Meu.

Um conto erótico de Thomas Valim
Categoria: Homossexual
Contém 1777 palavras
Data: 11/02/2013 02:05:14
Última revisão: 11/02/2013 02:35:08

Não sei ao certo desde quando conheço Sam. Na realidade, eu não lembro de tê-lo conhecido, ou melhor, visto ele pela primeira vez. Acho que desde que eu me entendo por gente, desde que sei que existo, Sam tem feito parte da minha vida. Aos poucos percebo que nunca existiu um instante sequer da minha vida sem ele. Não existe a vida de Yves e a de Sam. Existe a minha vida, com Sam. Ele sempre esteve comigo. Seja quando criança, quando brincávamos no play do condomínio, ou mais crescidos, lá pelos onze anos, quando começávamos a descobrir o conteúdo das revistas do tio Jonas, escondidos atrás do banquinho da quadra da escola, folheando aquelas páginas famintos de curiosidade. Nós tínhamos uma sintonia intensa. Incontáveis vezes fui despertado dos pensamentos mais profundos sobre Sam pelo telefone que tocava no canto da sala, e sim, era ele, ligando pra perguntar se estava tudo bem. E eu sei que o mesmo acontecia com ele. Nossas almas estão interligadas de uma forma que nenhum de nós saberia explicar. Vi Sam crescer, pois cresci junto dele. Partilhávamos das mesmas experiências, das mesmas descobertas. Como não lembrar, toda vez que chegávamos das noitadas ao redor da cidade e depois de termos subido pro nosso andar, quando ele fazia questão de ir até a porta do apartamento onde eu morava, olhar nos meus olhos e dizer em meio a risos: - Cara, vê se me deixa beber nas festas, ô idiota! - E aí, os risos se convertiam num sorriso iluminado. Ele parecia sorrir também com os olhos. E aí, me dava um tapa no ombro e dizia: - Agora é sério. Boa noite moleque, se cuida viu? Te amo. - E me beijava a testa.

- Te amo também, molecão! - e fazia igual ao que ele havia feito. Um beijo na testa. E cinco segundos de olhares recíprocos, intensos, que não precisavam de legenda, de explicação - Nos amávamos - e muitas vezes o silêncio de um olhar é o bastante pra dizer isso. Nos amávamos como amigos, como irmãos, como pessoas, como essência, como alma. Nos amávamos não pelo simples acaso. Nos amávamos pela necessidade de termos um ao outro. Nos amávamos pela vontade insaciável de ver, tocar, sentir o cheiro. Nos amávamos porque no âmago do nosso íntimo gritava ensurdecedoramente a obrigação de afirmar todos os dias o quanto um precisava do outro. E só assim dormíamos tranquilos. Sabendo que do outro lado da parede estava guardado a outra metade mais essencial de toda a nossa existência: Aquele que podíamos chamar de MEU.

Desde que fiquei a saber como nossas vidas se cruzaram, aprendi o significado da palavra ''destino''. Eu sou filho do conhecido Dr. Ramon Gadelha, um homem simples que lutou muito para conquistar tudo o que tem hoje. Meu pai foi criado num dos bairros mais pobres e violentos de Fortaleza, o famoso Pirambu. Ele é neto de retirantes que fugiam da seca que assolou o interior do estado em 1915, e que ficaram presos nos ''campos de concentração'' localizados no que hoje é o bairro. E por ali fizeram a sua vidinha. Tiveram sete filhos, entre eles minha avó, Marta. Vovó Marta se casou com um marinheiro português que estava a conhecer a cidade do sol, e se encantou pelos olhos azuis que contrastavam com a pele um pouco mais moreninha da moça que vendia artesanato na beira da praia. É, muita gente não acredita, mas aqueles olhos azuis são do interior do Ceará, herança deixada pelos holandeses, e que casavam muito bem com a pele de índio que ela tinha. E assim, Marta e Fernando casaram e ainda paupérrimos, foram morar no bairro onde vovó já vivia. Lá, nasceram Ramon, Henrique e Jonas. Meu pai sempre foi o mais determinado. Nunca ligou pras dificuldades, e por isso, com muito esforço, conseguiu aos 27 anos entrar na faculdade de medicina. Foi lá que ele conheceu mamãe. Ah, mamãe! Sempre me divirto ao lembrar dessa história! Aos 25 anos, mamãe cursava sua terceira faculdade: Já havia desistido de ser arquiteta, e também de fazer moda. Dessa vez, ela afirmava que tinha achado sua verdadeira vocação: Enfermagem. Assim, num desses ''acasos'', mamãe achou papai num laboratório de anatomia, e em meio aquele ambiente nada propício, eles se apaixonaram. Mamãe era rica, e fazia parte da alta sociedade de Fortaleza. Enquanto papai morava no Pirambu, mamãe habitava um condomínio na Aldeota, o bairro mais nobre da cidade. O envolvimento de Lorena Accioli com Ramon Gadelha gerou um pequeno escândalo, já que meu vô Matteo havia arranjado um casamento pra mamãe com um primo rico da Itália. Acho que o fato de papai ser um futuro médico obstetra e estudante dedicado amenizou a situação. Após quatro anos de namoro, eles se casaram. Aos 30, mamãe engravidou de mim. E foi no fim de uma tarde de julho, que papai saiu de carro às pressas do condomínio no Meireles, onde agora eles moravam, para ir ao hospital onde ele trabalhava, com mamãe já sentido dores. Ele faria o parto. O sol já se despedia com seus últimos raios quando nasci. Papai não teve tempo de sentir a emoção de me segurar nos braços por muito tempo. Foi logo chamado para realizar outro parto. No corredor, encontrara um pai aflito pedindo que sua esposa fosse salva, assim como o seu filho que nasceria prematuro. Sem tempo a perder, ele se dirigiu ao centro cirúrgico, e suas mãos, as mesmas que haviam acabado de me trazer ao mundo, trouxeram aquele que me completaria pra vida inteira: Samuel.

Ele nasceu com um mês de antecedência. Sam é filho de um alemão robusto e forte, do nome complicado e do coração enorme. Astrid Herkenhoff tem os olhos de um azul profundo, que foram herdados por Sam. Já a mãe lhe doou os cabelos castanhos e cacheadinhos, de uma cearense bem misturada, com sangue árabe, africano e português, Marina Romcy. Sam sempre foi um príncipe. Papai e Astrid se tornaram muito amigos. Os Romcy Herkenhoff, que moravam em alguma cidadezinha do litoral leste do estado, vieram morar em Fortaleza. O condomínio onde papai e mamãe moram, tinha acabado de ser construído, alguns apartamentos ainda estavam disponíveis. E assim, logo o apartamento do lado foi ocupado por Astrid, Marina, e meu SamJulho de 2004

Já tínhamos nove anos. Sam e Eu não parávamos quietos. Sempre andávamos juntos. Aliás, fazíamos tudo juntos. Estudávamos numa das melhores escolas da capital cearense, na mesma sala. Milhares foram as vezes que nossas mães foram chamadas por nossa causa. Mas ao contrário do que pode se pensar, não era devido ao nosso comportamento. E sim porque éramos cúmplices demais. Lembro que nunca deixava Sam errar. Se sabia que algo não estava certo na atividade dele, eu mesmo tratava de corrigir. E ele da mesma forma. Sam e eu sempre fazíamos os trabalhos da escola juntos. E não aceitávamos mais ninguém no grupo. A eterna duplinha Yves e Samuel, era imbatível. Nós dois dávamos o máximo de nós mesmos nas apresentações da escola, um ajudava o outro e sempre nos saíamos bem. Mas essa cumplicidade se estendia a época de prova. E isso foi a gota d'água pra tirarem Sam de mim.

Lembro que era o último dia das férias de julho, e estávamos reunidos a mesa, no nosso apartamento. Conversávamos, ansiosos pela volta as aulas:

- Sam, você gostou das férias?

- Não! Um saco! Mamãe e papai passaram só um dia em Morro Branco, e eu não aproveitei nada da praia.

- Porque não?

- Ah Yvinho - era assim que ele me chamava - você não foi com a gente!

- Outro dia eu vou, certo?

- Certo, mas se não for, eu não falo mais com você - ele sempre me fez chantagem emocional - Não tenho ninguém pra brincar lá!

- Mas amanhã vamos brincar na escola, não é?

- É mesmo! Vamos!

Mamãe pigarreou propositalmente. Observei o olhar de cumplicidade e tristeza entre ela e Marina. Era inocente demais pra interpretar aquele olhar. Por isso não liguei. Apenas pensei em chamar Sam pro quarto, pra olhar alguns brinquedos que tinha recebido de aniversário só agora, já que meus avós Matteo e Lívia estavam morando na Itália. Os outros presentes eu e Sam já havíamos tratado de abrir, e tínhamos feito o mesmo com os dele. Lembro da nossa cara de frustração quando recebíamos roupas, ao passo que quando abríamos e era um carrinho ou outro tipo de brinquedo, a alegria era imensa. Porém, antes mesmo de pensar em abrir a boca, Marina falou:

- Samuel, amorzinho, vamos pra casa?

Eu e ele nos entreolhamos. Sam é muito obediente aos pais, e eu admirava, e ainda admiro muito isso nele.

- Yvinho, já tenho que ir. Até amanhã!

- Até Sam! Não esquece de levar aquela coleção de cavalinhos que tu ganhou de aniversário!

E ele foi. Quando ele ia, eu sentia falta, muita falta. E corria pro quarto, chorava. Minha mãe nunca havia percebido. Isso aconteceu desde que sonhei que Sam morria. Eu tinha só nove anos. Mas já amava, mesmo sem saber o que era aquilo.

No outro dia, acordei cedo, louco pra descer e encontrar Sam no estacionamento. Levantei e fiz tudo rápido. Mamãe me perguntou o motivo de tanta pressa.

- Quero ver Sam mamãe!

- Sam?

- Sim mamãe, meu amigo, ora!

Um momento de silêncio. Mamãe sentou numa das cadeiras. Olhei pra ela assustado. Aquilo não era bom sinal.

- Sam não estuda mais com você querido. Ele agora estuda em outra turma na sua escola.

Meus olhos saltaram, incrédulos. Encheram-se de lágrimas que lavaram meu rosto incessantemente.

Tiraram meu chão.

Não podia ser. Me recusei a terminar aquele maldito café da manhã, peguei minha mochila e não esperei ninguém. Desci o elevador na esperança de ainda encontrá-lo no hall de entrada. Ele não estava lá. Papai desceu as pressas também, e antes que eu fizesse qualquer coisa, me pôs nos braços e me levou ao carro. Eu berrava. Depois de mil pedidos de silêncio, parei de chorar. Apenas sussurrava encolhido no banco do automóvel. Ao chegarmos na escola, meu único objetivo era encontrá-lo. Esperei papai ir embora, e então saí correndo pelos corredores. Encontrei Sam encolhido próximo ao banheiro.

- Eu estou aqui, calma.

Ele levantou a cabeça e me fitou com aqueles olhos profundos.

- A gente não vai aceitar isso.

- Nós vamos fugir. Você vem comigo?

- Você vai ficar perto de mim?

- Vou te proteger soldado Sam.

- Sim senhor, comandante Yves.

Ele sorriu. Segurei-o pela mão e corremos. Corremos como se o mundo fosse só nosso. Vivendo o primeiro amor de infância. Correndo pro desconhecido, apenas com a certeza de que teríamos um ao outro, e que nada nos impediria de estarmos juntos. NadaCONTINUA

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Comentários

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Awwwwn q nindinho... esse sim eh o tipo de conto q procuro, q historia linda >< e se isso n for destino n sei oq eh, continua pfvr, amei muito o conto e adorei os personagens... sbe eu sou fan de sobrenatural kkk e o principe do yvinho se chama sam >< como o mdu principe de sobrenatural kkkk

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Haaaaaaa achei lindo o nome de um dos perssonagens, adivinha?! :B Hahaha. Amei bjo xD~

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To adorando, escrita maravilhosa. E história que promete! Continue logo

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yves? somente a introdução foi espetacular, mais que impressionado com vosso texto, ficaria mais que satisfeito em apreciar um livro seu, os sentimentos são tão intensos que me fazem desejar algo parecido em minha vida. Eu compraria. Agradeço a leitura, abraço.

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Mto bom, ótomo alias. Continue!

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Wow... Bem lindo e legal teu conto... Mas diz ae, essa história é real? sua nota é 10.. Continue agora se for possivel kkk'

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