O Casarão - Parte 21

Um conto erótico de Whirled
Categoria: Homossexual
Contém 4082 palavras
Data: 16/08/2014 12:37:25
Assuntos: Amor, Gay, Homossexual, Sexo

Na manhã seguinte, Pedro acordou primeiro e sentiu muito calor. A porta da varanda não estava aberta, mas a cortina não tapava com eficiência os feches de luz que aqueciam o quarto. Ele se levantou da cama e se deitou na sua. Decidiu esperar pelo despertar de Igor. Em sua cabeça criou frases a serem ditas, uma forma de descomplicar a situação que se instalou entre eles. Queria convencê-lo de que, embora já se sentisse como um gay e conseguisse assumir que estava apaixonado, não poderia revelar isso para o resto do mundo. Torceu que Igor, devido a sua experiência pessoal, entendesse.

Quando ele acordou, finalmente, Pedro logo se adiantou. Ergueu o corpo e se sentou na beira da cama. Dirigiu seu olhar atento para o ex-garoto e o esperou ficar mais esperto. Quando Igor percebeu que estava sendo vigiado, o olhou de volta e se espreguiçou.

- Oi.

- Oi.

Igor ergueu o tronco e se encostou na cabeceira da cama. Se perdeu em pensamentos, pois tinha acabado de despertar.

- Podemos conversar?

- Sim.

- Igor, eu não sei se quero ficar com mulheres. Na verdade eu não quero, mas não sei se devo parar de ficar com elas.

- Eu não estou pedindo que você assuma por minha causa. Eu quero apenas saber se você quer ser meu namorado.

- E você quer um namorado que fica com outras pessoas?

- Não sei, Pedro. Mas me diga... Nós continuaremos morando aqui, juntos, por muito tempo. Você acha que agora que não temos mais o que esconder um do outro nós vamos ficar muitas vezes?

- Bem, eu espero que sim.

- Eu também espero que sim. E acho que vou continuar gostando de você por muito tempo.

- Eu também.

- E então, por que não podemos namorar?

- Isso depende de você. Se você achar que não vai se importar se eu ficar ou até mesmo namorar com mulheres, eu namoro sim.

Igor entendia, mas não conseguia aceitar. Era estranho, pois conseguia compreender a situação de Pedro, mas não queria ter que vê-lo ou até mesmo saber que aquele corpo abraçava uma outra pessoa. Pedro percebeu no olhar de Igor que aquela ideia não o agradava.

- Vamos fazer o seguinte, então: vamos nos virar e ver no que dá. Certo?

- Igor, me desculpa!

- Não precisa me pedir desculpas. Como você mesmo disse, eu entendo.

- Não queria que fosse desse jeito.

- Tudo bem, não vamos mais falar nisso.

- Eu sei que é um passo para frente e outro para trás...

- Pedro, sério, não fale mais nisso. Ta bom, tudo bem, já entramos em um consenso.

No que dependesse dele, Pedro passaria o dia pedindo desculpas, mas sabia que se continuasse o efeito seria exatamente o oposto. Então fizeram o que já se acostumavam a fazer. Pedro seguiu para a academia logo cedo e Igor foi para a cozinha adiantar o almoço, pois logo os pedreiros chegariam e a casa se transformaria em um inferno de novo. Na volta, Pedro tomava um banho demorado e descansava na varanda, pois não tinha mais paciência para acompanhar a obra e Igor esperava o cozimento sentado na pia. Depois da refeição da tarde, eles se arrumavam e partiam para a faculdade.

- Vamos juntos hoje?

Perguntou Pedro enquanto olhava Igor se arrumando no quarto. Ele abotoava a camisa e observava o penteado no espelho.

- Não, a mãe do Rafa vai passar aqui.

- Sempre o Rafa.

- Sim, sempre ele. A mãe dele sempre passa aqui pra me buscar.

- É, eu sei.

- E então?

- E então que eu não gosto.

- Não sei porquê.

- Sabe sim.

- Não, não sei. Rafael é meu amigo e você já o conhece.

- Conheço, vocês já até se beijaram.

- É, assim como você beijou e beijará dezenas de outras garotas mais.

Igor não falava com agressividade, tampouco com chateação, aliás achava até um pouco ridículo que Pedro tivesse ciúmes de Rafael.

- Eu sabia que você teria raiva de mim.

- Não tenho, mas eu não disse que aceitaria de bom grado você com outra pessoa. Eu só disse que a gente vai se virar... Só isso. E outra, é ridículo você ter ciúmes do Rafa, pois não o vejo como outra coisa além de amigo.

- Mesmo assim... Não vou te pedir que me entenda. Você mesmo disse que não quer que eu te peça isso. Mas também não trate isso como se eu quisesse ficar com elas, pois não faço pelo meu prazer, mas pela minha segurança.

- Eu sei e eu beijei o Rafael pra que você finalmente caísse na real sobre quem você é, então não o culpe, pois se não fosse por ele também, você ainda estaria dizendo para si mesmo que é hétero.

Não adiantava. Pedro estava errado pelo fato de ainda se negar um pouco para si mesmo, por não retribuir a entrega de Igor da mesma forma e, agora, por cobrar mais do que fazia. Mas eles não estavam brigados, porém muitas coisas ainda precisavam ser resolvidas. No meio da tarde, enquanto eles tinham aula, Alessandra, mãe de Igor, telefona para o filho pedindo ajuda para buscar seus objetos pessoais na casa que agora era somente de Breno, pois o ex-companheiro não a deixou levar suas coisas, na esperança estúpida de ainda reconstruir o casamento.

- Pedro, está em aula?

- Estou, mas pode falar.

- Você pode faltar a essa aula agora?

- Mais ou menos... Ela é importante, mas o que você quer?

- Carona e ajuda.

- Como assim?

- Meu pai não deixou minha mãe levar as coisas dela para a casa da minha avó e ela me ligou pedindo que eu fosse buscar. Eu não posso ir sozinho.

- Me espere em frente ao seu bloco, eu já estou passando por aí.

Pedro não pensou duas vezes e partiu em busca de Igor. Este, por sua vez, se encontrava em um banco, debaixo de uma amendoeira, esperando pela carona. Quando a van chegou, eles seguiram em direção ao centro da cidade, pois a universidade se encontrava em um dos pontos mais periféricos de Maceió. Provavelmente demorariam cinquenta minutos para voltarem. Quando Igor subiu no automóvel, nada foi dito. Ele parecia triste e um pouco nervoso e Pedro não quis incomodá-lo. Alguns minutos depois, aquele silêncio começou a ficar constrangedor, pelo menos para Pedro, que decidiu perguntar o que de fato estava acontecendo.

- Você não vai me dizer nada?

- Sobre...?

- Sobre isso.

- Meu pai não quer deixar minha mãe levar as coisas dela para a casa da minha avó.

- Eu não sabia que seus pais estavam se separando.

- Estão. E que bom que estão. Minha mãe não merece o marido que tem.

- Isso faz tempo?

- Não muito.

- Você está com medo do seu pai?

- Sim e não. Tenho medo que ele não colabore e me impeça de levar as coisas e ele pode me impedir facilmente. Ele é mais forte que eu, pode fazer o que quiser comigo. Só que eu não tenho mais medo de encará-lo.

- Nunca imaginei você assim tão forte.

- Coisas da vida. Quando batem muito em você, uma hora você cresce. Ou, no mínimo, aprende a apanhar sem chorar.

Sem razão, Pedro interpretou aquilo como uma alfinetada dirigida para ele também. Porém, se esse realmente fosse o objetivo de Igor, ele não seria tão metafórico e não teria medo de falar de maneira clara que Pedro era o seu alvo. A questão é que Pedro ainda se culpava muito pelas suas antigas atitudes e pela sua atual postura quanto ao namoro. De fato, sem razão Pedro caiu em sua carapuça.

- Você não vai parar de me acusar, não é?

- O que?

- Você.

- Eu o que?

- O que você acabou de dizer.

- O que é que tem?

- Igor, eu já te disse que me arrependi por tudo o que eu te fiz.

- E o que você tem a ver com isso?

- Você que está ai dizendo...

- Dizendo o que?

- Você disse que quando batem muito em você, você aprende, ou coisa assim.

- E daí?

- Você acha que eu não notei que isso foi pra mim também?

Igor então só conseguiu rir, em resposta ao discurso incoerente de Pedro.

- Você pirou, né? Se eu quisesse dizer algo relacionado a você, eu diria, não ficaria fazendo joguinho.

- Você sempre faz joguinho.

- Se você estiver se referindo ao que eu fiz com você essa semana... Olha, me poupe viu? Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Estou falando do meu pai mesmo. Fui metafórico porque ele já era o assunto, eu não precisaria explicar quem era o sujeito da minha fala.

Pedro se calou e continuou atento aos semáforos.

- Tudo bem?

- Tudo.

- Não vai me pedir desculpas?

- Vou.

- Quando?

- Igor... Eu estou dirigindo agora.

O rosto de Pedro começou a corar e a situação ficou cômica. Igor, que usava o bom humor como um escoamento de todas as angustias que sentia, não deixaria aquele momento passar sem uma brincadeira.

- Você está todo vermelhinho agora.

- Não estou nada.

- Está sim. Veja no retrovisor, veja!

- Para, Igor.

- Está todo envergonhadinho.

- Não estou. Quer parar? Estou dirigindo.

Quando o semáforo indicou a hora de frear, Igor continuou a desconcentrar o motorista.

- Você ficou vermelho igual o sinal.

- Que exagero!

- Ficou sim.

- Fiquei nada.

Igor então se inclinou um pouco em direção ao rosto de Pedro e o beijou no rosto rapidamente.

- Ficou sim... Tão fofinho!

- Pirou?

- O que?

- A gente está na rua!

- E daí?

- Como “e daí”? E se alguém te vê me beijando assim como se a gente fosse viado?

Igor se encostou na cadeira, virou o rosto para a sua janela e se acomodou exatamente da mesma forma como fazia durante as viagens para as outras cidades. Com uma voz abafada, em um tom de decepção, ele concluiu:

- É, você tem razão. Ninguém pode desconfiar que somos viados. Mesmo que a gente seja realmente viado.

O silêncio se instalou naquele automóvel e nada mais foi dito. Pedro sabia que tinha sido injusto, porém não se arrependia de ter alertado a Igor sobre a sua atitude. Temia, apenas, pelo fato dele talvez não se mostrar mais tão receptivo quanto as suas investidas. Mas não tinha mais como voltar atrás. Quando chegaram, Igor pediu que Pedro estacionasse na esquina, para que seu pai não os visse, pois a pousada se encontrava justamente na mesma rua que seu antigo lar.

Eles entraram e seguiram para o quarto que um dia já foi de um casal. Igor andava na frente e, com a intimidade que sentia naquele lugar, abriu algumas gavetas e portas do guarda-roupa e retirou algumas peças de sua mãe. Pegou uma mala de tamanho médio e, com pressa, jogou dentro dela as roupas de Alessandra. “O que mais ela vai precisar?”. Seguiu para o banheiro e procurou alguns cosméticos, produtos de higiene pessoal e medicamentos. Nesse momento, porém, Breno chegou em casa e seguiu para o seu quarto. Pedro ficou quieto desde o momento em que chegou até a aparição de Breno. Eles não tiveram tempo de interagir, pois assim que um viu o outro, Igor surgiu no quarto segurando os pertences da mãe e tomou um leve susto.

- Igor, o que você está fazendo? – perguntou Breno em voz alta.

- Pai?

- Sua mãe que mandou você vir aqui?

Igor continuou caminhando até a cama, onde se encontrava a mala. Ele guardou os objetos que carregava e fechou o zíper.

- Hein, Igor? – em um tom mais agressivo.

- Ela me pediu sim, já que o senhor não deixou que ela levasse.

- Eu? – Breno se envergonhou e olhou para Pedro – Claro que não. Você está se precipitando.

- É, pode ser. Mas deixa eu levar essas coisas para o carro...

- Que coisas você está levando, Igor?

- As coisas dela, as coisas que ela precisa.

Breno olhou novamente para Pedro e o fez um pedido.

- Pedro, você poderia me deixar com o Igor pra gente conversar um pouco?

Igor, disfarçadamente, agitou a cabeça em sinal negativo para Pedro. Seus olhos diziam que ele tinha medo de ficar sozinho com o pai, mas Pedro tinha ainda mais medo. Ele não soube como dizer não a Breno e Igor percebeu.

- Ele vai me ajudar a pôr a mala no carro.

- Depois eu ajudo você a pôr a mala no carro. Agora nós vamos conversar.

- Eu ponho a mala no carro antes e volto para conversarmos.

- Não, Igor. Eu estou mandando você deixar essa mala aqui...

- Por que eu não levo a mala e vocês conversam enquanto eu vou ao carro?

Igor e Breno olharam Pedro com raiva. Cada um deles por um motivo diferente. Breno pela intromissão e constrangimento que causava só pelo fato de estar presente em uma situação íntima e embaraçosa; e Igor pela ideia descabida, pois, mesmo conseguindo levar a mala, ele o deixaria sozinho com o pai. Pedro não soube o que fazer.

- Não, Pedro. Deixe a mala ai, que depois eu levo.

- Não, Pedro. A gente leva junto e depois eu volto pra conversar com meu pai.

- Igor, me obedeça!

- Eu vou obedecer, mas não do jeito que o senhor quer.

- E isso é obedecer?

- Pai, eu vou levar a mala e ponto final.

- Você não tem mais nenhum respeito por mim não é, Igor? Até na frente do Pedro você me responde!

- Na frente do Pedro o senhor já fez coisa pior comigo.

- O que eu fiz, posso saber?

- Você me bateu na cabeça, lá no hospital. Lembra? Pois é, o Pedro estava lá bem na hora!

Breno perdeu o ar naquele momento e seus olhos se arregalaram. Nunca poderia imaginar que Igor pudesse ter tanta coragem para dizer aquilo. Teve também vergonha pelo fato de Pedro tê-lo visto. Enfim, aquele não era mais seu filho e, sobre ele, não tinha mais nenhum poder, exceto um. Breno, sem saber, ainda lhe causava medo, mas as suas atitudes recentes não demonstravam esse sentimento.

- Eu... Eu não bati em você, Igor!

- Não, foi sua mão que caiu em cima da minha cabeça sem querer. Vamos Pedro, me ajude aqui com a mala.

Igor segurou uma das alças da bolsa com a mão esquerda e Pedro atravessou o quarto, se aproximou e pegou a outra alça. Breno se calou e assistiu a partida dos dois. Eles atravessaram a rua e seguiram em direção a van.

- Deixa que eu levo, Igor.

- Pelo menos isso, não é? – disse Igor zangado.

Eles entraram no automóvel e Pedro rapidamente deu a partida. Já a alguns metros de distância da casa e da pousada, o motorista decidiu descobrir o motivo da irritação de Igor, embora já imaginasse do que se tratava.

- Está com raiva de mim?

- Estava. Já passou.

- Mas o que eu fiz?

- O que você iria fazer se eu não fosse rápido, não é?

- Mas o que você queria que eu fizesse? Seu pai me pediu para eu sair. Você queria que eu dissesse não?

- E você queria que ele me batesse?

- Claro que não.

- Mas era isso o que ele ia fazer e você sabia disso.

- Mas... Talvez ele não batesse...

- Talvez? Isso significa que, mesmo havendo chances de ele me bater, você iria me abandonar mesmo assim?

- Igor... Eu fiquei sem graça...

- Ah, que ótimo, Pedro, que ótimo. Muito bom! E eu iria ficar com dois braços quebrados só porque você ficou envergonhado. Ainda bem que você não é meu namorado, ainda bem. Porque senão... Que bela merda de namorado que eu iria arrumar, não é?

- Desculpe... Eu... Eu entendo sua fúria. Te dou razão.

- Do que adianta tanto músculo, tanta pose? Só serve pra enfrentar bichinhas como eu? Alguém como o meu pai você não enfrenta, não é? Eu já entendi.

Aquele era o dia do constrangimento. Pedro se encheu de vergonha e culpa e seguiu dirigindo. Em sua cabeça raciocinou o quanto ele não estava preparado para viver em sua nova condição, mesmo sendo tão orgulhoso quanto a sua independência. Enxergou em Igor a força que nunca teve de fato, pois força antes tinha outro significado. O quanto Igor não sofreu e não sofria somente por ser gay e mesmo assim não deixava que sua dignidade fosse perdida? E por que Pedro, que sempre resolveu seus problemas sozinho, não conseguia resolvê-los agora? A questão é que ele agora precisava reaprender quem era e reavaliar seus novos problemas. Pedro não era macho para enfrentá-los. Pedro não era macho como Igor!

- Toca pra casa da minha avó. A gente vai ter que dá uma passada no centro e de lá eu te indico os caminhos.

Ao chegarem, Pedro se apressou em pegar a mala enquanto Igor tocou a campanhinha. Sua avó apareceu na porta e o recebeu com muita alegria. Ela era uma senhora já de muita idade, mas ainda muito ativa e forte.

- Ah, só assim pra você vir me visitar, não é?

- Ai, vó, eu sempre venho te ver. Não faça drama.

- Sei, sei... E esse moço aí é seu namorado?

Igor, o único que ainda não tinha sentido vergonha aquele dia, corou o rosto e perdeu o fôlego com o olhar clínico de sua avó. Por sorte, Pedro ainda estava distante e não ouviu o questionamento da velha sábia.

- Não, vó, não... Que história!

- Pois parece. Ele é bonitão... É o menino com quem você dorme?

- É o menino com quem eu moro. Com quem eu moro!

- Sei, sei...

- Oh, vó, minha mãe já foi fazer fofoca pra senhora?

- Ah, meu filho, você é que se atrasou na fofoca. Ou você acha que eu sou burra? Sou velha sim, caducando já, mas burra eu ainda não sou. Primeiro que quem abriu os olhos da sua mãe fui eu...

- A senhora é safada!

- Enquanto o cigarro não me levar, continuarei safada!

Pedro se aproximou e pôs a mala no chão. Sem jeito, ele se apresentou.

- Oi.

- Pedro, essa é a Dona Carmem, minha avó.

- Oi, tudo bem com a senhora?

- Tudo, meu filho, tudo ótimo. Pode entrar com a mala, pode pôr em cima do sofá.

- Com licença, então.

- Pode entrar, fique a vontade.

- E a mamãe?

- Dormindo. Mandei ela ir dormir, pois já estava me enchendo o saco com essa conversa sobre o seu pai. Que mulher mole!

- Papai também não foi fácil, não é?

- Que conversinha boba! Ela não casou com ele? É tão dona daquela casa e daquela pousada quanto ele. E mulher não pode deixar homem nenhum mandar nela. Seu avô não mandava em mim.

- É, mas mamãe está debilitada...

- É, essa desculpa eu aceitei. E isso serve pra você também, está me ouvindo?

- O que?

- Não deixe nenhum homem dobrar você. Mesmo que ele seja mais forte, metido a machão, não importa. Não decepcione a sua avó.

- Pode deixar, vó. A senhora manda um beijo pra minha mãe?

Pedro voltava da sala de estar para a calçada, onde Igor e Dona Carmem se encontravam.

- Você não vai ficar mais um pouco?

- Não posso. Eu tirei o Pedro da aula dele para me ajudar. Ele precisa voltar.

- Eu já perdi a aula, Igor. A gente vai levar mais uma hora pra voltar. Não vai valer a pena.

- Pois é, meu filho, eu não sei quem foi o gênio que decidiu construir essa universidade do outro lado da cidade. Ela deveria ser aqui no centro, perto de tudo. Onde já se viu?

- É, mas mesmo assim a gente precisa ir.

- Não mesmo. Vocês vão ficar e comer torta. É de banana com goiabada.

Igor ainda envergonhado pelo comportamento de sua avó, perguntou se Pedro não se importava em ficar mais um pouco e, então, ficaram. A casa era antiga, mas muito bem conservada. Os eletrodomésticos denunciavam que aquela família não havia parado no tempo, mas os móveis e as cores diziam que ali morava uma família tradicional. Ou, ao menos, tradicionalista. Afinal, eram modernos em seus valores, haja vista Dona Carmem, a matriarca, que aceitava a sexualidade do neto sem mesmo lhe dar uma oportunidade de se apresentar. Ela era mãe de duas mulheres e um homem, que herdou toda a modernidade da velha mãe, pois Alessandra e Amanda, mãe e tia de Igor, eram consideradas conservadoras até demais por Carmem. Via-se claramente que Igor havia aprendido ali os seus valores morais e que a responsável pela sua força e bom humor era a sua avó.

Pedro e Igor sentaram-se a mesa da cozinha e se deliciaram com a torta, que estava morna. A goiabada ainda estava derretida e sujava os lábios de ambos. Como acompanhamento tomavam uma xícara de café. Aquele era o sabor da infância de Igor e Pedro, curiosamente, se sentia muito a vontade com aquele clima, mesmo que ainda estivesse pisando em ovos.

- Essa torta está uma delicia, Dona Carmem, parabéns!

Igor e sua avó se olharam e riram a beça.

- Disse alguma coisa errada? – perguntou Pedro preocupado.

- Ai, Pedro... Ai... Minha avó não sabe cozinhar.

- Sei sim, Igor, não seja injusto. Gelo é minha especialidade.

- Como assim não sabe cozinhar?

- Meu falecido era padeiro. Nós temos uma padaria, mas é em Arapiraca. Meu filho, Rivaldo, mora lá ainda e é ele quem cuida dela. Mas enfim, eu nunca aprendi a cozinhar, foi meu marido que ensinou as minhas filhas a cozinhar e eu ensinei a soltar pipa, subir em árvore... Você acha que viemos para capital por quê? No interior o povo me chamava de tudo quanto é nome. Era vagabunda, rameira, cortesã... Isso porque o povo tinha vergonha de me chamar de puta.

- Vó, a senhora vai assustar o Pedro! – disse Igor às gargalhadas.

- Que assustar o que? Olhe, meu filho, eu vou ser bem sincera com você. Mulher feliz é aquele que faz o que quer. Mas preste atenção. Eu estou falando de fazer e não de comprar. Minhas filhas aprenderam, não sei com quem, pois comigo não foi... Elas aprenderam que tinham que casar com homem bom de grana. Mas grana é papel, igualzinho àquele que a gente limpa a bunda. Pois dinheiro nunca me fez falta, em compensação eu saía muito, brincava com os meninos na rua, peitava as pessoas e tudo mais. Na minha turma de colégio eu fui a única que só casei depois dos vinte anos e casei virgem, viu? Elas emprenhavam logo, tinha um rebanho de menino, um bando de marido velho, uns nojentos... Eu não, meu filho, eu me casei foi com o menino mais bonito do meu bairro, o filho do padeiro. Eu tive a oportunidade de escolher com quem eu queria me casar e, mesmo depois de casada, não esquentei meu bucho na beira de um fogão não...

Alessandra acordou e seguiu para a cozinha, de onde os ruídos surgiam.

- Mãe!

- Mas já estão comendo da torta? Deixaram esfriar, pelo menos?

- Mãe, senta aqui. A vovó já está assustando o Pedro.

- Mamãe, já está contando essas histórias de mil novecentos e antigamente?

- Me deixe, me deixe!

- Tudo bem, Alessandra, estou achando tudo engraçado.

- Mãe, eu trouxe suas coisas. Estão na sala.

- Então vamos pra lá, eu quero conversar com você.

- Vão, vão e me deixem em paz aqui conversando com o menino!

Igor se levantou da mesa e seguiu com a mãe até a sala, enquanto Dona Carmem ocupava os ouvidos de Pedro com suas histórias da juventude. Alessandra e Igor se sentaram no sofá, separados apenas pela mala. Alessandra a abriu e conferiu os objetos.

- Você trouxe pouca calcinha.

- É, mas trouxe muita roupa, que é o mais caro de repor. Calcinha é mais barato.

- E seu pai?

- Fez um show, é claro.

- Ele te bateu?

- Não, não. Eu levei o Pedro. Eu sabia que com alguém presente ele teria vergonha.

- Não trouxe sapatos...

- Mãe, por que a senhora contou pra vovó que eu sou gay? Não vai demorar muito e ela vai contar pra todo mundo, hein?

- Não vai contar, menino. Aliás, eu nem precisei contar. Eu só disse que você tinha me dito uma coisa muito importante e ela já soltou "Finalmente esse moleque contou que é viado? Não aguentava mais esse menino preso, me dava aflição de vê-lo aqui todo encolhido. Credo, parecia morto!".

- Só Dona Carmem mesmo...

- Até parece que você não conhece sua avó. Mas não se preocupe, ela não vai contar nada. Até porque, se ela fosse, você não acha que ela já teria chamado você em um canto e te puxado as orelhas?

- Na certa ela diria "Menino, deixe de se fazer de macho que eu sei que você não é!".

- Mas você é, você sabe disso, não sabe? - disse Alessandra com um sorriso.

- Mãe, você acredita que a vovó perguntou se o Pedro era meu namorado?

- E não é?

- Mãe! Pedro é hétero!

- É? Às vezes não parece...

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Comentários

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eu queia ter uma avó dessas .rsrs tem gente que que são muito obiservadores pegam tudo no ar

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eu queia ter uma avó dessas .rsrs tem gente que que são muito obiservadores pegam tudo no ar

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