A Boceta de Pandora - Capítulo 15

Um conto erótico de Himerus
Categoria: Heterossexual
Contém 5445 palavras
Data: 24/11/2025 22:43:34

No Capítulo anterior:

— Credo, eu sei que não é fácil ficar sem sexo, mas isso é doentio. Do jeito que você descreve, minha irmã parece um bicho dominado pelo instinto e não um ser humano.

— Desculpe, Débora, mas é quase isso. Já deu para perceber que, por mais inteligente que seja, em alguns momentos abandona toda racionalidade e se entrega aos seus instintos mais primitivos sem pensar nas consequências para seus próprios planos. Foi o que aconteceu na “Marcha com Jesus”, um evento promovido por várias denominações evangélicas com uma multidão de fiéis e animada pelos principais cantores e cantoras gospel.

— Não acredito. Ela trepou no meio de um dos maiores eventos evangélicos do país!

Continuando:

— Como foi isso? — perguntei.

— A coisa foi muito louca. O evento foi organizado por um famoso pastor e senador, mas os cachês das atrações foram pagos por diferentes denominações. Como Mauro queria chamar atenção, estava patrocinando uma jovem cantora que estava em ascensão entre os fiéis mais jovens. Suas músicas giravam em torno de um único tema: a importância de os jovens esperarem o casamento para se entregarem à pessoa amada...

— Puta que pariu, é muita cara de pau! — desabafei.

— Eu sei! Mauro subiu ao palco, fez um discurso inflamado sobre a importância e beleza de esperar a “hora certa” e chamou a cantora. A ninfetinha iniciou sua performance com seu maior sucesso. Com dezoito anos, criada em lar evangélico, ela acreditava em cada palavra que cantava. Noiva de seu empresário, guardava sua pureza para noite de núpcias.

Enquanto a menina cantava, seu noivo e empresário recebia o cachê no camarim. Não sei por que, mas as pessoas ligadas ao show business evangélico não gostam de transferências bancárias: preferem dinheiro vivo. Como Mauro estava no palco, para ser visto junto com a cantora, coube a Ruth fazer o pagamento.

O noivo da cantora também era jovem, tinha vinte e cinco anos e, apesar de também ser de lar evangélico, muito cedo aprendeu que, se não ficasse com os olhos abertos, seria devorado pelos seus “irmãos de fé”. Depois que passou a gerenciar a carreira da noiva, conseguiu aumentar os valores dos cachês e, não menos importante, zerou os calotes dos seus “irmãos”. A felicidade da cantora só não era maior que a dele. Quanto mais rápido o dinheiro entrasse, mais rápido seria o casamento. Ele não aguentava mais esperar a “hora certa”, sonhava com a consumação carnal do matrimônio todas as noites, gozava dormindo e acordava com a cueca melada. Ele precisava desesperadamente transar!

O garoto deixou rastros. Sei desses detalhes e do que aconteceu no camarim por causa de perguntas e comentários que ele fazia, de forma anônima, em um site de conversas eróticas.

Pois bem, ele estava no camarim esperando o pagamento. Ruth entrou irritada, entregou dois envelopes pardos com o pagamento e pediu que ele conferisse e assinasse o recibo. Enquanto ele contava o dinheiro, a mulher, segundo suas palavras, parecia observá-lo com um olhar diferente; não parecia humano, era o olhar de um bicho enjaulado. Ele nunca tinha visto algo semelhante no rosto de uma mulher.

Não me contive, interrompi novamente:

— Conheço bem o olhar que ele descreve. Ruth, quando fica com muito tesão, muda completamente a fisionomia; parece um animal prestes a atacar.

— Você usou exatamente a mesma palavra que ele no relato que escreveu no site. Ela o atacou! Abaixou suas calças com violência e, antes que ele entendesse o que estava acontecendo, ela já mamava sua rola com volúpia. O garoto, que esperava a “hora certa”, não ofereceu resistência: passivo, sentado no sofá do camarim, gozou rapidamente na boca da mulher que o devorava. Ruth não deu tempo para ele descansar e continuou até que o pau voltasse a ficar duro. Quando atingiu seu objetivo, levantou-se, ergueu a saia, tirou a calcinha e sentou-se na rola do garoto com força. Gozou assim que foi penetrada e cavalgou até conseguir mais dois orgasmos. Quando se preparava para mais um, sentiu o útero ser banhado pela porra do ex-virgem. Sem a mesma firmeza em seu interior, passou a se esfregar na virilha do rapaz e gozou novamente. Desmontou do novilho, colocou a calcinha, pegou o recibo do pagamento e saiu sem dizer nada.

— Espera aí, Aka — falou Débora —, eu conheço essa história, foi fofoca na mídia! Mas... a cronologia não bate. Pelo que lembro, a cantora da “hora certa” descobriu que o marido a traía no camarim, não o noivo. Eles acabaram se divorciando...

— Estou impressionada com sua memória! Você tem razão, Débora: a traição do então marido desencadeou o divórcio. O que a mídia e, muito menos, a cantora não sabem é que a prova da infidelidade foi obtida antes do casamento.

— Calma lá... Como assim? Não estou entendendo mais nada — falei, interrompendo a explicação de Aka.

— Lembra que eu disse que um detetive estava seguindo Ruth? Ele viu a foda no camarim e bateu algumas fotos. Entregou cópias delas para o cunhado do Mauro que, obviamente, repassou para a irmã. Chantageado pela futura ex-esposa, aceitou o divórcio, renunciando ao patrimônio comum. Ele não podia ter seu nome associado a um escândalo; assim, não conseguiria a tão sonhada cadeira no Congresso. Anos depois, quando a cantora já estava casada, o detetive tentou chantagear o casal. Não funcionou. Indignada com a traição, colocou o marido para fora de casa e pediu o divórcio.

Entenderam?

— Pelo amor de Deus, Aka, essa história parece um desses contos eróticos que circulam na internet ou uma novela mexicana. Não consigo acreditar que é real — concluiu Débora.

— Tudo isso enquanto eu estava nos Estados Unidos, acreditando que ela cuidava da mãe com câncer? — perguntei.

— Exato! — respondeu Sayaka. E foi por conta desse tropeço que Ruth passou a considerar a ideia de deixá-lo definitivamente. Ela percebeu que a vida de putaria era virtualmente impossível para as pretensões de Mauro; se quisesse continuar trepando com ele, precisava que fosse de uma forma que a sociedade moralista em que estavam inseridos aceitasse — ou seja, eles tinham que se casar.

— Tudo bem, entendi. Ela queria ficar com o “homem da sua vida” e, para isso, precisava me descartar. Não sou o primeiro nem serei o último marido do mundo a descobrir que seu casamento era uma mentira. O que não entendo é como as coisas aconteceram. Quando voltei para o enterro de meu sogro, ela não abriu o jogo: disse que tinha mudado, que não queria mais um relacionamento aberto, mas só mencionou separação quando a confrontei, ao mostrar que sabia de suas mentiras. Por que simplesmente não entrou com um pedido de divórcio? Eu não teria entendido, mas jamais me oporia. Não sou o tipo de homem que tenta impor sua vontade independentemente da vontade da companheira, e ela me conhece o suficiente para saber disso.

— Racionalmente, você tem razão, Rodolfo; a ruptura não precisava ser tão traumática quanto foi. No entanto, você não está considerando todos os personagens envolvidos.

— Deus do céu, minha irmã é uma puta! Para quantos ela estava dando? — perguntou Débora.

— Sim e não, Deb. Ela realmente é uma puta, mas não estava saindo com ninguém. Mauro estava morrendo de medo de que seu caso fosse descoberto, não queria arriscar e conseguiu manter sua irmã sob controle. O problema, ou melhor, o personagem que se torna um obstáculo para a concretização do plano de Ruth se divorciar e se casar com o político travestido de pastor, foi justamente o homem que mais o odiava.

— Não pode ser! — grita Débora.

— Desculpe-me, Débora, mas você sabe que ninguém odiava mais o Mauro que seu pai. Ele nunca concordaria com o casamento de Ruth com o homem que desonrou sua esposa e filha. Mauro temia que ele trouxesse do passado as informações sobre os motivos que levaram os anciãos da igreja a expulsá-lo. Eles precisavam encontrar uma maneira de convencer seu pai a aceitar o divórcio de Ruth e o casamento com Mauro.

— Impossível! Meu pai preferiria morrer! Espere... Eles mataram meu pai?

— Calma, Deb! Não, eles não mataram seu pai; a morte foi natural, decorrente de problemas de saúde que, como você sabe, ele insistia em não tratar. Contudo, quando morreu, seu pai estava muito triste. Ele foi envolvido em um plano elaborado pelo casal maravilha, que o forçou, apesar de todo o seu ódio, a ver Mauro como um mal menor...

— Triste? Se, por algum motivo, ele aceitou que Ruth se casasse com Mauro, perdeu a razão para viver. A morte não foi natural; pode ter tido origem em seu descuido com a saúde, mas certamente foi potencializada pelo desgosto em que devia estar sentindo. Objetivamente, eles podem não ter matado meu pai, mas colaboraram bastante.

— Aka, concordo com Débora. O que eu não entendo é como eles conseguiram convencer meu ex-sogro. Tudo bem que ele nunca foi com minha cara, considerava absurdo a filha ter se casado com alguém de fora da igreja, mas, até onde sei, Mauro foi o responsável pela maior humilhação da vida dele, expôs a família ao vexame público e, além de ser apontado como corno, acabou com as chances de bons casamentos para as filhas dentro da comunidade. Não consigo imaginar os argumentos do casal para que ele aceitasse o inaceitável.

— Ele estava sendo chantageado? Ruth descobriu algum podre do seu passado? — perguntou Débora, indignada.

— Calma, gente! — respondeu Sayaka, com a voz um pouco mais alta que o usual. — Eu já vou explicar, mas adianto que ele não foi chantageado; seu passado era mais limpo que instrumentos cirúrgicos antes da cirurgia.

— Então explica logo! Parece que você gosta do drama desse show de horrores! — pontuou Débora.

— Não é que eu goste; eu sei o sofrimento que essa história causa em vocês, mas não posso negar: estou fascinada com a ousadia e a criatividade desses dois meliantes. Débora, minha querida, a trama para convencer seu pai é digna de um filme do Hitchcock, tipo “ Um corpo que Cai”, até hoje eu não acredito que tiveram a coragem de fazer o que fizeram.

— Para de enrolar, Aka, conta logo! — falei, já irritado.

— Tudo bem, vamos lá. Ruth sabia como seu pai pensava; não tinha ilusões que ele, em uma situação normal, aceitaria Mauro como genro. Ela precisava criar uma situação excepcional, em que Mauro fosse visto como uma solução melhor que a manutenção do casamento com Rodolfo. Em um primeiro momento, pensou em alegar que havia contraído uma doença sexualmente transmissível devido à infidelidade do marido...

— Mas que filha da puta... — interrompi, indignado.

— Não tenho como discordar... Depois de inúmeras mensagens avaliando o plano, eles desistiram. Perceberam que, com tal estratégia, conseguiriam apoio para o divórcio, mas não quebrariam a resistência do pai a um casamento com Mauro. Precisavam de um plano que resolvesse definitivamente a questão. Demorou, mas Ruth teve uma ideia maluca. A princípio, foi rejeitada por Mauro, que achava tudo muito arriscado, mas, depois de trilhões de mensagens e e-mails, ele aceitou.

— Você está enrolando...

— Calma, logo você vai entender a importância desses detalhes — respondeu Sayaka a Débora e, em seguida, me fez uma pergunta.

— Você se lembra do que ela contou sobre o dia em que foi flagrada transando com um pintor na casa dos pais?

— Claro que lembro — respondi. — Ela disse que tal flagra foi o estopim para rever nosso estilo de vida e voltar a ser uma crente fervorosa...

— Pois é... Faz todo sentido! Ser pega pelo pai e pela mãe doente, traindo o marido com uma rola enorme enfiada no cu, realmente justificaria as mudanças de comportamento que levaram à sua separação...

— Não acredito! — exclamou Débora. — O flagrante fazia parte do plano da vagabunda?

— Exato! O plano era arriscado. O primeiro passo era ser pega em uma situação absolutamente chocante para seu pai; daí o sexo anal, mostrar total descontrole, o que foi executado com perfeição ao continuar a foder até gozar, tendo seus pais como plateia. Seu pai não imaginava que o pintor, um irmão de fé, já conhecia muito bem o corpo da filha. Ela foi parte do pagamento pelo serviço de pintura realizado por ele e sua equipe na reforma da primeira igreja de Mauro. Ruth gostou tanto da pegada e da ferramenta do pintor que continuou dando para ele ao longo dos anos.

Eu estava passado. Sempre que acreditava já saber tudo, descobria uma nova baixaria. Como eu fui iludido a esse ponto? Como nunca percebi quem Ruth realmente era? Não tive tempo para continuar a me recriminar; Aka continuou a história.

— A segunda parte do plano era mais complexa. Ela precisava convencer o pai de que não tinha controle sobre seus atos, que não queria ser promíscua, mas não conseguia evitar. Por incrível que pareça, o mais difícil não foi convencê-lo, mas fazer-se ouvir. Com nojo da perversidade do que viu, ele ficou apático, não processava o que a filha dizia. Custou a entender os argumentos dela e, quando ouviu, fez a pergunta inevitável, pergunta já esperada e fundamental para o prosseguimento do plano: como uma mulher bem-casada se tornou adúltera? A resposta foi curta e grossa: “Meu marido gosta de participar de orgias e tem prazer em me ver com outros homens.” Ela jogou a culpa em você, Rodolfo, construindo um argumento sólido para justificar uma futura separação.

— Claro que ela me culpou; seu pai já não morria de amores por mim, muito mais fácil pensar que o marido degenerado corrompeu sua filhinha. Só não entendo uma coisa: em que destruir minha imagem ajudou Ruth a reaproximar Mauro de seu pai?

— Eles foram metódicos. Nessa fase do plano, o objetivo era apenas convencer o pai que o divórcio era fundamental para salvar a alma da filha — respondeu Sayaka.

— Eles sabiam que, sendo um homem de igreja, ele não conseguiria segurar a barra sozinho. No mínimo, pediria aos anciãos que orassem pela filha; o mais provável era que pedisse ajuda para resgatá-la das “garras do mal”. Dito e feito! Em uma conversa informal com os anciãos, ele contou tudo. Eles prometeram orar por Ruth e fazer o possível para reintegrá-la à comunhão com os fiéis em Cristo. O mais absurdo é que soube dessa reunião por uma troca de mensagens de um dos anciãos e Mauro.

— Outro safado! — pontuou Débora.

— Por incrível que pareça, não é isso. O ancião era amigo de Mauro e acreditava que ele havia se redimido dos pecados cometidos quando era ministro da palavra. Seu contato foi exatamente para pedir orientação: ele não sabia como ajudar sua irmã e queria conhecer a experiência pessoal do agora pastor para superar a luxúria. Foi um inocente útil, muito útil por sinal.

— Esse ancião não fazia parte do plano? — perguntei.

— Não, Rodolfo, foi um feliz acaso para o casal.

Sayaka continuou:

— A vida de Ruth virou de cabeça para baixo. Só saía de casa para ir ao trabalho, à igreja e ao hospital, sempre acompanhada. Fez um mea culpa perante os anciãos, explicou que tudo começara na adolescência, quando fora seduzida por Mauro, que dominara sua luxúria durante o namoro, noivado e início do casamento, mas que ela acabara sucumbindo ao desejo pecaminoso do marido. Foi mais longe: disse que queria o divórcio, mas que não podia ficar sozinha por muito tempo; precisava de um marido para aplacar seus desejos e, quem sabe, lhe dar filhos. Seu pai e os anciãos concordavam. Não bastava o divórcio, Ruth precisava de um varão de mão pesada para ajudá-la a sossegar.

— Mão pesada? Aquela vagabunda precisava de um pau de cavalo para sossegar a periquita! — comentou Débora.

— Vou te contar algo que me surpreendeu — disse Sayaka, após rir do comentário da amiga. — Ela adora ler contos eróticos, tem um e-mail exclusivo para interagir com escritores e troca mensagens bem ousadas. O tema que ela mais acessa é zoofilia, especialmente histórias de mulheres com cavalos. Em um comentário, escreveu que não teria coragem, mas que sua maior fantasia seria sentir o caralho de cavalo arregaçando sua boceta!

— Não sei para Débora, mas para mim não é surpresa seu gosto por contos eróticos. Ela sempre gostou; às vezes, passava horas em um site americano especializado no tema. Nunca reclamei, pelo contrário: depois de ler, sua voracidade se equiparava à de uma puta em dia de pagamento de décimo terceiro salário. Já essa fantasia com cavalos é novidade. Sei que ela sempre gostou de cavalos, fez aulas na hípica e chegou a participar de algumas competições. Tornou-se uma grande amazona; chegou até a comprar um cavalo. Se não me engano, o nome do bicho era Qadib Kabir.

Sayaka digitou algo no laptop e caiu na risada.

— O que foi? — Débora perguntou.

— Qadib kabi é uma expressão árabe que significa “pau grande”. Acho que ela não escolheu o animal por causa da pelagem.

— Sinceramente, eu não acredito no tipo de mulher que minha irmã se tornou. Fantasiando dar para um cavalo! Estou quase concordando com meu pai: ela deve ter sido tocada pelo maligno.

— Entendo sua frustração, Débora, mas transferir a responsabilidade para um ser sobrenatural é o caminho mais fácil. Ruth é uma mulher inteligente, tem livre-arbítrio, fez e faz suas escolhas e precisa arcar com elas — respondi.

— Gente, vamos voltar ao que interessa. Estamos divagando — pontuou Sayaka.

Débora e eu concordamos com um movimento de cabeça. Calados, olhamos para Aka e esperamos. Imediatamente, ela retomou o fio da meada.

— Bom, os anciãos e seu pai concordavam: ela tinha que se divorciar e se casar com um homem temente a Deus o mais rápido possível. O problema era arrumar um candidato a noivo. A fofoca sobre suas aventuras na adolescência diminuíra com o passar dos anos, mas não desaparecera. Para complicar, algum ancião contou as novidades para esposa e, como não poderia deixar de ser, elas se espalharam rapidamente. Que homem honrado iria querer Ruth como esposa?

Para os anciãos era um problema insolúvel, mas Ruth e Mauro contavam com isso: a terceira parte do plano dependia justamente do desespero por um marido para a mulher pecadora que buscava remissão.

A ideia era simples: foi Mauro quem desencaminhou a jovem adolescente; nada mais justo que ele, o homem que pecou, reconheceu seu pecado e arrependeu-se e assumisse a tarefa de levá-la de volta ao caminho dos justos. O problema era o pai aceitar; as cicatrizes eram profundas e envolviam sua honra de macho traído. Ruth achava que ele acabaria cedendo, mas que isso demoraria e eles não tinham tempo.

O que não imaginavam era que um dos anciãos, sem saber do plano, pensara exatamente como eles. Em uma reunião fechada, explicou sua ideia aos outros, e todos acharam que era a solução perfeita. Entraram em contato com Mauro, que, surpreso com a boa sorte, mas fazendo o papel de homem responsável, pediu um tempo para pensar no assunto.

Ele e Ruth, apesar de muito animados com os rumos do plano, não baixaram a guarda. Passaram dias elaborando a melhor estratégia para tornar impossível o veto do pai.

Quase uma semana depois, ele entrou em contato com os anciãos. Disse que aceitava, que Deus estava oferecendo uma oportunidade de reparar o mal que fizera, mas impôs três condições: Ruth teria que concordar com o casamento — ele não queria se impor, aproveitando-se da fragilidade dela naquele momento —; ela teria que confessar seus pecados a toda a comunidade, mostrando assim estar arrependida; e, por fim, ele só se casaria se seu futuro sogro o perdoasse por todo mal que causara à família.

— Filhos da puta, mil vezes filhos da puta! Eles sabiam exatamente como manipular meu pai. Como um cristão – e meu pai era um verdadeiro cristão, um homem de fé – poderia rejeitar perdoar um pecador arrependido? Eles deram um nó na cabeça dele...

— Você tem razão, eles sabiam quais os botões apertar para dobrar seu pai, mas não foi tão simples: ele resistiu. Por mais de dois meses, foi bombardeado pelos anciãos com argumentos a favor da união, fez de tudo para conseguir um outro pretendente, mas, como esperado, não conseguiu. Acabou cedendo.

— Coitado do meu pai, ele deve ter ficado arrasado.

— Como você sabe, seu pai não cuidava da própria saúde. Gostava de um churrasco gordo, amava massas e comia pão em todas as refeições, até com arroz e feijão. Para piorar, não fazia nenhuma atividade física, estava bem acima do peso e dormia pouco, acordando com o próprio ronco. O quadro, que já não era bom antes do diagnóstico de sua mãe, piorou com o estresse inerente à preocupação e à rotina de cuidados com uma enferma e, para piorar, sinto muito te dizer isso, foi às alturas com a crise provocada por sua irmã. O infarto era inevitável, mas o sofrimento dos últimos meses talvez o tenha antecipado.

— Não sou irracional, sei que a saúde dele não estava boa e não vou atribuir à minha irmã a culpa pelo infarto, mas, como você disse, o maldito plano dela com certeza adiantou sua morte. O que mais me dói é lembrar do velório e do enterro: a maldita chorava como se realmente estivesse triste...

— Amiga, sua irmã é uma puta sem escrúpulos, uma manipuladora de marca maior, narcisista e maquiavélica, mas suas lágrimas foram sinceras. Os e-mails mostram que ela ficou abalada com a morte do pai, sentia-se culpada e quase desistiu do plano. Pode parecer estranho, mas todo o teatro de “mulher arrependida” que dava seu testemunho expondo seus pecados passou a ser real. Ela realmente queria se redimir dos próprios pecados, tanto que continuou a contar sua vida em praça pública.

Lembrei-me da história que Chicão me contou e compartilhei.

— Fiquei sabendo desses “testemunhos” quando voltei para o Brasil. Um amigo trabalhava perto da Praça da República e a viu “testemunhando” a vida de pecado que eu lhe impunha. Lembro que fiquei chocado: ele gravou uma parte e ela parecia uma dessas fanáticas. Realmente acreditava no que falava, mas foi antes da morte do pai...

— Eu acho que algo quebrou dentro dela com a morte do pai — especulou Sayaka. — A religiosidade, antes, era apenas um verniz; agora, parecia algo sério. Ela mergulhou na vida da igreja, parou de trocar mensagens e e-mails de putaria com Mauro. Em um momento, achei que ela tinha se convertido, mas o tempo mostrou que sua mudança se deu por um enorme sentimento de culpa que, aos poucos, ela superou.

— E voltou a ser a biscate de sempre! — completou Débora.

— Não, ela nunca mais foi a mesma. Tornou-se mais cuidadosa, deixou de compartilhar putarias com Mauro, mas continuou com o plano. Foi pega de surpresa quando Rodolfo a confrontou; esperava que ele voltasse para os EUA para dar entrada no divórcio. Acabou por se descontrolar e tentou convencer Rodolfo com a história da esposa frágil, induzida pelo marido no mundo liberal. Obviamente, não funcionou: Rodolfo conhecia muito bem o apetite da esposa. O casamento acabou, e ela não conseguiu o dinheiro que esperava. Foi então que começou a juntar tudo que podia. Enganar Débora na partilha e exigir sua colaboração para pagar o hospital foram algumas das estratégias que utilizou. Desculpa, amiga, você caiu direitinho: pagou por uma conta já quitada pelo generoso plano de saúde que Rodolfo pactuou no divórcio.

— Fui muito ingênua, deveria ter desconfiado. O hospital estava muito acima das condições financeiras da nossa família.

— Bom, acho que terminei. Alguma dúvida? — perguntou Sayaka.

— Acho que é o suficiente. Amanhã, os advogados entram com o processo — respondeu Débora.

Eu, por outro lado, ainda tinha uma dúvida. Apesar de já estar cansado, resolvi perguntar.

— Aka, para finalizar, conte-me o que aconteceu com o casal de picaretas.

— Você não lê jornais, Rodolfo? Ruth e Mauro se casaram, ele foi eleito e reeleito deputado federal. Faz parte da bancada da Bíblia, deputados ligados a igrejas evangélicas que têm como prioridade a defesa dos valores cristãos e da família. Tornou-se amigo do presidente, defendeu a cloroquina e a proibição do fechamento das igrejas durante a pandemia de COVID. Sua igreja prosperou, e hoje é um dos pastores-políticos mais ricos do Congresso.

Ruth é a típica crente madame. No início, participava ativamente do mandato do marido; com o tempo, principalmente depois que se tornou mãe, afastou-se. Além de acompanhar de perto a educação das filhas — ela teve gêmeas —, passou a administrar a casa do casal em Brasília e o apartamento em São Paulo. Claro que participa das obras assistenciais da igreja e comparece aos eventos da Câmara junto com o marido, mas parece que a época das loucuras acabou. Não sei se por vontade própria ou por necessidade; afinal, seu marido é observado de perto pela imprensa e, por tabela, ela também. O único compromisso pessoal que ela mantém é uma reunião mensal com outras esposas de deputados, senadores e ministros de Estado. Sempre promovidas pela esposa de um importante general da República, suas qualidades como anfitriã são famosas em Brasília. Todo o cuidado com o processo vem da certeza de que vamos enfrentar alguém muito influente, com amigos no Judiciário estadual e federal. A batalha não será fácil.

— Talvez a batalha não seja necessária – disse Débora –, com a quantidade de provas que temos, os advogados acreditam que eles vão propor um acordo para abafar o caso. Afinal, eles são pessoas públicas e não desejam ver seus nomes na mídia.

Concordei com a leitura dos advogados: realmente, o acordo era o melhor caminho para ambas as partes. Débora recuperaria seu patrimônio e, de quebra, uma justa indenização, enquanto Mauro e Ruth manteriam seus nomes longe de um escândalo midiático de consequências imprevisíveis.

Eu ia esperar. Minha prioridade era ajudar Débora. Entretanto, não digeri o fato de ela ter sabotado meu aplicativo; eu queria dar o troco, mas não tinha pressa. O episódio com Annete tinha me ensinado a não agir por impulso.

Enquanto Sayaka guardava suas coisas, conversamos sobre a irresponsabilidade dos políticos. Para nós, era incompreensível a maneira como atuaram na pandemia e a defesa sistemática do negacionismo científico e climático. Prontas para ir embora, Débora foi ao banheiro; aproveitei os minutos a sós com Sayaka e lhe fiz uma pergunta, algo que me ocorreu naquele momento:

— Sayaka, pense comigo: você tem acesso a um sistema impenetrável por alguns minutos e sabe que nunca mais conseguirá acessá-lo. O que você faria nesses poucos minutos?

— Óbvio, né, Rodolfo? Eu criaria uma backdoor para garantir meu acesso irrestrito.

— Pois é — pontuei.

— Filho da puta! Como não pensei nisso? O hacker que Ruth contratou não iria resistir; além do serviço pelo qual foi pago, ele com certeza criou uma backdoor. Você encontrou?

— Não, pensei nisso agora. Amanhã vou destrinchar o backup do sistema. Quer me ajudar?

— Claro! Não vou perder esta caça ao tesouro por nada. Ligue para mim amanhã e combinamos.

— OK — respondi — mas não conta nada para Débora, ela já está com a cabeça cheia.

— Concordo contigo, chefinho. É o nosso segredo! — disse em voz baixa, olhando para os lados, como se procurasse alguém.

Ao ouvir os passos de Suellen voltando para a sala, Sayaka piscou o olho e abriu um sorriso lindo. Voltou a ser a menina de vinte anos que contratei!

No dia seguinte, logo cedo, liguei para meu advogado e expliquei a situação. Ouvi suas ponderações e, depois de muito pensar, telefonei para Sayaka, adiando nossa pesquisa. A Japinha não se conformou, estava animada, mas minha argumentação foi sólida: era melhor esperar o desenrolar do processo ajuizado por Débora. Ela acabou concordando, afinal, sabia que, proporcionalmente ao patrimônio, Débora era a mais prejudicada.

No fundo, eu precisava de tempo para decidir o que eu realmente queria com aquelas informações. Quando conversei com meu advogado, ele me desaconselhou a mexer nesse vespeiro. Sua lógica era simples: o único motivo que justificaria a dor de cabeça de comprar uma briga com um deputado federal muito bem relacionado em Brasília seria a perspectiva de obter uma polpuda indenização. O problema é que tal ação era legalmente impossível. Ele me explicou que o crime já havia prescrito, ou seja, juridicamente as provas não teriam utilidade, pois o prazo estipulado pela lei para iniciar o processo havia vencido.

A parede da sala de musculação na academia que frequento ostenta uma famosa frase atribuída a Arnold Schwarzenegger: “no pain no gain”, ou seja, sem dor, sem ganho. A lógica do advogado é exatamente a inversa: “no gain no pain”, em uma tradução livre, se não há possibilidade de ganho, não há motivo para a dor do enfrentamento.

Obviamente, tal leitura só leva em conta o ganho material; o que ele não conseguia ver era que eu estava pouco me importando com uma indenização pecuniária: meu desejo era mais visceral!

Eu sabia que o maior sofrimento que poderia infligir à minha ex-esposa e ao seu atual marido era destruir a imagem pública que levaram anos para construir. A grande questão era como fazer isso sem prejudicar a luta de Débora para reaver seu patrimônio e ao mesmo tempo nos protegermos de possíveis retaliações.

Mesmo sem gostar da ideia, eu tinha que esperar.

Eu não fazia ideia do quão sábia foi minha decisão.

Sem motivos para continuar no Brasil, liguei para meu agente de viagens informando que gostaria de retomar meus planos de viagem o mais rápido possível. Entretanto, pedi que modificasse o itinerário. O novo plano incluía uma escala nos Estados Unidos antes de partir para a Rússia; eu queria passar um tempo em minha casa no Brooklyn.

No mesmo dia, ele me confirmou a reserva. Meu voo sairia de Cumbica em cinco dias.

Já viajei muito. Normalmente, levo pouca bagagem e deixo para comprar o que for necessário para meu conforto no local de destino. Mesmo assim, não exagero: não gosto de ostentação, evito roupas de grife e hotéis de alto padrão. Quando ainda tinha minha empresa nos EUA, fui tachado de “muquirana” depois que um funcionário, que viajou para Paris na mesma época em que estive lá, descobriu que o hotel em que se hospedava era muito superior ao meu.

Infelizmente, a maioria das pessoas não percebe que, ao demonstrar riqueza, você impõe uma barreira em relação às pessoas comuns. Fica difícil interagir com os habitantes locais quando se é visto como um alienígena que paga, por uma diária de hotel, o que a maioria ganha em um mês.

Como o objetivo das minhas viagens sempre foi aprender a língua e conhecer a cultura local, interagir com os nativos era parte importante do processo. Além disso, nunca consegui perceber a diferença entre um lençol de cem, duzentos ou mil fios de algodão...

Contudo, aquela viagem seria diferente.

Não estava interessado em aprender russo nem em interagir com os nativos. Além do sossego de um lugar que não me lembrasse a história bizarra da qual fora coadjuvante, eu precisava me reinventar. Aos olhos do mundo, eu era um nerd que se deu bem, e essa imagem não me seria útil em um embate com um clérigo, um deputado federal e sua piedosa esposa. Eu precisava me tornar respeitável aos olhos da opinião pública.

Em Moscou, uma suíte de luxo me esperava. Desta vez, eu usaria minha condição econômica como couraça; os contatos com as pessoas seriam calculados.

Eu ainda não sabia o que fazer, mas tinha clareza de que a batalha seria travada na mídia e sabia que não estava pronto.

Quando comecei a arrumar minhas malas, percebi o quanto estava sendo ingênuo. Não bastava estar em um hotel de luxo; minha aparência precisava deixar claro que eu era inacessível aos mortais comuns. Criado na zona leste de São Paulo, eu nunca me importei com o código de vestuário dos ricos. Aliás, Ruth ficava louca da vida quando me via saindo para o trabalho com roupas despojadas. Agora, precisava ser diferente: meu estilo deveria refletir meu poder econômico.

Fui ao shopping disposto a renovar meu guarda-roupa. Andei por horas e não comprei nada. Apesar de ter convivido com ricos e poderosos no Vale do Silício, eu não sabia por onde começar. Lembrei-me de uma degustação de vinhos que fui anos atrás. O anfitrião, orgulhoso, serviu um vinho raro e passou quase uma hora apregoando suas qualidades. Apesar disso – e do preço astronômico, a garrafa custava duzentos mil reais –, eu, na minha ignorância, não percebi diferença em relação ao Sangue de Boi que bebia na minha adolescência... Todo gosto precisa ser cultivado, educado ao longo da vida. Da mesma maneira que nunca tive paladar para vinhos raros, não sabia escolher roupas.

Enquanto tive minha empresa e a ocasião me obrigava a vestir algo formal, usava ternos escolhidos por Ruth. Depois que a vendi, abandonei toda e qualquer roupa formal e adotei as calças cargo, camisetas de algodão e tênis.

Eu precisava de ajuda.

Continua.

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Comentários

Foto de perfil de Sensatez

Será que é agora que a Reese reaparece na vida do Rodolfo, ele tá precisando de um sexo ótimo e com paixão, mas sem compromisso, isso levanta qualquer moral, somado a ter uma personal stylist sexualmente disponível, sem sombra de dúvidas é uma situação interessante e excitante curioso em saber a escolha do Rodolfo.

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