Jogos de Adultos - Capítulo 3

Um conto erótico de valdenide
Categoria: Homossexual
Contém 5571 palavras
Data: 19/11/2008 20:45:18

RAFAEL

A alegria de estar apaixonado é capaz de acabar até mesmo com a melancolia de um dia chuvoso. Nem a sensação de tristeza de um dia nublado e frio é páreo para o calor radiante que emana dos corações felizes por estar amando. Nem mesmo aquela sensação "Djavan" que os dias frios me provocam é lembrada por mim hoje. Nada de um dia frio, um bom lugar pra ler um livro e o pensamento lá em você...

Amo e me sei amado.

Quer algo melhor?

Aquele meu momento ridículo de ciúme de ontem à noite eu já tratei de esquecer. Foi constrangedor para mim mesmo pensar que o fato do Marcelo não me ligar por um único dia signifique que ele não me queira mais. E para falar a verdade, nem o fato dele manter o celular desligado por todo o tempo me incomoda mais porque eu o amo e sei, ou quero acreditar, que ele também me ama.

Então, por que pensar o pior quando na verdade eu estou vivendo o melhor momento da minha vida?

O que tenho unicamente a fazer é aproveitar e continuar vivendo com Marcelo essa coisa tão bacana que é a paixão.

Pois é, quando apaixonado sou um tipo de Meg Ryan do mundo gay. Um doce, capaz até mesmo de provocar diabetes em alguns desavisados.

Mas a grande maioria acha essa minha maneira de viver a paixão simplesmente sacal.

Eu cago pra eles!

Minha função na produtora em que trabalho é de um verdadeiro faz-tudo. Desde café quentinho a serviços de banco, como o que eu estou fazendo exatamente agora.

Passam das onze da manhã e eu vou caminhando pela rua. Indo para a produtora. Volto de um banco onde fui fazer alguns pagamentos. Não me incomodo com essas minhas tarefas de ofice-boy, às vezes acho até bom sair do sufoco do escritório e caminhar pela rua. Assim posso ouvir um pouco de música no meu Ipod, como faço agora.

Ouço um cd do Kid Abelha. Hoje acordei especialmente disposto a ouvir o pop-romântico da Paula Toller e companhia. Então, pela terceira vez seguida ouço "Por que Eu Não Desisto de Você".

E até arrisco a cantar baixinho o refrão enquanto caminho no meio de um monte de gente.

Por que é que eu não desisto de você?

Porque?

Eu não desisto

Por que é que eu não desisto de você?

Porque?

Eu não desisto

Passo por um desses relógios que ficam nas ruas e que indicam as horas e a temperatura.

14º.

11: 13 AM.

Um friozinho muito bom. Por isso penso que vou ligar para o Marcelo assim que chegar à produtora e convidá-lo para almoçarmos juntos. Sei que ele vai topar. Ao menos quero acreditar nisso.

Uma fina chuva começa a cair e eu apresso meu passo.

Quando entro na produtora, uma surpresa me aguarda.

Marcelo está sentado na recepção me esperando. Discretamente trocamos meia dúzia de frases e digo a ele que me espere por quatro minutos que apenas preciso entregar alguns papéis para a secretária. Ele diz que vai me esperar lá fora, no seu carro.

Faço o que tenho que fazer e vou ao encontro do Marcelo. Decidi adiantar um pouquinho meu horário de almoço.

Entro no carro dele e ele está ouvindo Amy Winehouse. Ele realmente não consegue parar de ouvir o cd da inglesinha problemática.

__Oi.

__Oi.

__Aonde vamos?

__Eu não estou com fome, Rafael. Queria apenas tomar alguma coisa.

__Eu também não estou com fome. Ainda é cedo para almoçar, então, por mim tudo bem. Vamos apenas tomar alguma coisa.

Resolvemos ir ao Café Hollywood.

Sentados à uma mesa discreta nos fundos, pedimos vinho tinto para ele e água Tônica para mim.

Em instantes chegam nossas bebidas e eu estou tão feliz por estar fazendo um programa inesperado com Marcelo.

Um encontro apaixonado no meio do dia, é o que acho que é.

__Tentei te ligar ontem, mas seu celular estava desligado o tempo todo. Aconteceu alguma coisa?

__Não aconteceu nada. Quer dizer, aconteceram algumas coisas. Mas eu vou te dizer o que é. Eu vim aqui hoje exatamente para isso.

E só para provar para mim mesmo que minha vida é um clichezão desses bem baratos, no exato instante em que ele fala isso um trovão cala todos os outros sons existentes no mundo.

Marcelo bebe um gole do seu vinho e eu só quero que ele fale logo o que tem para me falar.

__Não sou de rodeios, Rafael. Vou direto ao ponto.

__Por favor.

__Eu sinceramente não quero levar adiante isso que estamos tento.

Espera aí! O que foi que ele disse? Espera, deixa eu tomar só um gole da minha Tônica primeiro.

Ele percebe que eu não digo nada e continua:

__Eu acho que você está encarando tudo como algo sério, e eu não penso assim. Não quero me meter em uma relação agora. Não me sinto com vontade de assumir um compromisso com alguém neste momento.

__Por quê?

__Eu não sei. Simplesmente não quero.

Não sei o que dizer. Só sei que quero chorar e não consigo evitar isso.

Uma única lágrima sai do meu olho esquerdo e eu luto bravamente dentro de mim para que mais nenhuma saia. Pois chorar diante da pessoa que te dispensa é a coisa mais deplorável do mundo.

__Anteontem você estava tão bem. Tão à vontade comigo. Pensei que você estivesse apaixonado.

__Eu curto estar com você, Rafael. Mas não estou apaixonado. Nosso sexo é bacana, mas para que futuramente você não sofra, eu prefiro parar por aqui.

Viro o resto da minha Tônica e peço à garçonete uma Coca-Cola.

Malditas leis trabalhistas que não me permitem beber álcool durante o expediente!

Minha Coca chega e eu bebo um bom gole.

__Eu já te amo, Marcelo.

__Eu sinto muito, Rafael.

__Mas nós podemos continuar, por mim tudo bem. Talvez com o tempo você comece a gostar de mim como eu gosto de você. Já que você me acha tão bacana assim, vai ser fácil.

Este é o ponto mais baixo que uma pessoa se sujeita a chegar. Não se importar com o desprezo do outro apenas para estar com ele.

Não estou nem aí! Eu o amo, porra!

__Isso seria horrível, Rafael. Você não seria o único para mim como eu seria para você. O correto é parar por aqui. Eu quero parar por aqui.

Em meio ao turbilhão de momentos ao lado dele, de frases não ditas que me lembro agora e sensações que me invadem e que passam pela minha cabeça, consigo identificar a trilha-sonora de Magnólia tocando no som ambiente.

Esse filme me fez chorar.

A música Wise Up da Aimee Mann me fez chorar.

A Julianne Moore me fez chorar.

O Marcelo quer me fazer chorar.

Porra!

Por que chorar?

Por que não posso rir?

Por que amo esse cara?

Por que ele não quer mais nada comigo?

Por que ele não me disse um mês atrás que queria apenas foder comigo?

Por que ele não me avisou que era um canalha?

Por que ele disse que me amava quando trepamos?

Por que eu não morro agora?

Me lembro do filme. Todos os personagens tão desgraçados quanto eu agora, neste instante:

Tinha uma moça que se afastou da família há anos, que vivia isolada em seu apartamento onde as janelas permaneciam sempre fechadas, ela era garota de programa para sustentar o vício em cocaína, mas ela conhece um policial honesto que se encanta com sua personalidade vulnerável, só que depois de uma conversa frustrante ele vai embora.

Tinha um garotinho que sofria pressão dos pais para ganhar um concurso em um programa de televisão, ele fazia xixi nas calças ao vivo porque não deixaram ele ir ao banheiro.

Tinha o cara muito feio que tentando devolver o fruto de um roubo cometido minutos antes é flagrado por um policial, ele só queria dinheiro para colocar uma dentadura corretiva para seduzir um lindo barman.

Tinha o Tom Cruise que era um seminarista que fez fortuna defendendo a reconquista do orgulho machista e que não falava com o pai.

E tinha a Julianne Moore que se casou por dinheiro, desesperada com a saúde do marido, ela percebe que só agora começou a amá-lo, por isso ela procura o advogado do casal para se excluir do testamento, ela não quer receber nada.

Todas as histórias se cruzam e num momento todos cantam essa música, Wise Up.

It's not.. what you thought...

When you first... began it.

You got... what you want...

Now you can hardly stand it, though,

By now you know, it's not going to stop...

It's not going to stop...

It's not going to stop,

Till you wise up.

E foi aí que eu chorei. Mas chorei também quando a Julianne Moore vai comprar remédios para o marido numa farmácia e acham que ela é uma junkie.

Não sei por que, mas a Julianne Moore sempre me faz chorar.

Chorei vendo As Horas.

Chorei vendo Fim de Caso.

Chorei vendo Longe do Paraíso.

__A Julianne Moore sempre me faz chorar.

Ele não entende o que eu quis dizer e eu lhe explico que chorei vendo Magnólia. Ele talvez só para me contrariar ou para me mostrar que realmente não temos mesmo muita coisa a ver um com outro me fala que não gostou do filme e que achou péssima a atuação dela como Laura Brown em As Horas.

Eu duvido que isso seja verdade, que alguém possa não gostar da atuação dela como Laura Brown e sei que estou pensando estas coisas só para evitar a dura realidade de não ter mais o Marcelo para mim.

__A gente não vai se ver mais?

__Vai ser melhor assim, Rafael. Mas eu quero que você saiba que é um dos caras mais bacanas que eu conheci. Só que foi no momento errado.

Outra lágrima desce, mas desta vez do olho direito.

Sabendo que não vou me agüentar por muito mais tempo ele fala que precisa ir embora, que tem um compromisso e se oferece para me levar de volta a produtora.

Recuso.

Ele segura minha mão e a aperta, manda eu me cuidar e tira uma nota de cinqüenta reais da carteira. Ele a deixa sobre a mesa e olha nos meus olhos mais uma vez.

Eu amo este homem! E eu não posso desistir assim, mas ele vai embora e agora não posso mais me segurar.

Primeiro é o olho esquerdo. Depois o direito. E em seguida as lágrimas não param de cair.

A garçonete se aproxima e pergunta se estou bem. Digo que não e peço uma vodca.

Fodam-se as leis trabalhistas que punem com justa causa quem bebe durante o horário de trabalho!

Não vou voltar àquela produtora hoje.

Quero beber um litro de vodca e depois me jogar na frente de uma Kombi.

Ou então beber só mais um pouco e ir para minha casa planejar a visita que vou fazer ao Marcelo logo mais à noite.

Não vou, não posso desistir assim.

Pois neste momento é a paixão que me move.

E como nos filmes da Meg Ryan, acredito que a paixão pode tudo.

LEANDRO

Abro os olhos sabendo exatamente aonde vou estar, mas não posso deixar de pedir a Deus para que aquilo de ontem à noite tenha sido apenas um sonho ruim.

Não foi um sonho ruim.

Essa é a dura realidade da minha vida.

Passei a noite na casa de um traficante, e o que é pior, trepando com ele.

Maldito seja o Renan e o meu amor por ele!

Abro os olhos e vejo que Marcelo não está na cama. Estou nu, coberto por um edredom.

Marcelo entra no quarto. Ele está arrumado, como se estivesse pronto para sair. E eu nu, deitado na cama dele.

Pergunto se ele vai sair e se eu o estou atrapalhando. Ele responde que já saiu para resolver umas coisas e que agora todo o seu tempo é meu. Pergunto a ele que horas são e ele me responde que já passa das quatro da tarde.

__O quê?!

Dou um pulo da cama. Estou mais do que atrasado para o trabalho. Ele fala que não me acordou porque eu estava dormindo profundamente.

__Eu não podia faltar ao trabalho. A coisa lá está feia, se perco este emprego estou ferrado.

Ele diz para que eu me acalme e é o que faço. Já não posso fazer mais nada a não ser aceitar que terei um dia descontado no meu salário de merda. Eu deveria ter entrado às duas e se chegar lá agora, além de um belo esporro do meu gerente, vou ainda ser mandado de volta para casa.

Marcelo senta-se na cama ao meu lado.

Digo que preciso de um banho, mas ele me fala que antes quer me contar uma coisa.

__O quê?

__Eu saí mais cedo para ir falar com o Rafael.

Fico surpreso com isso, não posso evitar.

__Disse a ele que não quero mais levar adiante nossa relação, que não me sinto bem. Que não tenho espaço para ele na minha vida e que seria melhor se tudo acabasse ali.

Sinto uma ponta de pena pelo Rafael mas também sinto algo bom, por saber que eu estou provocando tudo isso neste cara.

__Você contou para ele que eu estou aqui?

__Não, jamais iria te expor assim.

__E o que ele disse, afinal?

__Ele aceitou bem. Com um certo pesar, claro, mas sem maiores problemas. Acho que ele realmente entendeu minha posição.

Agora sim as coisas estão feias para mim.

Se o cara chegou ao ponto de terminar com o Rafael por minha causa é porque está verdadeiramente a fim de algo sério.

Tremo por dentro só de imaginar essa possibilidade.

Durante toda a noite nós trepamos quatro vezes. Um recorde para mim, confesso. Mas para Marcelo creio que foi algo natural. Nunca em uma única noite cheirei tanta cocaína, tudo para agüentar a maratona de sexo, e admito, todas as quatros vezes gozei.

O filho da puta sabe fazer a coisa.

Prefiro Renan, claro. Mas admito que Marcelo é o segundo melhor cara com quem já trepei, e o mais bonito.

Lembro-me que quando fui conseguir dormir já passava das sete horas da manhã.

Tive uma noite literalmente regada a sexo, bebidas e drogas.

Mas agora, sem o efeito do pó no meu sangue, sinto quase uma repulsa por Marcelo estar segurando minha mão.

__Preciso de um banho.

__Tudo bem. Vou te esperar lá em baixo. Daí saímos para comer algo.

__Ok.

Ele me dá um beijo e eu quase vomito sem entender o porquê dessa minha reação. Ele não percebe nada.

Entro no banheiro e ligo o chuveiro que comparado ao meu é quase uma cachoeira termal.

Enquanto a água cai sobre o meu corpo tirando toda a porra seca que está impregnada na minha pele penso no que está me passando. No enredo hollywoodiano em que minha vida se tornou. Eu que levava uma vida de merda qualquer, rezando todos os dias por uma novidade, por algo que me tirasse do marasmo do cotidiano, agora me vejo preso em uma situação pateticamente novelística, fílmica até, interpretando um papel que não me cabe, que não nasci para fazê-lo. Tudo isso por amar demais um cara. Um filho da puta que deixo me usar desta forma apenas por ter a esperança de que um dia ele me torne seu.

Amantes.

Casados.

Assumidos.

Este é o meu sonho secreto.

Renan e eu.

Juntos, felizes. Vivendo uma vida tranqüila. De dois caras que se amam e que vivem este amor juntos.

Felizes.

Como nos filmes da Meg Ryan.

Será que tem mais alguém que pensa assim como eu? Que crê que um dia será possível viver um amor assim, de filme da Meg Ryan? Ou será que estou sendo ingênuo demais por achar que minha vida um dia possa se transformar nisto?

Sou uma pessoa genuinamente pessimista. E isso que acabei de ter agora foi apenas um rompante de otimismo exacerbado. De achar que vale a pena passar por problemas pelo simples fato de saber que um dia eles chegarão ao fim.

Aquele papo ridículo de que depois da tempestade sempre vem a bonança.

Quanta bobagem!

Meu lema é: o fundo do poço nunca é fundo o bastante.

Sempre pode-se descer um pouquinho mais.

Como exatamente acontece comigo agora.

Eu levava minha vida de merda achando que aquilo já era terrível demais para continuar suportando, eis-me agora vivendo uma trama policial que está me deixando arrepiado de medo. Nem o fato de poder trepar com um cara como o Marcelo e desfrutar os prazeres que esta cobertura proporciona são capazes de minimizar o medo que sinto por isso tudo.

E se esse cara descobre quem na verdade sou?

E se ele descobre quais são minhas verdadeiras intenções?

E se o Rafael descobre que eu estou com ele?

E se o Renan desistir de mim por eu não descobrir nada?

Pensando nisto e mais algumas coisas sinto até uma vontade súbita de chorar.

De medo.

De ódio.

De raiva.

Eu queria uma mudança na minha vida, sim. Mas nada tão radical. Não estava nos meus planos me ver de repente dentro de um filme B.

Um título para o filme que minha patética vida se tornou?

Já sei: Dormindo Com o Inimigo.

Para quem não se lembra, o mesmo título de um filme podre da Julia Roberts em início de carreira.

Eu vivendo um personagem Julia Roberts, quem diria...

Não gosto dela, aquele sorriso de um milhão de dentes me incomoda. Aquele bocão exagerado pode até ser bom para chupar dois paus de uma vez. Mas é muito feio. Já que tenho que me comparar a alguém prefiro Sandra Bullock, que apesar de ser tão canastrona quanto a Julia pelo menos é mais simpática.

Pronto, aquela vontade súbita de chorar passou, ao menos por enquanto.

Foi só pensar nessas bobagens de filmes e atrizes sem talento para eu esquecer por uns minutinhos que minha vida está por um fio.

Para esquecer que ando dormindo com o inimigo.

Rio.

Quanta besteira!

Já tem meia hora que estou debaixo do chuveiro.

Cago para o politicamente correto de que devemos economizar água.

Foda-se a falta de água que assolará o futuro!

Não estarei aqui mesmo, talvez nem sobreviva até o próximo ano já que vivendo esta vida dupla tenho a consciência de que estou por um fio.

Desligo o chuveiro e começo a me secar.

Penso em Renan. No que ele deve ter feito enquanto eu deixava Marcelo gozar dentro de mim.

Penso em como ele deve ter passado a noite enquanto eu cheirava todas as carreiras de pó possíveis para enfrentar a maratona de sexo pela qual passei.

Preciso vê-lo hoje.

Preciso da minha dose de Renan, e ao cogitar que talvez não será possível, pois ao que parece, Marcelo já tem planos para nossa noite, sinto outra vez vontade de chorar.

Mas desta vez não é uma vontade de chorar provocada pelo medo nem pelo ódio, mas sim uma vontade de chorar provocada pelo amor.

O maldito amor que sinto por Renan!

Se tiver que passar novamente esta noite por tudo o que passei na noite passada, leia-se, sexo com Marcelo, será necessário toda a cocaína do mundo para me fazer sublimar o fato de estar transando com um cara perfeitamente lindo e inesgotavelmente odioso, ao menos para mim.

Saio do banheiro e visto minha roupa.

Desço.

Marcelo me espera sentado no sofá.

Ele está falando ao celular e quando me vê tenta inutilmente disfarçar a conversa que está tendo.

Não consigo captar nada comprometedor no que ele diz, mas sei que ele se surpreendeu com minha presença.

Mil coisas passam pela minha cabeça.

Ele pode estar falando com algum de seus distribuidores.

Pode estar negociando algum carregamento.

Ou pode estar encomendando uma investigação a meu respeito.

Pois duvido muito que sendo ele quem realmente é, um mega-traficante de drogas sintéticas, ele vá se envolver com um cara qualquer como eu sem saber minimamente o que quer que seja a meu respeito.

Então, agora, tenho medo pra valer. Muito medo do que pode me acontecer.

Ele desliga o celular e vem até mim.

Me abraça e me beija. Um longo beijo.

Enquanto me beija segura minha bunda e aperta. Sinto seu pau duro se esfregar em mim.

Ele beija meu pescoço e o morde com delicadeza.

Me arrepio.

Ele diz ao meu ouvido:

__Quero você pra mim. Adorei nossa noite e mal posso esperar para repetir tudo logo mais.

Minha vontade é de gritar. De morrer. De dar uma joelhada no seu saco e mandá-lo ir tomar no cu.

Mas ao contrário disso, apenas digo:

__Eu também.

Ele segura minha mão e saímos para comer algoRAFAEL

Você já sentiu a dor de ter um coração despedaçado?

Dói demais.

Dói muito. Uma dor quase física.

Eu tive um namorado uma vez, Ricardo o nome dele. Namoramos por dois anos. Foi muito sério tudo o que vivemos. Eu o amei por um bom tempo e sei que ele me amou também. Mas depois de dois anos chegamos a um comum acordo de que já não valia a pena continuarmos juntos. Não que brigássemos o tempo todo, muito pelo contrário. Éramos companheiros demais, mais amigos que amantes e por isso resolvemos parar por ali. Não foi difícil me ver sem o Ricardo, até porque aquilo, a ruptura, de uma certa maneira havia sido planejada por nós dois, ao menos de forma inconsciente. Ambos já cogitávamos a idéia de terminarmos tudo já há algum tempo, mas só resolvemos abrir o jogo um com o outro depois que começamos a encontrar indícios que indicavam essa vontade mútua em algumas de nossas atitudes.

Ricardo foi meu único e verdadeiro namorado em toda minha vida. Antes e depois dele foram apenas momentos legais que passei com caras bacanas, mas tudo muito superficial. Nada que me inspirasse a possibilidade de viver outra vez uma relação séria como a que vivi com Ricardo. Foram apenas caras que passaram pela minha vida sem deixar maiores rastros.

Até um mês atrás.

Quando conheci Marcelo e fiquei completamente apaixonado por ele já na primeira semana de relacionamento. Admito que foi tudo muito rápido da minha parte. Mas o meu lado racional simplesmente se desintegrou assim que o vi. Me entreguei de verdade a um sentimento que há muito eu esperava sentir.

Não acredito nessas bobajadas astrológicas, mas dizem os especialistas no assunto que os cancerianos são exatamente assim, extremante passionais em sua natureza. Totalmente propensos a paixonites agudas. Talvez isso explique essa minha tendência de me apaixonar pelo primeiro cara que sorri pra mim.

É impressionante quanta pieguice pode caber em uma única pessoa.

Juro que ainda me surpreendo comigo mesmo.

Neste um mês que estive com Marcelo, nunca, em momento algum, formalizamos nada. Nenhuma conversa sobre o que estávamos vivendo. Um erro primário da minha parte, confesso. O correto teria sido se eu num momento de coragem e sensatez o colocasse contra a parede e perguntasse se aquilo que estava acontecendo merecia ser levado a sério ou não. Minha covardia, meu medo de ouvir uma resposta negativa me impediu de tal atitude e agora amargo a dura realidade de saber definitivamente que Marcelo não é meu namorado, e o que é pior, que não vamos continuar nos vendo.

Meu coração está aos pedaços por isso.

Posso afirmar categoricamente que nunca em minha vida gostei tanto de um cara.

Por que, hein?

Por que as coisas têm que ser assim?

Por que não posso ter o cara que amo?

Alguém por favor, me dá uma luz.

__Garçonete, por favor, me traga outra vodca.

Ainda estou no Café Hollywood. Sentado na mesma mesa de antes. Há uma hora e catorze minutos Marcelo foi embora e eu ainda não consegui reunir forças para me levantar daqui.

Já liguei umas mil vezes no celular do Leandro e só dá caixa-postal. Ele provavelmente estará com o seu amante. O tal cara casado de quem ele nunca fala. Já que ainda é cedo para ele estar no trabalho.

Que sorte a do Leandro. Ter alguém para amar, para estar com ele, ainda que o cara tenha uma outra vida sem ele. Eu acho que também me sujeitaria à isso.

Minha vodca chega e é a quinta que bebo. Meus olhos devem estar vermelhos, pois já chorei um rio de lágrimas. Mas chorei de forma silenciosa, aqui no meu canto, quieto, sem chamar a atenção de ninguém. Sem que ninguém percebesse que aqui neste canto, nesta mesa, há um babaca que chora por amor.

Será que tem mais alguém no mundo assim como eu? Que está chorando por amor neste exato momento.

Talvez por ter me visto chorar tanto a garçonete me olha com essa cara de pena toda vez que vem me servir.

Tiraram a trilha-sonora de Magnólia no momento em que comecei chorar e colocaram algo animado para tocar. Me parece que é o último cd da Nelly Furtado.

Talvez fizeram isso para que eu me sinta um pouco melhor. Mas a tentativa deles não está adiantando nada. Ainda me sinto péssimo e agora com vontade de vomitar também.

Liguei na produtora e avisei que não voltaria hoje, pois não estou me sentindo bem.

Se acreditarem, ótimo.

Se não, fodam-se.

Não podem exigir nada de mim hoje. Não hoje, um dia em que me sinto tão vulnerável.

Começo a traçar um plano na minha cabeça que consiste basicamente a ir até a casa do Marcelo logo mais à noite e intimá-lo para uma conversa definitiva. Tentarei convencê-lo de que sim, somos necessários um para o outro. Que sem mim sua vida será monótona e chata. Mostrarei a ele que posso ser sedutor o suficiente para assim deixá-lo apaixonado por mim. Sou bom com palavras, tenho uma boa fluidez verbal, consigo ser persuasivo na maioria das vezes em que me proponho a sê-lo e se Marcelo me der uma única oportunidade para argumentar tudo isso sei que ao final da noite estaremos juntos outra vez.

Sei que vamos passar a noite juntos, deitados na sua cama ouvindo Vanessa da Mata.

Bebendo.

Trepando.

Nos amando.

É impressionante a certeza e confiança que o álcool nos dá.

Confio em mim.

Confio na minha capacidade.

E sabendo-me à um passo do patético assumo para mim mesmo que é hora de parar, pois já estou embriagado.

Embriagado de Amor.

É o nome de um filme daquele ator insuportável, Adam Sandler, dirigido por um diretor que adoro, o P. T. Anderson. O mesmo diretor de Magnólia.

Veja bem, quanta coincidência, dois filmes do P. T. Anderson em um único dia.

Mas que bobajada toda é essa que estou pensando?

Chamo a mesma garçonete piedosa que me serve desde que cheguei aqui e peço a conta.

Ela a traz com a mesma cara de dó que mantém desde o início.

Pago e digo a ela:

__Não se sinta mal por mim. Hoje à noite tudo estará resolvido e ele vai voltar para mim.

Ela parece se sentir satisfeita ao ouvir isso e dá um sorriso luminoso que faz com que eu me sinta bem.

__Pode ficar com o troco.

Me levanto quase cambaleante e vou para a saída.

Uma fina chuva cai, um vento gélido e cortante sopra com força.

Consigo um táxi em segundos e quase acredito que estou numa realidade paralela.

Quando em São Paulo, num perfeito dia de chuva eu conseguiria um táxi com tamanha rapidez?

Digo o endereço da minha casa para o motorista e ele vai.

Aproveitando que meus pais estão viajando planejo chegar em casa e dormir. Imagine só ter que explicar à minha mãe que estou chegando bêbado em casa quando na verdade deveria estar trabalhando porque meu namorado me dispensou.

Algo fora de cogitação.

No som do táxi está tocando uma música do Charlie Brown Jr e eu sinto outra vez uma vontade súbita de vomitar que passa quando a música termina.

Chego em casa e nem tiro minha roupa. Meto-me embaixo do edredom e imediatamente apago.

São oito e trinta da noite e só agora eu acordo.

Sinto uma dor de cabeça infernal, mas nada vai me impedir de ir adiante.

Vou custe o que custar até a cobertura do Marcelo conversar com ele.

Ele terá que me ouvir. Uma última conversa que seja, mas ele terá que escutar o que tenho a lhe dizer.

Tomo duas aspirinas, para assim, quem sabe, minha dor de cabeça melhorar ao menos um pouco. Quem sabe um banho também ajude e é justamente isso que faço.

Quando tomei aquelas cinco doses de vodca já esperava um resultado como este. Minhas ressacas são terríveis e naquele momento eu só queria me sentir meio anestesiado da dor que eu sentia.

Mas acontece que ainda a sinto. Ainda me dói muito a verdade de não mais ter o Marcelo. O álcool ingerido ao que parece não foi o bastante.

Saio do banho e visto uma roupa que me deixa muito bem. Tudo para deixar minha imagem mais atraente, tudo é válido nesta minha missão para reconquistar o cara que amo.

Enquanto me visto peso algumas coisas...

Será que faço certo ao ir até a casa dele?

Não seria melhor deixá-lo sentir por si só a falta que eu vou lhe fazer?

Não seria mais adequado esquecê-lo de vez e seguir minha vida?

Talvez sim. Talvez não.

Mas arroubos de conformismo não irão me demover do meu plano, por isso, pego um táxi e rumo para o prédio em que Marcelo mora.

Quando chego minha dor de cabeça é uma sombra do que era. Sinto-me bem melhor, mais animado, pronto para uma conversa difícil.

O porteiro me conhece e deve achar que ainda estou com Marcelo, por isso tenho passe livre.

Entro e me encaminho para o elevador.

Uma palpitação começa a me acometer.

Isso faz eu me lembrar da primeira vez que trepei com Marcelo. Nosso primeiro beijo na Blue Velvet ao som da nova música da Kylie Minogue. Nossa primeira gozada sob os acordes de Back To Black da Amy Winehouse. Nosso primeiro banho juntos enquanto discutíamos a filmografia do David Lynch.

É isso, neste momento me sinto a Isabella Rossellini em Veludo Azul.

Me sinto a Laura Dern em Coração Selvagem.

Me sinto a Patricia Arquette em A Estrada Perdida.

Não, me sinto a Naomi Watts em Cidade dos Sonhos. Tão apaixonada quanto ela. Tão disposta quanto ela a ir ao limite de tudo por uma paixão. No caso dela, o amor abissal que sentia por Camilla Rhodes.

No meu caso, a paixão fulminante que sinto por Marcelo não-sei-do-quê.

E esse meu lado feminino me faz olhar no espelho do elevador e ver ela refletida, Naomi Watts, ou melhor, vejo sua personagem, Diane Selwyn, louca, apaixonada, depressiva.

Como eu sou ridículo!

Pode alguém ser tão idiota?

Mas foda-se!

Eu não vim até aqui pra desistir agora! E seu sei que este é o refrão da música de uma banda que não me lembro agora.

Aperto o botão do trigésimo andar. A porta do elevador se fecha. Meu relógio marca 22h04min.

Abro minha carteira e tiro uma folha de papel onde há escrito o poema "Der Ausflug", de Lichtenstein.

Acho ele lindo e vou recitá-lo para o Marcelo, para assim, quem sabe, tentar ser mais charmoso.

Enquanto o elevador sobe, leio...

"Tu, esses quartos

Fixos e áridas ruas

E o rubro sol das casas,

A infame repugnância de todos

Os livros há muito já folheados -

Não os agüento mais.

Vem, precisamos sair da cidade

Para muito longe.

Vamos deitar-nos em

Suave gramado.

Ameaçadores e tão abandonados,

Contra o absurdamente grande,

Mortalmente azul, brilhante céu,

Levantaremos mãos choradas

E encantados,

Descarnados, apáticos olhos."

Sempre carrego esse poema comigo, sempre o leio quando me sinto mal. Não sei por quê. Uma mania talvez.

Décimo nono andar.

Guardo o poema.

Vigésimo terceiro andar.

Começo a tremer e luto para me controlar. Respiro fundo. Me lembro de mil coisas que não fazem sentido, talvez seja um artifício involuntário para que me sinta mais calmo.

Tudo passa pela minha cabeça.

Aonde está o Leandro nesta hora em que preciso tanto do apoio dele?

Vigésimo sexto andar.

Um suspense digno de filmes do Hitchcock me acomete.

Olhando para o espelho eu digo:

__Eu sou Naomi Watts. Eu sou Diane Selwyn. Eu sou um babaca idiota.

Rio sozinho. Um riso nervoso.

Respirando fundo, viro-me para a porta.

Vigésimo sétimo andar...

Vigésimo oitavo andar...

Vigésimo nono andar...

Trigésimo andar. Cobertura.

A porta se abre e o que eu vejo são Marcelo e Leandro parados diante de mim, esperando o elevador.

Marcelo está abraçado à Leandro, com seu braço envolvendo o pescoço dele. Ambos sorrindo, mas assim que me vêem o sorriso desaparece.

Nós três ficamos atônitos, sem saber o que falar, ou como agir.

A porta do elevador fica aberta por uns dez segundos e ninguém faz ou diz nada.

Os dois me olham incrédulos enquanto eu os olho da mesma forma.

A porta do elevador se fecha e eu imediatamente aperto do botão do térreo.

O elevador começa a descer e eu sem conseguir me segurar vomito um líquido meio esverdeado que não faço a mínima idéia do que possa ser.

Limpo minha boca com as costas da minha mão direita e quando o elevador chega ao térreo eu saio em disparada sem saber para onde ir.

valdenide

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Comentários

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o texto é sensacional...bem narrado, embalado por boa música...uma pena que não encontro a continuação em lugar algum...

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Gay Mor, ele vem até em capítulos, então, vou apostar tudo no romance, rs...

Valdenide, quando irá postar o próximo capítulo?

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Onde eu leio o resto da história?

Até agora, é o único neste site que conhece as regras de bom português.

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