Ela se levantou, e com um único movimento rápido, puxou o vestido por cima da cabeça. Por baixo, não havia nada. Nada além da pele cor de mel, dos seios firmes com mamilos eretos e escuros, da curva suave da sua barriga, e do triângulo negro e sedoso entre as suas pernas. Ela era um espetáculo de cor e desejo, e ela sabia disso. Ela se postou na minha frente, dona de si, dona do momento, dona de mim.
— Na cama… — Ela ordenou, apontando.
Eu obedeci, cambaleando para trás com as calças ainda enroscadas nos tornozelos, até cair no colchão firme. Ela veio por cima de mim, montando minhas coxas, sua pele quente contra a minha. Aquele cheiro de jasmim encheu meus pulmões.
Ela se inclinou para a frente, seus seios roçando no meu peito, e capturou meus lábios num beijo mais lento, mais profundo, mas não menos intenso. Eu pude sentir o seu próprio desejo, sua umidade quente contra o meu abdómen.
— Eu preciso de você dentro de mim. Agora!
A ordem veio com um choque elétrico direto na minha espinha. “Agora!” A urgência não era um pedido. Era um fato. Uma lei da física que meu corpo já obedecia antes que minha mente pudesse processar.
Minhas mãos encontraram seus quadris, a pele quente e suave sob minhas palmas, e eu a guiei enquanto ela afundava sobre mim num único movimento fluido e decisivo. Um gemido rouco, quase um rugido, escapou da minha garganta.
— Caralho, mulher! Assim eu não resisto.
Penetrei de uma vez. Lentamente, mas sem parar. A sensação de ser envolvido por ela era avassaladora. Um aperto perfeito, úmido e incrivelmente quente, que me engoliu por completo.
Seus olhos não se afastaram dos meus. Ela prendeu o lábio inferior entre os dentes, uma expressão de pura concentração e prazer, e começou a se mover. Um ritmo lento, profundo, experimental. Cada elevação era uma tortura doce, cada descida, uma afirmação de posse.
— Assim… — Ela gemeu, manhosa.
Suas mãos se apoiaram no meu peito, seus dedos pressionando minha carne, enquanto ela cavalgava, encontrando um ângulo que fazia seus olhos se retirarem pelo tesão..
— Isso… Ahhhhhhh… Jorge… bem aí.
Ela se curvou para trás, arqueando a coluna, oferecendo seus seios à luz baixa do quarto. Eu me ergui, incapaz de resistir, e capturei um dos mamilos duros com a boca. Chupei, lambi, usei meus lábios e minha língua enquanto minhas mãos agarravam suas nádegas firmes, ajudando-a a manter o ritmo.
Suas unhas se cravaram no meu peito, uma picada aguda de dor que se transformou instantaneamente em combustível. Ela estava em toda parte. O cheiro de suor misturado ao jasmim, o som úmido dos nossos corpos se encontrando, o sabor da sua pele, a visão do seu rosto transformado pelo êxtase.
Seu ritmo diminuiu, ficando mais irregular, mais desesperado.
— Não… não tão rápido… — Ela ofegou, mas seus quadris continuavam a martelar contra mim, contradizendo suas palavras.
Ela estava perdendo o controle que tão arrogantemente demonstrava ter minutos antes.
Deitei-a de costas no colchão, invertendo nossas posições sem nunca sair de dentro dela. A surpresa brevemente ofuscou o prazer no seu olhar, seguida instantaneamente por uma aceitação selvagem. Ela envolveu minhas pernas com as dela, me forçando a ir cada vez mais fundo.
— Me olha… — Ela ordenou, com um fio de tensão, misturado ao prazer, na voz.
Eu abri os olhos que nem percebi ter fechado. Ela estava debaixo de mim, o cabelo espalhado como uma auréola negra, os lábios inchados dos nossos beijos, o corpo todo corado. Eu me apoiei em um braço, e com a outra mão, pressionei o dedão contra o clitóris inchado e sensível, em movimentos lentos e calculados.
— Ahhhhhhhhh… puta que pariu… que delícia… — Ela gritou. Um som alto, sem qualquer restrição.
Seu corpo se contraiu violentamente, espasmos descontrolados, que quase me fizeram explodir ali mesmo.
— Continua! — Ela implorou, com os olhos vidrados. — Por favor, não para.
Eu obedeci, com estocadas mais curtas e rápidas, mantendo a pressão firme exatamente onde ela mais precisava. Cada músculo do seu corpo estava tenso, um arco prestes a ser disparado. Sua respiração era uma série de ganidos curtos e ofegantes.
— Eu vou… Jorge, eu vou… Ahhhhh…
A frase morreu em um gemido longo e contínuo quando a segunda onda a atingiu. Mais forte que a primeira. Seus dedos agarraram os lençois, seus tornozelos trancaram minhas costas, e eu senti cada pulso, cada contração íntima arrancando pedaços de sanidade. Ela tremia incontrolavelmente, um riso de puro desespero e prazer escapando entre os lábios.
— Ahhhhh… Jorge…. Ahhhhh…
Ver aquilo, sentir aquilo, foi o estímulo final. Enterrei-me nela até o fim, meu próprio gemido abafado no pescoço suado de Bia, enquanto eu jorrava, ondas intermináveis de um alívio cego e absoluto.
Ficamos assim por um tempo que não pude medir, o único som era a nossa respiração ofegante tentando encontrar um ritmo normal. Nosso suor misturava-se num só. Eu ainda estava dentro dela, sentindo as últimas contrações fracas dos nossos orgasmos.
Ela finalmente abriu os olhos. O olhar desafiador tinha ido embora, substituído por uma languidez pesada, satisfeita. Um sorriso pequeno e torto apareceu em seus lábios.
— Ainda não acabou… — Ela sussurrou ofegante.
Sua mão desceu pela minha barriga, seus dedos fechando-se de novo em volta do pau ainda sensível, entrando em repouso, ainda melado dos nossos fluídos.
Eu estava mole, esvaziado, mas sob o toque dela, um surpreendente e teimoso tremor de interesse percorreu minha espinha. Ela me olhou, o desafio voltando aos poucos aos seus olhos escuros.
— Você acha que aguenta outra? — Ela provocou.
Não sei se foi o desafio, ou o tesão falando mais alto. Ou apenas o imenso desejo que aquela mulher despertava em mim. Com a pica endurecendo rapidamente, a coloquei na posição com uma força que surpreendeu até a mim, virei-a de bruços, seu corpo cedendo com um impacto suave contra os lençóis.
Ela tentou se erguer sobre os cotovelos, fingir resistência, mas minha mão na sua nuca a pressionou para baixo, gentil mas implacável. Eu a dominei sem esforço, esfregando o pau naquela bunda redonda e irresistível.
— Jorge … — Meu nome saiu dos seus lábios em um sussurro rouco.
Minha resposta foi física, não verbal. Meus joelhos se encaixaram atrás dos dela, abrindo suas pernas. A cabeça do pau já estava pressionando a entrada. Eu não entrei devagar. Não havia mais espaço para delicadeza, apenas para a verdade crua do que éramos naquele instante. Um único movimento profundo, e eu estava dentro, afundando naquele aperto perfeito que me fez ver urrar de prazer.
— Que buceta quente, apertada… você é gostosa demais.
Ela gritou. Um som gutural, rouco, que se transformou num longo e profundo gemido quando eu já estava completamente dentro dela.
— Então mete, seu puto. Fode essa buceta. ahhhhhhh…
Suas costas arquearam violentamente, seus dedos se enterrando nos lençóis.
— Meu Deus… — a voz dela saiu truncada, abafada pelo colchão.
Minhas mãos agarram seus quadris com uma força que eu sabia que deixaria marcas. Marcas que eu queria que ela sentisse no dia seguinte e se lembrasse de mim.
Eu retirei o pau quase todo, uma tortura lenta e merecida, e voltei a empurrar até o final, a preenchendo completamente uma segunda vez. Uma estocada firme e precisa que a fez gemer alucinada.
— Isso… — Ela empinou mais a bunda. — Assim… fode essa buceta. Ahhhhhh…
Aumentei o ritmo. Cada investida era uma afirmação, cada impacto dos meus quadris contra as suas nádegas, um estampido úmido no quarto silencioso. Ela se lançava de encontro a cada uma das minhas estocadas, empurrando o quadril para trás com uma urgência desesperada.
Eu me inclinei sobre suas costas, e enterrei o rosto no seu pescoço. Seu cheiro era intoxicante, jasmim e sexo. Meus lábios encontraram a pele salgada do seu ombro, e eu a mordi. Não com força para machucar, mas com a precisão necessária para marcar. Para possuir.
Ela gemeu ainda mais alto. Seu interior se contraindo em volta do meu pau, ordenhando a pica involuntariamente.
— Você gosta disso? — Provoquei. — Gosta de me sentir tão fundo em você?
Sua resposta foi um murmúrio desconexo, palavras quebradas pelo ritmo que eu mantinha estável.
— Sim… por favor… não para…
Eu a puxei pelos quadris. Ela estava entregue, vulnerável, e ainda assim, bela. Eu conseguia ver tudo, a curva das suas nádegas inchando a cada impacto, o modo como ela se abria para me receber, a umidade que tornava o movimento fácil, obsceno.
— Jorge, eu vou… mais forte… não para… Ahhhhhhh… — Ela gemeu, numa mistura de súplica e aviso.
— Então vai. — Ordenei, meu próprio controle prestes a se quebrar. — Goza pra mim.
Foi o que bastou. Seu corpo estremeceu violentamente, e um longo, definitivo gemido ecoou no quarto.
— Ahhhhhhhhhh…
Suas contrações foram intensas, espasmos ritmados que me sugaram, me apertaram, me ordenaram que a acompanhasse. E eu não resisti. Enterrei-me nela até as profundezas, meu próprio orgasmo explodindo em ondas cegas e silenciosas, meu corpo trêmulo colado ao dela.
Ficamos imóveis, presos um ao outro, nossa respiração ofegante formando um único som. Eu sentia o coração dela batendo acelerado contra o meu através das nossas peles.
Aos poucos, meu corpo afundou sobre o dela, e eu a virei para mim. O beijo foi mais calmo, o abraço mais carinhoso, apenas uma recompensa mútua, uma vontade de nunca mais nos soltarmos.
Meu pau, ainda sensível, escorregou para fora. Eu rolei para o lado, caindo de costas ao lado dela, exausto, esvaziado, glorificado. O quarto cheirava a nós, a sexo consumado, a poder cedido e retomado.
Ela virou a cabeça para o lado no travesseiro, seus olhos brilhando de satisfação. Um pequeno sorriso, lento e vitorioso, nasceu em seus lábios.
— Você acabou comigo.
Eu virei para encará-la, o cansaço doce pesando meus membros.
— Valeu muito a pena…
Ela sorriu. Sua mão, lenta e preguiçosa, deslizou pela cama até encontrar o meu braço. Seus dedos se entrelaçaram aos meus. Um suspiro profundo, mais um tremor, e nosso suor começou a esfriar na pele. Aquele silêncio pesado e doce que vem depois do mundo voltar a fazer sentido.
Eu estava esgotado, cada músculo mole, mas com a mente tranquila. Até que a voz dela cortou o ar, já com aquele carinho familiar.
— Precisamos de uma pausa. — Ela não perguntou. Declarou.
Antes que eu pudesse articular qualquer pensamento, ela me puxou para cima. Meu corpo reclamou, pesado e satisfeito, mas obedeceu. Ela me levou, nu e cambaleante, pela sala escura até a luz suave que vinha de uma porta entreaberta. O banheiro.
O ar mudou instantaneamente poucos segundos após ela ligar o chuveiro. Ficou úmido e quente, cheirando a vapor e aquele mesmo jasmim que era a assinatura dela. A banheira era grande, de cantos arredondados, e a água corria de uma torneira vintage, criando uma névoa que embaçava os azulejos. Bia se moveu cantarolando, feliz, ajustando a temperatura com uma virada de pulso, testando a água com a ponta dos dedos.
— É disso que a gente precisa. — Ela olhou para mim por cima do ombro, um longo olhar que percorreu meu corpo desde os pés até o rosto. — Para nos recompor.
Ela entrou na água primeiro, num movimento gracioso que fez a água ondular em torno das suas pernas, dos seus quadris, até que ela se afundou completamente, apenas a cabeça ficando para fora. Seu cabelo flutuou em torno dos ombros como um jardim de algas. Seus olhos fecharam por um segundo, um suspiro de puro prazer escapando de seus lábios.
— Está esperando um convite por escrito, Jorge? — Ela murmurou, os olhos ainda fechados, um sorriso pequeno nos lábios.
Namoramos mais um pouco na banheira. Carinhos e carícias, beijos, confidências, apenas duas pessoas que queriam estar juntas, independentes do mundo fora daquele apartamento.
Fizemos amor mais uma vez, e dormimos colados. Não fizemos planos ou promessas, escolhemos viver o momento.
Na manhã seguinte, ao acordar, meu corpo ainda insistia em permanecer naquele lugar macio onde a noite anterior aconteceu. Por um instante, fiquei de olhos fechados, sentindo o cheiro do travesseiro, o cheiro dela, ainda impregnado nos lençóis. Mas então, ouvi um barulho suave vindo da cozinha. Panela, xícara, alguma coisa sendo mexida com cuidado.
Levantei, peguei a cueca do chão e me vesti. caminhei em direção ao som. No meio do caminho, passei pela sala e parei. “Como eu não tinha visto aquilo ontem?” Uma parede inteira estava tomada por esculturas pequenas, delicadas, feitas à mão. Não eram peças aleatórias: eram cenas. Histórias. Momentos do cotidiano que quase ninguém presta atenção, mas que ali ganhavam vida: Um pipoqueiro cercado por crianças; uma mulher tomando café numa pracinha; um senhor alimentando pássaros… Cada figura parecia respirar, como se tivesse sido moldada direto da memória de alguém que realmente vê as pessoas e suas rotinas simples.
Eu fiquei ali parado, admirando, sem perceber o tempo passar, hipnotizado. Parecia que cada escultura tinha algo para me contar. Uma quietude, uma verdade, uma poesia escondida.
Só saí do transe quando senti o calor de uma caneca encostar na minha mão.
— Dormiu bem? — Bia perguntou, num sorriso que iluminava o mundo ao redor.
Me virei para ela, e por um momento pensei que talvez nenhuma das esculturas daquela parede tivesse tanta vida quanto ela ali, na minha frente, cabelo preso de qualquer jeito, uma camisa larga, e aquele olhar que me encantava.
— Dormi. — respondi, pegando a caneca. — Melhor do que eu merecia.
Ela riu baixinho, e beijou minha bochecha.
— Que bom, porque eu estava com medo de você acordar achando que… sei lá, que a noite tinha sido exagero, impulso, coisa assim.
Dei um gole no café, só pra ganhar um segundo a mais de coragem.
— Bia… — Comecei, sentindo o nome dela na minha boca como uma música. — Eu não acordo de uma noite como a de ontem achando nada ruim. Se eu pudesse repetir, eu repetia. Se eu pudesse voltar no tempo, teria sido mais direto e ativo.
Ela baixou os olhos por um instante, escondendo um sorriso tímido.
— Eu fiz café… e umas torradas. Não sabia se você gosta de coisa doce ou salgada, então fiz tudo.
— Eu gosto de você fazendo tudo. — Disse, sem conseguir segurar.
Ela olhou pra mim, com aquele sorriso safado que me deixava louco.
— Jorge… não fala assim logo cedo.
— Desculpa. — Sorri. — Meu filtro não acordou ainda.
Ela riu de novo, uma risada gostosa, leve, e eu pensei que talvez o mundo todo pudesse caber naquele som.
— Senta. — Ela disse, puxando uma cadeira. — Antes que o café esfrie.
E eu sentei. Olhando pra ela, para a parede cheia de histórias, para a manhã que já se transformava em tarde, ainda embriagado da noite que a gente viveu. E pensando que, depois de um bom tempo, eu acordei e não senti falta de absolutamente nada.
Enquanto eu tomava o café devagar, apreciando mais o ambiente, a nova oportunidade que a vida me oferecia, do que a bebida, um som inesperado cortou o silêncio confortável, o ruído rápido de uma impressora trabalhando.
Antes mesmo que eu perguntasse, Bia falou:
— Alguém comprou uma peça.
Ela disse com a naturalidade de quem está acostumada a ver suas criações ganhando o mundo, mas ainda assim com um brilho leve nos olhos que entregava um certo orgulho.
Eu fiquei observando ela pegar o papel que acabou de sair da impressora, conferir os dados, e caminhar até uma prateleira organizada com suas esculturas. Os dedos dela percorreram as peças com carinho, como se estivesse cumprimentando cada uma… até parar numa escultura que me deixou sem ar: Um casal numa bicicleta dupla. Eles passavam por uma poça d’água, e o artista, ela, tinha capturado o exato instante em que a água espirrava para os lados, congelada no ar. A mulher, na garupa, sorria feliz, com as pernas erguidas, agarrada à cintura do homem. Os detalhes eram tão reais que eu quase ouvia a risada dela.
— Incrível… — Deixei escapar, sem perceber que tinha falado alto.
Bia não comentou, mas o canto de sua boca se ergueu, orgulhoso, enquanto ela envolvia a peça com plástico bolha, com um cuidado quase materno. Depois encaixou tudo numa caixa própria, lacrou, etiquetou. Um movimento fluido, treinado, mas ainda cheio de alma.
Eu continuei ali, sentado à mesa de cueca, com minha xícara entre as mãos, sem fazer nada além de olhar. E sentir. E tentar entender como aquela mulher conseguia ser tantas coisas ao mesmo tempo.
Ela terminou a embalagem, veio até a mesa e pegou um caderno de desenhos. Folheou algumas páginas cheias de rabiscos, estudos, rascunhos… e começou outro, ali mesmo.
— Quer ajuda com alguma coisa? — Perguntei, me levantando.
— Não. — Ela disse, concentrada. — Fica assim mesmo. Do jeito que você está.
— Assim como? — Perguntei, meio sem graça, meio curioso.
Ela não respondeu. Só movimentou o lápis com uma velocidade surpreendente, como se cada traço já estivesse pronto antes de encostar no papel.
Fiquei imóvel. E, ao mesmo tempo, vulnerável. Em poucos minutos ela virou o caderno para mim, com um sorriso de satisfação e timidez ao mesmo tempo.
Era eu no desenho. Sentado à mesa, caneca na mão, cabelo ainda bagunçado da noite que a gente teve. Mas do jeito como ela me enxergava. Calmo. Intenso. Real.
— Esse sou… — minha voz falhou um pouco. — Eu?
— Sim. — Ela guardou o lápis atrás da orelha. — Minha próxima peça. “Um café para Jorge”. Se você deixar, claro.
Eu sorri, meio emocionado.
— Deixar? Bia… eu tô é honrado.
Ela abaixou os olhos, mas não escondeu o sorriso. E naquele instante, eu sentado ali de cueca, ela com o caderno aberto, a casa cheirando a café e sonhos, eu percebi que me tornei parte do universo dela. Não só da noite passada, daquela semana no Nordeste, mas da arte, da rotina, do pequeno mundinho que ela constrói com as mãos.
Bia se levantou do sofá de repente, com um gesto rápido da mão.
— Espera aqui um minutinho.
Ela desapareceu pelo corredor antes que eu conseguisse perguntar qualquer coisa. Fiquei ali, sentado, ainda segurando o caderno com meu desenho na mente, ouvindo sons abafados de portas e caixas sendo movidas. Uns minutos depois, ela reapareceu. E quando vi o que ela carregava nas mãos, meu coração bateu mais forte: outra escultura. Um casal abraçado debaixo de um coqueiro. O homem envolvendo a mulher com carinho, os dois olhando juntos para o horizonte, como se o mundo inteiro estivesse ali, diante deles.
Eu reconheci na hora. Não era só uma cena bonita. Era nossa. Nós dois, em Sergipe. Na orla. O sol descendo devagar, pintando o mar de laranja e rosa. Eu sentia o vento quente, a areia entrando nos sapatos, e ela encostada no meu peito… do jeitinho que estava esculpido ali. Uma lembrança eternizada não apenas em nossas memórias.
Fiquei sem palavras. Bia percebeu pela expressão no meu rosto e sorriu, ainda mais tímida, quase envergonhada.
— Você já é personagem da minha arte há algum tempo. — Ela disse, baixinho.
Ela estendeu a peça para mim. E eu percebi que a mão dela tremia, mas só um pouquinho.
— Toma. É sua. Pra você lembrar da gente. — Ela disse sorrindo.
Eu me levantei devagar, como se estivesse lidando com algo sagrado. Peguei a escultura com cuidado, sem conseguir desviar os olhos dela nem por um segundo. Depois puxei Bia para um abraço, firme, encaixado, do jeito que ela sempre se ajusta em mim sem nem perceber. Beijei o topo de sua cabeça, depois seus lábios, devagar, com aquela delicadeza que só dá vontade de ter quando a pessoa realmente importa.
Acariciei seu cabelo, sentindo o perfume leve e familiar de jasmim.
— Obrigado… — Eu disse, realmente feliz pelo presente. — É uma peça incrível. De verdade.
Ela sorriu, mas esperando algo mais. Então completei:
— Mesmo que eu não precise de estímulo externo nenhum para lembrar de você… eu aceito o presente.
Os olhos dela brilharam. Não daquele jeito óbvio, romântico demais, mas de um jeito discreto, que só quem está perto consegue ver.
{…}
Os dias viraram semanas, meses, antes que eu percebesse. Eu e Bia nunca sentamos para definir nada, nunca escrevemos regras, nunca batizamos o que éramos, e talvez justamente por isso funcionava tão bem.
Era simples. Era leve. Quando queríamos estar juntos, a gente estava. Quando precisávamos respirar, o espaço aparecia, natural. E quanto mais o tempo passava, mais eu me pegava pensando nela em momentos aleatórios: no trabalho, no trânsito, na academia, antes de dormir… Era como se ela tivesse deslizado para dentro da minha rotina sem esforço nenhum, ocupando um espaço que eu nem sabia que estava vazio.
Sara e Samuel também estavam sempre por perto. Eles formavam aquela dupla que iluminava qualquer canto que entrasse, e às vezes eu tinha a impressão de que eles se divertiam mais observando eu e Bia do que com o próprio rolê.
E foi numa dessas noites tranquilas, de “vamos só beber um vinho lá em casa”, que tudo aconteceu.
O apartamento da Sara estava com aquela luz baixa, as velas acesas, um aroma de alecrim queimando numa taça velha que ela jurava que servia para aromaterapia. Na mesa de centro, uma tábua caprichada: queijos, uvas, tomate seco, presunto cru, uns pães artesanais… e um vinho chileno que eu sabia que a Sara tinha guardado “para o momento certo”.
Samuel já tinha colocado uma playlist indie meio lounge, e estava naquele ponto perfeito da bebedeira que o deixava ainda mais engraçado.
Bia estava sentada ao meu lado no sofá, descalça, com as pernas dobradas e uma taça de vinho na mão. Eu só existia ali, perto dela, sem me preocupar com mais nada.
Foi aí que Samuel, o mais boca solta entre nós, largou a bomba:
— Tá, chega. — Ele fez um gesto circular com a mão, apontando para mim e para Bia. — Vocês vão precisar me ajudar a entender isso aqui. Vocês estão namorando ou não? Porque assim… vocês não desgrudam, mas também não assumem. O que vocês são?
Eu senti o olhar dos três em cima de mim. E, honestamente, eu fiquei desconfortável. Não porque tinha algo errado, mas porque, para mim, estava tudo muito bom do jeito que estava.
Antes que eu pudesse formar uma resposta, Bia sorriu, cruzou uma perna sobre a outra e disse com a calma mais natural do mundo:
— E precisamos ser alguma coisa? — Ela ergueu a sobrancelha, olhando para Sara e Samuel. — Somos exatamente o que vocês veem. Quando queremos estar juntos, estamos… e isso basta.
Sara lançou para ela um olhar de quem conhece todos os seus segredos e disse:
— Bia… você não quer perder o Jorge. A gente sabe. — Depois virou o rosto para mim, mas falando com ela. — E talvez você não saiba, mas o Jorge é muito mais mente aberta do que vocês dois imaginam.
Eu quase ri, porque aquilo vindo da Sara era quase irônico. E foi aí que eu percebi: ela tinha esquecido que já tinha contado isso pra Bia lá no início.
Bia sorriu, interessada em responder.
— Ah, eu sei — Ela disse, pousando sua taça na mesa de centro. — Jorge já me contou.
A provocação veio doce, afiada e muito consciente. Ela virou o rosto para mim e completou, aumentando a aposta:
— Talvez devêssemos colocar isso à prova. O que acha?
O silêncio na sala mudou de temperatura na hora. Sara arregalou os olhos, Samuel se ajeitou no sofá, e eu… bem, eu senti meu coração bater mais forte. Não de susto. Mas de antecipação.
Bia inclinou o corpo para frente, mirou direto em mim, fingindo um ar de acusação brincalhona:
— Quer dizer então que você e a Sara têm todo um passado oculto, né? — Ela ergueu o queixo, teatral. — Por que não me contou a história completa? Achou que eu fosse ficar chateada?
Eu ri. Nervoso. Um riso lento, arrastado, porque eu sabia exatamente o que ela estava fazendo. Provocando. Testando. Brincando comigo. E, pelo jeito, abrindo uma porta. Uma porta que talvez, só talvez, eu estivesse pronto para atravessar.
Samuel já estava totalmente entregue ao torpor do álcool. Ele me apontou com a taça, do nada:
— Sara, conta pra ela. Você sabia, prima, que esses dois aqui foram o primeiro um do outro? — Ele disse, apontando para mim e para Sara. — E que até iam em festinhas liberais naquela época?
Eu só consegui respirar fundo e olhar para Bia, esperando reação. Mas ela jogou a cabeça para trás e riu. Riu com gosto.
— Claro que eu sabia, Samuel. — Ela olhou para mim com aquele sorriso safado que sempre me desmonta. — A Sara me contou. E vou ser bem sincera… isso só me deixou ainda mais interessada nesse homem.
Eu quase derramei vinho no peito. Sara gargalhou alto. Samuel bateu, ainda mais teatral que de costume.
— Eu falei! — Sara apontou para Bia. — Essa daí não se choca com nada.
Samuel se animou ainda mais, inchando o peito igual pavão:
— E, Jorge… — Ele disse, fazendo aquela pausa dramática irritante. — Vocês dois, você e a Bia, já são dos nossos. Tá na cara. Acho que já deu a hora de apresentar vocês pra galera.
Bia arregalou os olhos, curiosa.
— A galera está ansiosa?
— Ansiosa? — Samuel riu. — Estão loucos pra saber quem foi que fez a farrista Bia sossegar nos últimos meses. Estão roendo as unhas de ansiedade.
Bia me olhou de lado, aquele sorriso malandro que deixa tudo em câmera lenta:
— É… eu admito. Andei bem mais tranquila ultimamente. Satisfeita…
Ela ergueu o queixo na minha direção.
— Por culpa de alguém aqui.
Eu senti o rosto esquentar, mas ainda assim ri. Sara se levantou com o copo vazio, como quem vai fazer um brinde revolucionário:
— Eu voto sim.
Samuel completou:
— Os dois já fazem parte da turma sem perceber.
Eu balancei a cabeça, meio rindo, meio querendo fugir:
— Vocês não prestam…
Bia se inclinou para mim, devagar, aproximando tanto que eu podia sentir o perfume do cabelo dela. Não o suficiente pra me beijar… mas suficiente pra me desmontar inteiro.
— É sério, Jorge. — Ela disse baixinho, com aquele brilho de desafio nos olhos. — Você tem certeza de que quer conhecer os meus amigos? Porque eles são mais malucos que o Samuel.
— E isso é difícil — Samuel pontuou, orgulhoso.
Bia chegou mais perto, quase colando nossos lábios, me provocando só pela diversão:
— E aí? Vai encarar esse mundo comigo?
E eu percebi, naquele exato momento, que dizer “sim” não era pular no escuro. Era só continuar caminhando ao lado dela.
Bia parou de brincar. Foi sutil, mas eu senti. O sorriso ainda estava lá, mas os olhos… os olhos ficaram sérios, firmes. Ela colocou a taça de vinho no chão, olhando direto pra mim.
— Jorge… eu gosto demais de você. Gosto mesmo. Esse lance de paixão e tudo mais…
Eu quase engasguei com o gole de vinho que tinha acabado de dar. Mas tentei fingir naturalidade, mesmo sabendo que não convencia ninguém ali. Ela respirou fundo e continua:
— Se isso não for a sua praia… se você não se sentir confortável… eu vou entender. Mas eu quero ser honesta contigo desde o começo. Eu sou assim.
Os olhos dela brilharam, não de provocação, mas com verdade.
— Gosto de viver, de conhecer pessoas, de explorar possibilidades… de não me limitar. Se isso não for o que você procura…
Eu não deixei terminar.
— Bia. — interrompi, antes que ela criasse um universo inteiro de dúvidas na própria cabeça.
— Eu só não gosto de mentiras. Nem de falsidade. Isso, pra mim, é a única linha que não dá pra cruzar.
Ela mordeu de leve o lábio, como se estivesse avaliando cada palavra minha e eu me inclinei na direção dela, ainda segurando a taça, mas com a certeza de quem finalmente entendeu o próprio coração:
— Eu posso não ser um expert…
Por um instante, lancei um olhar para Sara e Samuel, que observavam a cena como dois fofoqueiros profissionais, e me voltei para Bia:
— Mas eu também tive meus dias de amor livre. Também explorei. Também vivi além das regras. E se for com você…
Senti o corpo dela ficar mais atento, mais próximo.
— E sempre com honestidade…
Levei a mão até a dela, sem cerimônia.
— Eu tô mais do que disposto a dar uma nova chance a esse estilo de vida.
Bia sorriu. Não o sorriso divertido de antes, mas um sorriso que parecia um começo. Um daqueles começos que a gente sente no peito, como se soubesse que a vida está mudando devagar, mas para melhor.
Samuel soltou:
— Finalmente!
E começou a provocar, como sempre. Já Sara, foi mais além.
— Vocês são dois egoístas. “Me leva com você… por você eu topo…” — Ela imitou as vozes, fazendo graça. — Mas e a Sarinha aqui? Ninguém vai convidar não?
Bia colocou a mão na testa, rindo, enquanto Samuel soltou um “ai, meu Deus”, mas antes que alguém respondesse, ele emendou:
— Mesmo que eu não goste da fruta que você tem a oferecer, Sarinha… — Ele apontou para ela com a taça quase vazia. — Eu posso te apresentar uns bofes lindos da nossa galera. E ainda tem a Bia… e também o Jorge, ué. O Jorge você já conhece bem demais.
Eu quase cuspi o vinho de tanto rir. Mas Samuel, com o álcool já estava cobrando seu preço, apontou para Bia com aquele sorriso típico dele, maldoso e sincero ao mesmo tempo:
— E nossa Bia joga pros dois lados… Ela também adora meninas…
Bia arregalou os olhos e deu um tapa no braço dele.
— Samuel! Você tá maluco? — Ela me olhou rápido, quase envergonhada, depois olhou para Sara. — Não era pra sair falando essas coisas assim…
Mas quando ela percebeu que nem eu nem Sara reagimos com choque, e muito pelo contrário, eu estava sorrindo, e Sara parecia mais curiosa do que surpresa, Bia relaxou um pouco. A vergonha deu lugar a um sorriso tímido, mas charmoso, o tipo de sorriso que ela dá quando é pega no flagra de algo que não vê problema nenhum.
Sara cruzou as pernas devagar, me olhou, depois olhou para Bia com uma malícia tão óbvia que até o Samuel percebeu.
— Relaxa, Bia. — Ela disse, inclinando um pouquinho o corpo pra frente. — Eu já tive meus casinhos lésbicos… Mas por você, minha querida… — Ela a olhou de cima a baixo, sem vergonha nenhuma. — Eu certamente posso reviver essa parte de mim.
Bia ficou ainda mais vermelha, mas sorriu, mordendo o lábio, sem saber se escondia ou se pulava em cima da Sara ali mesmo.
Samuel, vendo o circo pegar fogo, virou para mim:
— E você, Jorge? Já pensou em provar algo diferente?
Eu dei uma gargalhada, porque sabia que ele não estava dando em cima de mim, era só seu jeito provocador, e ele já tinha total liberdade para qualquer brincadeira.
— Desculpa, Samuel — Respondi. — Eu gosto demais de mulher. Acho até que meu lado feminino é lésbico.
As meninas riram, e eu continuei, olhando para Bia e Sara, fingindo analisar as duas como se estivesse avaliando uma obra de arte:
— Agora… vocês duas juntinhas… isso deve ser uma cena linda de se ver.
Bia tapou o rosto com as mãos, rindo alto. Sara jogou o cabelo pro lado, cheia de pose, como se estivesse topando o desafio.
Samuel gritou:
— EU AVISEI! ESSA TURMA VAI DAR TRABALHO!”
E eu só aproveitei o momento, o caos gostoso, livre, honesto e pensei que talvez a revelação do Samuel sobre Bia, tivesse sido só o primeiro passo para algo muito maior do que eu imaginava.
Continua…
