Uma História Azul que se Passou Hoje

Um conto erótico de Felipe Suassuna
Categoria: Homossexual
Contém 1388 palavras
Data: 12/07/2014 14:22:40

Você não vai acreditar no que vou contar. Só que antes preciso fazer uma breve apresentação dos meus antecedentes e sobre a euforia com que escrevo agora. Já sentiu um frio prolongado na barriga de tanta felicidade? De ficar rondando na sala de estar, no quarto, onde quer que esteja porque algo muito, muito feliz aconteceu? Você não faz ideia do que descobri hoje. EU ENCONTREI ELE. Mas só um minuto, neste exato momento devo rasgar minha passagem de volta pro Brasil?

Ou será que não rasgo? Não, não mesmo, ele trabalha no aeroporto, preciso voltar lá e de alguma forma inesperada criar contato. O que realmente importa é que achei ele. Estava de uniforme de agência aérea e é exatamente como vi na internet, loiro, magro mas definido, olhos azuis que lhe fazem lembrar um cachorro fiel, um desses que ficam do seu lado pelos dias que te restam. E eu quero ele pra mim. Que ideia maluca trancar a faculdade e parar aqui em Sydney, a cidade cujas praias nunca estão desocupadas, faça chuva faça sol, de dia ou de noite, mas eu encontrei!!!

– Sir, sir, where are you going? – o taxista pergunta na voz nasalada dos australianos.

– Kingsford-Smith Airport! Right now! GO GO – estou entrando no táxi, dentro de alguns instantes preciso parar de digitar.

Os prédios daqui doem na vista de tão lindos. Fiquei hospedado em um que parecia o farol da cidade, estava acima de tudo e tinha lá seus oitenta andares, todo espelhado. Estamos passando exatamente por cima da Sydney Harbour Bridge, a ponte que estampa a totalidade de cartões-postais da cidade. Sombras somem e reaparecem dentro do táxi à medida que cruzamos o viaduto, e eu consigo ver daqui o lugar onde jantei chegando aqui de viagem. Há menos de um semana estive naquele restaurante chinês no alto do morro. É como se eu pudesse ver o dono chinezinho falando novamente “today everything in double”, e eu até guardei na carteira o papel que vinha no biscoito da sorte. Dizia “Looks can be deceiving”. Você sabe o que significa isso? Eu também não, meu inglês não é lá dos melhores.

Mas enfim, estamos finalmente deixando a ponte, acho que dentro de cinco minutos alcanço o aeroporto. Já te disse como descobri que ele trabalha no aeroporto? Pois é, acho que não, e eu nem acredito que dei tanta sorte. Hoje de manhã, quando estava pensando em voltar para o Brasil fui até uma cafeteria do downtown (centro da cidade) tomar um café com dupla dose de cafeína, isso na tentativa de reanimar e retomar a busca aparantemente inacabável em que me meti. Na verdade até o dia de ontem eu acreditava sim que poderia encontrá-lo, mesmo levando apenas uma foto sua, nítida, a do perfil. Eu tinha quase A$2000,00 para me custear, o que dava cerca de um mês folgado no hotel onde estava hospedado. Só que não sei explicar por que, subitamente hoje de manhã fui pego por um desânimo estranho, eu começava a pensar numa volta antecipada para o Brasil. Sentado na cafeteria, segurando um café escaldante entre as mãos e vendo os australianos sempre sorrindo demais – talvez mais que os próprios brasileiros – com seus rostinhos loiros queimados do sol. Me achei um tanto solitário. Liguei pra agência aérea e remarquei meu voo para amanhã, dia 13. Daí você não acredita no que se passou depois. Eu escutei na cafeteria vindo da mesa de trás:

– Hey, Rich, we gotta come back to the airport – e quando ouvi esse nome, Rich, eu instanteneamente virei na direção da voz falando por trás de mim. Adivinha só? Lá estava ele, e como era tão mais incrível na realidade do que na internet! Magro, do jeito que eu gosto, não levava um sorriso forçado no rosto mas percebemos como é bem humorado pelo jeito que age, pela forma como conversa com o colega.

Na hora fiquei tão paralisado que o café queimou meus dedos em volta. Eles seguiram direto pela porta, saíram, Rich anda de um jeito engraçado mas seguro. Eu logo me apaixonei, era melhor que o da foto, e no momento eu não soube o que fazer direito. Me levantei bruscamente, saí em disparada pra fora da cafeteria e só consegui avistar na distância os dois entrando num ônibus. Mal dei alguns passos o ônibus partiu – e eu também, imediatamente corri até o meu hotel duas quadras subindo a avenida.

Já lá em cima, no apartamento 7001, contemplando uma manhã de céu limpo em Sydney, eu fiquei circulando na sala, no quarto, até nos corredores estive indo e voltando sem saber o que fazer. Mais feliz impossível. Sim eu estava. Foi nessa hora que comecei a escrever isto aqui, minha mania de sempre escrever sobre tudo. E foi nessa hora também que tive a brilhante ideia de ir até o aeroporto pedir informação sobre meu voo de volta ao Brasil – onde porém, você já deve saber, eu não colocaria os pés.

E agora eu estou vendo o aeroporto. Estamos quase lá. O trânsito está fluindo bem hoje, e isso é ótimo, não poderia ser um dia mais perfeito. Será que Rich vai gostar de mim? Ah, mas peraí, eu tenho que fingir indiferença, certo? Não devo nunca falar do que fiz pra encontrar ele, Meu Deus, ia ficar incrivelmente esquisito se soubesse do que eu tenho feito. Você gostaria de saber o que alguém fez pra te achar? Claro que não, eu não ficaria, é o velho “só gosto de quem não gosta de mim”. Faz parte da natureza humana. Não faz?

– Okay, sir, A$25,87 – eu entrego o dinheiro ao taxista loiro narigudo, que, me vendo sair, acelera de volta à grande avenida.

Kingsford-Smith Airport é de fato um lugar lindo para um primeiro encontro, na verdade um primeiro encontro em que os dois se veem e se falam. Segui de passo meio apressado entrando no prédio. Grandes janelões no teto alto deixam toda a luz do sol matinal entrar nos salões. O céu sempre absurdamente azul, poucos rastros de nuvem branca. Onde será que tá Rich? Ele se vestia como esses caras que dão informação em balcão. Muita gente por aqui. Japonês é o que não falta.

– Excuse me, where can I get information about flights? – pergunto a uma jovem loira com sardas na pele, cabelo amarrado em coque como as aeromoças fazem.

– Oh, I can help you, what’s your doubt?

Não, ela realmente não pode me ajudar.

– No no, actually... – o que eu digo?? – actually I wanna talk to Rich, do you know where can I find him?

– Looking for Rich? You go ahead over the corridor and turn right there – ela apontou para o final do corredor, é lá onde posso encontrá-lo. Não sei como descrever o redemoinho que parece triturar tudo dentro de mim enquanto atravesso esse corredor. Fico cada vez mais gelado, quase não consigo respirar.

E eu acabo de vê-lo. Ele está me vendo também. Meu Deus, seus olhos azuis não parecem humanos, são bons, realmente eu vejo bondade quando estão fixos em mim. São mais azuis que esse céu. Estou me aproximando, vou nadar naqueles olhos o resto da vida. Vamos juntos conhecer todo o litoral da Austrália e, quando vier o inverno, seguiremos de volta para o Brasil. Vou aproveitar cada raio de sol do verão. Nós viveremos eternamente no verão, isso não parece perfeito? Ele está pegando em documentos numa estante, o colega com quem vi acompanhado na cafeteria também está lá. Será que já posso ir? De onde vem essa timidez? Nunca fui tímido assim, que droga.

Preciso ir, estou indo. Rich não me vê seguindo reto pois desviou os olhos. Num segundo o colega o abraça pelas costas. Num outro segundo o colega beija seu pescoço. Viram-se de frente e se beijam mas Rich parece hesitante. Percebe que alguém chegou no balcão.

– Sorry... Hello, may I help you? – me diz com aqueles olhos azuis incomuns.

– No, no, thank you – respondo.

O colega só me olha de relance e volta a examinar os documentos na estante. Eu volto para a entrada do aeroporto, a moça loira com sardas ainda continua no grande salão. Passo por ela.

– So, did you find Rich?

– No, I’m coming back to Brazil, can you help me? – preciso refazer minhas malas.

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