Amor Surrealista #20

Da série Amor Surrealista
Um conto erótico de Leonora
Categoria: Lésbicas
Contém 2209 palavras
Data: 01/11/2025 18:02:37

Depois daquela conversa no sótão, comecei a admirar muito mais a Valentina. Não sei como ela conseguiu passar por tudo o que passou sem cometer nenhuma loucura. A história dela com a Isabel era linda, mas com um final muito triste e injusto para ambas. Não sei nem como nomear o que elas viveram, mas, infelizmente, a vida nem sempre é justa com quem merece.

Naquele dia e nos seguintes, Valentina me explicou muitas coisas. Soube de vários outros detalhes da história delas, como a importância que Orlando teve para as duas. Ele não era simplesmente o curador da galeria, ele era melhor amigo da Isabel e foi muito importante na história das duas. Ele também ajudou Valentina a superar a perda de seu grande amor e também a administrar a galeria, fazendo-a se tornar um sucesso.

Valentina contou que Orlando e Isabel se conheceram no ensino médio. O amor pela arte os levava direto à biblioteca, onde liam livros e buscavam mais conhecimento. Foi lá que conversaram pela primeira vez, e o gosto em comum os uniu. Com o tempo, tornaram-se grandes amigos e confidentes. Muitos diziam que eles eram namorados, e eles não se importavam, pois na época já conheciam a orientação sexual um do outro. Esses rumores ajudavam a manter as aparências. No fim, esse namoro, mesmo que falso, aconteceu. Valentina disse que Isabel também deixou um vídeo para Orlando o agradecendo e terminou o falso namoro antes de contar aos pais sobre a doença. Ela também não queria que ele a visse no estágio final da doença.

Valentina também me contou que o local da galeria ainda pertence à família de Isabel, que eles cobram um aluguel bem abaixo do mercado. Isso foi um pedido de Isabel aos pais, que no vídeo ela explicou que Valentina não precisaria se preocupar com isso. Ela fez seus pais prometerem que manteriam o aluguel acessível para a galeria.

Valentina também me exclareceu mais coisas sobre o trabalho. Os quadros que eu terminaria seriam vendidos e o dinheiro doado para um instituto que trata pessoas com doenças neurológicas. Depois de saber disso, não pensei duas vezes em aceitar o trabalho, nem aceitei pagamento, até porque esse trabalho também poderia abrir portas para eu finalmente tirar minhas pinturas do sótão e apresentá-las ao mundo.

Valentina deixou claro que não esconderia nada e que antes da exposição divulgaria o máximo que pudesse sobre os quadros, me apresentando como a pessoa que os finalizou. Eu não me tornaria famosa, mas no mundo da pintura, certamente eu seria reconhecida, e não apenas nacionalmente, pois os quadros de Isabel já haviam atravessado fronteiras há muitos anos. Isso poderia me trazer reconhecimento pelo meu trabalho e a possibilidade de ter minha própria exposição. Não vou negar que faria o trabalho mesmo no anonimato, mas essa perspectiva me deixou ainda mais animada.

Valentina me levou até o túmulo de Isabel. Ela disse que ia lá toda semana nos primeiros anos, mas quase foi flagrada chorando no túmulo por várias vezes pelos pais de Isabel. Para evitar problemas, começou a ir menos, agora apenas, duas ou três vezes por ano. Foi triste estar diante do túmulo da pessoa que sempre sonhei em conhecer, da artista que eu mais admirava, mas que infelizmente não tive a chance de conhecer em vida. Não ficamos muito tempo, mas fizemos uma oração pela alma dela. Eu, particularmente, torcia para que ela estivesse em paz onde for que ela estivesse.

No dia seguinte àquela conversa no sótão, saí para comprar as coisas que precisaria para o trabalho e que não tinha no sótão. Quando voltei, notei que havia alguém na casa. Havia um carro estacionado na garagem que com certeza não era de Valentina. Assim que estacionei, vi um homem mexendo no jardim e, ao me ver, ele acenou. Eu devolvi o aceno e fui para dentro, já com o celular na mão, pronta para ligar para Valentina e perguntar quem era o homem. Imaginei que era o jardineiro, mas não tinha certeza e queria confirmar. Porém não foi necessário, pois ao entrar na cozinha, encontrei Geovanna e uma outra mulher. Pela aparência, imaginei que era sua mãe ou alguma irmã mais velha.

Geovanna foi a primeira a me ver, abriu um sorriso e estendeu a mão para me cumprimentar. Acho que ela percebeu minha expressão de confusão e perguntou se Valentina não tinha avisado sobre a visita delas. Eu disse que não tinha. Então, ela me explicou que ela e os pais faziam faxina na casa de Valentina uma vez por mês e, provavelmente, Valentina esqueceu de me avisar. Concordei que com certeza ela havia esquecido, pois não estava sabendo de nada.

Conversei bastante com Geovanna e descobri que a mulher com ela era sua mãe e que o homem no jardim era seu pai. Ela me contou que, além de ser a administradora da página da Casa da Cultura, "trabalho que Valentina arrumou para ela com a presidente", ela também ajudava a mãe com as faxinas e estudava comunicação à noite. Ela explicou que a mãe começou a trabalhar ali muitos anos atrás para a avó de Valentina, fazendo o mesmo que faz agora. Mesmo depois da morte da avó, Valentina manteve o emprego, e as duas se tornaram grandes amigas.

Elas passaram o resto do dia na casa, e eu até ajudei em alguns serviços. As duas pareciam ser muito legais, especialmente Geovanna, que era alegre e divertida. Ela me contou que estava noiva e expressou preocupação pelo noivo ser policial em uma cidade tão violenta. Ela disse que estava tentando convencê-lo a mudar de profissão antes do casamento.

Pelo que conversamos, elas não sabiam sobre as pinturas nem sobre Isabel. Valentina havia dito que só outra pessoa sabia, então imaginei que era Orlando.

Naquele dia, não consegui começar o trabalho por causa das visitas. Quando elas foram embora, o sol já estava quase se pondo, então só levei algumas tintas, pincéis e outras coisas que precisaria para o sótão. Depois fui preparar o jantar e esperar Valentina voltar do trabalho. Assim que ela chegou, se desculpou por não ter me avisado sobre a faxina. Eu disse que não havia problema, mas queria saber os dias e horários que elas viriam, para não ser pega de surpresa fazendo algo que ela não poderiam ver. Valentina entendeu o que eu quis dizer, e prometeu me passar tudo e ainda me avisar com antecedência, quando elas fossem vir.

No outro dia de manhã quando comecei o trabalho, escolhi um quadro que estava mais adiantado, mas travei diante dele. Não era que eu não soubesse o que fazer, mas o medo de cometer um erro e estragar aquela obra de arte era enorme. Desisti e procurei um que estivesse mais no início. Encontrei alguns que estavam praticamente só iniciados; um tinha o fundo e um começo de desenho do rosto de uma mulher, o outro era praticamente só o fundo. Decidi usar o que só tinha o fundo e comecei meu trabalho naquele quadro. Antes de começar, lembrei das coisas que descobri sobre Isabel e resolvi pintar algo em homenagem a ela.

Foquei naquele quadro e passei praticamente o dia todo pintando. Era como se eu estivesse desconectada do mundo e existisse apenas a tela, as tintas, os pincéis e a ideia que eu estava transformando em pintura. Quando se tem uma ideia bem definida, as coisas fluem rapidamente. Quando Valentina chegou do trabalho, ela subiu ao sótão para ver como eu estava indo. Sinceramente, nem percebi sua chegada e até me assustei um pouco quando ouvi ela dizer;

Val— Meu Deus, Nora! Que lindo que está ficando!

Nora— Jura que está ficando bom?

Val— Bom?! Esse quadro é, sem dúvidas, um dos mais lindos e significativos que já vi na minha vida! Eu simplesmente amei!

Nora— Que bom que gostou, Val.

Val— Eu sabia que você era talentosa, mas não imaginei que era tanto assim. Obrigada por isso.

Quando olhei para Valentina, vi lágrimas escorrendo por seu rosto, mas o sorriso em seus lábios mostrava que aquelas lágrimas não eram de tristeza. Isso arrancou um sorriso bobo dos meus lábios.

Olhei para o quadro e realmente estava lindo. Eu havia pintado uma libélula bem no centro do fundo azul. Era como se ela estivesse de costas para quem olhasse o quadro, com as asas abertas, voando para cima. Mas havia uma diferença nas asas: as de trás eram características de uma libélula, enquanto as da frente eram douradas, e na forma de asas de um anjo. Pintei uma luz dourada no topo do quadro, com raios descendo até a parte inferior. Era como se a libélula estivesse voando em direção à luz. Não queria transmitir nenhum tipo de tristeza, então pintei as asas de trás com as seis cores da bandeira LGBT. Era como se as asas fossem transparentes e dentro delas tivesse varias ondas de cores misturadas. O quadro ficou vibrante e colorido.

Para quem não conhecia a história de Isabel, aquele quadro poderia ser apenas bonito, mas para quem sabia, o significado era claro. Acho que por isso Valentina gostou tanto dele; eu também havia amado. Porém, ainda não estava totalmente finalizado e a luz já não era boa para pintar, então decidi deixar a finalização para o dia seguinte. Chamei Valentina para descer, e ela disse que já iria, só precisava fazer algo primeiro. Aproximou-se do quadro e tirou uma foto. Avisei que ainda não tinha terminado, e ela respondeu que sabia, mas precisava calar a boca de um crítico, sorriu e saiu me puxando pela mão.

Ao chegarmos à porta do meu quarto, perguntei o que ela quis dizer com "crítico".

Val— Contei para Orlando que você estava aqui e o que estava fazendo. Ele não gostou nem um pouco, disse que eu era louca por colocar uma pintora inexperiente para terminar os quadros da Isabel. Eu disse que sabia o que estava fazendo, que tinha visto seus quadros, mas mesmo assim, ele não ficou convencido.

Nora— Entendo ele, também acho que você está louca de me pedir para terminar os quadros.

Val— O que acabei de ver ali em cima prova que não estou louca e que realmente sabia o que estava fazendo. Mas já sabia disso desde que vi seus primeiros quadros naquele sótão. Você é perfeita, Nora.

Nora— Tomara que você esteja certa.

Disse a ela que iria tomar um banho e preparar nosso jantar. Ela também foi tomar banho e antes me avisou que me ajudaria preparar o jantar. Depois do banho, nos encontramos na cozinha. Valentina estava com uma expressão ótima e abriu um sorriso vitorioso ao dizer que Orlando tinha falado que estava vindo ver o quadro de perto. Mas que ele já havia dito que era lindo e logo estaria chegando para ver o quadro e jantar conosco. Eu não sabia se ficava feliz ou nervosa com essa informação.

Orlando apareceu meia hora depois, como sempre muito educado, mas não falou muito. Valentina o levou para ver o quadro antes mesmo de deixá-lo jantar. Eu fiquei na cozinha, jantando sozinha, pois estava com muita fome. Eles demoraram bastante no sótão, e quando voltaram, eu já tinha jantado e lavado meu prato. Percebi que Orlando estava com os olhos meio vermelhos, provavelmente tinha chorado. Ele entrou na cozinha e me deu um abraço. Fiquei meio envergonhada, mas gostei.

Ele me encheu de elogios assim que me soltou, e fiquei ainda mais envergonhada. No fim, ele nem quis jantar, despediu-se de nós e foi embora. Valentina disse que ele se emocionou muito ao ver o quadro e confirmou que eu realmente era perfeita para o trabalho.

Os dias foram passando e eu já havia terminado dois quadros e começado um meu. Queria aproveitar aqueles momentos mais emotivos para pintar algo só meu. Valentina aprovou a ideia e disse que não precisava ter pressa com os quadros da Isabel.

Minhas aulas voltaram e continuaram chatas. Agora que estava pintando todos os dias, nem as aulas práticas me agradavam. Aquilo estava sendo uma tortura para mim, mas eu iria até o fim dessa vez. Eu coloquei na cabeça que iria conseguir meu diploma.

Meu convívio com Valentina estava cada vez melhor e nossa intimidade aumentava. Estávamos mais soltas uma com a outra, brincando mais e o contato físico também aumentou. Os olhares dela para mim, quando achava que eu não estava vendo, se tornaram mais frequentes. Isso tudo só fez eu gostar mais dela, o que começou a me assustar. Eu sabia que éramos solteiras e desimpedidas, mas tinha medo de que um envolvimento além do que já tínhamos pudesse estragar as coisas. Então fui levando meus dias, fingindo para mim mesma que nada estava acontecendo. Mas era óbvio que algo maior já havia nascido em meu peito. Eu ainda não sabia direito o que era, mas não era apenas amizade e admiração.

Minha vida se tornara um turbilhão de emoções e havia mudado rapidamente várias vezes nos últimos tempos. Eu tinha certeza de que isso estava prestes a acontecer de novo. Era evidente a tensão que existia entre Valentina e eu; por mais que ela tentasse disfarçar, eu sentia que não eram apenas meus sentimentos que estavam mudando.

Continua…

Criação: Forrest_Gump

Revisão: Whisper

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Foto de perfil de Forrest_GumpForrest_GumpContos: 457Seguidores: 100Seguindo: 61Mensagem Sou um homem simples que escreve história simples. Estou longe de ser um escritor, escrevo por passa tempo, mas amo isso e faço de coração. ❤️Amo você Juh! ❤️

Comentários

Foto de perfil de Lore

Uma libélula com asas de anjo, as de trás em cores LGBT e a luz dourada guiando o voo. É um trabalho que equilibra homenagem e identidade própria, Nora não copia Isabel, é quase como se elas se completassem!

Achei interessante como a pintura representa transição e libertação, sem ser melancólica. Mesmo com toda a carga emocional que envolve a história, o quadro transmite leveza, movimento e continuidade. A emoção de Orlando com certeza é o maior selo de autenticidade de que Val fez uma ótima escolha em contratar Nora para finalizar essas telas.

É bonito ver como o amor entre elas está surgindo não de uma carência, mas de uma identificação profunda, de admiração e reconhecimento. Elas estão convivendo e observando esse sentimento se expandir, acredito que não vai demorar para que elas admitam uma para outra 🥰

Ótimo capítulo, amigo! 👑❤️

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Foto de perfil de Paulo Taxista MG

Nossa gostei muito desse capítulo, Nora finalmente está fazendo o que ama principalmente agora sabendo a história da Isabel, e o que ela fez neste quadro foi perfeito a ponto de o Orlando se emocionar igual a Valentina.

Aos poucos esse sentimento de amor, admiração e carinho vai crescer dentro do coração da Nora e da Valentina. 🥰😍

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Foto de perfil de Paulo Taxista MG

PS vai ser engraçado quando a Donna descobrir que a Nora e a Valentina estão juntas, do jeito que ela é louca já imagino o que vai acontecer.

Gostei tbm da Geovanna e da sua família, eles praticamente são a família da Valentina.

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Foto de perfil de Jubs Oliver

Muito bonito o respeito q Nora tem pelas obras da Isabel, o quadro da libélula com asas de anjo foi uma ideia muito boa e significativa, amei saber o q ela está fazendo na tela 🙃❤️

E tá muito bonitinho essa aproximação de Nora e Val, os gestos, os olhares, a cumplicidade crescendo a cada capítulo. Dá pra sentir a paixão surgindo de um jeito q n é invasivo, mas expansivo 🥰

Ótimo capítulo! 👑❤️😘

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Bora ler mais um 📖

👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻

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