Entre Irmãos - Viagem e Fuga

Da série Entre Irmãos
Um conto erótico de Mateus
Categoria: Gay
Contém 2005 palavras
Data: 20/12/2025 22:50:55
Última revisão: 20/12/2025 23:04:47
Assuntos: Beijo, Gay, moto, Traição

O que aconteceu entre Rafael e eu, naquela noite, não foi um acidente. Também não foi exatamente um impulso. Foi um deslizamento lento, como quase tudo na minha vida.

Eu soube disso quase no instante seguinte, quando o silêncio voltou a ocupar o espaço entre nós, pesado demais para ser apenas consequência da noite. Havia algo ali que não cabia na ingenuidade e, talvez, nunca tivesse cabido.

Na varanda escura do casarão da exposição, longe das luzes, do barulho e das vozes conhecidas, eu senti algo que já conhecia bem: a vertigem de estar onde não deveria e a sensação de que eu gostava daquele perigo.

Rafael se aproximou com um sorriso torto, confiante demais para quem sempre se disse invisível. Havia nele uma energia bruta, uma mistura de desafio e curiosidade que não pedia permissão. E eu, que sempre observava antes de agir, percebi ali que não era apenas um simples objeto daquela aproximação, eu também estava fazendo uma escolha.

Nossa transa foi rápida, contida, quase furtiva. Um momento roubado, dois corpos que se aproximam só o suficiente para prometerem mais do que entregam. Nada foi dito, porque tudo já estava entendido.

Eu voltei para casa com o corpo quente, a cabeça em desalinho e o coração acelerado, não por culpa, mas por consciência do que eu havia feito. Pela primeira vez, eu sabia exatamente o que estava fazendo. Pela primeira vez desde Leandro, eu sentia que não estava apenas sendo levado pelas mãos de alguém mais velho, mais seguro, mais decidido. Havia escolha ali. Havia cálculo. E isso me assustou, e me excitou, na mesma medida.

E decidi não contar nada a Heitor. Não por lealdade. Nem por medo. Mas porque entendi, com uma clareza quase cruel, que a informação era poder. E, pela primeira vez, o poder não estava apenas nas mãos dos outros.

Heitor, sem saber de nada, sentiu mesmo assim. Sentiu no meu jeito, mais silencioso, mais atento, menos entregue. Sentiu nos intervalos entre mensagens, na forma como eu o olhava, como quem observa algo que ainda não decidiu se quer guardar ou soltar. Isso o deixou inquieto, possessivo em silêncio, mas também mais empenhado, mais presente, como se pudesse me recuperar apenas pelo peso do próprio corpo no mundo.

Julia, por outro lado, apertava o cerco. Ela falava em planos, em fotos juntos, em aparecermos mais como casal. Me chamava de “meu” com uma naturalidade que me sufocava. Não era amor, eu percebi isso com desconforto, era projeção. Julia queria o encaixe perfeito: o rapaz certo, a aparência certa, a história certa para contar. E eu já não cabia ali.

Rafael… Rafael observava. Não dizia nada diretamente, mas sorria demais. Aproximava-se demais. Tocava o meu braço como quem testa uma ferida. Não havia ternura ali, eu sabia disso. Havia provocação. Uma vontade quase infantil de desestabilizar tudo ao redor, Heitor, Julia, a família inteira, usando o próprio desejo como ferramenta.

Só que, nos dias seguintes, eu passei a enxergar com clareza o tabuleiro em que estava inserido.

Heitor me desejava com intensidade e posse silenciosa. Não dizia, mas agia como se eu fosse algo a ser guardado, protegido, moldado por ele. Júlia, por sua vez, queria o que eu poderia representar: estabilidade, imagem, confirmação social. Um namorado perfeito para a menina perfeita. E Rafael… Rafael parecia querer o caos. Me usar como fissura, como provocação, talvez como vingança muda contra uma família que nunca o viu e o apreciou de verdade.

E eu, longe de ser apenas ingênuo, percebi tudo isso.

Havia em mim uma quietude que enganava. Por trás do menino introspectivo, leitor solitário, havia alguém que aprendera cedo a sobreviver observando, cedendo quando necessário, mas guardando para si o poder da escolha. E, agora, eu percebia algo que demorara anos para aprender: todos queriam algo de mim, mas ninguém me via por inteiro.

Leandro me quis como fuga do casamento apressado, das pressões da família, da vida de trabalho a que ele fora submetido tão cedo. Heitor me queria como descoberta e posse. Julia me queria como espelho social. Rafael me queria como arma contra a família.

Então, pela primeira vez, decidi querer algo de volta.

Não era vingança. Não era crueldade. Era experiência. Era desejo. Era controle.

Mas eu também sabia: não era possível sustentar tudo ao mesmo tempo. Era preciso fazer uma escolha.

A decisão veio numa tarde fria, quando Júlia apareceu com aquele sorriso doce demais, falando de planos, de futuro, de como “todo mundo” já nos via como um casal. Eu senti o peso daquilo como um aperto no peito, mas, desta vez, não havia mais volta. Não podia mais me esconder atrás do silêncio.

— Júlia… — eu disse, a voz baixa, séria — A gente precisa parar com isso.

Ela não gritou. Não chorou. Apenas ficou rígida, os olhos perdendo o brilho ensaiado, mais ferida no orgulho do que no coração.

— Você tá dizendo que não gosta de mim?

Eu respirei fundo, mas não recuei.

— Eu gosto. Mas não do jeito que você quer. E continuar fingindo seria pior. Não seria justo comigo, não seria justo com você. E eu preciso de espaço – respondi, com uma firmeza que ela nunca tinha visto em mim.

Foi ali que algo se quebrou. Não de forma barulhenta, mas definitiva.

A decisão estava tomada. Quando cheguei em casa, encostei a cabeça no encosto do sofá, fechando os olhos enquanto meus dedos pressionavam as têmporas, como se pudesse conter a enxurrada de pensamentos que me invadiam.

Não era apenas o término, era o peso de admitir, finalmente, que havia algo muito maior do que o medo da solidão ou a comodidade de um relacionamento que já não me preenchia. Algo que me queimava por dentro há mais de um mês, que me fazia acordar suado no meio da noite, que me deixava duro só de pensar no cheiro de outro homem: de Heitor.

Eu estava sozinho em casa nesse dia. Mandei mensagem para Heitor no mesmo dia contando sobre o rompimento com sua irmã, com Júlia. Ele não escondeu a satisfação, embora tentasse. Não comemorou abertamente, mas havia nele um alívio quase infantil, como se o mundo tivesse voltado ao eixo correto.

O barulho da campainha me fez abrir os olhos. Quando abri o portão, Heitor entrou, a jaqueta aberta revelando a camiseta justa que colava no torso magro. Os cabelos pretos, lisos, estavam bagunçados, como se ele tivesse passado a mão neles várias vezes durante o trajeto até a minha casa. Seus olhos azuis, quase cinzas sob a luz fraca, encontraram os meus imediatamente, e um sorriso lento, quase predatório, se desenhou em seus lábios.

— Então? — Heitor falou, quebrando o silêncio — Desfez a merda?

Eu engoli em seco, sentindo a garganta seca.

— Desfiz.

Heitor não disse nada. Apenas se aproximou, os passos firmes fazendo o assoalho ranger levemente, até parar na frente do sofá. Abaixou-se, apoiando as mãos nos meus braços, os dedos quentes queimando através da minha pele. Seu hálito quente misturava cheiro de menta quando sussurrou:

— E agora? Vai ficar aí se remoendo ou vai fazer alguma coisa com essa liberdade toda?

Eu senti o calor subir pelo meu pescoço. Não era só a proximidade, era a promessa na voz de Heitor, a maneira como seus olhos percorriam o meu corpo como se já o conhecessem íntimo demais. Como se soubessem exatamente onde tocar para me fazer queimar.

Para fugir dos olhares, dos comentários e da tensão crescente, eu tive uma ideia simples e ousada. Uma viagem, não como fuga, mas como suspensão. Um intervalo onde nós pudéssemos existir sem plateia.

— Vamos passar o fim de semana na casa da minha avó — disse, quase casualmente, a voz mais firme do que eu esperava — É numa cidade aqui do lado, maior, lá é mais tranquilo. A gente pode… respirar. Ninguém vai nos incomodar.

Heitor ergueu uma sobrancelha, o sorriso se alargando.

— Tá me convidando pra um final de semana romântico, Mateusinho?

— Tô te convidando pra sumir comigo — eu segurei o olhar, sem piscar — Sem volta.

O silêncio que se seguiu foi carregado, elétrico. Heitor se endireitou, passando a língua pelos lábios de uma maneira que fez o meu estômago revirar.

Ele aceitou sem pensar duas vezes.

Fomos de moto, no dia seguinte cedo. A estrada serpeava entre morros verdes, o asfalto tremeluzindo sob o sol da manhã, cortando o interior de Minas, o vento frio, o cheiro de terra e mato. Eu segurava firme na cintura de Heitor, me apertando contra as costas dele, sentindo o corpo dele como um ponto de ancoragem. Era uma intimidade simples que dizia mais do que qualquer palavra.

O vento batia em meu rosto, levando embora os últimos resquícios de dúvida. Não havia espaço para arrependimentos ali, não com o corpo de Heitor tão próximo, os músculos das costas se movendo a cada curva, o cheiro de couro da sua jaqueta invadindo minhas narinas.

Nós paramos apenas uma vez, em um posto de gasolina vazio às margens da BR, onde Heitor desceu da moto com um movimento fluido e esticou os braços, as costuras da jaqueta rangendo. Eu o observei enquanto tirava o capacete, os cabelos pretos colados na testa.

Heitor pegou uma garrafa d’água e tomou um gole longo, a garganta trabalhando. Depois, sem dizer nada, ofereceu a garrafa a mim, que a aceitei, sentindo os dedos de Heitor roçarem nos meus por um segundo a mais do que o necessário.

— Quanto tempo ainda? — perguntei, passando a língua pelos lábios úmidos.

Heitor olhou para o céu, onde algumas nuvens começavam a aparecer suspeitas.

— Uma hora. Talvez menos, se apressarmos.

Eu não respondi. Apenas devolvi a garrafa e me aproximei dele, os dedos tremendo levemente quando toquei o zíper da jaqueta de Heitor. Ele não se moveu, apenas observou enquanto eu abria a jaqueta dele devagar, expondo a camiseta que colava no peito. O ar frio da manhã fez os mamilos de Heitor endurecerem sob o tecido, e eu não resisti, estendi a mão, passando a ponta dos dedos sobre um deles, sentindo o pequeno nódulo duro através da camiseta.

Heitor soltou um som baixo, quase um rosnado, e agarrou o meu pulso antes que eu pudesse recuar.

— Cuidado, gatinho — sua voz era áspera — A estrada não é lugar pra brincadeira.

Eu sorri, um sorriso lento e perigoso que eu não reconhecia em mim mesmo.

— Quem disse que tô brincando?

Heitor me empurrou contra a moto com um movimento brusco, o tanque frio pressionando as minhas costas. Suas mãos subiram pelos meus braços, me imobilizando enquanto a boca dele descia sobre a minha com uma fome que nos deixou sem fôlego. Os lábios de Heitor eram quentes e exigentes, a língua invadia minha boca como se fosse dono dela há anos. Eu gemia, arqueando o corpo contra o de Heitor, sentindo a ereção dura através das calças de ambos.

Quando Heitor finalmente se afastou, seus olhos estavam escuros, as pupilas dilatadas.

— Vamos — sua voz era rouca — Antes que eu te foda aqui mesmo, no meio do nada.

Eu não discuti. Subi na moto novamente, mas, dessa vez, quando me apertei contra Heitor, foi com uma intenção diferente. Minhas mãos deslizaram para baixo, roçando a virilha de Heitor antes de se acomodarem em seu quadril. Eu o senti estremecer, e isso me encheu de um poder intoxicante.

— Apressa, então — falei — Tô com pressa.

Heitor ligou a moto com um movimento brusco, o motor rugindo como um aviso. Nós partimos em velocidade, deixando para trás apenas a poeira e o eco de nossos corpos famintos.

Quando chegamos, fomos muito bem recebidos pela minha avó, que nos acolheu com muita alegria. Minha avó adora um homem bonito, acho que puxei dela (rs), e logo encheu de paparicos a Heitor. Rodamos a cidade, fizemos compras com a vovó, almoçamos, paramos para comer pastel na feira, caminhamos pelas ruas calmas, passeamos no rio ao final da tarde, rimos sem pressa, algo raro para nós dois. O fim de semana passou em passos curtos: caminhadas sem destino, café forte pela manhã, risadas baixas, silêncios bons.

(continua)

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Comentários

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NÃO ACHO CERTO O QUE FEZ E FAZ COM HEITOR. PURA TRAIÇÃO. TB NÃO SEI DIZER NADA SOBRE RAFAEL. MAS NÃO ACHEI CERTO MESMO.

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