A PRIMEIRA VEZ

Um conto erótico de Tom Miranda
Categoria: Homossexual
Contém 1113 palavras
Data: 28/04/2015 22:36:12
Última revisão: 10/07/2015 23:27:02

Dirigia. Calmo. A melodia invadia meus ouvidos, a vibração do carro dava-me conforto, os movimentos: a leveza. Não havia nada que eu pudesse fazer quanto a qualquer coisa. Qualquer que fosse. Só viver.

Vivendo eu esqueceria o que passou num passou tão rápido quanto um tiro - penso. Um tiro que me atingira no peito. A surpresa plena que de início me apavorou, agora, brando, eu plano por ela. Surpresas, mera surpresas. A vida é uma surpresa, não a esperávamos e de repente estamos ali, prontos para nascer. Uma surpresa. Surpresas mudam o mundo. Mudam as pessoas. Mudam a mim. Quem sou eu? A partir da surpresa, sou outro.

E de surpresas em surpresas, tiros em tiros: tiros são as surpresas - eu vivo. E o último tiro quase me matou; sobrevivi a surpresa.

Mas dirigindo calmamente, eu me perguntava o que era viver, já que a partir da última queda do tiro dado eu só tinha a opção de viver, morrer nunca será uma opção, muito nem tanto uma solução. Dirigindo com a janela aberta, perdido em pensamentos, paro no sinal mais demorado que conheço. A impaciência toma conta de mim e me tira do estado de dormência, do qual eu nem deveria dirigir estando nele. A impaciência me toma e me transforma. Transforma de um jeito louco, o suor na testa escorre.

A impaciência desvia meu olhar da rua em frente para minha lateral. A brisa suave da manhã passa meu nariz, inclino-me para frente a fim de senti-la no rosto. Então outra surpresa me acontece, um motoqueiro para ao meu lado. Por instinto coloco a cabeça para dentro e fecho o vidro. Talvez ele quisesse me assaltar.

O motoqueiro encara o vidro com tal surpresa que me envergonha: eu também o causei uma surpresa. Estávamos surpresos. O visor de seu capacete levanta, ele encara o vidro, não se é capaz de me ver, mas eu o vejo. Seus olhos brilhantes, de um castanho tão claro que me lembra da cor mel. O mel que é tão doce quanto à expressão daqueles olhos. Outra surpresa me toma, ele pisca um dos olhos e fecha o visor. Ele me viu - penso. Ele me viu o encarando de volta, perdido em seus olhos.

O sinal abre e ele arranca. Demorou um tanto a sair do lugar, e sou tomado pelo sentimento de perca. Mas o que eu perdi? Eu o perdi, não posso perdê-lo. O sigo. Observo sua silhueta disfarçada pela jaqueta escura que ele veste; os ombros largos que me lembram de mares, sim, nadadores - nadadores têm ombros largos e braços fortes como o dele; a calça justa marca a panturrilha grande e rígida.

Vejo o capacete virando ao retrovisor, ele sabe que o sigo. Outra surpresa me acomete, estou bobo: ele reduz a velocidade, de modo a se igualar a minha janela. Dá duas batidas e faz um sinal o qual interpreto como “siga-me”, como já estava a fazer: continue seguindo-me.

Andamos poucas ruas dali. Chegamos ao que parece ser uma rua de residências. Estaciono logo atrás de sua moto. Não desligo o carro. Ele desce, tira o capacete, percebo que como os olhos, seu cabelo também é e castanho, claro como a pele. Ele segue até a janela, minhas mãos suam, eu estremeço.

A batida na janela, a mesma de minutos atrás, me desperta novamente. Baixo o vidro, ele apenas pronuncia, seus lábios de um rosa e vividos: - suba comigo.

Outra surpresa, mas não um tiro, ele quer que eu suba; que continue a segui-lo, não posso. Ou posso? Preciso passar a poder. Eu quero passar a poder. Desligo o carro e desço.

Passamos por uma porta, duas, três. Eu assava pelos espaços e cada vez mais ficava hipnotizado. Perdido. Meus olhos cada vez mais apontavam para cima, até o som da última porta batendo no batente me acordou.

Seus olhos estavam perto, assim, tão rápido. De imediato senti a mão em minha nuca, e provei do gosto do mel. Seus lábios úmidos me davam o sabor real, o sabor da surpresa. Seus toques eram firmes, seu cheiro entorpecente. Eu estava entregue, estava rendido. Rendi-me ao viver, finalmente estava vivendo.

O pelo recém-cortado de sua barba arranha meu pescoço de forma a me levar ao calor, o calor que surgia de um frio engraçado na espinha. No estômago o habitual frio persistia, mas dessa vez não era de medo e sim desejo.

Sua mão firme segurava os meus cabelos, eu queria ser dele, precisava ser. Ele tateou minha cintura, agarrou-me e jogou-me na cama. Com suas pernas, as minhas afastava. Eu estava lá, era dele; estava preso aquilo. Logo o que vestíamos estava no chão e logo eu que nunca ficara nu a frente de ninguém, estava nu e sem pudores.

Sentir seus lábios em meu corpo fora de tal forma delirante, não há melhor sensação, fora pela primeira vez acometido a tudo aquilo. Prová-lo também fora dos deuses. De tudo, o melhor gosto que já provei. O calor que nos circundava estava cada vez mais forte, houve momentos em que cheguei a perguntar-me se aguentaria tudo aquilo.

Foi vê-lo em câmera lenta, ouvi o som das batidas, era meu coração acelerado, agora o ouvia lento... lento... tão lento... eu estava deitado, sentia-o acelerado: olhava-o de baixo. Belo, seus olhos fitavam os meus, o suor descia pela testa, pescoço, peito, barriga, púbis: a lágrima da primeira dor desceu. Em meio ao calor, o ferro em brasa me queimava por dentro. Involuntariamente, um som que não sei dizer ser mais grave ou agudo, escapou por entre meus lábios, não tão forte, mas bastante audível. Contorci-me, minhas costas viraram um arco. Minhas mãos seguraram em seus ombros. Eu gemia. O som, ele o fazia gemer também. Era o som. Desci com as mãos as suas pernas. Com os lábios ele deu-me novamente o sabor. Isso me trouxe o prazer.

O ferro apagou.

Com ele foi-se a dor.

O prazer ficou.

O gelar parecia tomar conta de mim. Senti meu cérebro. Senti minha alma clamar. O som era inevitável. E o som alimentava-o, deixava-o feroz. Era doce, era brando. Mas alimentava-o. Até ouvir o seu som, o seu grito. Então, ele caiu. Seu corpo repousou sobre o meu e eu gritei. Estremeci. Meu corpo inteiro perdeu o controle. Relaxei.

O calor continuava conservado entre nossos corpos. Eu não queria que ele saísse de mim. Era a melhor sensação. Dali eu já poderia morrer, e morreria bem. Eu queria morrer, mas morrer não era uma opção, muito nem tanto uma solução. Estávamos repousando, o peso do seu corpo me relaxava.

As batidas do meu coração desaceleraram... lentas.

Sua rouca voz soou, era hora de ir embora.

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Comentários

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CARA TÁ BONITO, UMA CRÔNICA SENSUAL, ERÓTICA E BASTANTE EXCITANTE. MAS, MESMO ASSIM, NO MOMENTO DOS DIÁLOGOS, SERIA BOM HIFENIZÁ-LOS POIS AUMENTARIA A COMPREENSÃO SEM TIRAR A BELEZA DA POESIA. PARABÉNS, CONTINUA.

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Muito interessante seu modo de escrever... me remeteu a Luís Vilela, o poeta. Ótimo e criativo ..10

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