O Casarão - Parte 17

Um conto erótico de Whirled
Categoria: Homossexual
Contém 4331 palavras
Data: 14/08/2014 11:49:27
Assuntos: Amor, Gay, Homossexual, Sexo

No dia seguinte, Pedro se permitiu acordar mais tarde, já que seus dias não estavam sendo tão bons. Acordou diversas vezes naquela manhã, mas insistiu no sono. Ora acordava e olhava para a cama de Igor, ora dava as costas e voltava a cochilar. Às onze horas, decidiu se levantar e desceu as escadas de cueca e chinelos e não se importou com os operários. Ainda tirando o peso dos olhos, chegou à cozinha e tomou um susto: Igor estava cozinhando quatro panelas.

- Meu pai vem hoje de novo?

- Oi... Não sei. Por que?

- Ele vem almoçar aqui de novo?

- Espero que não, pois só fiz o suficiente para nós.

- O que você está cozinhando?

- O mesmo de ontem. Por que? Você não gostou?

- Eu? Eu... gostei.

- Você não sabe mentir.

- Sei sim. Sei mentir muito bem. O que eu não sei é dizer a verdade! – afirmou com um enorme sorriso.

Até porque Pedro passou os vinte e um anos da sua vida inteira mentindo para si mesmo. Ele nunca esteve tão feliz por começar finalmente a dizer a verdade.

Era bom dizer sim quando se queria dizer sim. Encostou-se na parede, cruzou os braços e ficou assistindo Igor dominar as panelas. Ignorou que a casa estivesse cheia de homens e que não moravam em um lar comum e ficou ali parado de cueca sorrindo. A mesa já não se encontrava mais na cozinha, pois era um espaço estratégico para viabilizar a passagem dos pedreiros para o lado direito do casarão. Restaram alguns bancos, mas Pedro não quis se sentar. Igor o olhou, depois de alguns minutos, e estranhou aquele comportamento.

- Você não quer ajuda? Eu tenho dois braços livres.

- Não precisa. Além do mais, eu não fico o tempo todo mexendo.

Então ele tapou uma das panelas, pôs a colher em cima da tampa e sentou em um dos bancos próximo a pia, para não atrapalhar a passagem dos trabalhadores. Pedro, que já não tinha mais nada a fazer naquela cozinha, buscou algo para se ocupar.

- Mas você não quer que lave os pratos? Porque ai não vamos precisar sujar outros e acumular pratos sujos.

- Você quem sabe...

Pedro então se apressou para chegar perto da pia e começou a lavação. O quadril dele ficou a centímetros do rosto de Igor, que depois de alguns segundos o olhou de baixo para cima e questionou.

- Não é melhor você vestir pelo menos uma bermuda?

- Não precisa. Eu gosto de ficar assim.

- Isso eu já percebi. Mas eu estou falando de conforto mesmo.

- Como assim?

- Tem um monte de gente estranha...

- Não me importo com isso.

- E tem outra coisa...

- Você?

- Eu?

- Sim.

- Eu o que?

- Se incomoda?

- Com o que?

- Comigo de cueca.

- Não!

- Então o que é?

- A água vai respingar muito e ela molha a pessoa justamente da cintura para baixo.

- E daí?

- Ai, Pedro, você nunca deve ter lavado um prato na vida né?

- Não é bem assim...

- A água que vai respingar não está limpa. Muito pelo contrário. Vai respingar um monte de gordura. Se você gosta dessa cueca, é melhor cobri-la.

Pedro olhou para a cueca, analisou a situação e ignorou.

- Aqui tem avental?

- Não mesmo!

- Então tudo bem...

- Então ta.

Igor se levantou do banco e já saía da cozinha.

- Aonde você vai?

- Ao quarto.

- Por que?

- Vou tomar banho.

- E a comida?

- Vai ser um banho rápido. Eu já não posso fazer mais nada, vou só esperar cozinhar.

- Certo.

Igor seguiu para o salão principal e começaria a subir as escadas, mas Breno chegou na mesma hora e o impediu.

- Igor!

- Pai?

- Eu preciso falar com você.

- Está tão nervoso...

- Igor, vamos subir. O Pedro está lá em cima?

- Não, está na cozinha.

- Então vamos.

Enquanto subia na frente, Igor pensou que o motivo da conversa fosse a separação de seus pais. Temeu pelas palavras que Breno usaria para expressar aquela situação. Teve medo também das consequências e do novo destino que provavelmente Breno tentaria impor para o filho. Suas mãos, quentes por causa das panelas, começavam a resfriar por causa do suor. Entraram em silêncio no quarto e Breno logo sentou na cama de Pedro. Igor continuou de pé, encostado à cômoda.

- Sua mãe contou a você que ela quer se separar?

A porta do quarto se abriu, interrompendo-os. Era Pedro, que com aparente pressa, subiu as escadas correndo.

- Igor, eu acho que... – Olhou para Breno e parou imediatamente – Oi, Breno.

- Oi.

- Desculpa, não sabia que você estava aqui.

- Tudo bem.

- Igor, eu acho que tem alguma coisa queimando.

- Ta, eu desço já.

- Certo. – e saiu.

Igor se desencostou da cômoda e ,sem jeito, pretendia despachar o pai, mas não foi tão fácil. Com as mãos nos bolsos e um sorriso sem graça, começou a ensaiar palavras.

- Pai, eu não sei o que dizer ou o que fazer. Se ela quer a separação...

- Você não serve pra nada. Só serve pra fazer comida e passar roupa.

- Hã?

- Você é homem, deveria ficar do lado do seu pai.

Igor não conseguia mais levar o pai a sério. Franziu a testa e só conseguia pensar em como Breno era um homenzinho estúpido.

- Eu vou descer...

- Deixe que o Pedro veja as panelas. Você fica aqui! – disse ele se levantando da cama.

- O que mais o senhor quer de mim?

- Eu já vi que de você eu não posso esperar mais nada, Igor, mais nada. Quebrou o braço, não pode mais servir o exército...

Breno parou seu discurso e atentou para um rabisco que Igor exibia na tipóia. Leu algo, mas pensou estar enganado. Então, sem o menor cuidado, puxou o filho pelo ombro do braço fraturado e berrou?

- Quem é Rafael?

- É um amigo...

- Amigo?

“Já que não pode ainda riscar no gesso, eu risco aqui. Rafael”

- Amigo que desenha coração?

- É um amigo da faculda...

Breno não acreditaria em nada que Igor dissesse. Homem que desenha coração não é homem de verdade. Sem nenhuma preocupação com o braço engessado, o pai arrancou a tipóia imediatamente. O ombro de Igor sofreu uma forte puxada para baixo.

- Amigo uma ova, Igor! – gritou.

Mas as agressões físicas não pararam. Breno lançou a mão aos cabelos do filho e o puxou pelo quarto, obrigando-o a sentar na cama de Pedro. Igor não conseguiu reagir a nada. Assim que se sentou, o pai o segurou abruptamente pelo queixo, fazendo com que ele o encarasse diretamente.

- Quem é Rafael, Igor? Quem é?

- Eu... Já disse... É um amigo...

- Amigo homem não desenha coraçõezinhos para o outro. Igor, quem é Rafael?

- Eu já disse...

As lágrimas escorriam sem o menor pudor no rosto do menino, que não poderia se preocupar com o braço imobilizado. Tinha outras coisas para se ocupar naquele momento.

- É seu macho?

- Não...

- Igor... – Breno voltou a puxá-lo pelo cabelo – quem é Rafael?

- Eu já disse, é meu amigo, é meu amigo. Eu não sou gay!

- Mas não é o que suas atitudes dizem. Como eu me envergonho de você. Por que você não é como o Pedro? Por quê?

Breno o soltou e ficou de pé. Igor continuou a chorar de forma descompassada e de cabeça baixa.

- Você também sabia que sua mãe tem câncer? Desde quando?

Mas Igor não respondeu. Não conseguia.

- Hein, Igor?

- Ontem...

- Ela contou ontem?

- Sim...

- Por que você não me disse antes? Por que você acobertou a sua mãe? Você não é tão esperto? Você sabe que quem banca os seus luxos sou eu!

O garoto se calou mais uma vez. Não havia mais nada para ser dito, tampouco perguntado. Breno reconhecendo que não haveria frutos naquele momento, decidiu ir embora.

- Eu já estou indo, Igor. Mas é bom você ficar esperto, porque o seu pai ainda sou eu!

Cruzou a porta e desapareceu. Igor, ainda sem acreditar no que tinha acontecido, levantou-se da cama de Pedro e seguiu para a sua. Deitou-se de bruços e continuou a chorar. Sua tristeza era ainda maior agora, pois disse ao pai que não era gay e isso o machucou. Achou ele que nunca mais fosse preciso mentir desse jeito, mas o fez. Na verdade foi uma resposta instintiva, algo que faria com que seu pai parasse as agressões. O ombro ficou um pouco dolorido, mas não tanto quanto o couro cabeludo. Esqueceu-se de todo o resto e continuou deixando que as lágrimas se expressassem.

Alguns minutos depois, Pedro estranhando a demora de Igor, resolveu subir. Mas antes, perguntou a um pedreiro se Breno ainda estava no casarão e soube que ele já havia partido. Então sem mais esperar, subiu as escadas e seguiu para o quarto. Quando chegou, estranhou que Igor estivesse dormindo naquele momento e se aproximou. Sem querer pisou na tipóia. Agachou-se, pegou-a, leu a mensagem de Rafael e seguiu para a cama do garoto.

- Igor?

Ele virou um pouco o corpo em direção a voz e mostrou o rosto úmido e os olhos vermelhos de lágrimas.

- Igor, o que houve?

- Nada.

- Seu pai descobriu que você namora o Rafael?

Pedro perguntou enquanto mostrava a tipóia. Igor, por sua vez, estranhou a pergunta e franziu a testa. Começou, com dificuldade devido ao braço, a se ajeitar na cama, deixando seu tronco quase ereto, encostado na cabeceira da cama.

- Rafael não é meu namorado!

- Não? Mas e o beijo?

- Eu só fiz aquilo pra você não encher o meu saco.

- Ah...

Pedro riu. Achou engraçado, pois desconhecia os próprios atos. Pensou ele em como tudo tinha simplesmente mudado em tão poucos dias. Afinal, agora, mesmo sabendo que Rafael e Igor namoravam, ele não se importava. Ou melhor, não se importava que ambos fossem gays.

- Não tem graça!

- Eu sei... Desculpa.

- Me dá a tipóia.

- Deixa que eu coloco em você.

- Não precisa...

- Precisa. Você não vai pôr sozinho.

A contra gosto, Igor foi permitindo, até que voltou a ter o apoio no braço. Pedro sentou em sua cama e ficou de frente para ele.

- Você brigou com seu pai?

- Não quero falar sobre isso.

- Eu... Eu vi quando ele te bateu no hospital, quando você engessou o braço.

- Viu?

Igor sentiu uma enorme vergonha em seu coração e uma vontade de se esconder. Seu rosto ficou ainda mais vermelho e sua boca seca.

- Sai, Pedro. Sai daqui!

- Eu vi sem querer...

- Não interessa, Pedro, sai!

- Eu vou, mas e as panelas?

- Que se danem as panelas!

Igor voltou para a mesma posição de antes, ficando de costas para Pedro, escondendo seu rosto e suas lágrimas. Pedro se sentiu invadido por um sentimento de impotência, pois não poderia fazer nada pelo novo amigo. Ou, ao menos, era esse o sentimento estranho que pulsava em seu coração. Levantou-se da cama e saiu do quarto. Pedro já não pensava em sufocar a homossexualidade de Igor, só queria vê-lo sorrindo. Uma coisa já não tinha mais a ver com a outra, ao mesmo tempo em que tinha. Mas não importava. Temia pelo fato de Igor voltar a ignorá-lo completamente. Seguiu para o fogão e apagou todas as bocas acesas.

- Breno filho da puta!

“Vai passar!”. Como tudo referente ao Breno, aquele dia também seria esquecido. Ao menos era isso o que Igor pensava, pois a cada novo dia, o garoto tinha mais certeza de que se livraria do domínio do pai. Enquanto olhava para a varanda, imaginou sua queda. “Será que eu morreria se caísse dessa altura?”. Foi então que percebeu como o casarão tinha sido o principal agente de todas as mudanças que aconteceram em sua vida, fatos relevantes e que ocorreram em tão pouco tempo.

O travesseiro se encontrava um pouco úmido devido as lágrimas e as articulações do corpo, como joelhos e cotovelos, pareciam sentir frio. Uma dormência se instalou em seu corpo e naquele momento desejou não ir à aula aquele dia. E quanto mais olhava a varanda, a vontade aumentava. “Não, eu vou. Disso depende a minha liberdade!”. Tentou recobrar as forças nas articulações e se levantou. Calçou uma sandália e partiu para a cozinha.

Lá, Pedro não sabia o que fazer e continuava sentado em um dos bancos. Igor surgiu como um garoto de quatro anos que tivesse acordado após um pesadelo, com os olhos vermelhos de medo, necessitando de um copo de leite quente. Ou ao menos foi assim que Pedro o viu, tanto é que uma vontade de abraçá-lo criou-se em seus dedos e peito.

- Igor? – disse espantado, se levantando do banco.

- Queimou tudo?

- Não sei... Eu não sei dessas coisas. – disse um pouco tímido.

Um pedreiro atravessava a cozinha naquele instante e agora foi a vez de Pedro se irritar com a falta de privacidade. Igor se dirigiu para o fogão e começou a verificar as panelas, destampando-as.

- A carne está boa... O feijão também parece ok. – disse enquanto passava a colher.

- Então já temos o que comer.

- Eu só preciso tirar a água do arroz. Precisa escorrer. Mas eu não vou conseguir fazer isso sozinho. – Igor se virou para Pedro e, com os olhos ainda vermelhos, perguntou – Você pode me ajudar?

Era fato, Pedro estava inevitavelmente apaixonado por Igor. “Como ele pode me perguntar uma coisa dessas? Como ele tem coragem?”.

- Igor... É claro que eu posso te ajudar, não precisava nem perguntar. – disse irritado.

- Foi uma pergunta simples, não precisava responder assim.

- Desculpa, é que... É claro que eu posso te ajudar, você já fez tanto.

- Então faça uma outra coisa para mim, por favor...

- O que?

- Ponha uma bermuda!

Pedro riu envergonhado e se apressou em se vestir. Subiu as escadas e procurou algo na cômoda. Desceu imediatamente, pronto para fazer o que fosse preciso para que o almoço desse certo.

- Pronto!

- Pegue essa panela... Bem, despeje-a todinha naquela peneira ali na pia. Espero que não tenha ficado muito grudado.

- Acho que vai ficar bom sim.

Igor se sentou em um dos bancos e ficou a supervisionar a habilidade quase nula de Pedro na cozinha. Depois que ele despejou o arroz, Igor buscou um garfo e ficou ao lado de seu agora, de fato, companheiro de quarto e mexeu os grãos. Os cotovelos deles se tocavam o tempo todo, de tão próximos que estavam. Pedro se sentiu um pouco constrangido, envergonhado com aquela situação. Igor, contudo, sem dar importância para isso, continuou a mexer. Pedro o olhou de lado, por cima do ombro, e pode ver melhor aquele rosto choroso. Não só os olhos, mas a ponta do nariz e as maçãs do rosto estavam avermelhadas. As pálpebras, por sua vez, estavam baixas, como se estivessem suportando algum tipo de peso, como o sono.

- Igor, eu... queria pedir desculpas por ter te visto...

- Não precisa me pedir desculpas por nada, só não fale mais sobre isso, por favor.

- Tudo bem. Mas... Igor, seu pai sempre te bateu?

- Digamos que não seja algo raro.

- Então ele te bate sempre?

- Pedro, por favor...

- Desculpe.

Minutos depois preparam os seus pratos e subiram para o quarto almoçar. Comeram em silêncio e muito rápido. Igor terminou primeiro, levantando-se de sua cama e pondo o prato em cima da cômoda. Preparou-se então para tomar banho e pegou a toalha na varanda.

- Você vai à aula hoje?

- Vou.

- Mas não seria melhor ficar em casa hoje?

- Não. O melhor sempre é esquecer!

Após terminar a sua refeição, Pedro desceu com os pratos para a cozinha e os lavou de pronto. Subiu as escadas de volta e esperou Igor sair do banheiro. Foi questão de um pouco mais de cinco minutos. Depois que Pedro iniciou o seu banho, Igor partiu sem poder se despedir, com o amigo Rafael. E assim foi durante toda a semana, até a sexta-feira. Mas no dia anterior, Silveira surgiu no casarão com mais uma novidade. Igor estava em sua cama, vestindo meias, um pequeno short e uma camiseta; Pedro, por sua vez, não dispensava a simples cueca. Aquele usava o computador, encostado na cabeceira da cama, enquanto o outro alternava a sua atenção: ora olhava a TV, ora espionava Igor. Enfim, desfrutavam de uma intimidade que parecia não ser possível. Silveira buzinou ao portão e Pedro logo foi atendê-lo. Pai e filho chegaram juntos ao quarto, com uma caixa de pizza e refrigerante.

- Grande, isso são horas de ficar na internet?

- Oi tio. Toda hora é hora.

- E ainda mais com a mão engessada.

- Mas o médico disse que era bom exercitar os dedos de vez em quando.

- Trouxe pizza. Já jantaram?

- Já, mas eu não me importo em jantar de novo!

Os três então se sentaram na cama de Igor e dividiram as fatias. O garoto se servia com dificuldade e sempre sujava o buço com o molho. Então enquanto se divertiam com as trapalhadas de Igor, Silveira mudou a conversa.

- Bem, eu vim mesmo pra gente falar sobre os pisos.

- Outra venda, pai?

- Sim. E dessa vez é em Recife. O que é bom, porque você conhece melhor Recife, sempre anda por lá. E, o Igor com esse braço, você vai ter que ir só. Tudo bem?

- Tudo. Na verdade eu mesmo ia dizer isso.

- Bem, mas nem mesmo por isso. Esse fim de semana eu vou ao médico com minha mãe. Eu não sei se meu pai contou, mas descobrimos um câncer na mama.

- Igor... Quando foi isso? – perguntou Silveira alarmado.

- Essa semana.

- Meu Deus, Igor. Mas...

- Eu não sei se eu deveria estar contando isso. Ela não me pediu segredo, mas... enfim.

- Não, não se preocupe. Não é uma noticia que se deva sair por aí comentando. Mas esse não é o mais grave de tudo. Como está Alessandra com isso?

- Ela me pareceu tranquila quando fomos pegar os exames. O médico também pareceu otimista. E também, foi descoberto no inicio, então...

- Sim, esse é o mais importante. Mas a família de vocês é unida, não se preocupe. Deve ter sido por isso que seu pai sumiu esses dias.

- É, deve ter sido...

Ma madrugada de sexta para sábado, Pedro já estava na estrada, ciente de que agora não haveria escapatória. Teria que enfrentar seus medos e encarar as pessoas. Não poderia mais fugir e nem mesmo pedir ajuda. Atrás do volante, imaginava mil situações. Em todas ele falhava. Voltava então a fazer suposições e mais uma vez não conseguia se ver efetuando a venda.

A cliente era uma senhora de aparentemente quarenta anos. Seu negócio ainda seria construído: transformaria sua casa em um salão de festas. Pedro parou a van em frente ao edifício onde agora residia Yolanda, sua possível nova compradora. Desceu do automóvel e pediu para que o porteiro a contatasse pelo interfone. Naquele momento, Pedro já tinha dito tanto para si mesmo que não conseguiria, que não havia mais medo. Subiu pelo elevador e tocou enfim a campanhinha. A empregada o recepcionou e o conduziu até a sala de estar.

O apartamento exibia um luxo nunca antes visto por Pedro. A cor branca dominava todo o ambiente, mas havia algumas peças douradas e prateadas, de maneira sutil. A varanda era uma enorme porta de vidro, que permitia a visualização de um céu azul quase turquesa. Os dois sofás que existiam no ambiente eram brancos e estavam dispostos um de frente para o outro. Compondo o jogo de assentos, havia duas poltronas cinzas. O tapete também era cinza e parecia ser macio em demasiado. Um lustre de pedras transparentes, talvez cristais, decorava o teto e duas esculturas chamavam atenção no recinto. Uma era nitidamente neoclássica – uma silhueta feminina que penteava os longos fios de cabelo – a outra era contemporânea, de cor preta e se tratava de duas curvas sinuosas que se encontravam ao topo.

Toda aquela ostentação intimidou Pedro ainda mais. Finalmente, após a espera, Yolanda surgiu de um corredor e, acompanhando-a, um pequeno cachorrinho chihuahua. A senhora se aproximou, apertou a mão de Pedro, sem nada dizer, e se sentou imediatamente.

- Então, você trouxe os pisos?

- Trouxe sim.

- E onde eles estão?

- Estão no meu carro, lá embaixo.

- Garoto, mas subiu sem eles por quê? Desça e traga-os. Quero ver se vale a pena comprar mesmo.

- Sim.

Então Pedro, sem entender o comportamento daquela mulher, tratou de sumir. Era mais que óbvio agora de que aquela venda não se concretizaria. O rapaz então trouxe duas caixas de duas cores e, com dificuldade devido ao peso, sentou-se e as pôs em cima do sofá.

- Não, não, ponha no chão, para não sujar o sofá!

- Desculpe.

- Tire um desses pisos para que eu possa ver.

Pedro se ajoelhou no chão e fez o que Yolanda ordenou, afinal, ela nem mesmo pediu “por favor”. Quando pegou uma das peças, olhou suas extremidades, passou o dedo indicador para verificar o polimento e expressou insatisfação.

- Não, a qualidade não é tão boa.

- A vantagem dos nossos pisos é a resistência...

- Em compensação a estética deixa a desejar. Quando eu falo em qualidade, só estou falando de beleza mesmo.

- Mas entre os pisos cerâmicos, o nosso é de melhor acabamento.

- Pode ser, mas eu ainda prefiro os porcelanatos.

- Mas o preço dos porcelanatos...

- Meu jovem, ninguém falou em preço. Preço não é o problema.

- A senhora vai revestir um salão, não é? Mesmo que preço não seja problema, o custo vai ser grande por ser um vão único e largo.

- Eu sei.

- E a mão de obra também é cara.

- Meu arquiteto já me disse isso. Inclusive ele já me indicou uns bons pedreiros.

- A senhora está sendo assessorada por um arquiteto? Poderia ter chamado para que pudéssemos conversar melhor.

- Na verdade, eu vou ser bem sincera com você.

Ela pôs a mão no joelho e começou a dar pequenas tapas em sua perna. O chihuahua correu em sua direção e saltou para cima de Yolanda.

- Eu não quero esses pisos. Eu sempre quis os procelanatos. Meu marido é que insistiu que eu visse os pisos antes de fazer a compra porque eram mais baratos. Eu só quis agradá-lo, na verdade.

- Ah...

Pedro descansou o corpo no sofá, encostando-se e reafirmando em sua cabeça aquilo o que ele já desconfiava: não venderia os pisos.

- A senhora poderia ter pedido para que enviássemos o catálogo. Assim evitaria a viagem.

- É verdade, não havia pensado nisso. Bem, de qualquer forma muito obrigada pela sua visita.

- De nada.

- Você já almoçou, filhinho? Não está com fome? Ingrid! – gritou

- Já almocei. Pode não parecer, mas não sou morto de fome!

Pedro começou a recolher as caixas, enquanto a empregada de Yolanda chegou à sala.

- Ingrid, leve esse menino até a porta, por favor!

Já na rua, pôs as caixas na van e partiu em direção a um posto de gasolina. Um sentimento de fúria como há muito ele não sentia o invadiu. Entrou na loja de conveniências e comprou alguns salgadinhos, além de uma lata de cerveja. “Vagabunda velha!”. Seguiu em direção a praia e ficou a admirar a praia. Foi inevitável não pensar em Igor em como falhou com ele. Afinal, era um trato: Pedro teria que ir a próxima venda sozinho e conseguir vender. Com o telefone celular na mão, discou alguns números e esperou ser atendido.

- Está ocupado?

- Estou na casa da minha avó, pode falar.

- Eu não consegui.

- O que houve?

- Não vou negar que não tenho nenhum talento para isso, mas a mulher era uma estúpida, mal educada...

- Pedro, será que podemos falar quando você chegar? Você vem hoje a noite?

- É... Certo...

- Até mais.

E mais uma vez o abandono se fez presente, mas ao menos agora poderia beber uma cerveja e se servir de salgadinhos. Olhando as garotas na praia, percebeu que não tinha deixado de desejá-las como sempre desejou; a diferença agora é que esse desejo estava mais esclarecido. Não se tratava de sentimentos, de ansiedade em impressioná-las, em namoro [...]. Nada disso pulsava em suas veias. Eram lindos seios, belas coxas e bundas redondas. Poderia Pedro ser bissexual? “Será que eu sou bissexual?”.

- Que horas, por favor?

Uma voz interrompeu seus pensamentos. Ao olhar para o lado, viu um rapaz da sua altura, que vestia uma camiseta e um short. Na mão segurava uma coleira – um lindo cachorro da raça São Bernardo. O rapaz se parecia com Igor, com a diferença do cabelo, que era um pouco crespo e os braços que eram maiores, além da idade que parecia ser mais avançada, talvez vinte e sete anos.

- Duas e quinze.

- Obrigado, cara. Vamos, Guto, vamos!

E saíram correndo. Pedro ficou a observar aquele homem e percebeu que em apenas alguns segundos conseguiu conferir sua pele, seu cabelo, seus olhos e seus braços. De costas ele parecia até bem mais jovem. “Será que o Igor ficará parecido com ele daqui a uns anos?”. Sem perceber, Pedro fez uma projeção de futuro, teve curiosidade pela vida que Igor tomaria e pela sua forma física. Mesmo assim, aquele rapaz por si mesmo era também atraente e, por algum tempo, conseguiu transformar um problema em distração a toa.

De volta ao casarão, não teve fôlego para tomar banho, comer ou ligar para o pai. Então, se desfazendo de todas as suas amarras, ficou apenas de cueca, como de costume, e dormiu. Seu sono durou cinco horas e, até lá, Silveira apareceu no casarão, encontrando Igor cozinhando.

- Oi, Grande.

- Oi tio, vai uma sopinha?

- Não, agora não. Você sabe do Pedro? Faz horas que tento falar com ele...

- Está lá em cima dormindo.

- Ele não me ligou quando chegou lá, não ligou quando voltou. Nem sei como foi lá com a mulher.

- Ele me ligou. Parece que não fecharam negócio.

- Não? Poxa, que pena. Ele deve estar morto de cansaço agora, não vou acordá-lo.

- É, eu estou fazendo sopa justamente por isso. Aproveitar as sobras do macarrão que não deram certo hoje pela tarde.

Silveira se aproximou e sorriu.

- Vocês estão começando a se dar bem, não é?

- Sim. Acho que sim.

- Isso é muito bom.

- Sim, seus dois filhos estão fazendo as pazes.

- Filhos?

- É, Pedro e eu!

- Você também? – Silveira riu – Então eu fico muito feliz de ter você como filho também, contanto que não me peça mesada.

- Ah, então não quero mais não!

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Comentários

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Agora sim os dois se entendendo!!!

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