Medicina para inumanos (3) : A noite é uma doença

Um conto erótico de Victor Voldi
Categoria: Homossexual
Contém 4029 palavras
Data: 06/07/2014 01:56:27
Última revisão: 06/07/2014 16:08:22

Olá, leitores e escritores do CdC!

cintiacenteno, muuuuuuuito obrigado por compartilhar meu conto. É uma honra e tentarei não desapontar você e seus amigos!

Irish, seria bom ter o reconhecimento de 50 votos máximos, mas eu me alegro muito quando uma pessoa lê minha história e a elogia como você faz. Vale mais do que votos vazios. Talvez o tamanho dos meus capítulos sejam algo que distancie o leitor, talvez eu diminua eles.

AnonymousWriter, FabioStatz e dieguinho31, muito obrigado pelos votos e pelos comentários!

Aqui está o terceiro capítulo, mostrando que a noite é o período mais propenso às patologias humanas, e eu não falo das biológicas... Boa leitura!

Contato: contistacronico@hotmail.com

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A NOITE É UMA DOENÇA

_Cadê o Hector? – perguntou Aline saindo do banheiro feminino com seu jaleco com as escritas “Aline Reis” e “Medicina”.

Eu estava encostado com os braços cruzados na parede do corredor asséptico que dava no laboratório de anatomia. As paredes eram brancas, o piso era branco, as luzes eram brancas, tudo era extremamente limpo.

_Já vem. – eu disse – O jaleco ficou bom em você.

Ela deu uma giradinha e inclinou o rosto com um sorriso.

_Ficou, né?

Mas, certamente, não ficou tão bom quanto o de Hector. Ele saiu do banheiro dando uma última arrumada na gola do jaleco, com seu rosto indiferente de sempre. Sempre soube que Hector daria um belo médico. Aline estacou e abriu um pouco a boca, encarando um Hector inédito. Fui até ele e dei uma última arrumada nas suas mangas e no tecido em seus ombros. Em seu jaleco estava escrito “Hector” e “Medicina”. Aline saiu do seu transe e disse:

_Hum... Hector, por que você não colocou seu sobrenome?

Hector a fitou por um instante. Pensei que talvez eu teria que responder por ele, mas não foi necessário:

_Porque eu não tenho um. – ele disse secamente

Aline pareceu confusa e um pouco retraída, tenho certeza que ela queria perguntar por mais detalhes. Ela devia estar pensando que Hector estava sendo grosso com ela. Não era bem assim, já que ele sempre falava dessa forma, exceto raras ocasiões. Começamos a andar pelo corredor até o laboratório de anatomia. Comecei a dizer enquanto andávamos:

_Bom... deixe-me explicar: o Hector... posso falar sobre seu passado, Hector? – perguntei antes de começar.

Ele deu de ombros, indiferente. Recomecei:

_O Hector veio de um orfanato para minha casa quando ele tinha 16 anos. Como ele e nem ninguém sabia quem eram seus pais, ele não tinha um sobrenome. Lembra que você era todo explosivo, Hector? – eu disse dando um risinho e tapinhas no braço dele – Enfim, meu pai queria que ele aceitasse o sobrenome Voldi, mas ele se recusou.

Aline pareceu pensar um pouco no assunto, até que perguntou:

_Quer dizer que vocês são tipo irmãos...

Dei um risinho e olhei para Hector, ele também olhou para mim com um sorriso milimétrico.

_É tipo isso mesmo. – eu disse.

Entramos no laboratório. A primeira coisa que a gente observa, é óbvio, são os cadáveres. Havia vários deles dispostos em mesas metálicas. O laboratório era compartimentalizado para cada curso da área de biológicas. Entramos na área da medicina, já havia alguns calouros espalhados pela sala. Alguns observavam de perto os cadáveres, outros preferiam ficar um pouco distantes, inicialmente. Era normal, já que era um choque ver uma pessoa morta pela primeira vez. Não achei chocante. Hector nem sequer mudou seu rosto indiferente. Aline parecia maravilhada.

Havia prateleiras para que mochilas fossem colocadas. Havia uma parede cheia de grandes pias para lavagem de mãos. As salas de anatomia eram todas brancas, como o corredor. O cheiro de formol era forte, mas talvez fosse porque eu não estava acostumado. Aquela era nossa primeira aula de anatomia, em nosso terceiro dia de aula.

_Ei, Victor! – chamou Rafael, um calouro do tipo bem popular e festeiro – Você vai na festa de hoje a noite?

Claro que esse seria o assunto. Rafael estava organizando uma festa em sua casa naquela noite de quarta feira. Eu nunca havia ido a uma festa só de jovens como aquela, e conversei com Hector sobre isso na noite passada. Segundo ele, aquilo envolveria riscos desnecessários para mim, e isso fazia com que ele fosse contra. No entanto, ele disse que se eu quisesse ir, ele me acompanharia sem reclamar. Bom... o Hector nunca reclama, na verdade. Ele me mima demais, embora não pareça.

_Eu não sei ainda, Rafael. – eu disse com um sorriso educado.

_Não vai me dizer que vai ficar estudando – ele disse com indignação – Os veteranos vão na festa e precisamos mostrar que as festas da 68 são agitadas. Além disso, primeiro ano é curtição.

Eu discordava fortemente de, basicamente, tudo o que ele disse.

_Não é para estudar. – eu não estava afim de ficar dando satisfação para ele – Olha, vou pensar e compro os ingressos com você, caso eu decida que sim.

_Tá certo, mas bora ajudar a 68, hein! – ele disse apontando para mim com um sorriso desafiador.

_Claro, claro...

Voltei-me para Aline e Hector e deparei-me com duas pessoas silenciosas. Claro, Hector não falava mesmo, e Aline nunca se sentiria confortável em relação a festas. Ela era tímida demais e já sofria com o preconceito de seus colegas. Resolvi acabar com aquele assunto e aquele clima.

_Não se preocupe, Hector. Não vou te dar trabalho hoje. Festas são uma experiência que eu posso deixar para lá.

Ele deu de ombros como se não se importasse caso eu quisesse ir.

_Vamos ver esses corpos mais de perto – chamei os dois.

Aline e Hector me seguiram até uma das mesas com um cadáver. Ele tinha todo seu tronco aberto, com as vísceras e órgãos a mostra. Apresentava uma cor mais escurecida, assim como tudo que havia dentro. Não era nojento. Tudo parecia até bem limpo. Talvez fosse por causa de uma técnica de conservação bem empregada.

_Ah, meu Deus! Sempre quis encostar num intestino! – disse Aline com os olhos brilhando.

Eu e Hector olhamos para ela, cada um com uma sobrancelha erguida, mostrando que aquilo que ela acabara de dizer era muito estranho. Eu ri, atraindo alguns olhares dos outros calouros, e entreguei um par de luvas que estava no meu bolso para ela.

_Vá em frente. – eu disse.

Aline pegou as luvas, colocou-as e, sem hesitar, começou a manusear as longas vísceras do cadáver. Ela explorava cada região com os dedos, sentia a textura, testava a resistência. Seu rosto exibia uma verdadeira admiração por aquelas estruturas. Futuramente, descobriríamos que aquela paixão pela biologia humana faria dela uma médica grandiosa. Mas naquele momento, ela era uma simples estudante sonhadora e com um longo caminho a trilhar.

Alguns alunos que desprezavam Aline começaram a mexer nos corpos também, provavelmente para parecer que estavam tão confortáveis quanto ela... Patético. Os músculos de seus rostos mostravam que sentiam nojo, estranheza e incerteza. E pensar que eu tinha que frequentar a mesma universidade que aquele tipo de gente.

_Não achava que um coração seria duro assim...- disse Aline, que agora apalpava o coração do cadáver.

_Provavelmente é por causa do método de conservação, Aline. – eu disse.

Um homem com algo por volta dos quarenta anos entrou na sala e apresentou-se como Walter Lemos, um dos nossos professores de anatomia. Aparentemente, ele iria dar uma aula prática introdutória e sua parte pelo ano todo seria focada para membro superior (mãos, braços, antebraços e ombros).

O prof. Walter pediu para que nos juntássemos em volta de uma mesa metálica. Havia vários daqueles bancos sem assento pela sala. Os alunos se espalharam para pegá-los. Eu ia pegar um, mas Hector o pegou juntamente com o seu.

_Deixa que eu levo Hector. Você é meu segurança, não um empregado. – eu disse, irritado com aquilo.

Ele não me deu ouvidos e levou meu banco para próximo do professor. Suspirei. Hector às vezes me tratava como uma criança.

_E aí, amiga, tá sabendo sobre quem vai na festa? – disse Larissa Ortino, a garota que eu ofendi no primeiro dia, a alguns metros de distância.

Ela conversava com sua amiga morena, a mesma daquele dia também.

_Não sei... mas espero que o segurança do Voldi vá. Talvez eu consiga ficar com ele. – disse a morena.

Pelo jeito, elas não haviam me visto por perto.

_E a bolsista, será que vai? – acrescentou a morena.

_Claro que não, amiga. Aquilo tem cara de quem tem vida social? – disse Ortino.

Nossa, como ela me irritava! Olhei para Aline, que carregava seu banco desajeitadamente e o posicionava ao lado da minha e da de Hector. Ela olhou para mim, sorriu e fez sinal para que eu me apressasse. Sorri de volta e fiz sinal de “já estou indo”. Ia resolver umas coisas antes...

_Senhorita Ortino e Senhorita Morena-Que-Não-Sei-O-Nome, quero apenas dizer que Aline irá à festa sim. – olhei para a morena que tanto queria uns amassos com Hector – E eu farei questão de me certificar que Hector fique com qualquer garota da festa, menos vocês duas.

Deixei as duas atônitas e me virei para ir assistir à aula. Decidi acabar com elas mais um pouco:

_Na verdade... – virei-me para as duas e as olhei dos pés à cabeça, fazendo uma cara analítica – Hector não iria querer nenhuma de vocês duas, de qualquer maneira.

Virei-me novamente e dessa vez realmente fui para o aglomerado de alunos em volta do professor Walter. Vi que Rafael estava perto, um pouco atrás. Chamei-o:

_Rafael, reserve três ingressos. Eu pago no fim da aula.

Ele fez sinal de joinha com um sorriso satisfeito. Aline me olhou com curiosidade, Hector parecia desinteressado.

_Nós três temos uma festa para ir hoje à noite. – eu disse com um sorriso intrigante.

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Eram quatro da tarde quando a aula de anatomia acabou e Hector e eu fomos para a coordenação da faculdade de Medicina. Aline havia ido para casa para se arrumar para a festa. Ela relutou muito em ir, mas eu acabei convencendo ela, no fim das contas. Sou bom em conseguir o que eu quero. Enfim, estávamos indo para a coordenação para pegar uma lista das matérias de núcleo livre daquele semestre. As inscrições só seriam feitas na semana posterior, mas eu já queria dar uma olhada.

No caminho, encontrei alguns veteranos que se apresentaram e conversaram comigo. Eu não os havia conhecido antes porque não tinha comparecido às festas que ocorreram depois do resultado do vestibular sair, e nem do trote. Eu usei meus dois meses entre o vestibular e o início das aulas para ter algumas algumas aulas adicionais em casa sobre simbolismo, teoria política avançada e teoria básica de engenharia mecânica.

Muitos dos veteranos vinham de famílias que eu reconhecia facilmente, importantes nos cenários industrial, político e empresarial. Interessante como eles gostavam de dizer seus nomes e sobrenomes, com foco no segundo, claro. Alguns foram bem legais, dizendo que, caso eu precisasse de alguma coisa, era só procurá-los, muito embora eu, provavelmente, soubesse mais da ESOM do que qualquer um deles. Eu sempre me certifico de conhecer bem tudo sobre os locais que eu frequento. Isso garante uma vantagem indispensável em diversas situações.

Depois conversar com os diversos veteranos, fui até a coordenação e pedi duas listas de matérias, com Hector sempre por perto. Entreguei uma a ele.

_Vamos fazer assim, você escolhe as que você quer, eu escolho as que eu quero, fazemos um balanço no final e vemos quais disciplinas iremos frequentar. – eu disse.

Ele olhou para a lista de modo superficial e seu olhar recaiu sobre mim.

_Nem vem me dizer que é para eu escolher todas, Hector. Dessa vez você tem que opinar. – eu disse já indignado.

_Eu gosto das coisas que você escolhe. – ele disse neutralmente.

Lancei um olhar duvidoso para ele.

_Será que você tá dizendo isso para fazer eu me sentir melhor ou você está sendo sincero?

Dei uma analisada no rosto de Hector, quase como num desafio: “Eu vou descobrir o que você está pensando”. Foi inútil, Hector era um mestre em neutralizar todas as suas expressões faciais. Minhas técnicas de leitura facial eram inúteis. Desviei meu olhar do seu com uma expressão frustrada.

_Você é bom. – admiti.

Ele deu um sorrisinho discreto de satisfação.

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A noite estava quieta como sempre próximo ao campus da ESOM. Eu e Hector estávamos indo buscar Aline em seu pensionato. Usávamos o carro de Hector, um Mercedes preto. Entretanto, ele nunca dizia que o carro era dele, embora meu pai houvesse sido bem claro ao dizer: “Esse carro é meu presente pra você, Hector”. Nessa ocasião, o lindo carro tinha um enorme laço enrolado nele, e eu mais ri do que me impressionei. O Mercedes era blindado, claro, assim como o meu carro, que deixamos na garagem do nosso prédio.

Paramos em frente a uma casa pintada de azul claro, com algumas janelas na frente, algumas acesas, outras apagadas. Via-se uma placa com as palavras “Pensionato da Terezinha”. Aquele era um local bem conhecido por aqueles lados, visto que era o principal referencial para alunos que não podiam pagar por um apartamento nas redondezas da ESOM, já que todos eram caros. Dona Terezinha, a dona da casa, morava ali a séculos e nunca cedeu seu território para as ávidas construtoras. Ela oferecia quartos modestos, mas confortáveis, por um preço acessível.

Mandei um Whats para Aline e ela logo apareceu no portão. Ela usava um vestido bege com estampas floridas marrons que quase chegava aos joelhos e tinha uma aparência singela, meiga. Seus cabelos pretos, que sempre estavam amarrados desajeitadamente, foram soltos e arrumados para aquela ocasião, chegando até a altura do meio das costas, com um efeito ondulado bastante natural. Estava sem seus óculos de armação preta e lentes retangulares. Eu presumi que estivesse usando lentes de contato. Não utilizava maquiagem pesada. Detectei a presença de um batom levemente rosado e rímel em seus cílios. Carregava uma pequena bolsa de mão de tecido marrom, combinando com as estampas de flores do seu vestido, e usava uma sapatilha branca.

_Oi, pessoal. – disse ela enquanto entrava pela porta traseira.

_Olá, Aline. Você está muito bonita. – eu disse dando um sorriso para passar confiança, já que sabia que ela estava nervosa – Não está, Hector?

Hector olhou para trás, na direção de Aline, e analisou-a de cima a baixo. Fez que sim com a cabeça.

_Ah... obrigada... – disse ela enquanto corava, o que eu pude ver embora a luz fosse escassa.

Hector dirigiu até o endereço da festa. Como sempre, ele dirigia magistralmente. Com apenas uma mão no volante, outra pendurada para fora da janela, um olhar entendiado e uma posição recostada e relaxada, ele ia fazendo manobras em relativa alta velocidade. Liguei o som na rádio, estava tocando Coming of Age e decidi deixar ali mesmo.

Chegamos na entrada da mansão da família de Rafael, a única que morava na mesma cidade da ESOM. Havia uma guarita na entrada, na qual paramos e, pela janela, Hector mostrou nossos ingressos. Passou-se um tempo no qual o segurança da guarita checou nossos rostos, olhando para a tela de um computador ao mesmo tempo. Provavelmente, ele tinha fotos nossas ali. Como ele havia conseguido, eu não sabia. Ele demorou-se um pouco mais de tempo em Aline. Claro, ela estava totalmente diferente do que ela normalmente era. Finalmente, ele nos liberou para entrada. Hector estacionou ao lado de uma BMW, em frente à mansão. Saímos do carro e nos preparamos.

_Uau, vocês estão muito bem também. – disse Aline, olhando para nós dois agora fora do carro.

Hector usava uma camiseta branca de mangas longas, calças jeans azul claro e sapatênis marrom. Eu usava um cardigã acinzentado com uma camiseta branca por baixo, calças pretas e tênis casual preto com detalhes brancos.

_Obrigado. Agora, vamos entrar. – eu disse, indo na frente.

Ao entrar, nos deparamos com um ambiente parcialmente escuro, parcialmente iluminado por diversas luzes agitadas que piscavam, se moviam. Apesar da iluminação parca, pude ver que, junto às paredes, havia sofás e puffs com pessoas sentadas, algumas já se beijavam, outras estavam prestes a ir para um quarto. Havia grupos de pessoas que dançavam, conversavam e carregavam copos plásticos que continham, provavelmente, bebida alcoólica. Algumas rodinhas tinham danças mais enérgicas. Atraímos alguns olhares. Pude perceber garotas olhando desejosas para Hector e outras olhando incrédulas para Aline. Percebi um cara olhando para mim. De acordo com seus sinais faciais, presumi que ele queria ficar comigo. Ignorei aquilo.

_Vamos pegar alguma coisa para beber. – eu disse.

Fomos até um balcão, onde três barmen preparavam e serviam bebidas.

_Eu vou querer um suco de uva, tem? – perguntei.

O barman pegou um copo de plástico e despejou suco de uva Del Valle dentro.

_Não vão pedir nada? – perguntei olhando para Hector e Alice.

_Uma coca. – disse Hector.

_Victor... eu não sei como me comportar nesse lugar. – disse uma nervosa Alice em voz alta.

Fui até ela e segurei seus dois braços, olhei em seus olhos e disse:

_Nem eu! Não é divertido? – eu disse com um sorriso que tentava contagiá-la – Vamos tentar dançar essa música.

Puxei-a comigo para a pista de dança.

_Ei, e o Hector? – perguntou uma exasperada Aline.

_Ele não dança. – eu disse.

Hector virou-se para olhar a pista de dança enquanto bebia sua coca, provavelmente vigiando tudo o que acontecia a minha volta, atento a qualquer movimento suspeito. Eu e Aline paramos no meio da pista. A música que tocava era uma eletrônica aleatória. Eu havia tido aulas de danças em geral três anos antes. Meu instrutor ensinou passos de danças mais elaboradas e danças mais genéricas, como as que tocavam em festas, sem forma única de dançar. Era importante tentar seguir o ritmo, não fazer movimentos escandalosos demais, era possível interagir esporadicamente com quem estivesse dançando com você. As instruções foram aparecendo na minha cabeça.

_Apenas siga o ritmo, Aline. – eu disse com um sorriso encorajador – Tipo assim.

Comecei a dançar ao ritmo daquela música eletrônica. Aline olhou-me de modo desesperado, mas começou a se mexer. Ela estava indo bem. Aos poucos ela se acostumaria, e seu rosto concentrado passaria para um sorriso descontraído.

De relance, vi uma figura conhecida com outra, os dois sentados em um sofá. Foquei um pouco nos dois enquanto dançava. Estavam ficando. Aquele era... Leonardo Miller. A garota que estava com ele era bem bonita, com um corpo bem trabalhado. Parecia uma garota típica para o garoto típico que era Leonardo Miller. Mas alguma coisa estava errada. Olhando mais atentamente para Leonardo enquanto ele beijava a tal garota, podia-se perceber uma pequena dobra entre suas sobrancelhas, a leve tensão perceptível em seu antebraço da mão que estava na nuca da garota, a posição das suas costas. Pequenos e minuciosos sinais que mostravam, para alguém treinado como eu, que Leonardo não estava se sentindo confortável com a situação. Dei uma risada enquanto dançava. Aline olhou-me com um olhar questionador. Seus passos já estavam bem mais fluidos, ela aprendia rápido.

_Não é nada. – eu disse ainda com um sorriso.

Leonardo Miller continuava sendo gay. Eu podia quase sentir pena dele e da encenação ridícula que era sua vida.

_Você dança bem, Victor. – uma voz surgiu no meio da música.

Olhei para sua fonte, era o cara que me olhava quando entrei na festa. Ele não era alto, mais ou menos 1,70, a minha altura, mas claramente investiu tempo em academia, ao contrário de mim. Tinha pele clara, cabelos pretos curtos e levemente bagunçados e uma barba cheia que compensava sua altura, deixando-o parecer mais velho. Seus braços tinham os músculos definidos, sua camiseta sem estampas deixava uma impressão de que havia um corpo forte, porém esguio, por baixo, valorizando forma ao invés de tamanho. Era bem atraente.

_Obrigado, senhor...? – eu disse com um olhar que passava autoconfiança.

_Gustavo. – ele disse enquanto dançava frente a frente comigo, e fazia isso bem – Perguntei para o nosso anfitrião sobre você... quem diria que eu me interessaria logo pelo Voldi.

_Algum problema com os Voldi? – perguntei com um sorriso questionador.

_Só pensei que eles poderiam ser bem difíceis de se conseguir... – Gustavo me lançou um sorriso malicioso.

Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, vi Hector sendo abordado por uma garota com cabelos não muito longos e encaracolados, com cachos muito bonitos e bem definidos. Pelo visto, ela já estava ali havia algum tempo, e ela oferecia seu copo com bebida para ele. Usando leitura labial, pude entender o que ele respondia: “Não bebo em trabalho”.

Droga, Hector tinha que parar de ser tão pragmático. Eu decidi ir falar para ele se divertir um pouco.

_Já volto, pessoal. – eu disse para Aline e Gustavo, deixando-os sozinhos.

No caminho até Hector, fui interceptado por um corpo alto e grande: Leonardo Miller. Dessa vez, ele não chegou bruscamente, mantendo uma distância saudável. Seus cabelos loiros estavam arrumados com um topete atraente, ele usava uma camisa social rosa que caía bem em seus braços grossos e jeans não muito colados, mas que davam formas bonitas às suas pernas. Vi Hector levantar-se e fazer menção de vir até mim, mas eu sinalizei para que ele parasse e deixasse que eu resolvesse aquela situação com o Miller.

_Precisamos conversar. – disse Leonardo.

Assenti com a cabeça e o segui para uma área externa à mansão, sem ninguém por perto. Estávamos cercados por pequenas árvores bem podadas e algumas luzes de jardim de cor esverdeada. O teto era o céu estrelado.

_Você aprendeu a lição, então... – eu disse assim que paramos, com Leonardo de costas para a parede.

_Hã? – Leonardo não havia entendido.

_Não aproximar-se bruscamente, ou o Hector... – fiz um sinal de decapitação com o dedo indicador no meu pescoço.

_Não tenho medo do seu cãozinho, Victor. – disse Leonardo, agora com desprezo no rosto.

_Se você diz... – olhei em volta – Esse lugar me traz lembranças sobre nós...

Olhei para ele com um sorrisinho dissimulado. Leonardo avançou e pegou a gola do meu cardigã, aproximando o seu rosto do meu.

_Não quero você dizendo esse tipo de coisa, seu viado. – ele disse com um ar perigoso, a raiva em seu rosto era verdadeira, ele devia estar se esforçando muito para manter uma fachada heterossexual.

Meu sorrisinho evaporou e coloquei desprezo no olhar. Empurrei seu peito com força utilizando as duas mãos, fazendo-o distanciar-se o bastante, mas não muito.

_Eu já disse que não vou contar o seu... digo... o “nosso” segredinho, então fica na sua, Leonardo.

Dei as costas para ele, mas antes que eu pudesse sair dali, sua mão segurou meu ombro e me deu um puxão, fazendo-me virar para ele novamente.

_Eu preciso ter certeza de que... – Leonardo começou a dizer.

Investi contra ele, prensando-o contra a parede, quase encostei nossos rostos, nossos narizes se tocaram lateralmente, olhei nos olhos dele, depois para sua boca, minha mão apertou sua virilha por cima da calça e a outra mão tocou seus lábios de leve.

_Você tem a palavra de um Voldi. – eu disse agora com minha boca bem pertinho do seu ouvido.

Afastei-me de Leonardo e voltei para dentro, deixando-o ainda encostado na parede, sem reação.

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Ao entrar novamente na mansão, fui até onde Hector estava. Encontrei ele, mas nem sinal de Aline.

_Tudo correu bem? – perguntou Hector.

_Perfeitamente. – eu disse sem olhar para ele enquanto procurava Aline na multidão – Viu a Aline?

Hector apenas apontou para uma rodinha. Ela conversava com duas pessoas: as que eu apontei no primeiro dia e disse que eram gentis, ao contrário da maioria dos calouros. Eram um garoto e uma garota. Aline sorria enquanto conversava.

_Parece que ela está se dando bem. – eu disse com um sorriso satisfeito.

Hector apenas assentiu.

_Então... ser abandonado na pista significa que eu não tenho chances com um Voldi, mesmo? – disse Gustavo ao meu lado, surpreendendo-me.

_Eu tinha assuntos para resolver. – eu disse com um sorrisinho culpado – Mas podemos voltar para onde estávamos. A noite é uma criança.

Gustavo deu um sorriso malicioso e segurou minha mão, puxando-me para algum canto da casa mais vazio. Dei um tchauzinho e uma piscadela para Hector, que me olhou com auma expressão próxima da reprovação.

No caminho, passamos por Leonardo Miller, que retornava para a festa e olhou-nos com algo que eu não pude distinguir pela rapidez com que passávamos, mas poderia muito bem ser ódio.

<Continua>

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Comentários

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Definitivamente envolvente esse conto!Nunca sabemos o que esperar no próxomo parágrafo e isso,a meu ver,é o que motiva o leitor a continuar.Hector parece ser um delicioso misterio,e espero sinceramente que com ele voce não se utilize de acontecimentos obvios,como ocorre muito nas outras historias.Mas creio eu que não.Você já provou ser um autor diferente dos demais.

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continua amado...obrigada por a consideração...ja compartilhei o seu conto. Bom domingo carinho bjo grande

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Bom d+ conto envolvente q sempre deixa agente (eu) querendo mas, maravilhoso,continue bjss

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