então foi assim que eu fiquei...”, lamentei.

Peguei o meu telefone em cima da cama e escrevi uma mensagem, enquanto observava o seu sono ficar cada vez mais pesado:

-“Prima, acabei de chegar em casa. Meu amigo estava muito bêbado e preferi que ele descansasse aqui. Cuidado na volta e tranque o seu quarto quando for dormir, ele é muito mulherengo...”.

Não conhecia o cara. Para todos os efeitos, tinha que pensar na segurança da casa. Por precaução, guardei meus itens de valor no armário. Escrevi um recado para ele, explicando como nos encontramos e deixei embaixo do seu aparelho eletrônico, junto com uma toalha, um sabonete e uma nova bermuda, caso ele quisesse se recompor quando acordasse. Em seguida, parti para o banheiro. Precisava de um banho demorado para assimilar tudo o que tinha acontecido.

...

Eram quase dez horas da manhã quando acordei e notei que ele não estava mais lá. A toalha e a roupa estavam intactas, no mesmo lugar. Saiu sem fazer barulho, capcioso. Um pouco abaixo do que escrevi, no recado que havia deixado, ele complementou:

- “Obrigado por me salvar. A gente se encontra qualquer dia desses...”.

Eduardo escreveu o número do celular logo depois da sua assinatura, me fazendo sorrir por saber que tinha feito a coisa certa. Abri a cortina e avaliei a situação da rua. Alguns bêbados dormiam no canteiro, enquanto os garis faziam uma força-tarefa para retirar as latas e sujeira do local. Enrolei o colchonete, guardando-o no mesmo lugar e fui preparar algo para comer. Uma mensagem presa na porta do quarto de Marcela pedia que não fosse incomodada.

Enquanto saboreava um sanduíche, pensava em quantas pessoas poderiam ter caído no mesmo golpe que eu. Era inevitável pensar no principal acontecimento do meu então pior carnaval. Mastigava lentamente, amadurecendo todas as possibilidades e como deveria aproveitar o tempo livre do meu feriado. Assim que decidi, sem dar muita corda para algumas ponderações que surgiam sorrateiramente, troquei de roupa e substituí o aviso por outro recado no aposento da minha prima, informando que precisava do seu carro para resolver algumas coisas. A minha pequena maratona estava começando.

...

Para quem curte o carnaval, a quarta-feira de cinzas chega a ser um dia depressivo. A cidade fica rapidamente vazia e um clima de ressaca toma conta da população. Aproveitei o trânsito livre e segui o meu caminho, como se andasse por ruas fantasmas. Para me tranquilizar - ou terminar de me apavorar - resolvi parar primeiramente em um posto de saúde. Se não estava dormindo bem nos últimos dias, um dos principais motivos era não ter ciência de todos os pormenores do ato que praticaram comigo.

Entrei e, discretamente, avisei a uma senhora que precisava fazer o teste do HIV. Com cara de poucos amigos e um extremo mau humor, ela pediu a minha identidade e solicitou que esperasse. Sentei numa pequena sala de espera e o ambiente estava praticamente vazio, apenas ocupado por duas pessoas com abadás que cochilavam no que parecia ser uma posição bastante incômoda.

Não demorou muito tempo e fui chamado. Num cubículo de coleta, uma garota mais jovem veio me recepcionar:

- Augusto?

- Sim, sou eu – tentava não parecer nervoso.

- Bom dia Augusto, eu me chamo Alessandra. Você deseja fazer o teste do HIV, correto?

- Isso mesmo.

- Já fez o teste antes?

- Não, não. É a primeira vez. Transei com uma pessoa no carnaval e percebi que a camisinha estourou, aí fiquei encucado – inventei.

- Tudo bem, irei explicar como funciona.

A médica de plantão esclareceu todo o procedimento de uma forma bastante prática, enquanto furava o meu dedo para colher uma pequena amostra de sangue. O seu gesticular parecia ter o claro intuito de me tranquilizar e antes que percebesse, já estávamos aguardando o resultado. Pouco tempo depois, Alessandra me mostrou os dois dispositivos onde tinha depositado a porção:

- Augusto, o que você vê aqui? – apontou em minha direção.

- Uma linha vermelha – disse trêmulo.

- E nesse daqui?

- A mesma coisa.

- Ótimo. Usamos dois instrumentos para confirmar com exatidão o diagnóstico da amostra do sangue. A linha vermelha aparece quando esse aparelhinho valida a coleta recebida. Se aparecesse uma segunda linha vermelha em ambos, creio que não teria boas noticias. No caso da ausência, o resultado é negativo.

Fechei os olhos e expirei uma grande quantidade de ar, bastante aliviado. Ao menos, um grande peso já havia sido retirado da minha consciência.

- Mas antes de sair por aí comemorando – ela ponderou – Preciso te pedir que você repita o teste um pouco mais adiante. Você relatou que a situação de risco foi durante o carnaval, então ainda é muito cedo para que os anticorpos possam reagir com o vírus. Daqui a vinte ou trinta dias, o resultado será mais confiável, certo?

- Tudo bem...

- Mas fique tranquilo, vai dar tudo certo! É só pra tirar a dúvida mesmo. E continue sendo responsável.

Agradeci pelo cuidado, peguei os meus documentos na entrada e voltei ao carro. Fiquei alguns minutos absorto, sozinho no meio do estacionamento. “Eles não seriam tão escrotos para sair contaminando meio mundo de gente por aí...”, divaguei, “Mas não posso colocar a mão no fogo por ninguém!”. Esperançoso, programei um alerta no celular para repetir o exame no período indicado pela médica.

Liguei o motor e saí rumo ao meu segundo destino. Muita coisa precisava ser tirada a limpo. Aproximei-me da mesma rua por onde havia transitado nos meus dois dias de folia e estacionei, ainda à espreita daquele local agora familiar. O vidro escuro da cabine de segurança não me permitia identificar o funcionário naquele momento, mas precisava arriscar. Tranquei o carro e comecei a caminhar em direção ao edifício onde tudo aconteceu. A janela se abriu, revelando um rosto conhecido:

- Você por aqui de novo? – o porteiro sorriu.

- Bom dia, tudo bem?

- Tudo mais calmo agora. Finalmente essa festa dos infernos acabou – ele gargalhava – Veio atrás dos seus amigos?

- Eles estão?

- Não tem meia hora que foram embora para o aeroporto. Escutei um deles chamando um táxi.

Meu primeiro pensamento foi correr para alcança-los, mas concluí que seria uma tarefa difícil. Só tinha em mente que todos eram de São Paulo, seguindo o que Adriano tinha me dito durante o xaveco e supondo que ele não estivesse mentindo. De qualquer forma, seria como encontrar uma agulha no palheiro.

- Desculpa, qual o seu nome? – prossegui.

- Valdemar.

- Seu Valdemar, eu preciso conversar um negócio com você rapidinho, pra saber se você pode me ajudar.

- Claro, pode falar, entra aí.

Escutei o portão destravar e subi uma curta escada, indo ao seu encontro na saída da guarita:

- Sabe me dizer quando o dono do imóvel retorna?

- Ih, agora você me pegou. É uma senhora. Geralmente ela viaja essa época do ano e nunca tem data certa para voltar.

- Tudo bem. É um problema se eu for ao apartamento acompanhado do senhor?

- Você esqueceu alguma coisa quando estava com os seus amigos? – ele indagou.

Não queria me aproveitar da possível ingenuidade dele, resolvi ser sincero:

- Eles não são exatamente meus amigos, e fizeram uma coisa muito errada. Eu preciso na verdade descobrir algo que me leve até eles, entende?

Tentei ser objetivo e vi a feição do porteiro mudar completamente:

- O senhor vai me desculpar, mas não posso fazer isso não – disse seriamente - Não tenho autorização para dar a chave para ninguém.

- Eu sei, e nem quero que faça isso. Você me parece uma pessoa bastante íntegra, mas essa é a única chance que tenho. Por isso sugeri que me acompanhasse.

- O que foi que eles fizeram?

- Acredite, quanto menos souber, melhor – despistei.

Valdemar negava a todo instante, estava irredutível. Comecei a achar que estava perdendo tempo ali, quando decidi dar a cartada final:

- Olha só, estamos entre amigos, certo? – me aproximei - E eu estou disposto a te ajudar no que for preciso. Vou te dar um dinheiro, de quanto você precisa?

- Não diga isso, eu não posso – ele começou a ficar nervoso.

- Cem reais. Pode ser?

O porteiro estava apreensivo, sem saber ao certo o que falar. Já estava desistindo, quando escutei um sussurro lhe escapar:

- Duzentos...

Olhei surpreso para ele, mas aceitei o desafio:

- Temos um acordo então? – estendi a mão.

Ele concordou. Dei continuidade ao pequeno plano que criara naquele instante:

- Tudo bem, mas por esse valor você me entrega a chave e fica aqui vigiando caso alguém chegue. Não farei nada, pode confiar.

Tirei a carteira do bolso, separei e lhe entreguei o dinheiro como adiantamento da minha palavra. Bastante contrariado, ele me entregou e informou o andar. Assim que entrei, tive a impressão de que seria mais complicado do que imaginava. Tudo parecia perfeitamente em ordem. Nenhum recado para a dona, contrato assinado, número para contato... Nada. Averiguei todos os quartos em busca de alguma pista, sem sucesso. Precisava de um norte, mas continuava preso à informação de apenas cinco nomes e uma possível localização. Era muito pouco e comecei a ficar desanimado.

Voltei à portaria. O funcionário parecia aliviado ao me avistar:

- Encontrou o que precisava?

- Infelizmente não, mas obrigado pela disposição – devolvi a chave.

- Se puder ajudar em algo mais, pode me falar...

“Você já não me parece tão íntegro assim...”, concluí em silêncio. Comecei a me dirigir à saída, tentando encontrar uma brecha na hospedagem dos turistas maliciosos.

“Desculpe, são as regras do condomínio...”, recordei-me de quando fui barrado por ele ao tentar entrar com Alexandre. Foi quando um pensamento me invadiu de supetão, fazendo-me retornar apressadamente:

- Seu Valdemar, espera!

Ele levantou-se novamente da cadeira do seu posto, impaciente.

- Como funcionou o sistema de entrada dos moradores durante o carnaval? – indaguei.

- Só entrava quem era cadastrado.

- Mas como era esse cadastro? – estava afoito.

- Teve uma reunião aqui para falar sobre isso. Os moradores, parentes ou amigos precisavam preencher uma ficha para o síndico fazer uma lista.

- E no caso de quem alugava o apartamento...?

- Precisava dos dados dos inquilinos temporários – ele completou.

Uma luz no fim do túnel apareceu.

- Por acaso você tem essa lista aí? – sondei, cheio de curiosidade.

Não obtive resposta. Ele parecia calcular o que dizer.

- Mais duzentos? – me apressei em fazê-lo entrar no jogo.

- Quinhentos...

- Não viaja, é quase o seu salário. Pense num extra que não tá te dando trabalho nenhum – disse meio irritado – Duzentos e cinquenta e você me deixa tirar uma foto dessa lista agora. Não vai demorar cinco minutos.

Valdemar seguia pensativo, como se quisesse tirar (ainda mais) proveito da minha situação:

- Minha oferta não vai subir. Mas posso procurar o seu superior se você quiser... – ameacei categórico.

Ele sabia que não estava brincando, apesar de ser a minha única esperança real. Após alguns minutos, entrou no seu cubículo, fuçou alguns papeis na sua mesa e me entregou um pequeno bloco grampeado:

- Cinco minutos – ele alardeou.

A lista tinha pouco mais de cinco folhas, e não tardei em encontrar o nome de Alexandre impresso numa delas, já próximo ao final. “Bingo!”, lá estavam os cinco nomes completos, acompanhados dos números de identidade de cada um deles, para a minha total felicidade. Tirei algumas fotos, devolvi-lhe juntamente com o dinheiro prometido e saí sem me despedir, enquanto ele contava as notas, sorridenteO que houve, caiu da cama? – Marcela me inquiriu, deitada no sofá da sala, enquanto assistia à televisão.

- Que nada, você que dormiu demais. Fui comprar um presente para o filho de um amigo e aproveitei para trazer algo pra gente almoçar.

De fato, tinha ido realmente ao shopping comprar uma lembrança para um batizado que aconteceria no sábado, já não estava mentindo tanto assim.

- Ai, você adivinhou os meus pensamentos! Tava morrendo de fome – ela levantou animada – E cadê o seu amigo? Nem me apresentou...

- Ele tava meio bêbado. Foi embora assim que amanheceu.

Deixei as sacolas no quarto e voltei para ajuda-la com os pratos.

- E você, como foi o resto da noite?

- Sinceramente? Bem chato – ela riu – Aquele cara que você viu comigo era lindo, mas tinha uma conversa pavorosa.

- Vixe, que azar hein?

- Pois é, chegou uma hora que eu fingi que precisava atender o celular e disse que você estava precisando de ajuda. Foi a deixa para eu vazar.

- Que malandra! – ri junto.

Marcela continuou a resenha sobre as suas conquistas e flertes fracassados enquanto devorávamos o almoço ali mesmo, no sofá. Motivados pela preguiça, deixamos tudo na mesa de centro e ficamos largados entre as almofadas, escutando um canal de músicas. Não demorou muito para ela cochilar com os pés repousados no meu colo. Esparramei-me, estiquei as pernas em um pufe e fiquei passando o tempo no celular, entre redes sociais e e-mails, perdido em pensamentos.

“Aquele cara da novela das sete, é isso, você parece com ele...”, Adriano me veio à mente, naquela animada conversa dentro do bloco. Resolvi finalmente procurar a tal estrela e me peguei sorrindo quando descobri de quem se tratava.

- O que você tanto olha no celular, hein? Sai dessa vida! – Marcela abriu os olhos, me encarando.

- Me diz uma coisa – entreguei o telefone para ela – Você me acha parecido com esse cara?

- Quem é esse?

- Um ator conhecido. Quer dizer, eu acho.

- Hum... Até que lembra mesmo, sabia? – ela ficou analisando a foto – De onde você tirou isso?

- Uma pessoa que eu conheci no carnaval – fiquei sem jeito - Falou que éramos parecidos.

- Nossa, jamais conseguiria fazer essa assimilação, nunca tinha visto esse ator – brincou – Era bonitinho pelo menos?

- Como assim?

- A pessoa que disse isso... Valia a pena?

- Era bonito sim. Mas o papo não foi muito longe.

- Não era o marginal não, né?

- Não, não. Foi antes do acontecido.

- E porque não rolou?

- Sei lá... A coisa não evoluiu – disfarcei.

- Saquei – Marcela se levantou, espreguiçando-se, e começou a pegar os pratos na mesa de centro – Topa fazer alguma coisa mais tarde, um cinema talvez?

- Os shoppings estão lotados. Prefiro alguma coisa mais sossegada. Se quiser chama alguém e ficamos assistindo um filminho aqui, pode ser?

- Beleza! – disse andando para a cozinha.

Continuei sentado, olhando as outras fotos e recordando-me do início do carnaval.

“Teria sido uma noite incrível...”, suspirei decepcionado.

...

Acordei mais animado e decidi correr na orla para espairecer. Já tinha cinco nomes e as suas respectivas identidades, só precisava estudar alguma maneira de chegar a eles (e o que iria fazer exatamente quando chegasse). O dia estava bastante ensolarado, com muita gente bonita caminhando na calçada e observando a praia lotada. No percurso, já era visível a preocupação da prefeitura em desmontar toda a estrutura da festa, o que complicava um pouco o trânsito.

Voltei sem chegar a nenhuma conclusão, saudando o funcionário ao passar pela portaria. Alongava as pernas e os braços enquanto esperava o elevador, quando percebi uma câmera de segurança logo acima de mim. “Como não raciocinei isso antes?”, uma teoria se formou por impulso e caminhei novamente à entrada do prédio:

- Seu Moreira, você trabalha pela noite também? – questionei ao porteiro.

- Depende senhor, geralmente não. Mas no carnaval troquei com um colega, porque ele estava de férias e ganhava um dinheiro extra por isso.

- Hum... Você fez serão todos os dias?

- Trabalhei sim. Aconteceu alguma coisa?

- Não, nada demais – fiquei pensativo, mas resolvi ir fundo na investigação – Me diz uma coisa, o senhor me viu chegando na quinta-feira passada?

- Vi sim, o seu amigo lhe trouxe. Você não estava se sentindo bem.

- O meu amigo? – fiquei pasmo.

- Foi... Você não se lembra?

- Na verdade eu tinha bebido um pouco além da conta, por isso não me lembro de muita coisa. Mas não comente isso com os meus tios, por favor.

- Pode ficar tranquilo. Ele te deixou no apartamento e logo depois saiu. Acho que algum tempo depois sua prima chegou também.

- Você sabe que horas foi isso?

- Ih, agora você me pegou. Era de madrugada já, mas não lembro a hora exata não. Fiz mal em deixa-lo entrar?

- Não, você agiu corretamente, Seu Moreira. Obrigado por me informar.

Voltei ao hall, deixando o porteiro encabulado. Sabia que pela situação em que Eduardo se encontrava, eu também não teria capacidade para retornar sozinho. Por outro lado, se algum amigo meu tivesse me encontrado, teria me avisado no dia seguinte ou ficaria comigo até a chegada de Marcela.

Apertei o botão e assim que a porta do elevador fechou, encontrei um aviso sobre as regras do carnaval ao lado do espelho, com a assinatura do síndico. Foi o suficiente para eu arriscar mudar a rota e subir cinco andares a mais para continuar a minha apuração. Buzinei duas vezes e pouco tempo depois, um idoso de aspecto ranzinza abriu a porta.

- Oi, bom dia. Senhor Rui?

Ele assentiu com a cabeça, com um semblante intrigado.

- Eu sou o Augusto, sobrinho do Osvaldo e da Rita, tudo bem?

- Ah sim, eles me falaram que você vinha nas férias. Como está? Aproveitando bastante?

- Muito! – tentei parecer simpático – É sempre bom passar uns dias aqui, apesar do calor.

Ele concordou sem desenvolver muito a conversa.

- Senhor Rui, desculpe interromper a sua manhã, mas minha prima me informou que você era o administrador do prédio e precisa lhe pedir um grande favor.

- Claro, pode falar...

- Como eu faço para ter acesso às filmagens do circuito interno de segurança?

- O que foi que houve? – ele se espantou, enrugando a testa.

- Nada que o senhor precise se preocupar – me antecipei em tranquiliza-lo – Acho que perdi os meus documentos no dia em que cheguei um pouco indisposto da festa, e só queria averiguar se isso aconteceu quando estava aqui dentro ou se foi na rua. Não quero perder muito tempo num posto de achados e perdidos.

- Compreendo – ele coçou a cabeça – Bom, tem uma empresa de segurança que toma conta dessa área aqui no condomínio. Não temos acesso a isso, só se for solicitado.

- É um problema se o senhor me passar o número de lá? Vou logo fazer um boletim de ocorrência para já solicitar uma segunda via, mas queria muito tirar essa dúvida.

- Tudo bem, deixe-me ver se encontro, espere só um instante...

Continuei na porta, sem ser convidado, na esperança que o síndico tivesse engolido a tola história que tinha acabado de formular. Não tardou muito para que ele retornasse com um cartão de visitas na mão:

- Esse é o número, pode falar com esse rapaz – apontou para o nome impresso - Se houver algum problema me ligue que eu autorizo, certo?

- Muito obrigado Senhor Rui, pode ficar sossegado. E mais uma vez, desculpe o incômodo.

Ele se despediu rapidamente e fechou a porta, sem esperar o elevador chegar. Voltei ao apartamento, tomei um rápido banho e pesquisei o endereço da empresa. Sabia que pelo telefone o meu impasse não seria resolvido. Saí apressado com o carro da minha prima, torcendo para que ela não reclamasse quando acordasse. Atravessei a cidade e, após algumas tentativas fracassadas, encontrei o local.

Um cordial garoto me atendeu e expliquei-lhe a minha saga, mantendo a mesma versão falsa que tinha contado ao síndico. Ressaltei que foi um pedido dele e que poderia averiguar a minha fala, se assim desejasse. O jovem fez uma ligação e logo outro homem, um pouco mais velho, adentrou a recepção se apresentando e informando que iria dar continuidade ao atendimento.

O técnico se chamava Maurício e pediu um instante para confirmar a solicitação com o encarregado do edifício (um procedimento padrão, segundo ele). Em seguida, me elucidou como funcionavam as filmagens:

- Qual o período exato que você quer olhar?

- Foi na última quinta-feira...

- Augusto, o nosso sistema guarda sempre sete dias contínuos de imagens, apagando sempre o dia equivalente que antecede o atual. É o tempo necessário para recebermos alguma notificação. Dessa forma, só temos imagens a partir de sexta-feira passada, entende?

“Droga!”, pensei vislumbrando a perda de uma pista importante:

- É, então não vai adiantar... – sorri sem jeito.

Maurício pareceu desconfortável pelo banho de água fria. Estava prestes a levantar, quando me lembrei de algo essencial:

- Espera! Foi na madrugada, de quinta para sexta – tentei não demonstrar euforia.

- Opa... Nesse caso ainda estamos na jogada – ele ficou contente - Você tem ideia da faixa de horário?

Pensei por um instante, tentando fazer um cálculo rápido:

- Tenta entre uma e três da manhã.

- Beleza.

Fiquei observando o acesso ao software da empresa e constatei que era algo não muito evoluído, mas serviria perfeitamente ao meu propósito. Para não perder muito tempo assistindo horas de gravação, ele deixou em modo acelerado, pedindo-me que olhasse com atenção e sinalizasse quando notasse algo diferente.

- Ali! – apontei pouco tempo depois.

Mauricio voltou alguns minutos e deixou rolar em tempo real. As pessoas andavam tranquilamente na calçada em frente ao prédio, até que um indivíduo me carregando nos ombros chegou à portaria, apertando o interfone. Assim que o portão abriu, ele olhou para cima, provavelmente explicando a situação ao funcionário, enquanto abraçava a minha cintura para que não caísse. Era Adriano.

No fundo, algo em mim queria acreditar que ele talvez não fizesse parte disso, dada a forma natural como nossa conversa pareceu se desenvolver. Mas lá estava o garoto atraente, acobertando o golpe sujo dos amigos. Não restava nenhuma dúvida, precisava aceitar a gravidade do ocorrido. Travei os dentes para não gritar um palavrãoMais alguma coisa além do uísque, senhor?

A aeromoça continuava me fitando, aguardando uma nova coordenada.

- Não, obrigado.

Guardei o cartão enquanto ela seguia para as fileiras à frente. Pelo sistema de voz, o piloto afirmava que o tempo de duração do voo para São Paulo estava dentro do previsto, e que a temperatura local era agradável. Bebi um longo gole e senti a bebida descer esquentando a garganta. Como não conseguia pensar em outra coisa, resolvi focar na busca por soluções.

“Alexandre. Adriano. César. Cláudio. Júlio...”, repetia a mim mesmo, tal qual a criança de Game of Thrones na sua promessa por vingança, deixando uma onda de raiva me invadir e elaborar os mais alucinantes planos que já passaram pela minha cabeça.

(continua)

...

Oi pessoal! Cá estou novamente! Drica Telles (VCMEDS), obrigado pelo carinho! Sim, o troco será bem generoso, pode deixar. Plutão, me divirto com as suas teorias, mas você verá que o buraco é bem mais embaixo (ahaha). Kevina, que alegria saber que a história está empolgando. Muito obrigado! Ale.blm, Emily Thorne ficaria orgulhosa! Obrigado pelo carinho! Jeff08, valeu! Acho que você ainda vai se surpreender muito. Trager, posso te adiantar que nem tudo nessa história é o que parece, hehe! Docinho, tá só começando, espero que esteja curtindo! Irish, obrigado por tantos elogios. O ruivo agradeceu o abraço e manda outro. Ele agora fica dando pitacos sobre o rumo da história (ahaha). Obrigado por todos os comentários e votos! Quarta-feira tem mais. Abração!

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Comentários

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Ansioso pelos próximos capítulos!!

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Eu estou simplesmente adorando tudo isso:) Sei que não é um sentimento nobre, mas adoro uma vingança, as estratégias, os cálculos a antecipação...E sem dúvida uma arte. Ah e adorei um personagem com nome Adriano. Beijos ao casal.

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Caraca ta muito bom mesmo!! já pode lançar o livro já =) Não vejo a hora de começar a vingança!

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Ja quero uma caneta vermelha para marcar o X nas fotos dos seres kkkk muito bom! Pela fé nada de se apaixonar pelo Adriano! Abração

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Seria muito estranho se eu chegasse aqui e me decepciona-se. Como sempre, muito bem escrito. è como dizem, as aparências enganam. Abraço

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Todo mundo adora falar em perdão, "bola para frente", mas uma trama envolvendo vingança é tudo de bom! =] Bora achar esses safados!

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Quero ver como será essa vingança. Mas ainda assim ele será capaz de de apaixonar por Adriano depois de tudo? Ou foi um grande mal entendido? Esse cara é determinado, nao acho que se deixara levar facilmente por desculpas, nao. Que legal o seu ruivo opinando no conto, é bacana essa ajudinha, né? Abraços nos dois!

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