Armário de Corno [3/4]

Um conto erótico de Fauno
Categoria: Homossexual
Contém 2027 palavras
Data: 20/08/2014 20:02:18
Última revisão: 17/01/2017 20:38:12

PARTE III

Outro fim de semana, outro encontro, a mesma tensão no ar. No aparelho de som sintonizado numa rádio qualquer, a introdução de uma música do Cazuza; na mesa de canto, um arranjo de flores ainda embalado, entregue sem cartão. Narcisos, explicou minha sogra. Eu nada dizia, olhos vagueando pelo teto, pela mesa, pelos pratos brancos sextavados e talheres prateados que Sam cuidadosamente deitava um a um sobre a toalha de linho branco. Quanta cerimônia.

Eu saía do banheiro quando minha sogra me avisou que Marco já estava na sala, sozinho porque as duas ainda acabavam com as travessas e copos. Se eu o conhecia pelo menos um pouco, encontraria-o parado em frente à estante, cabeça inclinada pro lado, tentando decifrar a lombada de algum livro. Pelo menos em algumas coisas ele era confortavelmente previsível. Arrumei a postura e jurei a mim mesmo medir as palavras dessa vez, como se o psicanalista não pudesse ler cada nuance de expressão ou gesto meu feito os adjetivos e advérbios daquele bendito conto.

"Que tal minha biblioteca?" tentei soar natural.

"Bons autores."

"É? O que define um bom autor?"

"Eloquência, sutileza, honestidade, perspicácia.”

"E o que você está percebendo agora?" perguntei num sussurro quase inaudível, imediatamente amaldiçoando minha curiosidade.

Ele me olhou pensativo. Parecia estudar não o que via, mas o que diria.

♪ Pra quem não sabe amar, e fica esperando alguém que caiba no seu sonho... ♪

"Esquece", murmurei sob os próximos versos, em vão.

"Alguém numa luta interna."

Aquele era mesmo meu inferno particular, ver o tempo e a sorte passarem sem fazer nada além de imaginar o que poderia ter sido, refém de um desejo que nunca se concretiza, escondido atrás de um véu tão frágil e tão inútil que parece implorar pra ser rasgado. Mas eu tinha meus motivos e Marco sabia disso.

"Se passou mesmo por onde diz, devia me entender", desafiei.

"O que eu entendo é que você já faz o pior: trair a confiança de quem te ama. Você é infiel com mulheres. Vai um dia se decidir, ou vai ficar pra sempre nessa moleza?"

Desabei no sofá sem dizer nada e Marco ocupou o lugar à minha esquerda, perigosamente próximo.

♪ Vamos pedir piedade, Senhor, piedade, pra essa gente careta e covarde... ♪

"A gente vai fazer de tudo quando chegar a hora." Eu disse mesmo aquilo?

"Foi a promessa mais sexy que já ouvi", confirmou a heresia no segundo em que Sam e minha sogra apareciam pra me resgatar.

Durante o almoço, Marco aproveitou cada distração das duas pra me mandar recados eróticos. Da base do dedo até a ponta, fazia subir e descer o anel — não uma aliança, mas um anel casual, substituível por qualquer outro — enquanto seus olhos me estudavam com brilho malicioso, como se contemplassem todo tipo de possibilidade. Aproximei-me da Sam até quase chocar minha cadeira contra a dela e comentei qualquer coisa sobre um restaurante de Ipanema, num pretexto mais que óbvio pra escapar do Marco e seus maneirismos fálicos.

"E aquele bistrô da Farme que minha prima indicou? Vamos conhecer?" ela se animou.

"A Fargay? Lá é cheio de viado", tentei me afirmar por diferença.

Com o anti-clímax, ela revirou os olhos e chamou a mãe pra lavar os pratos sujos. Claro que Marco aproveitou pra retomar do ponto onde fomos interrompidos, se levantando tão logo nos vimos a sós. Tentei me esquivar. "Você não tem coragem de..."

Mas ele tinha e já estava fazendo. Com a tranquilidade que lhe era peculiar, se postou atrás de mim, mãos nos meus ombros, barba por fazer roçando meu pescoço com uma languidez que eriçou todos os pêlos da minha nuca. "Há quantos anos você quer isso? Hum?" sussurrou no meu ouvido. "Por que esperou tanto?"

Seu hálito quente na minha orelha fez um arrepio descer pelas minhas costas. Meio desorientado, desviei os olhos para o fim de tarde cinzento como num típico começo de março. "Vai chover. Veio de carro?"

O assunto era outro, mas a postura não. Foi a claridade súbita de um raio que me fez levantar no momento exato em que as duas voltavam da cozinha. Com a desculpa de buscar água, troquei de cômodo com elas e escondi atrás da bancada a ereção que já se desenhava nos meus jeans claros. Cinco, seis, sete segundos até o trovão longo e alto.

"Ainda está longe", Marco disse da porta da cozinha.

"Mas vem rápido. Melhor você ir."

Marco se despediu e saiu com um convite para um almoço no sábado seguinte. Sam adorara as aventuras literárias do convidado e teria imenso prazer em novo encontro.

A refeição seria tranquila. O problema foi depois, na cozinha separada por uma bancada alta. Naquele sábado, além do cômodo, o móvel separava culpados de inocentes: do lado da cozinha, eu e Marco em muda cumplicidade; do lado da copa, Sam repassando a lista do supermercado, alheia às loucuras que a mão do Marco fazia dentro do meu moletom. O safado passava o dedo na boca e ia e vinha entre a cabeça do meu pau e as bandas da minha bunda, percorrendo o caminho sem pressa, como se minha esposa não estivesse bem ali na nossa frente. A baba do pau e da boca não impediu o dedo de entrar queimando, bem na hora em que ela erguia os olhos pros meus. "...Café. Falta alguma coisa?"

"Manteiga. Óleo. Azeite", Marco provocou num sussurro.

Era um jogo arriscado, mas Sam não fez mais que franzir a testa. Dos três itens, o único razoável era a manteiga, embora ainda tivéssemos suficiente pra um mês.

Com a falta de reação, Marco foi em frente. Suei frio quando Sam anunciou que ia pegar a bolsa e ele fez um discreto vaivém. Já via a hora de encher de leite a frente do moletom, mas uma expressão subitamente séria no rosto do Marco baixou meu fogo na hora, parando a fervura no gargalo. No meu estado natural de tesão e tensão, nem notei Sam de volta à cozinha. Respirei fundo, olhar fixo na lista de supermercado. Devia estar aparentando uma leve falta de ar.

"Tudo bem, querido?"

"Tudo."

"Tem certeza?"

"Samantha..." sussurrei entredentes.

Sem nada além de um leve franzir de testa, ela guardou a lista na bolsa e saiu sob a chuva incipiente. Fiquei só vigiando pela vidraça enquanto Marco mordiscava meu pescoço. Não era de nada, aquela chuva.

"Pode respirar agora." Marco sorriu e acho que ri de nervosismo, uma risada meio gemido, meio suspiro. Cravou o dedo e minha bunda respondeu contraindo, mordendo, tragando. "Viu? Sua bunda quer meu pau.” Puxou com a outra mão meu moletom até os joelhos.

Abri a boca sem dizer nada, respiração falhada, pernas trêmulas do prenúncio de gozo, tão bambas que me debrucei no tampo pra não cair. Dois toques embaixo da glande me fariam melar toda a lateral do móvel. Quando entrou mais um dedo e os dois se separaram lá dentro, esticando as pregas, quase gritei contra o granito. Nem se quisesse, poderia voltar atrás. Faltava algo ali, algo maior que um ou dois dedos. Era a deixa pra Marco me pôr de quatro no chão da cozinha e fazer o que bem entendesse do meu rabo, mas ele tinha outros planos. Despido de toda cerimônia, praticamente me empurrou pelo corredor até a porta da suíte, onde estanquei de chofre, agarrado à moldura feito gato às bordas da caixa de transporte. Marco aliviou a pressão e sorriu, paciente. Eu continuava paralisado entre o medo e a curiosidade, como se aquele fosse o portal de um mundo mágico e assustador no qual poderia me perder para sempre. Havia no quarto algo de íntimo e conjugal que não havia na cozinha.

A solução dele foi abrir as calças e me pôr de joelhos ali mesmo. Tirou a camisa pelas costas e os sapatos pelos calcanhares, desceu a mão entre os pêlos do abdômen e num gesto contínuo baixou a cueca boxer preta pra me apresentar seus 19cm de carne rija e pulsante, o tom violáceo em contraste com a brancura da virilha, como se o tamanho já não chamasse atenção suficiente. A visão da cabeça grande e babada fez minha boca salivar. Vontade era o que não faltava, mas e a coragem?

"Vou ter que te forçar?" Sorriu abusado.

Abri a boca e estiquei a língua. Devagar e quase sem encostar, como se por medo de um castigo divino, tracei com a ponta da língua a veia azulada que serpenteava por toda a curva inferior. Nada terrível aconteceu. Não fomos fulminados por um raio, não enlouquecemos, não caímos mortos. Circulei a chapeleta, deixei-a escorregar até a entrada da garganta e comecei um vaivém com pressão uniforme em toda a extensão, sempre atento ao ritmo da respiração e gemidos do Marco. Sempre que o sentia perto de gozar, parava e prolongava o boquete com lambidas em volta da cabeça, numa dúvida mortal sobre que parte minha queria mais a porra daquele macho. Se ele não tivesse me erguido pelos cabelos, aquilo não acabaria nunca. Se abaixou pra agradar minha rola com a mesma entrega que dediquei à dele e foi minha vez de deixar escapar um fiapo de gemido. Já não me continha um décimo disso quando ele me virou de costas, abriu minha bunda com as duas mãos e meteu a língua. Aquela coisa macia e molhada pincelando meu cu me fez jogar a cabeça pra trás com um urro de assustar o quarteirão.

"Era aqui que você queria minha boca?" Um tapa estalou na minha bunda e a boca começou a chupar com força e ritmo.

"Que boca, Marco. Assim eu vou... Ahnnn..."

"Tem camisinha?" pediu antes que eu involuntariamente cumprisse a ameaça.

"Não usamos. Mas tem um creme que pode servir de lubrificante."

Voltei com o creme em tempo recorde e ele me recebeu com um abraço que prensou nossas rolas pro mesmo lado. Num piscar de olhos estava atrás de mim, joelhos flexionados pela diferença de altura, queixo barbado na minha nuca, pau lubrificado na mão. Encostou na portinha e ficou esperando o convite pra entrar. Ofereci uma empinada discreta e ele recuou com cara de desentendido. Eu precisava, mas Marco se limitava a mordiscar meu pescoço e esfregar a cabeça na entrada como se quisesse esporrar ali mesmo. Só aceitou na terceira oferta e mesmo assim até a metade. Grunhi de dor e ele me deu um minuto pra me acostumar ao intruso. Agora era só começar a bombar, mas ele gastava todo o tempo que não tínhamos e eu não ia implorar pra ser fodido. Esperei o quanto pude antes de fazer exatamente o que ele queria: "Agora, por favor. Mete, Marco, mete até o fundo".

"Meto, mas antes fica de quatro na cama. Pra quem já se controlou tanto, você está bem apressadinho", brincou percorrendo meu corpo com apertões abusados, de posse.

Fiz mais essa vontade e ele devagar foi fincando o mastro de conquista de território, pontas dos dedos cravadas na carne dos meus quadris, magra mas macia o suficiente pra agarrar com gana tão doída quanto como cada segundo até ali. Suas mãos me imobilizavam sob um ritmo crescente e infalível que eu aceitava sem reclamar, como se indefeso. O que Sam diria se visse seu marido possuído de quatro na sua cama com tal violência, e pior, sem camisinha? E depois gozando como nunca, lágrimas escorrendo dos cantos dos olhos?

A comporta se abrira e desandei a chorar em silêncio, ponderando vagamente que nem Sam se desmanchara assim na sua primeira vez. Minha cabeça era um redemoinho e a evidência viscosa que escorreu entre minhas pernas quando me levantei foi o que faltava para fazer meu rosto e minhas orelhas queimarem de vergonha. Passei a mão pelos cabelos úmidos de suor e fui esconder no banheiro aquela minha cara de derrota e raiva de mim mesmo. Olhava o espelho feito um idiota quando a cabeça do Marco apareceu na porta do banheiro; perguntou se eu queria conversar e sacudi a cabeça em negativa, incapaz de pronunciar um simples 'não'.

"Vai dormir um pouco, então", aconselhou em tom quase paternal.

Sim, dormir. Descansar. Se pelo menos eu conseguisse.

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