Ainda no estacionamento do hospital, fiz uma sessão de terapia e depois fui voando buscar Milena. Ela já estava à minha espera e eu estava louca de saudade.
Assim que cheguei, a avistei correndo em direção ao carro e, logo atrás, um rapaz trazia os pertences dela. Minha filha me deu um abraço tão gostoso e demorado que foi difícil a gente se largar.
— Eu estava morrendo de saudade de você, meu amor — falei, enchendo-a de beijinhos.
— Eu também, mãe... Muita saudade mesmo! — ela afirmou.
— Não contei a ninguém, como combinamos — falei, e ela imediatamente sorriu.
Fomos o caminho inteiro conversando. Contei sobre a noite anterior, as novidades e que Rafael, Sabrine e a filha dela tinham dormido lá em casa. Ela demonstrou empolgação em relação a ter mais um(a) irmão(ã) e me fez várias perguntas sobre como tomamos a decisão. Expliquei que não foi fácil para mim, mas que Juh já desejava havia algum tempo.
Mih ficou um pouco desacreditada; jurava que a situação era inversa: eu querendo um bebê e Júlia com medo, por causa da última tentativa.
Ela desabafou que odiou passar tanto tempo longe e que não foi nada justo. Esclareceu que gosta muito de ficar com o pai e a família paterna, porém, além de ele não poder estar todos os dias com ela, Mih é acostumada a viver conosco e foi cruel suportar a saudade durante todo aquele período.
~ E aí, como é que fica o coração da mãe? Apertadinho... 🥺
Perguntei se ela comunicou isso ao pai também, e Mih confirmou. Expliquei que não era algo que dependia somente de mim, mas também dele, e que agora eu achava válido que ela participasse mais das decisões tomadas, porque a envolvia diretamente e ela era a mais afetada.
Milena estava crescendo e, nitidamente, começava a expressar o que a incomodava. Isso não é , e nem tem que ser visto como, negativo. Ela apenas constatou um fato e comunicou o desconforto da maneira mais clara que pôde, com quem realmente poderia resolver e evitar que aquilo se repetisse.
O restante do caminho nós fomos ouvindo as musiquinhas chatas dela, mas nem me incomodei. Eu estava com saudade de perturbá-la em relação a isso. Reclamo, reclamo, mas acabo cantando algumas junto; é inevitável não aprender tendo a mulher e a filha que tenho.
Perguntei o que ela queria para o jantar e Milena escolheu McDonald's. Passamos no drive-thru e seguimos. Assim que chegamos, ela se agachou e eu me despedi de Sabrine e Rafael, que estavam de saída. A filha dela estava abraçada com Juh e eu também a cumprimentei. Ela é alguns aninhos mais velha que Kaique e Milena e, como não têm muito em comum, acabam não interagindo tanto.
— Trouxe uma surpresa — falei, após o pessoal sair, e dei um beijo na minha gatinha.
— Passei o dia inteiro curiosa — ela me disse, passando a mão em meu rosto.
— Tá no carro, vai lá dar uma olhada — disse-lhe, antes de roubar alguns selinhos.
Assim que Júlia abriu a porta, Milena saltou no colo dela.
— Mamaaaaaae!!! — nossa filha gritou, e as duas caíram no chão.
— Aaaaaah, que saudade, meu amoooooor — Juh repetia, agarrando-a cada vez mais.
Brad ficou do ladinho, lambendo as duas.
— Pedi pra minha mãe não dizer nada, queria fazer surpresa — Milena explicou.
— Era pra você dizer, e a gente preparar algo para ela, amor — Juh me disse.
Nesse momento, ouvimos um novo grito, mas esse veio da janela do alto. Lá de cima, vimos Kaique.
— Miiiiiiiiih — ele a chamou e logo sumiu.
Ela finalmente desgrudou de Júlia e, em segundos, Kaká já descia a escada. Os dois deram um longo abraço; eu realmente achei que iam se quebrar ao meio de tão apertado que foi.
— Você fez falta todos os dias, eu estava torcendo para que chegasse logo — ele disse e voltou para os braços dela.
— Eu também estava do mesmo jeito. Eu prometo que nunca mais vou deixar isso acontecer, tá? A gente nunca mais vai ficar tanto tempo longe, isso machuca o coração — disse minha filha, decidida.
Juh olhou para mim e eu fiz sinal de que depois a gente conversava sobre.
Nós nos alimentamos e minha gatinha recebeu uma ligação. Era de Sabrine, mas quem falava era a filha dela. Foi bem rápido, aparentemente ela havia esquecido o carregador, e Juh disse que mandaria pela manhã.
De imediato, Milena e Kaique subiram e, pela feição da minha guria, entendi perfeitamente o que havia acontecido: ciúme!
Ela é extremamente apegada a Juh, e eu achei que vê-las abraçadas quando chegamos — somado à ligação especificamente para a mamãe — mexeu com minha filha. Contudo, mais para frente, começamos a reparar um padrão que se repete até hoje: toda vez que Milena viaja, ela volta com uma necessidade especial de dengo da mãe dela, e a frase “a senhora nem liga mais para mim”, em um tom choroso, acaba sendo dita algumas vezes.
Júlia estava distraída lavando algo na pia e eu me aproximei em um abraço. Dei um beijinho no pescoço dela e ela sorriu, perguntando pelos nossos filhos.
— Sua filha subiu, morrendo de ciúmes... Boa sorte! — brinquei.
— Ué, ciúme de quê? — Juh quis saber.
— Da sua ligação, acredito — respondi, roubando um beijo.
— Nossa... Sério? — ela questionou.
— Não sei, amor, é minha única suspeita — informei.
— Deixa eu resolver isso então, coitadinha — Juh falou, deixando a esponja na minha mão.
Eu queria ver o desfecho, mas, pelo visto, a louça sobrou para mim.
Em poucos minutos, Kaique desceu.
— Te expulsaram? — perguntei, rindo.
— Não, eu que quis sair mesmo — ele respondeu, também rindo.
— Mih voltou — comentei, ainda em tom bem-humorado.
— Deixa que eu lavo, mãe — meu filho se ofereceu, já se enfiando entre os meus braços.
Estranhei, porém não comentei.
Nem Milena, nem Kaique são preguiçosos, sempre estão envolvidos nos serviços de casa. Porém, o tom de voz dele era receoso, e isso já me deixou com a pulga atrás da orelha.
— Quero pedir uma coisinha — Kaká começou.
— Ihhh, lá vem... — zoei.
— A gente pode faltar amanhã? — ele perguntou.
Eu já me preparava para dizer não, quando meu filho se adiantou:
— Maaaaaaaae, por favor! Nós dois já fomos aprovados, só notão... A gente só quer jogar um pouquinho a mais hoje e fazer coisa de irmãos amanhã.
— Se Juh deixar, por mim tudo bem — falei.
— A mamãe leva os estudos muito a sério, por isso a gente quer que a senhora peça — ele concluiu, fazendo uma expressão fofa.
— Aaaaaaah, porque eu não levo — disse-lhe, aproveitando o furo.
— Não... — Kaká tentou corrigir.
— E pior: vocês não levam — completei, fingindo estar assustada.
— Mãe, a gente tá com saudade, queremos brincar e conversar somente — ele falou, sem paciência, vindo até mim.
— Huuuuum, ok... Vou ver o que consigo... — falei, e um sorrisinho brotou em seus lábios.
— YESSSSS! — Kaique comemorou, me abraçando.
— Lembrando que eu não garanti nada — fiz questão de deixar claro.
— Obrigado mesmo assim, mãe — Kaká agradeceu.
Milena e Kaique são exemplares, não tinha como negar esse pedido. Eu sabia que nenhum dos dois estava assistindo às aulas, apenas se mantendo online para não receberem falta, e eu os entendia perfeitamente. Confesso que não teria paciência para ouvir mais nada no lugar deles.
Nós subimos e Milena estava encaixadinha em Júlia. Elas já riam, mas as bochechas da minha filha estavam em um tom avermelhado, denunciando que houve um chorinho e, pelo tom de voz manso demais, eu sabia que ela estava cheia de dengo.
— Oh, meu Deus... Coisa gostosa... — falei, me jogando ao lado dela e dando beijinhos na bochecha.
— A senhora vai me abusar por isso? — Mih perguntou.
— Não... Agora não... — disse-lhe, rindo.
— Eu não vou deixar, meu amor — Juh a defendeu, puxando-a para si.
— Eu também não — falou Kaká, se juntando às duas.
No banho, perguntei como havia sido a conversa com Milena, e minha gatinha começou dizendo que eu realmente tinha razão: era ciúme em relação à filha de Sabrine. Ela contou que nossa pequena disse ter se sentido substituída e que a mamãe nem havia dado tanta atenção a ela desde a chegada da menina. Mas, com a delicadeza de sempre, Juh conseguiu desfazer o mal-entendido, deixando claro que gosta muito da filha da nossa amiga, mas que aquilo tinha sido apenas uma interação social. Reforçou ainda que ninguém, em nenhum lugar do mundo ou fora dele, poderia ocupar o espaço que Milena tem em sua vida. Elas também fizeram um cálculo rápido e perceberam que o monstro da TPM estava solto, rs!
Também relatei o que ocorreu no caminho e toda a insatisfação de Milena por termos espaçado demais o tempo dela longe de nós.
— Foi mancada da gente não se atentar a isso... — A gatinha lamentou.
— Erros servem para que a gente aprenda e não os repita. Mih está crescendo e isso é ótimo, ela quer e deve participar mais diretamente das decisões envolvendo a vida dela e é isso que nós vamos tentar fazer a partir de agora — Falei.
— Nossa, ela tem uma visão, né? Se expressa tão bem... Fico toda orgulhosa! — Juh comentou e eu concordei, pois sentia o mesmo em relação a maturidade da minha filhinha.
Aproveitei e já puxei o assunto com Juh, referente à solicitação de Kaique.
— Gatinha, seu filhinho pediu para eu fazer um apelo... — comecei, abraçando-a.
— O quê? — ela perguntou, curiosa.
— Ele quer faltar amanhã, Mih também... Querem aproveitar um pouco mais o tempo juntos... — falei.
— Ué... — Juh iniciou, pensativa — Por que não me pediram?
— Segundo Kaique, você leva os estudos muito a sério — disse-lhe, com um olhar convencido. — Mas ele só se expressou mal. Eu entendi que ele achou que eu pedindo, você aceitaria mais fácil... Mas nem sei se tenho essa moral toda — finalizei, dando um selinho e rindo.
— Huuuuuuum, vou pensar no caso de vocês — Júlia respondeu, rindo.
— Posso te ajudar a pensar melhor, com mais carinho... — sussurrei, próximo ao seu ouvido.
— Eu deixo, eu deixo... Não começa porque eles estão na nossa cama — Juh falou, segurando meu rosto.
— À noite? — pedi, cerrando os olhos para ela.
— Tá, à noite — Juh confirmou, com um sorrisinho, e me puxou novamente para um abraço.
À noite, ficamos no nosso quarto para assistir a um filme com nossos guris. Estávamos com saudade dessas pequenas coisas, algo que parece simples e que poderia até ser feito virtualmente, mas que, de fato, não teria o mesmo sabor. O escolhido foi um filme de terror, e passamos metade do tempo nos assustando uns aos outros. Sempre digo que qualquer gênero acaba virando comédia quando estamos juntos; é tão gostoso ficar assim.
— Pode pedir para a mamãe o que você tanto quer... — cochichei no ouvido de Kaká.
Ele olhou sorrindo para mim e sentou-se, virado na direção de Juh.
— Mamãe, a gente pode dormir um pouco mais tarde e faltar amanhã para fazer coisinhas de irmãos? — perguntou.
— Conversei com Lore e decidimos que vocês merecem esse tempo juntos — Júlia falou, e imediatamente eles comemoraram, pulando em cima da gente.
O bendito filme parecia não acabar nunca e, em determinado momento, eles apagaram, acabando com os planos de virarem a noite juntos.
— Acho certo nós acordarmos eles para que possam ir para a cama... — sugeri, já sabendo a resposta que receberia.
— Ahhhh, amor... Só hoje... Estou com saudade disso... — Juh respondeu.
— Amor... A gente aumenta o tamanho da cama, porém eles estão crescendo também... Não dá mais, eu acordo toda quebrada e na próxima madrugada vou estar no hospital... Você acha isso justo? — perguntei.
Ela fez um rostinho triste e concordou.
— Esqueci desse detalhe... Tudo bem, vamos acordá-los... — disse.
— Não, espera... Ok, vamos tentar... — falei.
— A gente fica aqui até dar sono e depois vamos para outro quarto, pode ser? — ela propôs.
— Perfeito! — respondi, e nós duas ficamos com um sorriso nos lábios.
Terminamos o filme e permanecemos por algum tempo fazendo carinho em Kaique e Milena, observando os mínimos detalhes. Mesmo eles crescendo em idade, sabedoria, estatura e graça, ali, naquele momento, pareciam apenas os nossos bebês de sempre.
Milena seguia espaçosa e Kaique ainda abraçava um travesseiro para conseguir pegar no sono... Tem coisas que não mudam!
— Eles cresceram, mas vão ser baixinhos — Juh comentou, rindo.
— Já me conformei... — concordei.
Naquela época, Mih era um pouco maior que Kaká, contudo, pela idade, já dava para ter uma noção de que minha muié não seria a única Smurf da casa.
Fomos para o quarto de hóspedes e, enquanto a gente se ajeitava na cama, resolvi brincar.
— E a noite que você me prometeu? — perguntei, depositando alguns beijinhos em seu pescoço.
Juh virou-se para mim, com uma feição de quem se preparava para dizer: "ahhhh, agora estou cansada", mas eu não consegui manter a farsa e comecei a rir.
— É brincadeira... Quer dizer, brincadeira não... Você está em dívida — brinquei novamente, roubando um beijo.
— Sempre costumo pagar muito bem minhas dívidas — ela respondeu, me dando um beijo mais demorado.
— Verdade, não tenho do que reclamar... — concordei, sentindo-a deitar sobre meu peito.
— Mih me perguntou quando o bebê vem — falou, animada.
— Eles vão mimar tanto essa criança... — disse, rindo.
— Amor, eu estou muito feliz com tudo que está acontecendo... Parece que o contexto mundial é um pesadelo e, mesmo assim, eu estou conseguindo viver um sonho dentro dele... Tomara que dê tudo certo, não é? — ela disse, e eu sorria, viajando nas novas possibilidades.
— Vai sim, meu amor... — falei.
Eu carregava certezas muito fortes no coração. No âmbito profissional, conseguia enxergar com clareza o caminho de Júlia: ela avançando com o projeto, tocando vidas, transformando histórias, deixando sua marca no mundo. Já no familiar, havia em mim uma convicção ainda mais íntima: a de que, dessa vez, nosso destino não se repetiria, que o desfecho seria outro e que, enfim, teríamos mais um filho(a).
É verdade que nem tudo aconteceu como eu havia imaginado porque nem tudo deu certo. Porém, uma coisa posso garantir: houve, sim, com certeza, um final diferente que mudou totalmente a nossa vida.