Oi, meus amores…
Olha, nem sei por onde começar. O fim de semana foi uma bagunça emocional daquelas. Sabe quando tudo parece desandar de uma vez? Pois é. Jonas e eu brigamos feio, ele acabou indo dormir num hotel, e eu fiquei sozinha em casa, com a cabeça girando e o coração apertado.
Não consegui dormir direito. Fiquei rolando na cama, pensando em tudo — no trabalho, no Maurício, em mim mesma. Foi como se o peso de tudo tivesse caído de uma vez nas minhas costas.
E quem vocês acham que apareceu pra me salvar?
A Luiza, claro.
Ela me mandou mensagem de manhãzinha:
— “Abre essa porta que eu tô aqui fora com café e pão de queijo.”
Eu ri no meio das lágrimas. Abri a porta, e ela veio daquele jeitinho dela — sorriso leve, cabelo preso, e um abraço que parecia dizer “eu tô aqui, respira”.
Sentei no sofá, ainda com a roupa de dormir, e desabei. Contei tudo. A briga, o Jonas indo embora, o peso que tava sentindo por dentro.
Luiza ficou ali, só ouvindo, passando a mão no meu cabelo.
— “Amiga, você precisa tirar esse peso do peito. Esse emprego só tá te sugando, e esse chefe… já passou de todos os limites.”
— “Eu sei… mas é difícil, sabe? Trabalhar me fazia sentir útil, independente…”
Ela respirou fundo e respondeu com aquele jeitinho firme dela:
— “Independente, sim. Mas não à custa da tua paz. Tu é muito mais que esse trabalho, Lu.”
Aquilo ficou ecoando na minha cabeça o resto do dia. E foi assim que decidi.
Na segunda-feira de manhã, botei minha melhor roupa, prendi o cabelo e fui trabalhar com o coração acelerado. O escritório parecia o mesmo, mas eu não era mais a mesma.
O Maurício tava lá, com aquele sorriso falso de sempre, e a Melissa… bem, fingindo que nada tinha acontecido.
Fui direto pra minha mesa, organizei tudo, e depois bati na porta da sala dele.
— “Posso falar um minuto, Maurício?”
Ele levantou o olhar, meio surpreso.
— “Claro, Luana. Entra.”
Entrei, fechei a porta e fui direto ao ponto.
— “Vim te avisar que tô pedindo demissão. Já deixei tudo encaminhado, só preciso que assine o aviso.”
Ele arregalou os olhos.
— “O quê? Mas… por quê? Aconteceu alguma coisa?”
Dei um riso curto.
— “Acho que você sabe bem o que aconteceu. E sinceramente, não quero mais trabalhar num lugar onde preciso ficar me defendendo o tempo todo.”
Ele se levantou, tentando se aproximar, mas eu dei um passo pra trás.
— “Luana, eu passei dos limites, eu sei… Tava bêbado, não devia ter te forçado aquele beijo e muito menos, a transa que tivemos. Eu me arrependo de verdade.”
Olhei pra ele, firme.
— “Arrependimento depois que a pessoa decide ir embora é fácil. Difícil é respeitar antes de estragar as coisas.”
Ele suspirou, se jogou na cadeira.
— “Você é uma profissional incrível, Luana. Eu não queria te perder.”
— “Já perdeu.” — falei, simples assim.
Saí da sala, de cabeça erguida. Melissa me olhou, meio sem graça, mas não disse nada.
Peguei minhas coisas, respirei fundo e deixei aquele prédio pra trás.
Quando cheguei em casa, o ar parecia mais leve. A Luiza tava lá me esperando com um vinho aberto e um sorriso.
— “Fez o que precisava, né?”
— “Fiz.”
— “Agora é cuidar de você. O resto o tempo ajeita.”
Sentei ao lado dela no sofá, encostei a cabeça no ombro dela e senti, pela primeira vez em dias, um pouco de paz.
Peguei o telefone e liguei pro Jonas, sem resposta. O Jonas não atendeu. Nem a primeira, nem a segunda, nem a terceira ligação.
Mandei mensagem, áudio, até um “me avisa se tá tudo bem” — e nada.
O “visto por último” parado desde a noite anterior me deu um nó no peito.
Eu já tinha entregue a carta de demissão, feito o que ele queria, e mesmo assim o silêncio dele parecia um castigo.
Fiquei ali, olhando o celular em cima da mesa, enquanto a Luiza me observava calada, com aquele olhar de quem entende, mas sabe que não tem o que dizer pra aliviar.
— “Ele precisa de um tempo, Lu. Tu sabe como ele é. Quando fica magoado, se fecha.”
— “Mas ele podia pelo menos dizer que tá vivo, né?” — respondi, tentando rir, mas a voz embargou.
O apartamento tava cheio de silêncio.
Nem a música, nem o vinho, nem a conversa com a Luiza davam conta de preencher o vazio que ficou depois da briga.
Deitei no sofá, o celular na mão, olhando pro teto e repassando cada palavra da discussão na cabeça.
Eu sabia que ele tava ferido. E agora, o homem que eu mais amo tava em algum lugar, longe, sem querer nem ouvir minha voz.
Luiza dormiu comigo , pra não me deixar sozinha. Eu fiquei virando de um lado pro outro a noite toda, com o coração batendo forte e a cabeça girando.
De madrugada, levantei, fui até a varanda, sentei no chão frio e fiquei olhando as luzes lá fora.
“Será que ele vai mesmo desistir da gente?” — foi o que me perguntei em voz alta, sozinha, com o vento bagunçando meu cabelo.
No dia seguinte, fui trabalhar só pra resolver o que faltava. Entreguei os documentos, assinei a saída, e quando saí do escritório pela última vez, senti um alívio estranho.
Ao mesmo tempo que me libertava, parecia que deixava uma parte de mim lá dentro — talvez o resto da paciência, ou da inocência, não sei.
Voltei pra casa mais cedo.
Nenhum sinal do Jonas.
Nenhum “tô bem”, nem “chego amanhã”. Só o silêncio.
Luiza passou mais tarde pra ver como eu tava. Trouxe pastel e refrigerante, tentando quebrar o clima.
Mas eu só conseguia pensar no que ele tava sentindo.
Ele devia tá remoendo, imaginando coisas, se torturando — e eu também.
— “Lu, se ele não voltar hoje, eu vou até o hotel. Eu sei que ele tá lá.” — falei, decidida.
— “Espera mais um pouco, amiga. Dá espaço. Homem ferido é pior que gato arisco.” — ela riu leve, tentando me acalmar.
Sorri sem vontade.
Mas no fundo eu sabia que se até o dia seguinte ele não desse sinal, eu iria atrás.
Naquela noite, antes de dormir, deixei o celular carregando e mandei uma última mensagem:
“Jonas, eu pedi demissão. Fiz o que você pediu. Só quero que a gente se entenda. Eu te amo.”
Bloqueei a tela, deitei de lado e fiquei esperando a vibração que não veio.
O silêncio do telefone parecia mais alto do que qualquer briga.
Silêncios que doem mais que palavras
Sabe aquele tipo de mensagem que você manda sem muita esperança, mas que mesmo assim fica olhando pra tela como se o celular fosse te devolver o coração de volta? Pois é. Foi assim comigo.
Depois de horas esperando, o Jonas finalmente respondeu.
Curto. Seco. Quase frio:
“Recebi tua mensagem. Amanhã viajo pro Rio Grande do Sul. Trabalho. Melhor dar um tempo.”
Fiquei olhando aquelas palavras por uns minutos, tentando entender se doía mais a saudade ou o jeito distante dele.
Respirei fundo e digitei:
“Posso ir contigo?”
A resposta veio quase instantânea:
“Não. Acho que é hora da gente ficar um pouco longe. Vai fazer bem pros dois.”
O chão pareceu sumir por um instante.
Senti aquele nó na garganta, o coração apertando, a mente querendo negar o que o corpo já sabia — ele tava se afastando de mim.
“Você vai me deixar sozinha?” — escrevi, quase num sussurro, como se ele pudesse ouvir minha voz.
Demorou alguns segundos, e então veio a resposta que me atravessou como uma flecha:
“Sozinha? Você tem a Luiza, o Pedro… e o teu novo amiguinho íntimo. O Maurício.”
Meu estômago embrulhou.
Olhei pra tela, as mãos tremendo. Tentei responder rápido, mas as palavras não vinham.
“Jonas, não fala isso.”
Mas até pra mim a frase soou fraca.
O peso do que eu carregava por dentro era maior do que qualquer desculpa que eu pudesse inventar.
Fechei os olhos e senti uma mistura de vergonha e desespero. Porque, lá no fundo, eu sabia.
Sabia que ele tava certo.
Eu deixei o Maurício se aproximar demais.
Deixei o desejo me dominar, a curiosidade vencer o bom senso.
E mesmo que parte de mim tente negar, o corpo lembra. O arrependimento também.
Aquela cena no riacho… o cheiro da terra molhada, o calor da pele, o arrepio no pescoço…
Foi rápido, confuso, errado.
E quando tudo acabou, a única coisa que ficou foi o vazio e a culpa.
Fechei os olhos e encostei a testa nas mãos.
— “O que foi que eu fiz…” — sussurrei, com a voz quebrada.
Eu podia tentar justificar, dizer que foi impulso, que não pensei, que não senti… mas seria mentira.
A verdade é que eu pensei sim. Eu quis. E agora tô pagando por isso.
Jonas não respondeu mais depois da última mensagem.
Ficou aquele silêncio seco, pesado, o tipo que faz mais barulho que qualquer grito.
Fiquei a noite inteira andando pela casa, sem conseguir parar quieta.
O travesseiro parecia gelado demais, o sofá desconfortável demais, e o espelho… o espelho me encarava como se soubesse de tudo.
Lá pelas três da manhã, sentei na varanda com uma manta nos ombros e fiquei olhando pro céu nublado.
Chovia leve, e o barulho das gotas no chão parecia acompanhar o ritmo do meu arrependimento.
Pensei em ligar pra ele, de novo. Mas não adiantaria.
Nada que eu dissesse agora apagaria o que fiz.
A única coisa que me restava era encarar a culpa e esperar o tempo dizer se ainda havia perdão pra mim.
Era quase onze da noite, eu já tava de pijama, o cabelo preso, deitada no sofá, com a cabeça lotada de pensamento e o coração virado do avesso… quando o celular vibrou.
Chamada de vídeo.
E o nome na tela? Maurício.
Meu primeiro instinto foi ignorar.
Apertei o botão pra recusar, mas o dedo parou no meio do caminho.
Não sei se foi curiosidade, carência ou pura burrice, mas eu acabei atendendo.
A imagem se abriu e lá estava ele — sem camisa, deitado na cama, com aquele olhar de quem sabe o efeito que causa.
Senti o estômago apertar.
Por um segundo, quase desliguei.
— “Luana… ainda bem que atendeu.”
— “O que você quer, Maurício?” — respondi, seca.
Ele deu um meio sorriso, ajeitou o travesseiro atrás da cabeça.
— “Só conversar. Queria saber como você tá. E… tentar te convencer a voltar pro escritório.”
Ri de canto, sem humor.
— “Nem pensar. Aquele capítulo já encerrou.”
— “Não precisava ser assim. Você foi a melhor funcionária que eu já tive. Não quero te perder. E… bom, você sabe que eu gosto de você.”
O jeito que ele falou aquilo me deu um arrepio ruim.
— “Maurício, não começa. Você é casado.”
Ele suspirou, desviando o olhar.
— “A Clara e eu estamos brigados. Ela viajou. Foi pro sul, pro Rio Grande do Sul, visitar uns parentes ou sei lá o quê. Preciso dar um tempo.”
Senti o corpo inteiro gelar.
O Rio Grande do Sul.
As mesmas palavras que o Jonas me mandou na mensagem horas antes.
Por um instante, não consegui responder.
Minha cabeça deu um nó.
— “Rio Grande do Sul?” — repeti, devagar, como quem tenta confirmar se ouviu direito.
— “É… por quê? Conhece alguém de lá?”
Balancei a cabeça, tentando disfarçar o pânico que subia pela garganta.
— “Não. Só… coincidência.”
Mas por dentro, meu coração já tava batendo forte demais.
E se fosse mais que coincidência?
E se Jonas tivesse ido pra lá… encontrar a Clara?
Perdi completamente a vontade de continuar aquela conversa.
Mas o Maurício ainda insistia, com aquele tom meloso:
— “Me diz uma coisa, Luana… e você? Como tá com o Jonas?”
Engoli seco.
Olhei pra ele pela tela, e senti o peso da culpa me engolindo.
— “A gente… se afastou. Ele saiu de casa.”
— “Por minha causa?”
— “Ele sabe… ou pelo menos desconfia. E, sim, desde aquele dia no sítio… a gente tá separado.”
Ele ficou em silêncio por um tempo, com o olhar meio triste, meio culpado — ou talvez fingindo estar.
— “Não era pra ser assim, Luana. Eu nunca quis complicar tua vida.”
— “Mas complicou, Maurício. E muito.”
Por um segundo, fiquei olhando pra imagem dele na tela.
Aquele rosto que, há pouco tempo, me despertava curiosidade… agora me causava uma mistura de raiva e arrependimento.
— “Boa noite, Maurício. E… faz um favor pra mim?”
— “Claro.”
— “Não me liga mais.”
Antes que ele pudesse responder, encerrei a chamada.
Fiquei com o celular na mão, o reflexo da minha própria cara cansada na tela preta.
De repente, tudo pareceu fazer sentido — e nada ao mesmo tempo.
Jonas no Sul.
Clara no Sul.
Maurício “sozinho”.
Senti o estômago embrulhar.
Talvez fosse só coincidência.
Mas se não fosse?
Fechei os olhos e sussurrei pra mim mesma:
— “O que foi que a gente fez, meu Deus…”
Deitei, mas o sono não veio.
Só aquele silêncio pesado que parece te observar enquanto o mundo lá fora segue sem você.