A Vida Imitando a Arte. Um Conto de Fadas Moderno. Parte 4.

Um conto erótico de Ménage Literário.
Categoria: Heterossexual
Contém 7307 palavras
Data: 10/11/2025 14:42:33

Fernando respirou fundo, o coração acelerado, mas a consciência limpa. Seus olhos se voltaram para Monalisa, que ainda o encarava. Assustada, confusa, grata e apavorada ao mesmo tempo.

Ela tentou dizer algo, mas a voz falhou. Apenas baixou os olhos e saiu rápido, seguindo o caminho do namorado e, ao se virar, algo brilhou no chão, bem diante de seus pés. Um colar — o mesmo cordão que ela usava, contendo a aliança da mãe.

Ela se abaixou, com as mãos ainda trêmulas e o recolheu do chão. Por um instante, o tempo pareceu parar. O samba, as vozes, tudo ficou distante. Ao erguer o olhar, encontrou Fernando, parado a poucos metros, o olhar fixo nela, surpreso, emocionado. Ele reconheceu a joia e, junto dela, o perfume, o olhar, o gesto delicado. Levou a mão ao peito, procurando, mas sabia que ele não poderia estar ali.

A dúvida que o atormentava desde o baile se desfez como neblina. Ela era a mulher mascarada. Sua Cinderela. Mesmo que ainda não soubesse seu nome, agora conhecia seu rosto.

Monalisa prendeu o colar contra o peito, sem dizer nada. Apenas sustentou o olhar de Fernando por um breve segundo e, com um adeus silencioso, se virou e desapareceu entre a multidão do camarote.

Fernando permaneceu ali, imóvel, com o coração acelerado. Agora ele sabia quem ela era. E, mais importante, conhecia seu rosto.

Continuando:

Parte 4: “Exitus Acta Probat”.*

A batucada ainda ecoava quando Eduardo puxou Fernando pelo braço, tentando tirá-lo do meio da confusão.

— Cara, vamos embora. Já deu. — Disse em voz baixa, os olhos percorrendo o entorno, atento aos olhares curiosos e aos murmúrios que cresciam como fogo em capim seco.

Antes que pudessem sair, alguns homens da diretoria da escola de samba se aproximaram às pressas. Camisas sociais meio abertas, toalhas no ombro, e aquela expressão ensaiada de quem precisava apagar incêndios.

— Doutor Fernando, mil desculpas pelo transtorno. O rapaz se exaltou, sabe como é, clima de ensaio, cerveja … — Um deles tentava justificar, enquanto o outro abanava as mãos, nervoso.

Eduardo cruzou os braços, impaciente, aproveitando a oportunidade para jogar toda a culpa no descontrole de Vinícius.

— É, mas ele partiu pra cima da gente. Isso pega mal pra todo mundo ...

Foi então que o burburinho mudou de tom. O espaço abriu naturalmente quando uma figura mais velha desceu do camarote central, cercada por dois seguranças. Terno branco, sapatos brilhando, pulseira grossa no pulso esquerdo. O respeito, ou o medo, vinha antes da sua voz.

— O que é isso, meu filho? — Disse o homem, abrindo os braços como se quisesse abraçar a confusão. — Menino novo é fogo, o sangue ferve, ciúme da namorada ... O Vinícius … bem, ele é meu sangue, mas às vezes esquece que não é o dono do mundo.

Fernando manteve a postura, o semblante sereno, mas atento.

— Não se preocupe, senhor Joca. Foi só um mal-entendido. Um impulso de ambos os lados. Prefiro deixar isso no passado, se assim o senhor também quiser.

O homem sorriu, mas o olhar continha a frieza de quem mede cada palavra.

— Fico aliviado. A última coisa que quero é um mal-estar com a família Krüger. Somos parceiros de longa data. O senhor sabe, nossa escola vive desse apoio.

Fernando assentiu, compreendendo exatamente o subtexto.

— E o apoio vai continuar. O que aconteceu aqui não tem nada a ver com a empresa. Gostaria, sinceramente, que isso morresse aqui.

O bicheiro deu dois tapinhas amigáveis no ombro dele.

— Todos nós temos nossas próprias circunstâncias, não é, garoto? — Disse com um sorriso enigmático antes de se afastar, os seguranças abrindo caminho à frente.

Eduardo soltou o ar, aliviado.

— Cara … esse velho é sombrio.

Fernando apenas ajeitou a manga da camisa, voltando o olhar para o centro da quadra, onde a bateria retomava o ritmo.

— E é por isso mesmo que quero sair daqui, agora.

Fernando puxou o amigo, e juntos caminharam até a saída. As garotas que vieram com eles ainda tentaram convencê-los a ficar. Queriam dançar, aproveitar, esquecer o drama, mas Fernando foi firme.

— Outra noite, meninas. Hoje o samba atravessou.

O grupo partiu sob o som ensurdecedor dos tamborins, aquela noite estava encerrada.

{…}

Monalisa atravessou o corredor estreito, o som abafado da bateria vindo de longe, como se a quadra inteira vibrasse em outro mundo. O coração ainda acelerado, as mãos trêmulas. Quando abriu a porta da pequena sala administrativa, encontrou Vinícius de cabeça baixa, andando de um lado para o outro, o maxilar travado.

Ele ergueu os olhos, estava transtornado.

— Tá de sacanagem comigo, Monalisa? — Gritou, batendo a palma da mão na mesa antes de dar um soco no arquivo de metal. O som metálico ecoou no ambiente estreito. — Cê acha que eu sou otário? Tu tava se mostrando pra aquele playboy?

Monalisa deu um passo atrás, tentando manter a voz firme.

— Vinícius, eu estava trabalhando. Seu pai mesmo disse que era pra eu ficar no camarote …

— Trabalhando, é? — Ele riu, sarcástico. — De shortinho desse tamanho, top colado no corpo? Tá me tirando? Quer que todo mundo veja o que é meu?

Ela engoliu em seco. Sabia que quanto mais retrucasse, pior ficaria. Mesmo assim, respondeu:

— Eu não escolhi a roupa, Vinícius. Foi o uniforme que me mandaram.

Mas ele já não ouvia. Passava a mão nos cabelos, os passos curtos e frenéticos.

— Uniforme, é? Uniforme de vagabunda! — Berrou, virando-se de repente. — Tá achando bonito pagar de santinha pra mim e dar mole pra outro?

Monalisa recuou mais um passo, as costas quase tocando a parede.

— Você tá nervoso, Vinícius. Eu não fiz nada de errado. Por favor, me escuta …

Antes que a discussão escalasse ainda mais, a porta se abriu com força e dois seguranças surgiram primeiro, e atrás deles, a figura imponente de Joca, o pai de Vinícius, o verdadeiro dono do morro.

O silêncio que se formou foi instantâneo.

— Monalisa ... — Disse ele, num tom sereno, quase paternal. — ... vai pra casa, minha filha. Os meninos te acompanham.

Ela obedeceu sem discutir, passando entre os seguranças de cabeça baixa. O coração dela pesava, mas também havia alívio.

Assim que a porta se fechou, o silêncio da sala se tornou opressor. O bicheiro olhou o filho por longos segundos. O semblante, por um instante, era de ternura. Caminhou até ele e o puxou num abraço forte, paternal.

— Você me preocupa, Vinícius. — disse o homem, num tom calmo, que beirava o carinho.

Mas então, a mão direita dele subiu num golpe seco, certeiro, atingindo a nuca do filho com força. Vinícius cambaleou.

— Você tem noção do problema que quase me causou, moleque? — Rugiu o homem, o olhar agora gelado. — Sabe com quem você arrumou confusão hoje?

Vinícius, atordoado, respondeu num tom defensivo:

— Sei, pai. Aquele almofadinha lá, o tal de Fernando …

Outro tapa, ainda mais forte.

— Cala a boca! — Gritou o pai. — Aquele “almofadinha”, como você diz, é o herdeiro dos Krüger! Gente que mantém esse lugar de pé, que garante que a polícia não suba aqui pra foder com tudo!

O homem começou a andar pela sala, cada palavra um trovão.

— Você sabe por que esse morro tá em paz? Por que não tem facção, não tem milícia mandando aqui dentro? Porque a nossa aliança é forte. Porque gente poderosa confia em mim. E você … você quase colocou tudo a perder com sua explosãozinha de macho inseguro! De moleque carente!

A raiva no rosto de Vinícius deu lugar ao constrangimento.

— Eu só tava defendendo o que é meu …

— O que é seu? — O pai o interrompeu, bufando. — Mulher nenhuma é posse, Vinícius.

Joca respirou fundo, se acalmando, e falou com ternura paternal.

— Ainda mais uma moça direita como aquela, trabalhadora. Ela está, aos poucos, pagando a dívida do pai, nunca fugiu. Fui eu que mandei ela dar uma ajuda no camarote.

A voz dele baixou ainda mais o tom, mas o olhar ainda queimava.

— E tem mais. Tenho ouvido muita coisa sobre o jeito que você trata aquela menina. E, sinceramente, tô querendo não acreditar.

Vinícius desviou o olhar, calado. O pai se aproximou, a voz grave, firme, em tom de autoridade:

— Respeito é diferente de medo, filho. O medo faz a pessoa se calar, mas também faz com quem ela lhe odeie por dentro. O medo cria mágoa, rancor. E o rancor é uma brecha. Uma fraqueza.

Ele parou diante do filho, segurando o queixo dele para erguer seu rosto.

— Se você quer que te respeitem, aprenda a merecer isso. Porque, do jeito que tá indo, vai acabar como todos aqueles que achavam que mandavam em tudo e acabaram enterrados no chão que juravam possuir.

O silêncio tomou conta da sala. O som distante do samba parecia vir de outro mundo. Vinícius apenas assentiu, cabisbaixo, engolindo o orgulho.

O pai suspirou, ajeitou o paletó, e caminhou até a porta.

— Agora vai pra casa e cuida bem da nossa garota. O pai dela não prestava, mas a mãe era um anjo. Amanhã a gente conversa de novo.

Ele encarou Vinícius novamente.

— E, pelo amor que você tem à sua vida, não me dê mais motivos para passar vergonha.

Já com a mão na maçaneta, Joca se virou uma última vez para o filho:

— Se eu souber que você está metido com TV a cabo pirata e venda de gás roubado novamente, vou esquecer que você é meu filho e lhe tratar como um marginal qualquer. Nosso negócio é jogo do bicho e agiotagem, não somos uma facção criminosa. Somos contraventores, não bandidos.

Quando ele saiu, Vinícius ficou ali, sozinho, o rosto vermelho, o ego ferido. O eco das palavras do pai ainda martelando na cabeça: “Respeito é diferente de medo.”

{…}

Mesmo que Eduardo e as garotas insistissem em continuar a noite em outro lugar, Fernando já não tinha ânimo para festa alguma. A briga, o olhar assustado de Monalisa, o toque breve quando a defendeu … tudo ainda pulsava em sua cabeça como uma lembrança em looping.

— Pode ir com elas, Edu. Eu vou pra casa. — Disse, firme, enquanto abria o carro.

Eduardo tentou protestar, mas bastou o olhar distante do amigo para entender. Fernando precisava de silêncio, não de diversão.

O caminho de volta foi tranquilo, as luzes da cidade passando pelo vidro como rastros dourados. O som baixo do motor contrastava com o turbilhão em sua mente. Ele pensava naquela garota, na forma como seus olhos brilharam antes do medo tomar conta, na delicadeza contida em cada gesto.

Ao chegar em casa, o vazio da mansão o recebeu com o eco frio do piso de mármore. Os pais estavam fora, em São Paulo, participando de um evento beneficente. Mais uma daquelas noites de gala para reforçar a imagem filantrópica da Krüger Holdings.

Era raro Fernando ter a casa inteira para si, e, naquela noite, o silêncio parecia amplificar tudo: o som distante do relógio, o leve estalo do ar-condicionado, e principalmente, a sensação de que havia encontrado algo que nem chegou a perder, pois não possuía.

Ele subiu as escadas devagar, largou a carteira e celular no criado mudo e sentou-se diante do computador. O brilho da tela iluminou seu rosto.

— Se eu conseguir encontrá-la, pelo menos vou ter um nome … — Disse para si mesmo, digitando no campo de busca o nome da escola de samba.

Achou o perfil da Escola de Samba no Instagram e foi direto para os seguidores. Olhou perfil por perfil de seguidor, procurando. Foram horas navegando entre fotos de ensaios, postagens de bastidores, vídeos, stories, centenas de rostos desconhecidos. Ele aumentava cada imagem, observava detalhes, procurando aquele sorriso tímido, o olhar doce, o rosto que já parecia tatuado em sua mente.

Nada!

Abriu o perfil da Krüger Holdings, percorreu comentários, curtidas, hashtags, na esperança de que algum algoritmo do destino o ajudasse a encontrar sua Cinderela não mais misteriosa, mas ainda sem nome.

Mas o tempo passou, e quando o relógio marcava quase quatro da manhã, os olhos pesavam. A frustração se misturava à exaustão.

— Isso já tá virando loucura … — Murmurou, fechando o notebook.

Deitou-se, ainda com a cabeça fervilhando. E antes que o sono o tomasse, a última imagem que lhe veio foi o colar caído no chão … o brilho da aliança pendurada nele e o sorriso da mulher que tomou seus pensamentos ao encontrar algo que deveria ser muito importante. Um símbolo. Um sinal.

Ele não sabia o nome dela. Mas tinha certeza de uma coisa: aquela garota ia cruzar de novo o seu caminho.

{…}

A fechadura girou devagar, e o som da chave na porta fez o estômago de Monalisa se revirar. O coração acelerou, as mãos frias. Por um instante, pensou em correr para o quarto e fingir que dormia. Mas antes que pudesse decidir, a voz de Vinícius ecoou suave, quase mansa:

— Amor … eu trouxe pizza.

Aquele tom calmo a confundia. Monalisa ficou imóvel, observando da porta do quarto. O cheiro familiar de frango com catupiry invadiu o ar. Era o sabor preferido dela. Na mesa, além da pizza ainda quente, havia também um mousse de maracujá e duas latas abertas. Refrigerante para ela, cerveja para ele.

Vinícius já estava sem camisa, apenas com uma bermuda escura. O corpo definido, o olhar ainda sombrio, mas contido. Ele a notou ali, parada, e caminhou devagar até ela.

— Me desculpa, meu amor … — Disse, num tom baixo, quase suplicante. — Você sabe que eu não faço as coisas por maldade. Eu só … — Ele respirou fundo, o olhar marejado — … é que te perder, nem passa pela minha cabeça. Eu te amo demais, Lisa. Demais.

Ela não respondeu. Havia algo diferente nele. Mais contido, sim, mas com aquela tensão silenciosa prestes a explodir. Ainda assim, o cheiro da pizza e a fome que latejava no estômago foram o suficiente para fazê-la se mover.

— Tá bom … — Ela respondeu, num fio de voz. — Eu vou comer um pouco.

Sentou-se à mesa, tentando disfarçar o tremor nas mãos. Vinícius sorriu, satisfeito, e se sentou em frente. Por alguns minutos, o clima pareceu normal. Ele observava cada movimento dela, o modo como cortava o pedaço, o olhar cuidadoso, o medo disfarçado.

Mas, de repente, ele se levantou bruscamente. O som da cadeira arrastando o chão fez Monalisa estremecer.

— Esqueci do ketchup pra você. — Disse rápido, forçando um sorriso. — Você gosta, né? — Ela apenas assentiu, o garfo ainda suspenso no ar.

Vinícius caminhou até a geladeira. Ele abriu a porta devagar, o som ecoando pelo ambiente. Pegou o frasco de ketchup, olhou por um segundo para o reflexo no inox, e então voltou-se para ela, o olhar ainda manso, mas com algo profundo, inquietante, escondido ali.

Monalisa engoliu em seco, o garfo agora imóvel sobre o prato.

— Aqui, amor. — Disse ele, depositando o ketchup à frente dela. — Quero que você saiba … eu vou melhorar. Juro que vou.

Ela sorriu, tímida, sem saber se acreditava e Vinícius se sentou novamente, abriu outra cerveja e a observou comer, silencioso.

Por fora, a calma. Por dentro, o caos que ele tentava segurar: o ciúme, o medo, a obsessão travestida de amor. E Monalisa, mesmo em silêncio, sentia: aquela paz era apenas o intervalo entre duas tempestades.

Vinícius se levantou quando viu que Monalisa havia terminado de comer. Pegou o prato dela e o seu, levando tudo para a pia. O som da água correndo foi o único ruído na cozinha. Ele lavava os pratos com calma, quase em silêncio, e por um instante, Monalisa o observou. Havia uma estranha serenidade naquele gesto.

Quando terminou, ele enxugou as mãos, abriu a geladeira e tirou o mousse de maracujá. Serviu em duas taças pequenas, decorou com raspas de chocolate, e trouxe uma até ela.

— Pra adoçar a noite. — Disse, com um meio sorriso.

Monalisa pegou a taça, tentando disfarçar o nervosismo. O sabor do mousse trouxe uma lembrança breve dos tempos em que ele era só o rapaz doce que a fazia rir nas festas da escola de samba.

Vinícius se aproximou devagar, sentando-se ao lado dela no sofá. Seu olhar, antes tenso, agora parecia mais brando. Passou os dedos no cabelo dela, afastando uma mecha do rosto.

— Você é linda, sabia? — Murmurou, a voz rouca, baixa. — E eu odeio quando deixo o medo atrapalhar o que a gente tem.

Monalisa tentou sorrir, mas o gesto morreu no meio do caminho. Ainda assim, não recuou quando ele inclinou o rosto. O beijo começou leve, com o toque hesitante de quem busca perdão, e foi se tornando mais lento, mais quente.

Vinícius encostou a testa na dela, respirando junto.

— Deixa eu te mostrar que eu posso ser diferente. — Sussurrou.

Ele deslizou os dedos pelo pescoço dela, os lábios encontrando o caminho do ombro, e o ar entre os dois ficou denso, cheio de promessa. Monalisa fechou os olhos, o medo e o desejo se confundindo dentro dela.

Num gesto mais carinhoso do que apressado, Vinícius a puxou para seu colo, beijou sua boca, desceu os lábios pelo pescoço e segurou firmemente sua bunda.

— Você é gostosa demais. Eu fico louco quando vejo outro homem desejando o que é meu.

Monalisa o conhecia bem, sabia que podia se defender naquele momento.

— Eu jamais olharia para outro homem, Vini. Eu sou apenas sua. — Mesmo que não fosse verdade, era o suficiente para mantê-lo calmo.

— Minha. — Ele repetiu, os dedos afundando na carne macia de seus quadris, marcando-a com a força da posse. — Só minha.

Monalisa arqueou contra ele, um gemido abafado pelo beijo de Vinícius. A afirmação, tão crua, tão absoluta, deveria assustá-la. Em vez disso, um tremor de aquiescência percorreu seu corpo. Era isso que ele queria ouvir. Era isso que ela, num canto obscuro de si mesma, precisava dizer.

A boca de Vinícius abandonou a dela, traçando um caminho úmido e ardente pela linha de seu maxilar, descendo pelo arco tenso do pescoço. Seus dentes cerraram suavemente no ponto onde seu pulso batia, um presságio do que estava por vir.

— Quero ouvir de novo. — Ele ordenou, a voz um sussurro áspero contra sua pele.

— Eu sou só sua, Vini — Ela ofegou, os dedos dele encontrando o laço delicado do short.

Monalisa cedeu, levantando o corpo para que Vinícius retirasse o shorts por suas pernas, revelando as coxas torneadas, os pelos arrepiados pela excitação suave do movimento. Ele a observou, seus olhos escuros percorrendo cada centímetro descoberto com uma lentidão que era uma tortura deliciosa. Vinícius tirou com delicadeza a blusinha leve que ela vestia. A renda preta do sutiã, a curva exposta de seus seios, a pele arrepiada de antecipação.

— Relaxa, se deita. — Ele comandou, não deixando espaço para questionamento.

Monalisa obedeceu, deitando-se sobre o veludo macio. Ele ficou de pé, tirando a própria bermuda com um movimento fluido, nunca tirando os olhos dela. A luz suave moldava os músculos definidos de seu torso, e aquele olhar fixo, intenso, a fez sentir menor, mais exposta. Completamente à mercê dele.

Ele se ajoelhou no chão, entre suas pernas e suas mãos grandes envolveram suas coxas, afastando-as. O ar gelado do ambiente contrastou com o calor que emanava de seu corpo.

Ele afastou levemente a calcinha, admirando o que jurava possuir.

— Tão linda … — Ele murmurou, o polegar traçando o contorno do elástico, sem pressa, apenas sentindo o tecido fino e a carne tensa sob ele. — Toda minha.

Ele puxou a calcinha de vez, expondo-a completamente. Monalisa tentou fechar as pernas, um reflexo de vergonha, mas as mãos dele em suas coxas foram firmes, a deixando imóvel.

— Não! — ele disse, suave, mas impositivo. — Eu quero ver. Quero ver o que é meu.

Seu olhar queimava. Ela sentiu um rubor quente subir por seu peito, pescoço, rosto. A vulnerabilidade era avassaladora, mas também … eletrizante.

Ele se curvou e o primeiro contato foi com a língua. Um lambe-lambe lento, calculado, que percorreu toda a extensão de xoxota. Monalisa gritou.

— Ahhhh … Você sabe que isso é covardia.

Seus quadris se contraíram involuntariamente. As mãos dele se apertaram, mantendo-a no lugar.

— Relaxa. — Ele pediu, o bafo quente contra a pele sensível. — Deixa eu fazer. Eu sei que você curte.

E ele fez. Sua boca se fechou sobre ela, e a língua encontrou seu clitóris com uma precisão devastadora. Círculos lentos, depois rápidos e firmes; pressão constante que a fazia gemer, suas mãos se enfiando no cabelo dele, não para guiá-lo, mas para se agarrar a algo, a alguma âncora naquele mar de sensações.

Ele a lambia, chupava, explorava cada dobra, cada ponto sensível, como se estivesse memorizando seu relevo. Um dedo deslizou para dentro dela, encontrando uma resistência úmida e quente. Ele entrou até o fim, uma intrusão gloriosa que a fez arquear as costas do sofá.

— Vini … — Ela gemeu, seu próprio som parecendo distante. — Ahhhh …

— Eu sei do que você gosta … — Ele provocou, sua voz vibrante, uma sensação dupla, auditiva e física, que a levou à beira do êxtase. — Geme pra mim. Me deixa ouvir.

Um segundo dedo se juntou ao primeiro, esticando-a, preenchendo-a de uma maneira quase perfeita … perfeitamente certeira. Os dedos dele se curvaram dentro dela, encontrando um ponto que fez suas vistas escurecerem. Sua boca nunca parou, sugando o clitóris com uma fome que parecia insaciável.

— Ahhhhhhhhhh, Vini … Ahhhhhhhhhh …

A pressão começou a se acumular, uma espiral apertada e quente no seu ventre. Sua respiração ficou ofegante, entrecortada por gemidos que ela não conseguia mais controlar. Ela estava perdida, afundando em uma névoa de puro prazer culposo, onde só existiam a boca dele, os dedos dele, a voz dele.

— Vou gozar … — Ela anunciou, com a voz trêmula, embargada pelo tesão.

Ele acelerou o ritmo. Os dedos bombeando dentro dela, mais rápido, mais profundamente. Sua língua ágil, ávida, em constante fricção no ponto mais sensível dela, sem piedade.

O orgasmo a atingiu como uma onda de puro êxtase, se espalhando por todo seu corpo. Ondas de espasmos, os músculos vaginais se contraindo violentamente em volta dos dedos dele, as pernas tremendo de forma incontrolável.

Um grito abafado escapou de seus lábios e ela desabou no sofá, consumida, esvaziada.

— Cacete, Vini … Você sabe mesmo como me agradar …

Ele se ergueu, olhando para ela com olhos escuros de triunfo e desejo não saciado. Ele levou os dedos, ainda brilhantes com seu prazer, à boca e os lambeu, sem desviar os olhos dela.

— Minha … só minha … — Ele repetiu.

Ele se levantou. Monalisa, ainda ofegante, fraca, mal conseguia focar. Ele já estava nu diante dela, imponente, ereto. Ele a pegou pelos quadris e a virou de bruços no sofá, com uma facilidade que a fez sentir incrivelmente frágil. Sua mão pressionou as costas dela, arqueando sua coluna, elevando seu quadril para ele.

— Agora … — Ele sussurrou, a cabeça do pau pincelando a entrada da buceta, ainda pulsante e supersensível do orgasmo. — Agora eu vou te foder.

Ele entrou de uma vez, não com força, mas em um único movimento profundo que a preencheu completamente, arrancando um gemido rouco e abafado contra o veludo do sofá.

— Ahhhhhhhhhh …

Ele estava totalmente dentro dela. Grande como ela lembrava, preenchendo cada espaço. Ele parou, tirou novamente, e voltou a enterrar até o fim. Ambos respiraram fundo, o corpo dela se ajustando à invasão avassaladora.

— Minha … só minha … — Ele rosnou, inclinando-se sobre suas costas, seus lábios perto de seu ouvido.

Ele começou a se mover. Estocadas longas e profundas que a faziam gritar a cada investida.

— Vini … seu desgraçado … eu te odeio e te desejo ao mesmo tempo … Ahhhhhh …

Suas mãos agarravam os quadris de Monalisa, puxando-a contra ele com cada estocada, o som de seus corpos se encontrando ecoando. Era possessivo, era cru, era exatamente o que ele prometera. Exatamente como ela adorava. Ela estava perdida no ritmo, no sentimento de ser tomada, reivindicada, possuída. Cada som que ele emitia, cada grunhido gutural, era uma afirmação.

— Diz … — Ele ordenou, sua voz tensa com o esforço, os quadris batendo contra ela com uma força que a movia para frente. — Diz de quem você é?

— Sua! — Ela gritou, a voz quebrada. — Sou só sua, Vinícius!

Ele emitiu um som de aprovação animal, um dos braços envolvendo sua cintura e puxando-a para mais perto ainda, seu peito suado colado nas costas dela. Sua outra mão se enterrou em seu cabelo, puxando gentilmente, expondo seu pescoço para seus lábios.

— Não esquece nunca. — Ele sussurrou, antes de enterrar os dentes no músculo do pescoço dela, marcando-a de novo, enquanto seus quadris continuavam seu ritmo implacável.

Ele parou por um momento e a carregou até o quarto. Seus passos firmes e determinados, como se ela não pesasse mais que uma pena. O mundo girava em um borrão de sensações para Monalisa, seu corpo ainda vibrando com os ecos do orgasmo que ele próprio provocara. A atmosfera mudou do veludo do sofá para os lençóis de algodão egípcio, mais frios, mais impessoais, mas que em segundos se tornaram o palco de sua rendição final.

Ele a deitou no centro da cama larga, sua sombra pairando sobre ela como uma promessa inescapável. Os olhos escuros de Vinícius percorreram seu corpo despido, e mesmo sob esse escrutínio, Monalisa sentiu um novo tipo de calor, mais profundo, mais submisso, brotar em suas entranhas.

— Aqui. — Ele disse, novamente, um comando suave que não admitia discussão. — É onde você realmente vai aprender.

— Aprender o quê, Vini? — Sua pergunta saiu mais como um sussurro ofegante, um fio de voz que denunciava sua excitação latente.

Ele se inclinou, apoiando as mãos em cada lado de sua cabeça, encurralando-a. Seu corpo quente quase a tocava, e o cheiro dele, suor e uma essência amadeirada, inundou seus sentidos.

— A aprender que esse corpo … — Uma de suas mãos desceu, a palma quente cobrindo seu ventre, os dedos se espalhando sobre sua pele. — … essa respiração … — Ele baixou a cabeça e sussurrou contra seus lábios. — … e esse gemido … — Sua boca capturou a dela num beijo devorador, roubando-lhe o ar. — … são meus. Você é minha.

Ele a beijou com uma posse quase violenta em sua intensidade, sua língua invadindo, explorando, reivindicando. Monalisa se entregou, suas mãos subindo pelas costas largas dele, sentindo os músculos se contraírem sob sua pele. Ela se abriu, permitindo que ele tomasse o que queria, porque no fundo, era o que ela mais desejava. A brutalidade habitual, o tratamento possessivo na cama se revelava o combustível para o prazer que a consumia.

Ele parou o beijo, a encarando com devoção obsessiva.

— Vira de lado. — A ordem foi curta, clara.

Ela obedeceu, movendo-se em pura submissão. Ele se posicionou atrás dela, seu torso quente pressionando suas costas. Um braço pesado envolveu sua cintura, puxando-a para trás, até que suas nádegas se encaixassem perfeitamente contra seu quadril. Ela sentiu a rigidez intensa dele pressionar sua pele, uma ameaça e uma promessa.

— Não se mexe. — Ele ordenou, a voz um rosnado suave em seu ouvido.

Sua mão livre desceu, os dedos encontrando o núcleo úmido e sensível entre suas pernas. Monalisa cerrou os olhos, um gemido sufocado escapando quando seus dedos a tocaram, não com delicadeza, mas com posse direta, como se estivesse simplesmente verificando o que já lhe pertencia.

— Tão molhadinha. — Ele a provocou, e a vibração da voz dele contra seu pescoço fez sua pele arrepiar. — Minha putinha submissa é a melhor.

A vulgaridade das palavras, dita com aquela voz grave e possessiva, fez algo dentro dela se contrair de prazer. Ele não esperou por uma resposta. Seus dedos começaram a se mover, circulando seu clitóris com uma pressão firme e experiente que a fez arquear as costas ainda mais, um longo som de satisfação escapando de sua garganta.

— Isso …. — Ele a incentivou, mordendo de leve o lóbulo de sua orelha. — Geme pra mim. Deixa essa cama toda saber quem é que te faz sentir assim.

Ela gemeu, alto e claro, perdendo o pouco que restava de sua inibição.

— É você, Vini … só você. — Ela se rendeu.

Ele voltou a penetrar. Estocadas intensas, profundas … a mão enrolada em seu cabelo, segurando firme, a puxando contra ele. O pau entrando e saindo, indo e voltando … o hálito quente contra seu ouvido, os dedos implacáveis, a sensação de estar completamente imóvel em seus braços, uma prisão de puro êxtase. A pressão começou a crescer novamente, uma espiral vertiginosa de calor que se apoderava dela

— Vini … tá perto … não para … Ahhhh … — Ela suplicou, com a voz trêmula, suas unhas cravando-se no braço que a prendia.

— Não! — A ordem foi seca, e seus dedos pararam imediatamente, afastando-se de sua carne pulsante. — Não até eu dizer.

A frustração foi um grito mudo dentro dela. Uma queixa de frustração.

— Por quê?

Ele a virou de repente, de costas novamente, e pairou sobre ela, seus quadris entre suas pernas abertas. A cabeça inchada e quente do seu membro pressionando sua entrada, mas não a invadindo. Ele a fitou, e havia um fogo triunfante em seus olhos escuros.

— Porque eu posso. — Ele se moveu para frente, apenas alguns centímetros, o suficiente para fazê-la suspirar de antecipação. — Porque eu quero ouvir você me pedir.

Monalisa mordeu o lábio, a negação misturada com um desejo tão profundo que doía. Ela sabia o jogo. Conhecia as regras. E seu corpo ansiava por se render a elas.

— Por favor … — O pedido saiu como um gemido, quase inaudível.

— Por favor, o quê? — Ele se moveu mais alguns centímetros, uma penetração agonizantemente lenta e superficial que a fez contorcer-se sob ele.

— Por favor, me fode. — Ela não reconhecia sua própria voz, tão carregada de necessidade. — Eu quero … eu preciso …

Ele não sorriu. Seu rosto era uma máscara de concentração dominante.

—Quem? — Ela se divertia ao torturá-la.

— Você, Vini. Só você. — Ela suplicou, frustrada, mas esperançosa.

Finalmente, com um único movimento fluido e poderoso, ele a preencheu completamente outra vez. Ele estava todo dentro dela, mais fundo do que antes, cada centímetro uma afirmação de seu controle. Ele parou, enterrado até o fim, e apenas a observou, seus músculos tensos, suor escorrendo pela testa.

— É isso. — Ele sussurrou, sua voz áspera. — É assim que eu gosto. Você, aberta pra mim. Me esperando.

Ele começou a se mover, com uma cadência que era ao mesmo tempo metódica e feroz. Estocadas longas e profundas que atingiam algo fundo dentro dela a cada empurrão. Suas mãos agarravam seus quadris, levantando-a para encontrar seu ritmo, e o som de sua pele batendo contra a dela preencheu o quarto.

Monalisa perdeu-se no ritmo, seus gemidos se tornando um mantra contínuo, ecoando cada um dos seus movimentos. Ela era apenas sensação: a fricção divina dentro dela, as mãos fortes que a mantinham no lugar, o olhar obsceno e fixo que ele mantinha em seu rosto, observando cada contração, cada suspiro, cada piscar de olhos.

— Diz. — Ele exigiu, sua respiração ofegante, seu ritmo acelerando, tornando-se mais urgente, mais selvagem. — Grita, diz de quem você é.

— Sua! — Ela gritou, os dedos se enterrando nos lençóis. — Sou toda sua!

Um som de pura aprovação animal saiu da garganta dele. Ele cambaleou para frente, apoiando-se em seus braços, seu peito colado no dela, e enterrou o rosto em seu pescoço suado.

— Goza. — Ele ordenou. — Agora você pode gozar pra mim.

Foi a ordem final que seu corpo desesperado estava esperando e a onda de prazer a atingiu sem aviso, um cataclisma tão intenso que sua visão embaçou. Seus músculos internos se contraíram violentamente em volta dele, um aperto úmido e rítmico que arrancou um gemido longo e gutural dele.

Ele continuou a estocar, prolongando o êxtase dela, extraindo um tremor novo de seu corpo exausto.

— Vini … — Ela gritou seu nome, uma palavra sem forma, um som puro de rendição.

Ele finalmente gozou, seu próprio corpo sendo tomado por um tremor forte, e com um rugido abafado, ele ejaculou dentro dela, quente e profundo, sua posse final.

Ele desabou sobre ela, satisfeito e convencido, os lábios ainda contra seu pescoço.

— Você é minha. Agora e para sempre.

{…}

Naquela manhã de segunda-feira, o ônibus freou com um rangido áspero na avenida movimentada. Monalisa ajeitou a bolsa no ombro, respirando fundo antes de descer os degraus. Ainda se acostumava com o novo trajeto, duas conduções e mais de uma hora de viagem, mas o trabalho era o que mantinha as contas em dia, as parcelas da dívida, paga e a cabeça ocupada.

O sol da manhã refletia nas fachadas antigas dos prédios industriais quando ela começou a caminhar até o portão da filial. O vento trazia o cheiro do asfalto quente misturado ao de café vindo de algum botequim próximo.

Lá adiante, uma viatura da PM fazia o patrulhamento de rotina. O carro seguia devagar, com o rádio chiando. Vágner olhava a rua distraído, o olhar perdido entre o trânsito e as calçadas. Fazia anos que deixara o morro, e às vezes, quando cruzava com algum rosto que lembrava o passado, sentia o peito apertar, uma mistura de nostalgia e culpa por ter partido.

Mas então ele a viu. Por um instante, achou que fosse um engano. Aquela mulher de uniforme, cabelo preso num coque simples, andando com o olhar baixo ... não podia ser. Mas era. Mesmo sem o brilho das fantasias de carnaval, escondida atrás do tecido grosso do uniforme, Monalisa irradiava algo impossível de disfarçar.

— Para aqui um segundo, Moura. — Vágner pediu, a voz rouca, firme, com urgência.

O parceiro olhou para o lado.

— O que foi, tenente?

— Conheço aquela moça ali. — Respondeu, sorrindo feito bobo.

Monalisa ouviu o barulho da sirene curta, virou o rosto e congelou. O tempo pareceu se distorcer. O homem fardado, alto, de sorriso gentil, que saía da viatura era o mesmo garoto que um dia brincava no morro com ela, descalço, empinando pipa e dividindo sonho com risada. O mesmo que partira sem se despedir direito, abandonando uma promessa muda.

— Vágner? — Ela sussurrou, incrédula.

Ele sorriu, aquele mesmo sorriso torto de antes.

— Achei que meus olhos estavam me pregando uma peça. É você mesmo, Lis?

Ela sorriu de volta, hesitante, o coração disparando. Somente Vágner a chama assim. Lis, um apelido carinhoso.

— Sou eu, sim … Olha só pra você. Fardado, crescido …

— E você … — Ele balançou a cabeça, admirando-a com respeito e ternura. — Tá igualzinha. Quer dizer … diferente, mas … do jeito certo.

Ela sorriu, meio sem graça.

— Você continua o mesmo falador, bom de lábia.

O parceiro de Vágner observava a cena, apoiado na viatura, com um meio sorriso divertido.

— tenente, se quiser, eu dou uma volta no quarteirão.

— Vai lá, Moura. Eu te encontro na esquina. — Respondeu sem tirar os olhos de Monalisa.

Quando ficaram a sós, o silêncio caiu por alguns segundos, cheio de lembranças boas que aqueciam aquele reencontro.

— Faz tempo, né? — Ela disse. — Nem lembro a última vez que a gente se viu.

— Foi no enterro do teu pai. — Vágner respondeu, sério. — Depois daquilo … eu precisei sair.

— Eu sei. — Monalisa baixou os olhos. — A Socorro sempre fala de você com orgulho. Você desapareceu. A madrinha sente muito a sua falta.

Ele respirou fundo.

— E ela continua cuidando de todo mundo, né?

— Sempre.

Por um instante, ficaram apenas olhando um para o outro, com o barulho distante do trânsito preenchendo o espaço entre eles.

— Eu trabalho aqui agora. — Disse ela, apontando o prédio. — Fui transferida semana passada.

— E o Vinícius? — Ele perguntou, a voz involuntariamente tensa. — Ainda se acha o dono de tudo e todos.

— Ele tá bem … eu acho. — respondeu Monalisa, desviando o olhar.

Vágner percebeu o desconforto, mas preferiu não insistir. Apenas assentiu, forçando um sorriso leve.

— Se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, eu ainda tô por aqui. Ainda sou aquele mesmo Vágner de sempre.

— Você diz isso, mas foi embora sem nem se despedir … — Ela respondeu, e pela primeira vez em muito tempo, sentiu uma pontada de segurança verdadeira no peito.

Vágner olhou o relógio e respirou fundo, como se buscasse coragem para estender aquele reencontro.

— Tem um tempinho para um café? — Perguntou, com um meio sorriso.

Monalisa olhou o celular.

— Uns trinta minutos, no máximo. — Deu de ombros, devolvendo o sorriso. — Acho que dá.

Caminharam até a padaria da esquina, e por um instante, pareciam ter voltado anos no tempo. O cheiro de pão quente, o som dos carros lá fora, tudo remetia a uma simplicidade que há muito tinham perdido. Sentaram-se num canto perto da janela, o silêncio inicial sendo quebrado pelo tilintar das xícaras.

Vágner achou que poderia estar sendo indelicado, mas precisava saber.

— E o Vinícius? — Ele perguntou, tentando soar casual, mas o tom o traía. — Vocês ainda estão juntos?

Monalisa respirou fundo, desviando o olhar para a rua.

— Estamos, sim. — E sorriu, mas o sorriso não alcançou os olhos. — Ele tá ... no mesmo caminho de sempre.

Vágner percebeu o peso nas entrelinhas, mas não comentou. Só se encostou na cadeira e deu um leve sorriso.

— Como eu imaginei. — Fez uma pausa, brincando com a colher. — Ele sempre teve sorte.

— Sorte? — Monalisa o encarou, sem entender.

— De ter você — Respondeu ele, simples, sem disfarçar o tom sincero.

— Ah, para com isso, Vágner … — Monalisa riu, tentando aliviar o clima.

— Tô falando sério. — Ele sustentou o olhar, mas logo desviou, como se tivesse dito mais do que devia. — Mas enfim ... é bom te ver, Lis. De verdade.

Ela sorriu de volta, e naquele instante, entre o vapor do café e o murmúrio das conversas ao redor, pairou no ar um tipo de silêncio que dizia mais do que qualquer palavra poderia.

Rever Vágner, ver o caminho que a vida dele tomou … se soubesse como seria seu futuro, no que Vinícius se transformaria … talvez, lá atrás, tivesse feito uma escolha diferente.

Quando terminaram o café, Vágner pegou o celular e abriu os contatos.

— Me passa seu número, Lis. — disse, sorrindo. — A gente pode se falar qualquer dia desses, né?

Ela salvou o contato e ligou para que ela pudesse salvar também, observando enquanto ela digitava. Foi então que, sem querer, notou um detalhe: ela o salvara na agenda com o nome “Vanessa”. O peito dele apertou. Fingiu não ver, mantendo o sorriso, mas algo dentro dele afundou. Sabia o que aquilo significava: medo da reação de Vinícius.

— Mudou muita coisa, né? — Ele comentou, tentando disfarçar o desconforto. — Mas tem coisa que nunca muda ...

— É, a vida segue. — Ela riu nervosa, meio sem graça.

Ele ficou em silêncio por um momento, encarando-a com a sinceridade de quem não sabia fingir.

— Me responde uma coisa, Lis ... — A voz saiu mais suave do que ele esperava. — Você é feliz?

Monalisa parou, o sorriso se desfez. A pergunta pareceu atravessá-la.

— Feliz? — Repetiu, baixando o olhar para a xícara vazia. — Na medida do possível, acho que sim. Tem gente em situação pior do que a minha.

Vágner inclinou a cabeça, a expressão firme, mas cheia de ternura.

— Você sabe o que eu quis dizer.

Ela respirou fundo e, em vez de encará-lo, olhou o celular de novo.

— Foi bom te ver ... de verdade. Mas eu preciso ir. Já estou em cima da hora. — Disse, levantando-se apressada, fugindo de uma resposta que não queria dar.

Ele a acompanhou até a porta da padaria, em silêncio. Quando ela se afastou, o perfume dela ainda pairava no ar, despertando memórias que ele achava ter abandonado. O coração, calejado pelo tempo e pela vida dura, batia acelerado. Achou que estava livre. Que o tempo tinha apagado o que sentia. Mas bastou revê-la, bastou aquele olhar, aquele tom de voz … e a brasa morna que dormia quieta em seu peito se acendeu outra vez. Viva, indomável, como se o tempo não tivesse passado.

{…}

Vágner sempre foi o orgulho da tia, Maria do Socorro, que o criou desde pequeno como se fosse um filho. Órfão cedo, cresceu entre o barracão da escola de samba e as vielas da comunidade, ao lado dos mesmos rostos que hoje dividiam as notícias e as festas do morro. Entre esses rostos, dois se destacavam: Vinícius, o filho do bicheiro que mandava ali, e Monalisa, a menina de sorriso doce e olhos determinados, a afilhada de sua tia.

Os três foram inseparáveis na infância e adolescência. Compartilharam sonhos, segredos e até as primeiras travessuras da adolescência. Mas a amizade começou a ruir quando o sentimento de Vágner por Monalisa ultrapassou a fronteira da amizade. Ele nunca teve coragem de dizer o quanto a amava, e quando ela escolheu Vinícius, o amigo de temperamento explosivo e destino fácil, o golpe foi doloroso.

A dor da perda e o medo de se tornar mais um refém daquele ambiente o impulsionaram a deixar o morro. Prestou o concurso para a polícia militar e passou. O dia em que vestiu a farda pela primeira vez foi também o dia em que prometeu nunca mais se deixar prender. Nem pela dificuldade, nem pelos sentimentos.

O contraste entre ele, agora policial, e o antigo amigo, herdeiro de uma contravenção disfarçada de poder comunitário, era o retrato mais claro dos rumos opostos que a vida poderia traçar.

— Então, tenente Vágner … — Disse o homem atrás da mesa, um sujeito corpulento, voz grave e olhar de quem não gostava de ouvir “não”. — Já faz três semanas que a gente conversou. Tô começando a achar que você está me enrolando.

— Não tô enrolando, major. Só … precisava pensar. — Vágner manteve a postura firme, as mãos entrelaçadas sobre o joelho, o uniforme impecável.

— Pensar? — O homem riu, debochado. — A gente não tá te pedindo para trair seu juramento, tenente. É só ajudar quem tá garantindo a ordem de verdade. Você conhece aquela comunidade melhor do que ninguém. Sabe quem é quem, quem manda, quem deve, quem obedece. Isso vale ouro pra nós.

Vágner desviou o olhar, fixando-se num ponto vazio da parede. O rosto de Monalisa lhe vinha à cabeça. O sorriso tímido, o olhar cansado, a voz doce dizendo que estava “ feliz na medida do possível”. Aquela resposta o corroía por dentro.

— Eu cresci lá, major — Disse, por fim. — Tem muita gente boa naquela comunidade. Gente que só quer sobreviver.

— E vai continuar sobrevivendo. — Respondeu o homem, acendendo um cigarro. — A gente não quer guerra, quer controle. O velho Joca e o filho dele tão deitando e rolando há tempo demais. Chegou a hora de botar ordem na casa.

O silêncio pesou. O som do isqueiro estalando e o cheiro de fumaça preencheram a sala abafada.

— A gente precisa de alguém que abra caminho. — O major continuou exalando a fumaça devagar. — Alguém de dentro. Que as pessoas respeitem. Você pode fazer isso, Vágner. E não tô falando só de dinheiro. É poder. E oportunidade.

Vágner ergueu o olhar, encarando o superior.

— E se eu disser que não?

— Aí a gente vai ter que achar outro jeito. — O homem sorriu, mas sem humor. — Mas te garanto: vai ser bem mais feio pra quem ficar no meio.

A tensão ficou suspensa no ar por longos segundos. Vágner respirou fundo, o maxilar tenso. Naquele instante, o rosto de Monalisa voltou à mente. O olhar apagado, a beleza escondida, a voz resignada. Vinícius a dominava, tinha poder sobre ela, e sobre toda a comunidade.

Se aquele era o preço para libertá-la, ele pagaria.

— Tá certo, major. — Disse, por fim, a voz rouca, mas firme. — Eu topo.

— É assim que eu gosto. Seja bem-vindo à família. E como dizia o poeta: “Exitus Acta Probat”, tenente. — O homem sorriu satisfeito, se recostando na cadeira.

Vágner não respondeu. Levantou-se, o peito pesado. Enquanto saía da sala, o eco das palavras do major soava como sentença. Ele sabia o que estava fazendo, e sabia o quanto ia se sujar. Conhecia aquela frase, era o lema do Major, repetida à exaustão por ali: “Exitus Acta Probat”.

Por Monalisa, os fins justificavam os meios.

Continua …

*Alguns afirmam que a ideia tem raízes antigas, e é atribuída ao Poeta Ovídio, em latim. Já outros, dizem que a frase é uma interpretação da obra "O Príncipe", de Maquiavel, que sugere que ações cruéis ou hipócritas podem ser justificadas se levarem à manutenção do poder. A ideia mais próxima que se tem de Maquiavel é a de que a moralidade deve ser flexível para o governante atingir seus objetivos políticos.

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Comentários

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Muita gente querendo a Monalisa e isso faz total sentido

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