Primeiramente, queria agradecer aos comentários dos dois primeiros capítulos. Eu fico me coçando para comentar, mas vou evitar por enquanto para não dar spoiler do que vem pela frente. Só saibam que eu vejo todos.
Segundo, esse capítulo saiu mais longo do que eu planejava a principio. Isso aconteceu, talvez, por ter sido um pouco pessoal para mim. Espero que gostem.
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A rotina de Wanda não mudou nos dias seguintes. Se não estava assistindo à aula, ela ia para a mesma biblioteca para ficar refletindo, juntando os cacos feridos pelo término do namoro. Já a minha rotina mudou quando coloquei em prática um plano logístico para surpreendê-la. Perdi a primeira aula do dia para encarar o trânsito de São Paulo, ir ao McDonald’s, comprar batatinha frita e retornar no exato momento de encontrá-la no seu momento mais reflexivo.
Cheguei à biblioteca ofegante, com a embalagem na minha mão esquerda, torcendo para que isso me fizesse superar a barreira emocional que Wanda criara. Ela estava lá, sentada no mesmo local de sempre, sozinha, olhando pela janela, observando o Campus em uma visão panorâmica, onde se destacava o verde das árvores.
Aproximei-me devagar, meu coração acelerado. Sentei-me na cadeira ao lado e coloquei a embalagem ainda fechada na mesa. Wanda, enfim, percebeu minha presença. Apesar de triste, ela me olhou curiosa e surpresa.
- O que é isso?
- Batatinha frita – respondi com um sorriso de canto de boca, tentando desarmá-la.
Ela me encarou por um instante. Seu rosto estava impassível e, até certo ponto, indecifrável. Sim, ela estava arrasada, mas havia algo a mais naquela falta de reação que não pude entender naquele momento: um cansaço, talvez. Ela olhou novamente para a embalagem, e então, pareceu entender o que aquilo significava.
- Não estou com fome, desculpa.
Fiquei sem reação. Impassível, ela virou o rosto novamente para a visão do Campus, mantendo-se em silêncio, me fazendo parecer um ser inanimado.
Por uns segundos, refleti se deveria sair dali, deixá-la sozinha com seus pensamentos, mas algo me obrigava a manter-me ao lado dela. Resolvi seguir esse instinto. Abri a embalagem e o cheiro característico e viciante da batatinha espalhou-se pelo ar, uma ofensa culinária naquele ambiente de estudo.
- Tudo bem, eu como por você.
Percebi que ela baixou o olhar por um instante, mas continuou calada. Também permaneci em silêncio. Comi a batatinha toda e nada mudou além disso. Até que ela avisou que iria embora e saiu sem me dar tchau, para minha completa frustração.
Não desanimei, porém. No dia seguinte, encarei a mesma logística para levar outra porção de batatinha frita, mas ela não estava lá. E não apareceu durante todo o tempo em que estive lá. Talvez ela não tivesse ido à aula. Para o estado de espírito dela, uma falta era bem possível. Frustrado mais uma vez, comi tudo sozinho.
No terceiro dia, porém, me certifiquei de que Wanda tinha ido à aula. Quando a vi entrando na sala, saí para comprar mais batatinha frita, na correria de sempre. Cheguei à biblioteca e, mais uma vez, ela não estava lá. Sentei-me na mesma mesa com aspecto derrotado, mãos no rosto, desolado. Concluía que minha ideia inocente teve um efeito contrário nela, afastando-a mais ainda de mim. Se Vitor quebrara o seu mundo, agora ela tinha quebrado o meu mundo.
Levantei a cabeça, olhei para o Campus e suas árvores recheadas de folhas verdes, procurando entender se havia algo naquele lugar que justificasse Wanda estar ali nos dias anteriores e agora não. Não achei nada de especial. Era só um lugar de fuga e nada mais. Provavelmente, ela tinha encontrado outro refúgio. Só me restava comer a batatinha frita mais uma vez, mas desta vez não sentia fome. Quando criava coragem para sair dali e desistir de toda essa loucura, escutei alguém mexendo na embalagem. Era ela.
Wanda removia a porção da embalagem com todo cuidado enquanto me dava alguns olhares rápidos. Depois, ela sentou-se à mesa, passando a comer devagar, ainda sem me dizer nada. Sua expressão ainda era triste, mas não tanto quanto a de dois dias atrás. Entre uma mordida ou outra, ela alternava entre me encarar, procurar uma nova batatinha e observar a vida correndo no Campus. Eu fiquei calado, com a minha mente em curto-circuito. Quando terminou de comer, ela voltou o olhar para mim, agora sustentando-os por tempo suficiente para me fazer tremer.
- Obrigada, estava muito bom – Ela agradeceu com um sorriso tímido.
Não respondi, mas devo ter corado porque seu sorriso se abriu mais ainda. Acho que ela percebeu minha vergonha e se divertiu com isso.
- Desde quando você sabia que eu gostava de batatinha frita?
- Não era um segredo guardado a sete chaves.
- Não, não era, mas não sabia que você – ela deu uma pausa na voz – especialmente, você – dando bastante ênfase agora – sabia disso.
Por um momento, pensei que ela já desconfiasse dos meus sentimentos, mas, em vez de aproveitar a situação, eu me retraí. Talvez fosse medo. Resolvi me esconder, por assim dizer.
- As pessoas comentam sobre você na sua ausência – ela arregalou um pouco os olhos, mas logo me expliquei – mas apenas coisas boas na minha frente.
Ela apenas assentiu e voltamos a ficar em silêncio. Seu semblante parecia mais conformado com sua nova realidade. Eu, por outro lado, tentava conter minha inquietação, com a minha mente borbulhando com possibilidades do que falar para ela em seguida. Entretanto, nada me saía da boca. E foi ela quem quebrou o gelo.
- Tenho uma proposta para você.
Olhei-a intrigado. Ela continuou.
- Vamos começar de novo?
- Como assim de novo? – Perguntei denotando um certo desespero inexplicável, o que a fez rir.
- Nossa parceria. Fazer do jeito certo agora.
- Mas nós já somos parceiros.
- Você se afastou de mim e eu de você. Até imagino os seus motivos e você também deve imaginar os meus, mas... não queria dar importância a isso. Vamos passar uma borracha nisso e começar de novo. Agora quero fazer do jeito certo. O que acha?
- Eu… - Balbuciei, mas não consegui completar a frase.
- Prometo que será diferente, Bruno – Wanda me estendeu a mão querendo selar esse acordo inesperado – Combinado?
Eu a encarei com surpresa. E minha mente ficou um turbilhão. Primeiramente, me deu um conforto no coração saber que ela dedicou um espaço nos seus pensamentos para mim. Por outro lado, o término do seu namoro poderia ser motivação para tal atitude. Será que tudo isso não seria apenas uma procura por uma válvula de escape? Pensar assim me trouxe um pouco de angústia, mas afastei esse sentimento para me apegar a ideia de estar mais próximo dela do que nunca estive antes. Isso era muito mais empolgante.
- Combinado! – Estendi minha mão à sua, selando o acordo.
As semanas seguintes foram incríveis. Sentávamos lado a lado na sala de aula, saíamos juntos para o intervalo e conversávamos bastante, inicialmente sobre o conteúdo das disciplinas, mas, eventualmente, sobre nós. Tínhamos nos tornado inseparáveis. Isso me trouxe uma energia de outro mundo. Eu nem sequer sentia o cansaço da rotina de cursar duas faculdades.
Gradativamente, sua autoestima foi voltando ao normal e seu rosto, antes pálido, passou a ter vida e leveza. Suas vestimentas voltaram a exaltar sua beleza física. Seu perfume era enebriante. Como nos tempos de escola, ela passou a atrair olhares de desejo, de cobiça e de inveja.
A aproximação dela com outros alunos da turma tinha diminuído e com Larissa, se tornado nula. Por motivos óbvios, eu evitava falar de Vitor ou o que quer que pudesse trazer lembranças sofridas para ela. Em alguns momentos, quando a percebia mais introspectiva, puxava algum assunto mais engraçado, e ela rapidamente se recompunha.
Longe da faculdade, estendíamos nosso vínculo por mensagens, aprofundando nosso conhecimento mútuo. Foi por esse meio que, jogando conversa fora, acabei por descobrir que ela era fã de carteirinha de Taylor Swift e tinha um crush por Robert Pattinson, por conta da saga Crepúsculo. Ela também se interessou pelos meus gostos e não entendia como eu poderia jogar GTA V, por achar a proposta do jogo degradante. Além disso, ela demonstrou especial curiosidade por eu gostar de Beatles, achando isso muito “cult”.
Numa sexta-feira à noite, enquanto discutíamos sobre um trabalho em dupla, subitamente ela parou de responder as mensagens. Preocupado, cheguei até a ligar para ela, mas sem retorno. Tempos depois, ela reapareceu.
> Wanda: estou aqui
A mensagem parecia indicar nada demais, mas minha intuição dizia o contrário. Até imaginava o que poderia ser. Pensei em mudar de assunto como já fizera outras vezes, mas não o fiz. Achei que seria a hora de encarar o “elefante na sala”.
> Bruno: aconteceu algo? quer conversar? tá bem?
> Wanda: tô
> Bruno: tem certeza? vc nunca é monossilábica
> Wanda: nada não, tô bem
> Bruno: vc não é assim, eu te conheço, se vc quiser conversar, tô aqui viu?
Ela demorou a responder por um instante para soltar a bomba.
> Wanda: descobri q o vitor tá numa festa, juro q queria superar
Senti um frio na barriga. E fiquei sem respostas. Pouco tempo depois, possivelmente vendo que eu não tinha o que dizer, ela tentou desencanar.
> Wanda: fiquei triste, mas já passou, onde paramos?
Ainda sem reação, continuei sem responder. Nunca tinha acalentado um coração partido. E tudo piorava porque ela era meu amor platônico. Me recostei na minha cama pensando em algo para confortá-la, mas nada me pareceu útil naquele momento. De repente, uma ideia boba me veio à mente e resolvi apostar todas as fichas nisso, acreditando que poderia fazê-la substituir essa descoberta ruim por outra mais agradável e engraçada. Uma história para contar.
Duas horas depois, eu estava na portaria do seu condomínio segurando uma embalagem muito familiar. Era minha primeira vez ali. Eu simplesmente sabia onde ela morava. Enquanto aguardava liberação, olhei meu celular e vi que Wanda tinha me mandado diversas mensagens me perguntando se estava tudo bem e por que eu tinha parado de responder. Sorri com expectativa por ela sequer imaginar o que eu tinha planejado.
Quinze minutos mais tarde, eu estava na frente da sua casa dúplex, que tinha um imenso e bem cuidado gramado ao redor. Um homem mais velho, com um semblante irritado, abriu a porta. Ele estava um pouco acima do peso, tinha calvície aparente e vestia uma blusa cinza escura com o desenho do Touro de Wall Street. Era o pai dela.
- O que você quer com a minha filha uma hora dessa, hein rapaz? – ele me perguntou com uma voz firme, dura.
Antes que eu pudesse responder, Wanda tomou a frente dele e me olhou surpresa, levando as mãos à boca, espantada.
- Meu Deus, Bruno. Você atravessou a cidade pra me trazer batatinha frita? – E então, ela desatou a rir – Você não existe! Vem, entra.
Sua casa era aconchegante, espaçosa, minimalista, em um tom de branco predominante, mas com alguns toques artísticos e femininos. Sentamos no sofá. Wanda vestia um baby doll curto, rosa, com um robe da mesma cor, mas com um grau de transparência que me permitia ver, com todo o devido respeito, todas suas belas curvas. Numa poltrona ao lado, estava sua mãe me olhando sorridente. Ela parecia mais feliz que a filha com a minha ideia louca. No seu colo, sentava uma cópia mais jovem de Wanda. E atrás da poltrona, se escondendo com timidez, estava o que provavelmente era a caçula da família, uma menina com diferenças marcantes em relação a Wanda, mas tão bela quanto. Seu pai, sério, voltava ao ambiente enquanto bebia um copo de água. Ele encarou a filha mais velha comendo despreocupadamente sua batatinha frita e voltou seus olhos para mim.
- Então, você é o Bruno de quem ela falou? O que faz duas faculdades, Jornalismo e Economia, e que estuda investimentos desde criança?
Arregalei os olhos para ele e depois para Wanda, que riu da situação.
- Desculpa, pai. É ele sim. Meu amigo dos tempos de colégio e agora na faculdade.
- Perdão, senhor – me levantei, estendendo minha mão – Muito prazer em conhecê-lo.
- Chame-me de Trajano – ele respondeu estendendo a mão para mim também, mas logo emendando o que o incomodava – Mas, me diga, por que você veio a essa hora, na minha casa, para trazer comida pra minha filha?
Eu engoli em seco. Ele me fuzilava com o olhar. Wanda e sua mãe, por outro lado, tentavam segurar o riso. Isso me deu um pouco de coragem.
- Ela me disse que estava triste, então resolvi melhorar o ânimo dela trazendo batatinha frita. Sei que ela gosta. E... amigos fazem isso, né? Ajudam um aos outros – Olhei para Wanda, continuava simpática e comendo.
- E não podia ser amanhã?
- Podia, mas…
Ele me interrompeu, me deixando tenso – Quando você vê um problema, já quer resolver com a primeira ideia que lhe vem à mente?
- Não, nem sempre.
- E é assim que você lida com os investimentos?
- Não.
- E como você lida?
Engoli em seco, mas aproveitei a oportunidade para mostrar minhas credenciais e tentar conquistar meu possível sogro.
- Estudando – respirei fundo e emendei – Não apenas lendo, mas executando uma análise fundamentalista bottom-up. Eu mergulho nas demonstrações financeiras. Balanço, DRE e Fluxo de Caixa Descontado. Quero entender a saúde operacional e a geração de caixa real de onde quero investir. Faço mais coisas, mas o objetivo final sempre é determinar a margem de segurança para, então, planejar o timing de alocação de capital ou de uma possível realização de lucro.
Ele me encarou com curiosidade, afinal, os termos citados não eram de quem começou a estudar ontem. Sua mãe me olhava surpresa, com brilho nos olhos. Wanda parecia se divertir com tudo aquilo enquanto comia as batatinhas. Suas irmãs pequenas, sem entender muita coisa, pareciam entendiadas. Me sentia mais confortável agora. Então, resolvi arriscar antes que ele pudesse falar alguma coisa.
- Se aplicarmos a lente do mercado, eu diria que sua filha é um ativo de crescimento premium, um capital humano insubstituível. Minha análise sobre esse ativo começou no primário e minha tese de investimento é de longo prazo. O que o senhor presenciou hoje não é um ato impulsivo, mas sim uma injeção de capital estratégica e de urgência. A batatinha frita é a intervenção tática para iniciar um processo de turnaround, estancando o que vejo como apenas uma correção emocional temporária de mercado.
Ele riu muito satisfeito com minha resposta – Parece que temos um bom potencial aqui. Wanda me falou de você... bastante nos últimos tempos. Não esperava que fôssemos nos conhecer assim, ainda mais essa hora. Isso merece uma chamada, mas entendi seus motivos. Amigos! – ele deu um sorriso sarcástico, mas amigável – Bom, preciso dormir. Amanhã, tenho reunião cedo. Depois quero conversar mais com você, meu rapaz, em circunstâncias mais… planejadas. Boa noite!
- Boa noite, Seu Trajano! Até mais!
Ele se despediu, mas sem antes avisar a Wanda – Não vá dormir muito tarde – ela assentiu.
Aproveitando a ocasião, sua mãe disse que ia subir logo. Eu aliviei minha tensão quando o vi subindo as escadas, sumindo do meu campo de visão.
- Ele é intenso, né? – Perguntei desviando meus olhares entre Wanda e sua mãe.
- Ele estava brincando contigo o tempo todo – Wanda riu.
- Sério? – Suspirei – Eu estava bem tenso. Ele me pareceu tão... bravo, como o touro estampado em sua camisa. Tive que usar o meu melhor para impressioná-lo. Ufa!
Elas riram.
- À propósito – a mãe disse, com seu sorriso acolhedor – eu sou Cecília, mãe destas três meninas. Não ligue pro show que meu marido fez. Não somos formais. Confirmo que ele estava brincando e sabe porque você veio.
- Sabe? – perguntei um tanto assustado.
- Todos nós sabemos, Bruno – Wanda se divertiu – E tá tudo bem. Eu adorei a surpresa. Me sinto muito melhor.
Me questionei o que elas sabiam. Será que desconfiavam dos meus verdadeiros sentimentos? O pior já tinha passado e eu estava na casa dela, com ela comendo com satisfação. Procurei relaxar. Olhei para suas irmãs menores, inquietas, me observando com curiosidade.
- E essas menininhas, quem são?
- Essa que está sentada no colo da minha mãe é a Wendy – Wanda respondeu – Eu digo que ela é minha “mini me”.
- Vocês são muito parecidas mesmo.
- Se não nascessem com anos de diferença – sua mãe completou – todos nós diríamos que eram gêmeas. Elas são parecidas em tudo, não só fisicamente.
Wendy ficou corada por estarem falando dela e apontou a sua Barbie na minha direção, falando – E essa é a Mila, minha melhor amiga – Todos rimos do seu jeitinho carinhoso. Contudo, achei ela grandinha demais para brincar de Barbie, mas guardei esses pensamentos para mim.
A outra menina se escondia atrás da cadeira da mãe. Enquanto eu me entretinha com a conversa, ela saía detrás e me observava. Quando eu focava nela, porém, ela se escondia, me olhando de pontinha de olho, esperando que eu tirasse o foco dela. Era engraçado, e curioso. Ela tinha uma beleza diferente de Wanda, apesar de loira. O que mais chamava atenção, porém, eram seus olhos afiados e penetrantes, parecendo analisar tudo ao seu redor, inclusive eu.
- Essa “timidazinha”, se escondendo atrás de mim, é a Wis – Cecília a apresentou após ver que eu a estudava.
- Ela é a mais nova e, diferente de mim e da Wendy, ela gosta de números e carrinhos HotWheels.
- Meu marido diz que Wis é a esperança dele para ter alguém da família lidando com investimentos – Cecília complementou enquanto tentava puxá-la para nos apresentar, mas ela não quis sair de onde estava – Ela fica assim quando conhece alguém novo, mas não se preocupe, ela gostou de você. E a Wendy também, não é, filha? – Wendy assentiu com a cabeça, concordando.
Conversamos mais um pouco. Falei rapidamente sobre minha vida, da minha mãe, do meu falecido pai, da loucura que é cursar duas faculdades e sobre onde eu morava. Wanda contou um pouco a sua mãe sobre nossa vivência na faculdade, os perrengues, o que estávamos estudando e me fez compartilhar causos que nos envolviam. Cecília falou mais sobre Wendy e Wis, do trabalho do marido e, surpreendentemente, me convidou para um almoço de domingo na sua casa, o que aceitei prontamente. Ela estendeu o convite a minha mãe também.
A conversa poderia se estender um pouco mais, mas as irmãs de Wanda estavam inquietas e com sono, o que fez Cecília despedir-se de mim.
– Foi um prazer conhecê-lo, Bruno. Gostei muito de você e espero conhecer sua mãe. Agora, vou colocar essas menininhas para dormir, elas já não se aguentam mais – depois olhando para Wanda, disse – Não demore muito.
Depois que sua mãe saiu, para não deixar qualquer dúvida, Wanda reforçou que seu pai estava brincando e que ele já sabia sobre mim, pois ela havia falado.
- Além disso – ela completou – acho que ele gostou mais ainda da sua resposta usando esses termos dos investimentos. Eu não entendi p**** nenhuma, mas reconheci muitos desses termos por já ter ouvido ele falar. É um assunto que ele adora e você o conquistou de imediato. Acredite! Você é único mesmo, Bruno – ela sorriu pra mim.
Enquanto nos despedíamos por já estar tarde, vi um quadro curioso na parede, que inicialmente tinha me passado despercebido. Os nomes das três meninas – Wanda, Wendy e Wis – seguido do nome “Nara” bem destacado.
- Nara? – questionei.
- Ah, “Nara” é nosso segundo nome. Wanda Nara, Wendy Nara e Wis Nara.
- Curioso.
- É o nome da nossa bisavó. Minha mãe resolveu homenageá-la colocando em nossos nomes. Você é sempre muito atento, nunca havia percebido o “Nara” no meu nome completo?
- Sim, eu sabia, mas vendo esse quadro, fiquei confuso. Pensei que houvesse uma quarta filha. Vou te chamar de Wanda Nara, posso?
- Só se eu puder te chamar de Butt-Head, que tal?
- Só Wanda então... – respondi envergonhado, mas ela riu, me provocando. Logo procurei desconversar – Os nomes de vocês são diferentes, né?
- Diferentes como?
- Chiques! Elegantes!
- Foi minha mãe quem escolheu e meu pai sempre nos diz o quanto é apaixonado por nossos nomes. Eu gosto de Wanda, mas “Wanda Nara”, não. Minha mãe sempre me chama assim quando faço algo de errado.
Rimos. O papo continuou gostoso e ela me dava toda sua atenção. Seus risos, olhares e forma de falar não denunciavam mais o sofrimento que me fez ir até ela. Wanda gostou da surpresa que fiz, era perceptível na sua postura. Estava tarde, porém, e tivemos que nos despedir. Eu saí de lá muito feliz, com o coração aquecido. Talvez, eu tivesse dado um grande passo com ela.
Nas férias de meio de ano, aconteceu o almoço na casa de Wanda. Conforme combinado, levei minha mãe, que sempre esteve muito empolgada com a ideia desde inicio. E nunca a vi tão arrumada e tão com vida. No caminho, lembro dela brincar comigo:
- Parece que o curso de Jornalismo rendeu bastante, né?
Dei de ombros, querendo esconder meu rosto corado, mas me sentia conquistando Wanda aos poucos. E que havia sinais de que era recíproco. Eu pelo menos acreditava nisso.
O almoço foi agradável. Soube que Trajano já tivera contato com meu falecido pai, a quem só teve referências boas. E me surpreendeu como minha mãe se deu muito bem com ele e Cecília. Nunca vi minha mãe tão falante e eloquente, assim como me surpreendeu a dedicação que Trajano e Cecília tinham para nos deixar bem à vontade. O diálogo deles dominava toda a conversa, o que deixava Wanda e a mim admirados, embasbacados até.
- Eles se deram tão bem, né? Eu nunca imaginaria isso – ela me confessou, incrédula, mas satisfeita.
Num dado momento, enquanto parecia que as mulheres tinham seu papo de meninas, Trajano me chamou para uma conversa particular no seu escritório. O ambiente era recheado de livros, os mais antigos sobre engenharia e agricultura, e os mais novos sobre investimentos.
Nós conversamos sobre investimentos e meus planos futuros. Ele me deu conselhos e dicas. Também admitiu que estava bastante satisfeito com minha amizade com Wanda, que ela não poderia ter uma companhia melhor na faculdade. Apesar disso, ele me questionou sobre cursar Jornalismo, o que, para ele, não fazia sentido. Segundo suas palavras:
- Você tem alma de investidor.
Expliquei minhas motivações mentirosas e ele pareceu satisfeito, o que me fez respirar aliviado. Quando estávamos saindo, ele me fez uma proposta:
- Quero você trabalhando para mim, ainda mais agora que sei quem foi seu pai. Sei que sua rotina está pesada nessa loucura de fazer duas faculdades, mas faça algum ajuste de horário e dedique pelo menos um dia na minha empresa, para começar. Pode ser por meio período apenas. Você começará como estagiário. Talvez, isso atrase o tempo total para você se formar, mas não leve isso como uma grande preocupação. Seu conhecimento é muito avançado para sua idade e você só tem a ganhar juntando-se a mim. Pense com calma e me avise durante a semana.
- Grato pelo convite, Seu Trajano. Foi inesperado para mim. Pensarei com carinho.
Já em casa, minha mãe ficou surpreendentemente empolgada com a ideia e foi a grande entusiasta para eu aceitar o convite. Wanda também demonstrou felicidade e a todo instante me perguntava se eu iria aceitar. Quando eu disse sim, as duas ficaram bastante felizes. Menos de duas semanas depois do almoço, eu já começava na empresa de consultoria do Trajano, a PHX Consulting.
Trabalhar para seu pai estreitou mais ainda minha relação com Wanda. Ainda nas férias, quase todo dia ela me convidava para frequentar sua casa e, às vezes, minha mãe ia junto com a desculpa de passar um tempo com sua nova amiga Cecília. Já Wanda e eu conversávamos por horas, jogávamos algum jogo de tabuleiro, eu a ensinava a jogar videogame, o que era um desastre para ela. Wendy ficava próxima a nós, querendo atenção, enquanto Wis nos olhava a distância, apenas observando e fugindo dos meus olhares. Às vezes, sua mãe nos levava ao shopping no final da tarde para lanchar e passear. À noite, quando seu pai chegava, ele acaba tomando meu tempo para falar do mercado de ações, mas eu não achava ruim. Pelo contrário, ficava lisonjeado.
Na casa dela, Wanda frequentemente usava roupas casuais que, proposital ou não, realçavam suas belas formas. Eu precisava exercer um autocontrole constante para não admirá-la de uma maneira realmente obscena. Esse era um desafio diário. Em uma dessas tardes, deitamos lado a lado em seu quarto. Ela queria que escutássemos juntos "Blank Space", de Taylor Swift. A música tocava em seu iPhone com cada um de nós com uma ponta do fone de ouvido. Estávamos de bruços, e ela fechou os olhos, movendo os lábios levemente enquanto apreciava cada verso da canção, cantando baixinho, quase sussurrando.
Eu me senti oprimido pelo calor da proximidade e pela tensão daquele momento de intimidade platônica. Lentamente, movi meu corpo para ficar deitado de costas, na tentativa de aliviar o desconforto. No entanto, o movimento apenas me colocou em um ângulo ainda mais perigoso: ela continuava concentrada na música, com os olhos fechados, e a postura em que estava deixou o formato de seu bumbum em evidente destaque. Era uma visão de beleza magnifica e involuntária. Uma fonte de desejo. Do meu desejo cada vez mais carnal e menos platônico. Naquele instante, o cheiro dela e a música se fundiram, tornando a excitação súbita e avassaladora. Fiquei paralisado até a música terminar, apreciando cada instante, quando me levantei abruptamente. Saí do quarto e corri para o banheiro mais próximo, deixando-a confusa, mas aliviado por ter conseguido manter minha postura. Foi por pouco. Se ela percebeu, nunca saberei.
Certa vez, Wanda e eu fomos ao cinema assistir ao filme Divertidamente. Combinamos de nos encontrar lá e quando cheguei, confesso que nunca a tinha visto tão linda. Deliciosamente linda. Talvez eu estivesse sugestionado pelos meus sentimentos, mas pouco importava. Ela, quando me viu, me deu um sorriso incrível e marcante, que nunca esqueci. Ela estava ali por mim. Eu me senti “o cara”, especialmente quando percebia olhares de outros marmanjos.
Durante a exibição do filme, ela se divertiu bastante e comentava o quanto achava engraçado aquele personagem do “foguinho”. Ao sairmos, paramos em frente a um espelho enquanto ela ligava para sua mãe. Quando vi nossos reflexos, como se fosse uma fotografia, senti um frio na barriga com o pensamento que tive: “O que ela via em mim?” De repente, me achei muito inferior a ela, principalmente na aparência. Foi difícil não desanimar quando cogitei que as pessoas que nos viam deveriam pensar algo como “ah, ali é gatinha com seu amigo feio que nunca terá chance”.
Terminamos aquela programação com ela dizendo quão incrível tinha sido e que deveríamos repetir mais vezes. Antes de ir embora, enquanto ela esperava pelo seu motorista, fizemos uma selfie. Isso me animou um pouco. Seu Instagram estava sem atualizações desde o término com Vitor. Talvez, essa foto pudesse ser o prenuncio de uma volta a essa rede social. E melhor ainda, tive a esperanças de que esse retorno seria comigo. Porém, dias e semanas se passaram e seu Instagram continuava parado. E pra completar, ela nunca me enviou a selfie tirada. E eu também nunca pedi, por achar que não tinha me saído bem na foto.
Naquela noite, tive dificuldades para dormir. A pergunta que me fiz continuava me atormentando. Lembrei dos links dos vídeos que minha mãe havia me passado por e-mails. Eu nunca tinha visto qualquer um daqueles vídeos, mas achei que talvez pudessem me ajudar naquele momento depressivo. Passei a madrugada me debruçando sobre eles e terminei a noite num site de pornografia acreditando que aquilo poderia me ajudar se um dia eu fosse transar com Wanda. E, sim, desde então, passei a me masturbar regularmente pensando e me imaginando ela. Percebo agora que isso, aos poucos, foi desconstruindo a princesa que eu tanto idealizara.
A volta as aulas não mudou em nada nossa rotina. Seja pessoalmente ou por mensagens, estávamos sempre próximos, sempre em contato constante. Os pais dela e minha mãe também se aproximaram bastante e até criaram um grupo de mensagens só para eles. Almoços e jantares na casa deles se tornaram constante. Certa noite, quando cheguei em casa, encontrei os pais de Wanda tomando vinho com minha mãe, despreocupados com a vida. Eu estranhei, mas vendo que minha mãe estava feliz com tudo aquilo, desencanei. No meu quarto, refletindo sobre isso, passei até a ficar grato. A amizade deles me ajudava a ficar mais próximo de Wanda e os pais dela, quem sabe, já me aceitassem como futuro genro. Sorri com isso.
As recaídas de Wanda diminuíram bastante, mas ainda aconteceram. Em todos esses momentos, estive com ela, que sempre me agradecia de uma forma que aquecia e dilacerava meu coração ao mesmo tempo.
- Obrigada, amigo – ela sempre dizia isso – Eu não sei o que seria de mim sem você.
Eu forçava um sorriso amarelo, mas por dentro, me angustiava perceber que seu coração continuava fechado para outros que não fosse Vitor. Certa vez, após ela agradecer, reagi de uma forma impulsiva.
- Amigo?! – falei com certo desdém.
- É, ué. Você é meu amigo, não é? – ela retrucou, confusa com minha reação.
Na hora, eu poderia confessar meus sentimentos, mas preferi continuar precavido. Eu não estava pronto e tinha medo de encarar uma possível realidade ruim para mim.
- Sim, sou seu amigo. Só estava reforçando isso – disfarcei e ela aceitou.
Apesar disso, os meses seguintes foram bons. Nosso desempenho no Jornalismo estava beirando a perfeição, com notas excelentes. Continuávamos só nós, sem muita interação com outros alunos. No curso de Economia, por outro lado, eu estava acumulando faltas, empilhando reclamações de professores por falta de atenção e muita aula perdida para ficar trocando mensagens com Wanda. Na empresa de consultoria, minha dedicação chamava atenção. Não era raro os elogios do Trajano e dos seus sócios.
Certa vez, quando Larissa e Renata passaram por nós sem sequer nos olhar, eu não resiste e questionei Wanda se havia acontecido algo envolvendo ela e o término com Vitor. Depois da pergunta, até me arrependi, temendo que ela entrasse numa espiral negativa por conta de qualquer lembrança ruim, mas ela me surpreendeu.
- Eles ficaram dias depois dele terminar comigo – ela respondeu com indiferença.
- Tem certeza que não foi antes?
- Sim.
- Como você pode ter certeza?
- Ela me mandou mensagem horas depois de ficar com ele. Eles se encontraram numa festa e ela disse que bebeu muito e perdeu a noção. Ele também estava bem alterado. E ficaram.
- E você acreditou?
- Não, mas… depois pensei, por que ela me confessaria dessa forma? Ela poderia deixar escondido, eu nunca saberia.
- Você confrontou o Vitor?
- Não. Não o procurei mais depois do término. E nem ele veio atrás para se justificar.
- E você e Larissa?
- Eu agradeci a sinceridade dela, mas disse que nunca mais queria falar com ela. Pedi que ela me esquecesse.
- E ela?
- Disse “tudo bem” e depois bloqueei.
Fiquei surpreso, pois jurava ter havido traição. Sinceramente, eu não acreditava naquele papo dele querer ficar solteiro para aproveitar a vida. Para mim, Vitor já estava evoluindo no flerte com outras garotas e por isso resolveu terminar. Menos mal. Antes isso que fazê-la de corna. Pelo menos, ele foi justo com Wanda. Enfim, não insisti em saber mais detalhes. E ela deu de ombros, demonstrando se afetar pouco com a confidência que me fez. Ela pareceu estar superando. Cada vez mais tinha sinais evidentes disso.
Alguns alunos da nossa turma, por vezes, tentavam um contato mais próximo comigo e com Wanda. Esses caras eram meio galanteadores, bonitos e eloquentes, e confiavam que, apesar da proximidade, nitidamente não havia algo a mais entre Wanda e eu. E, no fim das contas, suas intenções sempre foram claras: conquistá-la, tomá-la para si. Eu me corroía de ciúme quando os via conversando com ela. Eu temia perder sua atenção, mas para meu alívio, ela logo os cortava, negava convites e retornava toda sua atenção para mim, me fazendo sentir importante.
Veio as férias de fim de ano e, exceto nos dias de estágio, eu passava quase todos os dias na sua casa, indo embora à noite. Nos dias que eu não podia ir, ela lamentava bastante, mas dizia entender. Eu me sentia nas nuvens com a importância que ela me dava.
Minha mãe, vez por outra, perguntava sobre minha relação com Wanda.
- À propósito, vocês já ficaram?
- Não.
- Vocês estão juntos 24h por dia, achei que...
- Somos apenas amigos – interrompi.
- Amigos?! Da parte dela, você quer dizer?
- Também a vejo como amiga. E outra, ela ainda está se recuperando do término do seu namoro.
- Ainda?
- Essas coisas não são imediatas, mãe.
- Sei. Às vezes, essas mesmas coisas são apressadas com outro namoro… - ela retrucou, me dando uma piscadinha.
Fiquei vermelho, sentindo o peso dessas palavras, o que a fez rir. Felizmente, ela não me perturbou mais. Porém, não dava para esconder meus verdadeiro sentimentos da minha mãe por muito tempo, ainda mais porque ela também é minha única amiga. Certa vez, enquanto trocava avidamente mensagens com Wanda, ela perguntou:
- Quando você vai se declarar pra ela? Vai ver, ela está esperando isso.
- Ainda não tenho certeza se ela gosta de mim.
- Se declara que você descobre.
- Não é tão fácil assim, mãe.
- Por que? Do que você tem medo?
Não respondi, pois inexplicavelmente esse diálogo me deu muita irritação. Minha mãe deu de ombros, mas ela tinha razão em me fazer questionar, agora percebo com clareza. Eu deveria ter me declarado logo, mas naquela época, eu sentia que havia algo errado, apesar de não enxergar com clareza. Eu não conseguia entender como eu poderia estar cada vez mais próximo dela ao mesmo tempo em que sentia que nem sequer estava dentro do coração dela, pelo menos não da forma romântica que eu queria. Isso me confundia. Certa vez, perguntei por suas amigas do tempo de escola, se ela não queria um tempo com elas também em vez de ficar sempre comigo, ao que ela me respondeu:
- Elas se afastaram de mim – respondeu secamente.
A convite dos pais dela, minha mãe e eu passamos o Natal na casa deles já que viajariam no ano novo para o Rio de Janeiro. Foi ótimo e acolhedor. Wanda e eu ficamos conectados o tempo todo, conversando e interagindo sem parar, na mesma dinâmica de sempre. Além disso, a cumplicidade entre minha mãe, Trajano e Cecília pareceu ser maior que nunca. Minha mãe estava com um astral elevadíssimo, com a autoestima nas nuvens. Não lembrava de tê-la visto assim antes. O ponto alto foi quando ela dançou agarradinha com Trajano. Ela flutuava enquanto seus passos eram conduzidos por ele. Fiquei constrangido, temendo um ciúmes explosivo de Cecília, mas ela parecia ser a pessoa que mais estava gostando disso. Confesso que estranhei basante. Depois, quando questionei minha mãe, ela deu de ombros:
- Eles são incríveis, pessoas maravilhosas, de ótimo papo, nada mais que isso.
O ano seguinte veio com a ideia de Wanda de tirarmos carteira de motorista juntos. Ela estava mais empolgada que eu, pois seus pais já tinham até comprado o seu novo carro: HB20. Infelizmente, dois meses depois, eu passei na prova, mas ela reprovou. Minha mãe me presenteou com um carro, um Onix. E eu passei a dar carona para ela tanto de ida quanto de volta para a faculdade. Seus pais adoraram a economia com o motorista particular. Isso, inclusive, me prejudicou mais ainda no curso de Economia, apesar de, naquele momento, pouco me importar com isso.
Na segunda tentativa, ela passou. Enchendo-se de felicidade, ela me perguntou se podia me buscar e me deixar, o que aceitei prontamente. A felicidade dela indo para a faculdade aqueceu meu coração. Ela ressaltou que queria que eu fosse o primeiro a acompanhá-la em seu carro, o que me deixou bastante orgulhoso e cheio de si.
Revezávamos sobre quem ia dirigindo e quem pegava carona. E muitas vezes, ao voltar pra casa, independente de quem dirigia, escapávamos para o McDonald’s, pois ela não resistia as batatinhas fritas. Seus pais estavam sempre cientes dos seus passos e sempre ressaltavam o quanto se sentiam confortáveis com ela ao meu lado.
- Você é responsável, Bruno. Por isso confiamos que ela saia com você – disse sua mãe quando buscava Wanda em sua casa.
Numa dessas idas ao McDonald’s, Wanda me confidenciou:
- Meus pais não me davam tanta liberdade assim com o Vitor, apenas com você. Porém, eu completei 18 anos recentemente, talvez seja por isso.
Certa vez, na vez dela de dirigir, ela disse que queria me fazer uma surpresa. Ela estava com bastante expectativa, eu pude perceber claramente isso. Suei frio imaginando o que poderia ser. Ela me levou a uma exposição de games. Fiquei um pouco frustrado porque imaginei que fosse algo romântico, que enfim ela confirmasse que sentia algo por mim. Porém, não deixei que esse sentimento ruim tomasse conta de mim. Ela me contou que pesquisou o trajeto pelo local e que fez tudo isso porque sabia que eu iria gostar. Isso me acalentou bastante. E eu não perdi a oportunidade e lhe dei um abraço muito gostoso de agradecimento, o que ela retribuiu da mesma forma. Lembro de chegar em casa e dormir agarrado com minha camisa, pois tinha o cheiro do perfume doce dela.
Nessa época, é importante notar que suas recaídas praticamente cessaram. Vitor era um nome que não era falado a meses. Wanda estava cada vez mais linda e mais presente na minha vida, assim como eu na dela. Ela fazia planos para nós, como ideias para fazermos um curso de inglês, um curso de dança e viajarmos em família para o Rio de Janeiro. Ela me dava dicas de vestimentas e sempre perguntava pela minha mãe. E nunca falávamos sobre flertes ou paqueras com outras pessoas. Só existia nós. Como se fosse uma dependência. Eu já começava a acreditar que seu coração estava abrindo espaço para mim. O frio na barriga, desta vez, parecia bom.
Senti que havia chegado a hora e queria confessar meus sentimentos por ela. Um senso de urgência apoderou-se de mim, não queria perder tempo. Comecei a me preparar para isso. Não aguentava mais de expectativa, mas esperava por um momento certo, pois queria que fosse especial. Num sábado, em vez de ir cedo para sua casa, perguntei se poderíamos ir a um restaurante de comida italiana que tinha inaugurado recentemente. Disse que queria conversar com ela e fazer uma pergunta.
- Uma pergunta? O que é? – ela não negou sua curiosidade.
- No restaurante, Wanda! – reafirmei minha posição.
- Agora fiquei curiosa, mas tá bem, vou esperar.
Usei minha melhor roupa para ir ao encontro dela. Busquei-a em casa. E ela estava linda como sempre, usando um vestido floral que realçava sua cintura fina e suas pernas torneadas. O perfume era doce e viciante como sempre. Terá sido para mim? Eu estava muito empolgado, não conseguindo esconder minha excitação.
- Você está parecendo nervoso – ela notou meu estado de espírito – Aconteceu algo?
- Não, tá tudo bem. Tô ansioso para conhecer esse novo restaurante – tentei disfarçar.
No restaurante, tentei agir com naturalidade, esperando o momento certo. Olhava seus lábios, imaginando-os junto aos meus em instantes. Não lembro o que conversamos, ela também não me cobrou a tão esperada pergunta. Quando nos silenciamos mais, aparentemente sem assunto e nos encarando profundamente, apostei que aquele seria o momento. Respirei fundo, mas ela me interrompeu abruptamente.
- Ah, tenho algo para te falar… ia me esquecendo – ela desviou o olhar, com a voz vacilando.
- O que foi?
Seus olhos continuavam fugindo dos meus. Ela parecia estar procurando coragem para dizer. Vi-a morder os lábios. Ela respirou fundo e eu tremi.
- Vitor entrou com contato comigo hoje. Conversamos a tarde toda. E ele me pediu para voltar.
Engoli em seco. “Conversamos a tarde toda”, repeti mentalmente. A tarde que não fui a sua casa para me preparar.
- E você? – perguntei, quase num sussurro.
- Eu não sei, mas… mas, eu não sei.
- Você ainda sente algo por ele?
Agora, seus olhos encontraram os meus, um pouco marejados.
- Sim, mas eu não sei se queria… mas, sim, eu sinto e não paro de pensar nisso desde a hora que ele me ligou.
Fiquei sem reação, ela continuou.
- Você não deve ter percebido, mas estou em ebulição. Sinceramente, não sei o que fazer.
- Você respondeu algo a ele?
- Só disse que ia pensar.
- Pensar?
Seus olhos desviaram, mas sustentei os meus.
- É… tivemos uma história juntos, Bruno. Até para terminar comigo, ele foi sincero. Ele poderia ter me traído, mas preferiu terminar antes. Disse que estava confuso. Ele me pareceu sincero quando terminou e agora me parece sincero quando tenta retomar nosso namoro.
- Ele ficou com a Larissa dias depois de terminar contigo, Wanda. Dias depois!
- Eu sei! Eu sei, mas não estávamos juntos. Tecnicamente, não é traição.
Baixei os olhos e não falei mais nada. Ficamos um tempo em silêncio, tentando absorver o peso daquele diálogo.
- Mas ei – ela estendeu as mãos, segurando as minhas, demonstrando uma preocupação incrivelmente genuína no rosto – nada vai mudar entre a gente se é isso que está te perturbando. Ser sua amiga foi a melhor coisa que me aconteceu nisso tudo e eu não quero perder isso. E eu não vou perder isso.
Não respondi. E também continuei sem a encarar.
- Além disso, se eu aceitar voltar, o Vitor vai adorar nossa amizade, quem sabe fazemos um trio inseparável…
Senti vontade de chorar. Eu só queria que ela parasse de falar. “Um trio”, ela disse. Não queria saber muito menos cogitar essa hipótese. Pouco me importava. Eu não faria parte disso. Eu só queria fugir dali, ficar longe dela, mas nem isso pude fazer, pois eu a tinha trazido no meu carro e tinha que deixá-la de volta. Tentei mudar de assunto e, felizmente, ela me acompanhou. O clima não ficou o mesmo, nós sabíamos disso, mas preferimos fingir enquanto conversávamos outras amenidades.
Quando chegamos em sua casa, ela lembrou da minha pergunta.
- Conversamos tanto e você nem contou o que iria me perguntar
- Verdade! Nem lembro mais o que era…
- Tem certeza? Eu estou aqui, eu sou sua amiga e você pode contar comigo sempre.
A palavra “sua amiga” me deu um nó na barriga.
- Não é nada demais. Isso ficará para outra hora. Você tem muito o que refletir e não quero te colocar com mais problemas.
- Não sou mais importante que você, Bruno. Para com isso.
- Não é isso, Wanda. É só que… não é nada demais mesmo. É algo que pode ficar para depois.
- Então por que não consigo acreditar nisso? Você não está disfarçando bem.
- É porque você já está cheia de coisa na cabeça com a possibilidade de voltar com o Vitor – dei um empurrão carinhoso na sua cabeça, o que a fez rir com certa tristeza - Tá vendo? Tenho razão. Depois falamos sobre mim, num clima melhor.
- Num clima melhor? – ela falou sussurrando para si – Tudo bem. Então… eu vou indo.
Demos um abraço bem apertado, carregado de significados.
- Obrigada por seu meu amigo. Meu melhor amigo. Meu único amigo – ela sussurrou no meu ouvido – Amo você! Não se esqueça disso, tá?
- Tá.
Assim que ela entrou em sua casa, eu desabei em choro. Nem sei como cheguei na minha casa. Quando fechei a porta, recebi uma mensagem dela.
> Wanda: falei sério quando disse que te amo. Posso ter falado a primeira vez hoje, mas te amo faz tempo. Durma bem.
Não respondi.
Fiquei refletindo sobre tudo que vivemos. Tudo passou pela minha mente: nossa aproximação, nosso trato, nossa parceria, nossa intimidade, nossa amizade, nosso amor. Amor? Eu esperava ter uma parte do coração dela, mas me doeu saber que sempre fora de Vitor, mesmo depois de quase um ano distante e ausente. Foi só ele retomar o contato que ela imediatamente passou a cogitar um retorno. E eu, que sempre estive do lado dela, aparentemente não entrava na equação que definiria a resposta dela. Isso me magoou profundamente. Eu estava decidido a sair dessa dependência, possivelmente motivado pelos sentimentos ruins que se apoderavam de mim. Havia chegado a hora de mudar e seguir em frente. Dormi com isso em mente. Era hora de um basta.
Quando acordei, porém, o sentimento era muito diferente. Inicialmente, pareceu um luto, mas depois, minha mente começou a reprocessar tudo que tinha acontecido na noite anterior sob uma nova perspectiva. Em nenhum momento, Wanda disse que voltaria, apesar de cogitar. Ela disse que me amava, apesar de enfatizar a palavra “amigo”. E eu não confessei meus sentimentos. De repente, passei a ter um pouco de esperança. Quem sabe se eu me declarasse, eu poderia me colocar na equação, sendo mais uma variável para ela analisar e colocar na balança. Talvez, tudo que vivemos pudesse ter sido mais importante e mais sincero do que o que ela viveu com Vitor. Uma chama acendeu em meu coração. Estava quase na hora do almoço, me arrumei rapidamente e saí, dispensando a comida que minha mãe sempre preparava com tanto carinho.
- Onde você vai? – ela perguntou.
- Declarar meu amor – respondi, exultante.
- Cuidado!
Chegando no condomínio onde Wanda morava, o porteiro disse que a família tinha saído fazia uma hora, mas por eu ser “de casa”, ele me deixaria entrar e ficar esperando em frente a casa dela caso eu achasse que eles voltariam logo. Topei.
Passou meia hora e a empregada da casa chegou sozinha, o que estranhei. Afinal, era um domingo, dia de folga dela. Ela tinha a chave da casa e me convidou para entrar.
- Não sabia que você trabalhava no domingo, Dona Lourdes.
- Meus filhos e netos viajaram para o interior e cansei de ficar sozinha em casa. Resolvi vir logo para adiantar o serviço aqui. Vou te deixar à vontade. Qualquer coisa, estou na cozinha.
Fiquei aguardando na sala. Minha proximidade com sua família era tanta que eles não estranhariam quando voltassem. Pensei em mandar uma mensagem para Wanda, mas imaginei que a surpresa de me ver causaria um impacto maior. De repente, escuto vozes vindas do andar superior, sendo que uma dessas é claramente de… Wanda. E escuto risos, sons de beijos e um gritinho abafado de cumplicidade. O ar saiu dos meus pulmões.
Então, eu a vejo descer as escadas vestindo um short jeans curto, praticamente obsceno, e um top preto, que cobria apenas os seios. Seu cabelo estava bastante desarrumado. Seu rosto, um pouco machado e borrado, onde ela fazia um movimento com as mãos, como se tivesse limpando o canto. Quando me viu, ela reagiu assustada, transparecendo algo como culpa e carinho ao mesmo tempo, se fosse possível.
- Bruno! O que você faz aqui?
Apesar de surpreso com o aspecto dela, forcei um leve sorriso, mas que logo foi contido quando outra pessoa desceu as escadas. Um homem vinha atrás dela, vestindo uma calça jeans, mas descalço, terminando de abotoar o cinto para, então, vestir uma camisa branca e esconder todo aquele físico exuberante que faltava em mim. Era ele. Vitor.
Meu coração errou as batidas, senti meus olhos marejarem, mas me segurei. Eu precisava ser firme como nunca fora antes ou seria motivo de vergonha. Eu esperava de Vitor um sorriso arrogante, de deboche, mas não vi. Ele veio até mim com respeito e um sorriso acolhedor, estendendo sua mão, o que retribui no automático.
- Olha ele aí... Bruno! Quanto tempo, cara. Como vai?
- E aí, cara… tô bem. Eu... – balbuciei, tentando controlar minha intimidação, meu ciúme me dilacerando – é que eu vim conversar algo com a Wanda.
- Ah, entendo – falou, sentando-se ao meu lado – Ela me falou da amizade de vocês. Eu fico feliz por isso. Wanda me falou que vocês só tiram dez nas provas. Meus parabéns! – ele voltou seu olhar para Wanda, eu também – Vocês estão de parabéns!
Wanda sentou-se um pouco mais distante, tentando “organizar” seu cabelo. Eu a encarei, mas seus olhos estavam distantes dos meus. Vitor a olhava também, mas não sei que expressão fez, pois não me importava. Fez-se um silêncio, o que me incomodou e deve ter incomodado eles também. Vitor, então, tomou a iniciativa.
- Bom – ele pigarreou – acho que vocês querem conversar algo em particular, né? Vou deixar vocês à vontade. Vou aproveitar e ir lá fora, pegar um ar, sei lá… volto quando terminarem. Qualquer coisa, me chama, Wanda.
Quando ele saiu, meu olhar encontrou o de Wanda, que estava vacilante e um pouco marejado. Não havia muito o que dizer, tudo estava claro. O silêncio continuou persistindo entre nós. Ela me parecia um pouco envergonhada, inquieta, com suas mãos esfregando as coxas, enquanto aguardava por mim.
- E então? – ela criou coragem – O que você quer falar comigo? É sobre o que você ia me perguntar ontem?
- Sim
Agora, seu olhar fixou-se no meu. Ela parecia saber o que eu ia perguntar e, pior, pareceu temer por isso. Seu rosto demonstrava aflição dessa vez.
- Eu recebi uma proposta de emprego para ganhar quatro vezes mais – menti – e não sei como falar com seu pai sobre isso. Como minha amiga – falei pausadamente, deixando o peso da palavra “amiga” cair sobre nós – você poderia me aconselhar?
Ela arregalou os olhos, surpresa. E dentro de mim, algo havia quebrado para sempre.
Continua...
Espero que gostem. Desde já, ficarei grato com qualquer comentário, crítica ou elogio. Próximo capítulo em alguns dias.