DETETIVES - Entre o amor e o crime | Capítulo 03 - Seja forte

Um conto erótico de Th1ago-
Categoria: Gay
Contém 2695 palavras
Data: 28/09/2025 05:36:23

Narrado por: Derek

— Cadê o Kaleo? — gritei, olhando em direção à Maya, o tom da minha voz mais alto do que o necessário. — Temos um terceiro corpo para averiguar, outra vítima, e ele está aonde? Bêbado por algum lugar?

— Pra quem não queria um ajudante tá se importando muito em como estou — ouvi uma voz atrás de mim.

Virei e o vi. Kaleo estava parado ali, sob a luz fluorescente fria do corredor, que realçava a palidez de seu rosto, com um óculos escuro enorme cobrindo metade da face, os cabelos ainda úmidos, caindo de forma desleixada sobre a testa. Ele cheirava fracamente a cerveja e sabão.

— E não queria mesmo — rebati, seco, a voz como um chicote. — Mas já que está designado a me ajudar, pelo menos que faça isso.

Meus olhos ficaram presos nele por alguns segundos, mais do que permitiam as regras não ditas do nosso relacionamento profissional. A imagem dele ali, exausto, com aquele jeito desarmado, me irritava mais do que qualquer criminoso que eu já tivesse perseguido. A recusa dele — aquele "não" tão direto, preferindo beber com a técnica de TI e a legista a dividir um chopp comigo — ainda ecoava na minha cabeça como um tiro.

Não devia me importar, é claro que não, mas importava. E essa pequena traição, essa vulnerabilidade no meu orgulho, me corroía por dentro.

Engoli seco, empurrando o orgulho para frente como uma barreira de chumbo. A máscara de frieza desceu sobre meu rosto. Se ele me rejeitava, eu só tinha uma saída: ser mais frio, mais distante.

— Qual é a cena? — Kaleo perguntou, tirando os óculos devagar. Os olhos estavam realmente fundos, a pele embaixo marcada pelo cansaço. Mas havia algo neles... uma chama curiosa, ansiosa por respostas.

— Brooklyn. Um parque de diversões abandonado — respondi, caminhando em direção à viatura. — Parece que nosso assassino gosta de cenários pitorescos.

O caminho até lá foi silencioso, só o ronco do motor e o som abafado da cidade entrando pelas frestas da janela. Nova Iorque nunca dormia, mas certas áreas pareciam suspensas no tempo, como bolhas de abandono. Quando viramos a esquina, o parque surgiu diante de nós como um gigantesco fantasma esquecido e decadente.

A cerca de arame farpado estava rasgada em um ponto, a tinta descascada em flocos cinzentos e vermelhos.

O lugar cheirava a ferrugem, mato seco e poeira úmida. As ferrugens tomavam os trilhos da antiga montanha-russa, que se elevavam contra o céu de um azul-acinzentado como a espinha dorsal de um monstro morto. O carrossel, parado no meio do terreno, girava apenas pela força do vento, rangendo em um ritmo irregular e nauseante, como um lamento de criança. Bonecos coloridos, antes feitos para trazer alegria, estavam agora pálidos, descascados, com expressões deformadas pelo tempo. Era como se cada sorriso pintado carregasse uma ameaça silenciosa. Aquele não era um cenário aleatório; era um cenário escolhido para evocar melancolia e horror.

E então a vimos.

A vítima estava sentada em um dos carrinhos da roda-gigante, a vários metros do chão. As luzes quebradas piscavam aleatoriamente, em tons de vermelho e azul fraco, como se a cena estivesse sendo filmada por uma câmera antiga. Um agente já havia acionado os bombeiros para subir e descer o carrinho.

Quando finalmente o corpo foi trazido até nós, o arrepio frio daquela mise-en-scène percorreu minha espinha.

Ela estava posicionada com uma estranha delicadeza. O assassino havia cruzado suas mãos sobre o colo, os dedos entrelaçados como em uma prece. O pescoço estava marcado, mas o restante do corpo, intocado, era o que chamava atenção. Os olhos estavam abertos, fixos no vazio, e os lábios tinham um leve sorriso, um gesto perturbadoramente tranquilo.

Kaleo prendeu a respiração ao meu lado.

— Isso... isso é exatamente "O Silêncio dos Inocentes" — murmurou ele, quase para si mesmo, seus óculos de sol esquecidos na mão. — É Buffalo Bill. Ou melhor, é a estética de Hannibal. Ele deixava as vítimas assim... como se quisesse transformar a morte em arte.

Olhei para ele, sem dizer nada. Mas por dentro, admiti: ele estava certo. A assinatura do assassino estava se tornando mais clara. Não era apenas sobre matar. Era sobre encenar e referenciar.

— Você acha bonito? — soltei, seco.

Ele me encarou de volta, firme. — Eu acho intrigante. Há um motivo por trás disso. Ele quer ser visto. Quer que a gente entenda.

— Você já se perguntou por que continua aqui? — perguntei, sem tirar os olhos da roda-gigante. — Isso não é só trabalho. Isso mexe com você.

Ele virou o rosto lentamente para mim, e por um instante pensei que fosse desviar ou fugir da pergunta. Mas não. Ele sustentou meu olhar, os olhos cansados, ainda assim cheios de fogo.

— E você já se perguntou por que finge que nada mexe com você?

As palavras caíram como um soco, bem no meio do silêncio do parque.

— Você se esconde atrás dessa pose de durão, mas no fundo... você tá quebrado.

Foi a gota d'água. Aquele tom de superioridade, a presunção dele de me ler... E foi aí que perdi a paciência. Em um movimento rápido, meu corpo se moveu por instinto. Agarrei o braço dele, sentindo a firmeza do músculo sob o tecido fino da camisa, e o pressionei contra a parede descascada. O impacto ecoou no silêncio do parque.

— Conheça seus limites, Kaleo — rosnei, encarando-o de perto, a voz baixa e perigosa. — Nós não somos coleguinhas. Você trabalha pra mim. Não esqueça isso.

O rosto dele estava a centímetros do meu, perto demais. Eu podia sentir a respiração quente batendo contra meu lábio, o cheiro fraco de menta e cerveja de ontem. O olhar dele cravado no meu como se me desafiasse a dar o próximo passo. Porra... a adrenalina da raiva se misturava a outra coisa. Por que eu não conseguia simplesmente soltar ele? Eu queria calá-lo, mas talvez quisesse outra coisa. Por um instante, o corpo dele pareceu responder ao meu toque com a mesma eletricidade.

Ele ergueu o queixo, os olhos brilhando com uma coragem irritante, um brilho que era puro desafio, mas também algo que me prendia.

— Você não é meu dono... — sussurrou, a voz rouca, baixo demais para qualquer um ouvir além de mim.

— Eu... hum... — Maya apareceu carregando uma prancheta. Parou alguns metros adiante, os olhos arregalados ao nos ver tão próximos.

Soltei o braço dele devagar, mas não me afastei de imediato. Por um segundo, fiquei ali, respirando pesado, sentindo a pulsação acelerada — minha e a dele. Só quando vi os olhos de Maya se movendo entre nós, como quem tentava decifrar uma cena que não deveria existir, eu dei um passo para trás.

— Bom... a perícia estimou a morte entre meia-noite e três da manhã. A vítima sofreu múltiplos golpes contusos, mas o que causou a morte foi estrangulamento.

Kaleo ainda encostava o ombro na parede, me olhando com aquele maldito sorriso torto. Eu tentava focar nas palavras de Maya, mas cada segundo que ele segurava o olhar em mim parecia um desafio silencioso.

— E tem mais — Maya acrescentou. — A vítima tinha uma cicatriz antiga no abdômen, provavelmente de cirurgia. Talvez isso ajude a identificá-lo.

Assenti, mantendo o olhar fixo na prancheta dela só pra não encarar o que estava ao meu lado.

Maya respirou fundo, e por um instante, pensei que ela fosse perguntar o que tinha acabado de ver. Mas ela só apertou os lábios e desviou, entregando-me uma cópia das anotações.

— Vou avisar quando tiver a confirmação do laboratório.

Ela se afastou com passos lentos, ainda lançando olhares de soslaio como se carregasse uma pergunta presa na garganta.

O silêncio voltou a pesar. Eu sentia o olhar de Kaleo grudado em mim. Não precisei olhar pra saber que ele ainda sorria daquele jeito insolente, como se tivesse vencido mais uma vez.

E eu odiava o quanto aquilo mexia comigo.

De volta à delegacia, o silêncio entre nós parecia mais ensurdecedor do que qualquer barulho do parque abandonado. Minha sala estava mergulhada na penumbra, apenas a luz fria da luminária iluminava a mesa cheia de pastas abertas. Kaleo se colocou diante do quadro de vítimas, rabiscando com a caneta as informações do último corpo, enquanto eu lia e relia os relatórios antigos, tentando caçar alguma ligação escondida.

De vez em quando, eu sentia. O olhar dele. Pesado. Persistente. Como se tentasse atravessar minha pele, arrancar alguma reação de mim. Mas eu não dei esse gosto. Virei as páginas com calma, fingindo que nada me afetava, embora por dentro minhas mãos estivessem pedindo pra tremer.

A porta se abriu com força e Kate entrou, segurando uma pasta contra o peito. Sua expressão estava tensa, mas prática, como sempre.

— Temos a identificação da vítima. — Ela depositou a pasta sobre a mesa. — O nome dele é Richard Collins, quarenta e dois anos, contador. Saiu de casa como fazia todas as noites, por volta da meia-noite, pra passear com o cachorro.

Ergui os olhos pela primeira vez.

— O cachorro?

— Encontraram a três quadras de onde deixaram o corpo. Estava agitado, mas vivo. — Ela respirou fundo, ajustando os óculos. — A família já foi contatada. Estão vindo agora pra receber a notícia oficialmente.

O ar pareceu pesar um pouco mais. Eu apenas assenti, e Kate nos deu mais um daqueles olhares longos, como se quisesse medir a temperatura da sala, antes de sair e fechar a porta atrás de si.

Fiquei alguns segundos em silêncio, escutando apenas o risco da caneta de Kaleo contra o quadro. Então falei, firme:

— Vamos dar a notícia juntos.

Ele virou a cabeça devagar, como se não tivesse entendido.

— O quê?

— Você ouviu. Vai comigo.

Kaleo riu de nervoso, coçando a nuca. — Derek, eu... eu não tô preparado pra isso. Não é uma simples anotação num quadro, é... é encarar uma família destruída, gente que não vai nem conseguir ouvir a primeira frase inteira...

Fechei a pasta com força, o estalo ecoando pela sala.

— Bem-vindo à polícia, Kaleo. Isso faz parte do trabalho.

— Mas eu...

— Você acha que eu tava preparado a primeira vez? — interrompi, minha voz firme, cortante. — Ninguém tá. Mas alguém precisa encarar. E esse alguém é a gente.

Ele respirou fundo, desviando os olhos por um instante, mas não sem antes lançar aquele meio sorriso de sempre, irritante, como se ainda estivesse testando os meus limites.

— Vai ser bom pra você — acrescentei, levantando-me e passando por ele, quase roçando o ombro no dele. — Vai aprender que aqui não tem espaço pra covardia.

A cada palavra, eu via no olhar dele a raiva misturada com medo. E, no fundo, uma centelha que eu não queria admitir que reconhecia.

As horas seguintes foram um castigo em silêncio. Eu sentado à mesa, relendo os relatórios sem absorver uma linha sequer; Kaleo de pé, apoiado contra a parede, mexendo nos próprios dedos como se eles fossem o maior enigma da noite. Nenhum de nós ousou quebrar o vazio. Era como se a delegacia inteira tivesse segurado a respiração à espera do inevitável.

Quando a porta finalmente se abriu, vi um casal idoso entrar, amparado por Kate. O tempo tinha marcado cada linha nos rostos deles, mas a esperança ainda brilhava nos olhos cansados — uma esperança que eu sabia que ia morrer ali, naquela sala.

— Senhor e senhora Collins — comecei, levantando-me. Meu tom saiu mais robótico do que eu esperava. — Por favor, sentem-se.

Kaleo permaneceu de pé ao meu lado, rígido, os ombros tensos, as mãos fechadas em punho. Vi a garganta dele se mexendo enquanto engolia em seco. Ele não conseguia respirar, e a dor de ver a dor estava paralisando-o.

Eles se acomodaram na beira da cadeira como quem não quer se entregar ao peso do próprio corpo. Kaleo permaneceu de pé ao meu lado, rígido, os ombros tensos. Vi a garganta dele se mexendo enquanto engolia em seco, incapaz de abrir a boca. Então coube a mim. Sempre coube a mim.

— Encontramos o corpo de um homem hoje de manhã — comecei, escolhendo as palavras como se fossem lâminas afiadas. — Pelas evidências, acreditamos se tratar de Richard, o filho dos senhores.

A mãe levou a mão à boca antes mesmo de eu terminar a frase. Os olhos dela se encheram de lágrimas instantaneamente, e um som baixo, quase um lamento, escapou de sua garganta. O pai, por outro lado, ficou imóvel. Olhos fixos em mim, duros, como se quisesse negar até o último segundo.

— N-não... — a senhora Collins balbuciou, as mãos tremendo. — Ele... ele só saiu pra caminhar, como sempre faz... Não...

Senti Kaleo se mexer ao meu lado, a respiração dele descompassada. Ele tentou dizer algo, mas a voz não saiu. Eu o vi franzir a testa, a dor estampada no rosto. Eu sabia o que passava pela cabeça dele: a crueldade de ser o mensageiro da morte.

Apoiei as mãos sobre a mesa e me inclinei um pouco à frente, olhando diretamente para eles.

— Eu sei que nada do que eu disser vai aliviar o que estão sentindo agora. Mas eu prometo... prometo a vocês que vamos encontrar quem fez isso. Richard não será apenas mais um caso.

Apoiei as mãos sobre a mesa e me inclinei um pouco à frente, olhando diretamente para eles. Forcei a frieza a dominar cada músculo facial.

— Eu sei que nada do que eu disser vai aliviar o que estão sentindo agora. Mas eu prometo... prometo a vocês que vamos encontrar quem fez isso. Richard não será apenas mais um caso.

A mãe chorava abertamente, um som agudo e dilacerante, agarrada ao braço do marido, que finalmente fechou os olhos, vencido, uma lágrima solitária deslizando pelo rosto duro.

Olhei de relance para Kaleo. O rosto dele estava pálido, quase doentio, os olhos marejados. Ele parecia estar carregando aquela dor como se o peso da perda fosse transferido para ele. Por um momento, tive vontade de aliviar, de dizer que era normal sentir-se assim. De tocá-lo, de dizer que ele não precisava daquela armadura. Mas engoli as palavras. Esse era o tipo de aprendizado que marcava um detetive.

Kate se aproximou discretamente, colocando uma mão suave no ombro da senhora Collins, conduzindo o casal para fora da sala. O som dos passos arrastados deles ecoou pelo corredor até sumir.

Quando a porta se fechou, Kaleo afundou na cadeira, os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos cobrindo o rosto.

— Isso... isso é desumano — ele murmurou. — Como alguém pode simplesmente sair pra passear com o cachorro e acabar morto desse jeito?

Eu fiquei em silêncio por alguns segundos, observando a angústia dele. Então falei, a voz firme, mas baixa:

— Porque o mundo não é justo, Kaleo. Nunca foi. O que nos resta é lutar pra que, pelo menos, não seja em vão.

Ele levantou os olhos pra mim, vermelhos, como se minhas palavras fossem a última âncora à qual podia se segurar.

O silêncio voltou a tomar conta da sala depois que os Collins saíram. Eu ainda segurava a caneta entre os dedos, girando-a sem nem perceber, enquanto Kaleo continuava sentado, os olhos fixos no nada, como se tivesse ficado preso naquela cena.

— Você não pode deixar isso te quebrar — falei, a voz saindo mais áspera do que eu queria. — Se cada vez que der uma notícia dessas você se despedaçar, nunca vai durar na polícia.

— Você fala como se fosse fácil... — murmurou, sem olhar pra mim.

— Não é fácil. Nunca foi. Mas a gente não tem o direito de desmoronar na frente deles. Se a família vê a gente ruindo, eles perdem a última réstia de confiança que ainda têm

Assim que a frase saiu, percebi que tinha errado na escolha das palavras. O olhar dele mudou, como se eu tivesse puxado um fio invisível que ele escondia bem no fundo. Ele apertou os lábios, levantou-se devagar e recolheu as pastas da mesa, sem me encarar.

— Entendi. — A voz dele estava baixa, quase um sussurro.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele saiu da sala. Eu não tinha fritado, não tinha sido cruel. Mas ainda assim, de algum jeito, tinha conseguido machucar ele.

Fechei os olhos por um instante, tentando me convencer de que estava apenas preparando Kaleo pro que viria. Mas uma parte de mim sabia: havia coisas que nenhum treinamento deixava um homem pronto pra enfrentar.

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 0 estrelas.
Incentive Th1ago a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários