A festa da Billy estava ótima, música alta. Gente rindo. Cerveja gelada. Aquele clima de família escolhida que eu raramente sentia, mas então o Diego teve que estragar tudo.
Ele me puxou pro canto. Cara fechada. Olhos de quem estava segurando raiva há semanas.
— A gente precisa conversar — ele disse.
— Sobre o quê?
— Sobre você e o Felipe.
Revirei os olhos.
— Diego, não começa.
— Não começa o quê? Você só anda com ele agora. Esqueceu que eu existo?
— A gente trabalha junto. É óbvio que eu vou andar com ele.
— Mas não é só isso, Lucas. Ele dorme na sua. Vocês ficam conversando baixo, rindo de piada interna. Eu não sou idiota.
— E daí? Eu não posso ter outros amigos?
— Amigo? — Diego deu uma risada amarga. — Você acha que eu não sei o que vocês fazem?
— E o que a gente faz, Diego?
— Vocês transam.
Silêncio.
Eu poderia ter negado. Mas qual era o ponto?
— E se a gente transa? — falei, direto. — Isso te diz respeito?
— Me diz sim! Porque eu tô aqui. Sempre estive. Te ajudando. Te dando carona. Te pagando lanche. E você me trata como lixo.
— Ninguém te obriga a nada, Diego.
— Mas eu faço porque eu gosto de você, porra! — a voz dele subiu. Algumas pessoas olharam. — Eu gosto de você. E você finge que não vê.
Respirei fundo.
— Diego... eu já te falei. A gente é amigo. Só isso.
— Por quê? Por causa dele?
— Não é por causa de ninguém. É porque eu não sinto isso por você.
— Você é um filho da puta, sabia? — ele disse, voz trêmula.
— Já me chamaram de coisa pior.
Diego balançou a cabeça. Olhos marejados.
— Um dia você vai se foder, Lucas. E eu não vou estar lá pra te ajudar.
Ele saiu. Bateu a porta, e eu fiquei ali. Com raiva. Com culpa. Com vontade de quebrar alguma coisa, voltei pra festa. Peguei outra cerveja. Felipe estava conversando com a Simone. Uma das caixas, bonita. Simpática. Corpo violão, e ele estava dando em cima dela.
Tocando o braço dela. Rindo alto. Fazendo aquele charme que eu conhecia tão bem. Senti algo revirar no meu estômago, ciúme, não era ciúme de posse. Era ciúme de... sei lá. De ver ele interessado em outra pessoa, mas eu não demonstrei. Só virei mais uma cerveja. E fui pegar outra. Foi quando o Rodrigo apareceu, ele estava pegando cerveja também. Na mesma caixa de isopor que eu. Olhou pra mim. Olhos vermelhos. Bêbado.
— E aí — ele disse.
— E aí.
Ele hesitou. Olhou ao redor. E então falou, voz baixa:
— Topa fazer um job hoje?
Eu parei, olhei pra ele. Direto nos olhos, e senti a raiva que estava guardada explodir.
— Assim na cara dura? — falei, mais alto do que devia. — Não tem medo de outras pessoas ouvirem?
— Por você eu me arrisco — ele disse, tropeçando nas palavras.
E aquilo me irritou ainda mais, porque eu não era isso, eu não era um garoto de programa que ele podia estalar os dedos e eu estaria lá. Eu não era uma puta disponível 24/7 pra massagear o ego dele, eu era uma pessoa. Com vontade própria. Com dignidade. Ou pelo menos era o que eu tentava me convencer.
— Hoje não posso — respondi, frio. — Já tenho compromisso.
— Você tá pegando o Felipe? — ele perguntou, e tinha ciúme na voz.
E aquilo foi a gota d'água.
— Você anda querendo me controlar? — falei, me aproximando. — Não esquece que estou fora da empresa. Estou fora do estoque. Aqui sou livre.
— Estou querendo usufruir dos seus serviços — ele insistiu, patético.
— Mas eu não estou disponível pra você — cortei, seco. — Não quero você. E não tô precisando da sua grana. Agora dá licença.
Passei por ele. Voltei pra festa, mas a vontade de ficar tinha ido embora. Meia hora depois, vi o Felipe saindo com a Simone. Ele acenou pra mim. Sorriu. Aquele sorriso de quem ia transar.
— Até amanhã, Lucas!
— Até — respondi, fingindo que não me importava.
Mas me importava, e isso me deixava com raiva de mim mesmo. Saí da festa logo depois.
Diego estava no estacionamento. Encostado no carro.
— Quer carona? — ele perguntou, voz cansada.
— Quero.
Entramos. O caminho foi em silêncio, ele percebia que eu estava chateado. Mas não disse nada. E eu agradeci por isso, quando chegamos na minha kitnet, ele perguntou:
— Quer que eu suba? Posso fazer um miojo, sei lá.
— Não, tô de boa. Obrigado pela carona.
— De nada.
Saí do carro. Subi as escadas. Entrei na kitnet, tranquei a porta. Joguei a chave na mesinha. E fiquei ali, parado, olhando pro espaço vazio. Peguei o celular. Deitei no colchão.
Comecei a rolar o feed do Instagram, fotos de gente feliz. Casais. Famílias. Amigos, gente vivendo vidas que eu nunca teria, e então apareceu. Uma foto nova. Postada há 15 minutos, Luke Silva, sem camisa. Corpo escultural. Sunga branca. Praia ao fundo. Sorriso perfeito. Legenda: "Fim de semana perfeito 🌊☀️"
Cliquei no perfil dele, comecei a ver as fotos antigas. Os stories salvos. Luke em restaurantes caros. Luke em viagens. Luke na academia. Luke com amigos bonitos. Luke vivendo a vida que eu sonhava. E então fui pros stories atuais. Ele estava numa festa. Música eletrônica. Gente bonita. Drinks coloridos. Todo mundo rindo. Todo mundo feliz. E ele ali. Centro das atenções. Rei do pedaço. Senti meu pau endurecer. Não era só atração física. Era obsessão. Era querer não só o corpo dele. Mas a vida dele. O mundo dele. Querer ser desejado por alguém como ele. Querer, por um momento que fosse, fazer parte daquele universo. Abaixei a bermuda. Peguei meu pau, fechei os olhos, e imaginei.
Imaginei Luke me beijando. Imaginei as mãos dele no meu corpo. Imaginei ele me fodendo. Imaginei eu fodendo ele, imaginei ele gemendo meu nome. Imaginei ele dizendo que eu era gostoso. Que eu era especial, imaginei uma vida onde alguém como Luke Silva olharia pra alguém como eu, e então gozei rápido. Esperma na mão. Vergonha no peito. Limpei com papel higiênico. Joguei no lixo e larguei o celular e então dormi.
Acordei no outro dia com uma mensagem, Felipe: Cara, acabei de sair do motel com a Simone. Foi massa demais kkkkk
Li a mensagem três vezes. Senti o ciúme voltar. Mas não respondi. Deixei no vácuo. Porque eu estava com raiva. Estava confuso. Estava carente. E quando eu ficava assim, eu fazia merda. Abri o Grindr, rolei os perfis. Conversei com alguns caras, até que achei um interessante, Marcos, 45 anos. Discreto. Casado. Ativo. Foto do corpo. Sem rosto. Mas dava pra ver que era em forma, teclamos por alguns minutos. Ele era direto.
Marcos: Topo ir aí agora?
Eu: Topo
Marcos: Manda o endereço.
Mandei, vinte minutos depois, ele bateu na porta, Marcos era mais bonito pessoalmente. Quarenta e cinco anos. Cabelo grisalho. Corpo trabalhado. Barba bem-feita. Aliança no dedo. O tipo de cara "Deus, pátria e família" que no domingo tá na igreja e na segunda tá dando pra algum novinho.
— Oi — ele disse, entrando.
— Oi.
— Você é mais gostoso que nas fotos.
— Obrigado.
Não teve conversa. Não teve romantização, ele me empurrou no colchão. Me beijou. Tirou minha roupa, colocou camisinha. Lubrificante. E me comeu, forte. Rápido. Como quem tem pressa, gozei e ele gozou, e foi embora. Peguei o celular.
Eu: Arrasou. Só quem transa. Acabei de transar também, com um carinha do Grindr.
Felipe respondeu quase na hora.
Felipe: Caralho kkkkk queria tá aí transando com você e com o outro carinha
Li a mensagem, e me toquei. Será que eu estava gostando do Felipe? Ou ele só me via como amigo? Como dupla de foda? A verdade era que eu estava carente. Carente de tudo.
Amigos. Família. Namorado. Felipe tinha sido massa. Teve atração. Teve química.
Mas eu não podia estragar essa amizade. Eu não podia transformar tudo em sexo de novo. Eu precisava mudar. Mas como?
Quinta-feira. Minha folga, estava sem nada pra fazer. Sem dinheiro pra gastar. Sem ninguém pra ver. E então pensei: Por que não? Fui pro Cinema Rex. Não estava precisando de grana. Mas queria passar o tempo. Queria me sentir desejado. Queria me sentir poderoso. Porque ali, naquele lugar seboso e fedorento, eu era rei. Caras velhos. Gordos. Feios. Desesperados. Todos me querendo. Todos suplicando pelo meu corpo. Pelo meu pau. E isso me dava uma autoestima que eu não conseguia em nenhum outro lugar. Passei a tarde lá. Provocando. Sendo desejado. Recebendo propostas. Fiz programa com três caras. Ganhei 80 reais no total. E me senti bem, não feliz. Mas bem. Tive medo do Rodrigo aparecer. Mas pra minha sorte, ele não apareceu.
Algumas semanas se passaram, nada anormal aconteceu, o meu salário caiu. Meu primeiro salário completo. Fiquei feliz. Era dinheiro honesto. Fruto do meu trabalho. Não do meu corpo. Paguei minhas contas. Fiz uma feira decente. Comprei arroz, feijão, carne, frango, verduras. E ainda sobrou. Comprei um sofá. Pequeno. Usado. Mas era meu. E uma mesinha de centro. Aos poucos, eu ia montar minha casinha. Meu lugar. Ia deixar de ser uma kitnet vazia pra ser uma kitnet com cara de lar.
O Rodrigo meio que me evitava, falava comigo só quando necessário. Educado. Profissional. Acho que eu fui duro demais com ele na festa. Mas não me importei. Também notei que ele estava diferente. Mais magro. Ou eram as roupas novas. Sei lá. Mas ele parecia... melhor.
O Bernardo, sobrinho dele, falava comigo vez ou outra pelo insta, ele estava prestes a voltar pra cidade. Na próxima semana. Ia morar aqui. Trabalhar. Estudar. E até comentei com o Felipe.
— Lembra daquele moleque que a gente pegou? O Bernardo?
— Lembro. Gostoso pra caralho.
— Então. Ele vai se mudar pra cá.
— Sério? Massa. A gente podia chamar ele de novo.
— Podia.
A gente transava de vez em quando. Mas não era mais aquela coisa constante. A amizade tinha se desenvolvido. Tinha se solidificado. E isso era bom. Era bom ter alguém que me entendia. Que não me julgava. Que estava ali. E então, algumas semanas depois, o Felipe me lançou uma proposta. Estávamos fumando na área externa. Sozinhos.
— Cara, tô precisando de uma grana — ele disse. — Será que o Rodrigo não topava a gente fazer uma brincadeira com ele?
Olhei pra ele.
— Sei não. Acho que ele tá chateado comigo. Tratei ele mal uma vez.
— Porra, ficou maluco? Ele é teu chefe. Você não pode tratar ele mal.
— Ah, tava sem saco. Mas conheço o tipo dele. Só eu estalar os dedos que ele vem feito uma cadela.
Felipe riu.
— Gosto de você porque você se garante.
— Confio no meu taco.
E era verdade, eu sabia o efeito que causava. Sabia o poder que tinha sobre homens como Rodrigo. Homens carentes. Desesperados. Obcecados. Bastava dar um sinal. E eles vinham correndo.Resolvi abordar o Rodrigo, era final da tarde. Corredor de limpeza. Ele estava sozinho conferindo estoque. Me aproximei. Encostei na prateleira.
— E aí — falei, casual. — A fim de algo hoje?
Ele me olhou. Surpreso.
— Mudou de ideia?
— Que tal eu, você e o Felipe? — falei, apertando meu pau por cima da calça. Discreto. Mas ele viu. — Será que você aguenta?
Rodrigo engoliu seco.
— Tá falando sério?
— Trezentos pra cada — pisquei o olho. — Topa?
Ele ficou me encarando. Processando. E então assentiu.
— Hoje. No fim do expediente.
— Fechado.
Saí de lá sorrindo, encontrei o Felipe no depósito.
— E aí? Ele topou?
— Topou. Trezentos pra cada. Hoje à noite quando a gente largar o expediente.
Felipe sorriu.
— Caralho, Lucas. Você é foda mesmo.
— Eu sei.
E era verdade, eu sabia exatamente o que estava fazendo, sabia que estava manipulando. Usando. Jogando com o desejo do Rodrigo. Mas eu não me importava. Porque no final das contas, era trabalho. Era grana. Era sobrevivência. E eu ia fazer o que fosse necessário pra continuar vivo. Mesmo que isso significasse vender pedaços de mim, um de cada vez.
