O despertador tocou — de novo — e eu me arrastei pra fora da cama, como fazia toda quarta-feira. Mais um dia igual, dentro daquela casa onde até o silêncio tinha regras.
Morava com meus pais. Ele, contador. Ela, assistente administrativa. Trabalhavam na mesma empresa, iam e voltavam juntos, tiravam férias no mesmo resort todos os anos — como se tivessem medo de se perderem um do outro... ou de me perderem de vista.
Eu? Bem, eu sou Camille. E tinha uma rotina engessada, mas segura:
De manhã, curso técnico de Design — 8h às 12h.
À tarde, faculdade de Comunicação — 14h às 18h.
À noite, academia — 19h30, só pra suar as frustrações e não enlouquecer com tanta cobrança.
Chegava em casa por volta das 21h, jantava em silêncio, dava uma olhada nas redes, fingia que estudava, mas na maioria das noites só deitava na cama, ouvindo música baixinho, sentindo o corpo cansado — mas ainda meu.
Fim de semana? Sono acumulado e séries antigas. Festas? Nem pensar. Meus pais achavam que “gente séria não precisa de bagunça”. E eu... eu seguia os passos deles. Tentava. Sempre pensando no futuro.
Mas foi justamente nesta quarta-feira — tão igual às outras — que tudo começou a rachar. E eu nem desconfiava.
Entrei na cozinha pro café da manhã. Meus pais já estavam lá, sentados à mesa, xícaras fumegantes, jornal aberto. Peguei só o final da conversa:
“Eu também não gosto... mas ela já é grande. Vai saber se cuidar.”
Encarei os dois, e então meu pai completou:
— Filha, como sabe, eu e sua mãe estamos de saída para as férias, e vamos ao resort de novo. Mas dessa vez, seus tios vão conosco — e, por isso, não vamos poder levar você. Não fique triste, até porque... você só ia porque a gente obrigava.
Tentei conter o sorriso. Sentei-me à mesa, fingindo naturalidade, e disse, com voz calma:
— Tudo bem, pai. Eu me cuido. Fiquem tranquilos.
— Só tem mais uma coisa — ele acrescentou, limpando a boca com o guardanapo.
— Seus tios também não gostam de deixar a sua prima sozinha. Apesar de ela ter a mesma idade que você, acharam melhor não viajar sem ela. Então... unimos o útil ao agradável. Falamos que vocês duas ficariam aqui, em casa, até a gente voltar. Vai ser só uma semana.
Parei com a xícara no ar. Olhei pra minha mãe. Ela já sabia exatamente o que eu estava pensando.
— Filha — disse ela, com aquele tom de quem tenta apaziguar uma bomba —, a gente sabe que vocês já brigaram. Mas já são grandinhas. Está na hora de se acertarem. Acho que vai ser... bom.
Não queria estragar o café da manhã com uma discussão. Nem deixá-los preocupados nas férias. Então forcei um sorriso leve e respondi:
— É, mãe. A senhora tem razão. Por mim, tá tudo bem.
Mas não estava. E nem ficaria.
Eu e minha prima... desde pequenas éramos grudadas. Contávamos segredos que ninguém mais ouvia. Inventávamos brincadeiras só nossas. Sabíamos quando a outra estava triste só de olhar. Éramos unha e carne.
Ela, com seu jeito manhoso, bagunceiro, sempre rindo alto e invadindo meu espaço. Eu, mais quieta, orgulhosa, tentando manter as coisas no lugar. Mas nos completávamos — como se cada uma fosse o que a outra precisava para respirar.
Mas tudo isso mudou durante a época da escola, quando tínhamos 16 anos.
Eu sempre tentei seguir os passos dos meus pais — mas, quando mais nova, cometia alguns deslizes. Na escola, pela primeira vez, comecei a olhar com outros olhos para um rapaz...
Daniel. Ah, o Daniel...
Ele despertou em mim coisas que eu nunca tinha sentido antes. Fazia-me olhar pra ele, mesmo sem ele saber, de minuto em minuto — mesmo quando estava só parado, fazendo suas tarefas. Quando ele conversava com outros meninos ou sorria... era aí que meu mundo parava.
Ele era perfeito. Mesmo que mal me notasse e não tivéssemos intimidade, eu sabia — ele era diferente de todos os outros.
Sem nunca ter dado um beijo, ou sequer pensado nisso de verdade, recorri a ela — minha prima, minha cúmplice. Contei o que estava sentindo, morrendo de vergonha.
Ela me olhou fixo, sem acreditar, por quase dez segundos — como se estivesse tentando entender se aquilo era piada. Depois, tentando se recompor, sorriu e disse:
— Uau... tá virando mocinha de verdade, prima. Bom, eu também não tenho muita experiência, mas vou te ajudar com ele.
Ao mesmo tempo que fiquei entusiasmada, senti algo se remexer dentro da barriga. Ansiosa. Quente.
Minha prima sugeriu que tentaria falar com ele e marcar um encontro na praça atrás da escola, depois da aula. Tinha que ser rápido — primeiro encontro, primeiro passo — e eu precisaria estar em casa antes dos meus pais voltarem. Mas era o começo. Depois disso, poderíamos ir construindo intimidade, aos poucos, entre os corredores e intervalos da escola.
Demorou alguns dias, mas finalmente ela veio até mim e sussurrou:
— Acabei de falar com ele. Amanhã, depois da aula, ele vai estar lá. E disse pra você ir. Pedi pra ele não te procurar aqui na escola ainda — pra ninguém ver, e porque você é tímida.
Dei um leve sorriso e agradeci. Estava feliz — e nervosa na mesma medida.
Antes de virar as costas, ela completou:
— Não sei o que você viu nele. Ele me parece igual a todos os outros. Você sabe... nenhum presta.
Eu sabia — ou imaginava — que Nathália tentava me proteger. Era apegada a mim, demais até, e não queria que eu me machucasse. Então, enquanto ela se afastava, eu disse baixinho:
— Ele é diferente, prima. Eu sinto isso.
Ela só virou a cabeça, me olhou por um segundo — longo demais — e seguiu seu caminho.
No dia seguinte, me arrumei como nunca havia me arrumado. Esperava ansiosamente pelo fim da aula, que parecia nunca chegar. E demorava ainda mais porque, naquele dia — sem eu saber por quê — minha prima havia faltado. O tempo arrastava, pesado, como se o mundo tivesse decidido me torturar.
Quando a sirene finalmente tocou — aquele som agudo que anunciava o fim da aula, e talvez o começo de algo mágico pra mim — eu saí sem dar tchau, sem falar com ninguém. Só fui. Em direção à praça.
A cada passo, meu coração batia mais forte, como se quisesse escapar pela boca. Eu ia conversar sozinha com um garoto pela primeira vez. Poderia até dar meu primeiro beijo — se ele quisesse.
Eu não estava preparada.
Mas queria. Muito.
E teria que acontecer.
Só que... tudo mudou. Repentinamente.
Eu não podia acreditar no que estava vendo. Parei e fiquei olhando por alguns segundos, implorando pra que aquilo fosse só parte de um cochilo na sala de aula — um sonho ruim que eu teria acordado antes de ir à praça. Mas não era.
Diante dos meus olhos, peguei minha prima Nathália aos beijos com Daniel.
Meu mundo desmoronou.
Eu não conseguia entender. Não sabia como reagir. Mas reagi.
Como um animal que vê seu próximo em perigo, saí correndo na direção dos dois:
— O que você tá fazendo com minha prima, seu pervertido? Nathi, você tá bem? Quer que eu ligue pro seu pai?
Ela me encarou — um misto de medo e... satisfação. Na hora, eu não percebi.
— Eu te falei, Camille — ela disse, limpando os lábios com as costas da mão —, ele é igual a todos os outros. Me viu aqui, e mesmo eu falando “não”, me beijou à força. Que nojo!
Olhei para Daniel, com uma raiva que crescia a cada segundo — alimentada pela decepção, pela dor, por tudo que ele estava me roubando.
— O quê? — ele respondeu, com um ar de surpresa quase teatral. — Eu não fiz nada! Ela marcou aqui comigo, disse que queria me ver, ficar comigo... e eu só aceitei. Desculpa, mas na verdade eu nem sei seu nome. Só sei que você é da escola, porque já te vi por lá.
Parei por um segundo. Tentei pensar. Enxergar melhor.
E consegui.
Bastou encarar minha prima por cinco segundos. Cinco segundos só. Mas, depois de tantos anos juntas — crescendo, chorando, rindo, dividindo segredos — eu conseguia ler tudo nela. E naquele instante, eu soube: ela estava mentindo. E ela sabia que eu tinha descoberto. Dava pra ver no jeito nervoso como desviou o olhar.
— Por quê, prima? — minha voz saiu trêmula. — Eu te falei o quanto isso era especial pra mim.
Ela me encarou com os olhos assustados — mas brilhantes, como se estivesse gostando.
— Eu te disse que nenhum presta. Só quis te provar. Te proteger. Evitar que você se envolvesse com ele e acabasse magoada... igual está agora.
Fechei os olhos. Não queria acreditar.
E, enquanto minhas lágrimas começavam a cair, ela continuou:
— Fiz isso por você. Pra evitar que sofresse muito mais daqui a um tempo. Você sabe que eu te amo, prima. Sabe que não fiz por mal.
Daniel estava ali, parado, olhando sem entender — como se tivesse caído no meio de uma guerra que não era dele.
E foi quando olhei pra ele... e ele ria.
Não um riso alto. Um risinho nervoso, sem graça — mas era riso. E minha prima... sorria pra mim. Tentando me convencer. Como se aquilo tudo fizesse sentido.
Foi aí que eu explodi.
Avancei em direção a ela. Antes que reagisse, dei-lhe um tapa no rosto.
— Vagabunda! Eu te odeio!
Ela recuou, pedindo pra eu parar — mas eu não conseguia.
— Eu confiei em você desde pequena! Compartilhamos sentimentos, segredos... tudo! Pra você fazer isso comigo?!
Avancei de novo. Peguei seus cabelos com força.
Sua expressão mudou. Agora, assustada. Triste. Sem acreditar na minha reação.
Mas Nathália — apesar de termos a mesma idade — era mais “vivida” que eu. Com um movimento rápido, agarrou meus braços e me derrubou no chão.
Assustada, tentei me soltar. Mas ela sentou sobre meu colo, prendeu meus pulsos contra a grama e me deixou imóvel.
Encarou-me por alguns segundos — como se tivesse esquecido que estávamos brigando. Como se estivesse... me vendo de novo.
Voltei à realidade quando quase mordi seu braço.
— Eu não quero te machucar, Mille — ela sussurrou. — Tenta me entender, por favor.
— Vagabunda, eu vou acabar com você — respondi, chorando.
A raiva era tanta que cuspi na cara dela.
Por sorte — ou agilidade —, ela virou o rosto a tempo.
E foi aí que ela perdeu a paciência.
Subiu o quadril, quase na altura dos meus seios. Posicionou os joelhos com firmeza sobre meus braços, prendendo-os de novo. Agora, com as mãos livres, encarou-me nos olhos — e me desferiu um tapa. Forte.
— Ingrata! — ela gritou. — Estou tentando te proteger, e você prefere brigar comigo por causa de um garoto qualquer!
Deu-me outro tapa. Ainda mais forte.
— Para, Nathi, por favor, para! — supliquei, me contorcendo debaixo dela, nossos corpos já suados pelo esforço, grudando a cada movimento.
— Ah, agora quer que eu pare? — ela sorriu, maliciosa. — Foi você que começou. Agora não aguenta, né?
Por sorte, alguns alunos da escola chegaram naquele momento e a tiraram de cima de mim.
Eu estava desnorteada. Não vi pra onde foram — Nathália, Daniel, os outros. Só me sentei no banco da praça e fiquei ali, tentando juntar os cacos.
Naquela noite, bloqueei o número dela. Rasguei as fotos. Joguei fora o colar que ela me deu no meu aniversário de 15 anos. E chorei até dormir — não por ele. Por nós.
E meu primeiro amor — ou crush, como preferir — havia partido meu coração.
Naquela tarde, cheguei em casa. Meus pais já estavam lá.
Contei tudo. Cada detalhe.
Eles me mudaram de escola.
E ficaram ainda mais rígidos comigo.
— Se gostarem e quiserem a continuação dessa trama, que ficará cada vez mais erótica e surpreendente... me avisem. Continuo postando.
História narrada: https://youtu.be/zCwrakt7V9w