O sol de sábado irrompeu na chácara, brilhante e impiedoso, refletindo a nova realidade de Júnior. O corpo doía, sim, um lembrete constante da sessão de futebol da noite anterior e da semana de exaustão, mas a dor física era um ruído de fundo diante da ânsia do que Gabriel reservava para este dia. A contagem regressiva havia terminado, o último pagamento já havia sido enviado pontualmente às oito da manhã, selando sua lealdade. Júnior sabia que os amigos de Gabriel viriam; a notificação do grupo no WhatsApp de Gabriel, a qual ele vira por acaso no celular do Mestre na noite de sexta-feira, confirmara. Não havia surpresas quanto aos convidados, mas a natureza do "espetáculo" ainda era um mistério, e isso era o que mais o intrigava e apavorava.
Do outro lado da cidade, Gabriel acordava com um sorriso ainda mais largo e um brilho calculista nos olhos. A satisfação da sexta-feira no campo de futebol havia sido um mero prelúdio para o que aconteceria. A BMW de Júnior, impecável na garagem, era a confirmação silenciosa de seu domínio, e a antecipação do dia o enchia de um prazer quase tangível. Seus amigos, avisados e ansiosos por mais um "show" da cadela, chegariam em breve. O plano, elaborado em detalhes perversos, prometia superar as expectativas de todos.
Júnior dedicou a manhã a garantir a perfeição do palco. A chácara foi preparada com um zelo quase maníaco: piscina cristalina na temperatura ideal, churrasqueira reluzente, áreas de lazer arrumadas. Ele se moveu com uma eficiência robótica, cada movimento ditado pela ânsia de agradar, tentando antecipar cada capricho de seu Mestre.
Pouco depois das dez, o familiar rugido da BMW de Júnior cortou o silêncio da propriedade, seguido de perto pelo som de outro carro. Júnior, já na entrada, havia se prostrado no cascalho, com o corpo de bruços e a testa tocando o chão frio. Seu corpo inteiro enrijeceu, o coração martelava descompassado contra suas costelas. O suor frio escorria pela sua testa, mas seus olhos, embora carregados de apreensão, estavam fixos no ponto onde os carros parariam. Ele se preparou mentalmente, os músculos tensos, antecipando o primeiro comando, o corpo submisso em total reverência.
Gabriel desceu do carro, exibindo uma regata justa e shorts, exalando confiança. Em seus pés, tênis esportivos brancos e impecáveis. Atrás dele, João Guilherme, João Victor e Thiago saíram do outro veículo, com sorrisos largos e olhares cúmplices que não continham surpresa alguma.
— Pontual, cadela! — Gabriel cumprimentou Júnior, que permanecia imóvel de bruços. — Meus amigos, ele já está aqui, pronto para servir.
João Victor soltou uma risada debochada. — E aí, cadela! Pronta para hoje? Gabriel disse que você não falha e esperamos que não decepcione.
Thiago e João Guilherme se aproximaram de Júnior, que mantinha a postura submissa.
— Cadela, espero que o Gabriel tenha te treinado bem esta semana. Não queremos ter que te adestrar de novo. — comentou Thiago, com um tom de escárnio.
— Agora, cadela, vai lá no porta-malas do meu carro e pegue minhas chuteiras. — Gabriel ordenou, apontando para o veículo de Júnior.
Júnior, sem erguer o olhar, levantou-se com movimentos fluidos, quase rastejando até a BMW. Abriu o porta-malas e lá estavam: as chuteiras, e dentro de uma delas, um meião de futebol branco, sujo e embolado. Ele pegou tudo e retornou, ajoelhando-se para apresentar os itens a Gabriel, enquanto os amigos riam.
— Cadela, pegue essas chuteiras e limpe-as. Quero que fiquem impecáveis para o jogo de futebol. Não quero ver um pingo de sujeira nelas, entendeu?
Júnior assentiu e se sentou à beira da piscina, onde a luz era boa. Com um pano úmido e uma escova, começou a limpar as chuteiras com um zelo quase doentio. Cada resquício de terra era meticulosamente removido, cada superfície polida, como se a pureza do calçado refletisse sua própria submissão. Os amigos de Gabriel, já dentro da piscina, observavam a cena.
Júnior, com as chuteiras limpas e brilhando, arrastou-se até a borda da piscina, onde Gabriel estava. Estendeu as chuteiras, apresentando-as para a inspeção do Mestre.
— Mestre, as chuteiras estão prontas para sua inspeção. Estão impecáveis, como o senhor ordenou? — murmurou Júnior, a voz um fio de som.
Gabriel as pegou, girando-as, verificando cada costura e cada traço. Um sorriso de satisfação delineou seus lábios.
— Muito bem, cadela. Quase perfeito. — disse Gabriel, e devolveu as chuteiras a Júnior.
Gabriel, com um movimento fluido e imponente, saiu da piscina. O corpo musculoso, ainda reluzindo com gotas d'água, exibia apenas a sunga justa que delineava sua virilidade. Ele se virou para os amigos, que também começavam a sair da água.
— Vamos, seus molengas! É hora de ir pro campo! — Gabriel chamou, um brilho competitivo nos olhos.
Os amigos assentiram com entusiasmo, sacudindo o excesso de água. Gabriel então olhou para Júnior, que segurava as chuteiras.
— Cadela! Venha aqui e calce essas porras em mim. E sem demora.
Júnior se aproximou, ajoelhando-se na grama úmida. Pegou o meião que estava com as chuteiras. Tentou deslizar o tecido pelo pé de Gabriel, mas a umidade da pele criava atrito, e o material parecia não querer ceder. Ele forçou, o rosto contorcido pelo esforço, sentindo a pressa e os olhares dos amigos.
— O que foi, cadela? Vai ficar aí parado feito um jumento? Não consegue nem colocar uma meia? — a voz de Gabriel era uma chicotada, e a impaciência tomava conta de seu semblante.
Um tapa seco e forte estalou na bochecha de Júnior, virando seu rosto com o impacto. Os amigos de Gabriel, que se aproximavam, explodiram em gargalhadas.
— Mas que cadela lerda! — zombou João Victor, rindo alto e apontando.
Júnior sentiu o ardor, mas forçou-se a continuar. Com mais cuidado e esforço, ele conseguiu, enfim, calçar o meião no pé de Gabriel. Depois, com a mesma dificuldade, ajustou a chuteira, amarrando os cadarços com dedos trêmulos. Fez o mesmo com o outro pé, apressado, sentindo os olhares e o riso dos outros sobre si.
Gabriel, agora com as chuteiras calçadas, balançou os pés, satisfeito com o resultado final, ignorando o processo doloroso para Júnior.
— Bom. Agora sim. — Ele se virou para os amigos. — Vamos, que o jogo espera.
— A gente também quer as nossas, cadela! — bradou João Guilherme, apontando para o carro de onde haviam chegado. — Vai lá e pega nossas chuteiras no porta-malas. Anda!
Júnior se arrastou até o outro carro. Abriu o porta-malas e lá estavam: três pares de chuteiras, algumas mais velhas, outras mais novas, e dentro de cada uma, um meião embolado. Ele pegou as três e retornou, ajoelhando-se diante dos amigos, com as chuteiras nos braços.
— Aqui estão, senhores. — murmurou, apresentando-as.
João Victor, Thiago e João Guilherme sentaram-se em espreguiçadeiras, estendendo os pés.
— Calça aí, cadela! Não temos o dia todo! — ordenou Thiago.
Júnior hesitou, o olhar fixo nas chuteiras em seus braços, ciente de que cada par tinha suas particularidades. Olhou para Gabriel, buscando uma pista, uma permissão para perguntar.
— Que foi, cadela? Não está vendo que quero jogar? — Gabriel perguntou, sem qualquer paciência. — Vai ficar aí parado feito um idiota? Calça logo!
— Mestre... — Júnior balbuciou, os olhos marejados de confusão e pânico. — Eu... eu não sei qual chuteira é de quem. Estão todas juntas...
Os três amigos explodiram em gargalhadas.
— Hahahahaha! A cadela não sabe nem qual sapato é do dono! — zombou João Guilherme, com um tom de escárnio que beirava a crueldade.
— Se vira, cadela! Adivinha! Ou você acha que a gente vai te ajudar? — disse João Victor, e com a ponta do pé descalço, empurrou uma das chuteiras que Júnior segurava, fazendo-o quase perder o equilíbrio. — Vai logo, não temos o dia todo!
Júnior, humilhado, forçou-se a tentar. Pegou um par aleatoriamente, torcendo para acertar. Escolheu o primeiro par e tentou calçá-lo no pé de João Victor. A chuteira era visivelmente grande demais, sobrando nos dedos e escorregando no calcanhar. João Victor soltou uma gargalhada ainda mais alta e, puxando o pé para fora, balançou-o na frente do rosto de Júnior.
— Essa aí é pra um gigante, cadela! Meu pé vai nadar dentro dela! Será que sua cadelinha pessoal é tão burra que não consegue nem medir um sapato, Gabriel? — ele se dirigiu a Gabriel, que apenas sorria. — Agora, tira essa porcaria do meu pé e faça ela servir! Enfia essa porra no meu pé até caber!
Júnior sentiu o rosto queimar. Pressionado, ele pegou o segundo par. Desta vez, tentou em Thiago. A chuteira parecia pequena, apertada, e Thiago grunhiu em desconforto. Ele puxou o pé de volta com um movimento brusco, quase derrubando Júnior.
— Ai! Essa vai arrancar meu dedo, cadela! Você é inútil ou o quê? — Thiago bradou, e, num acesso de raiva teatral, chutou de leve o ombro de Júnior com o pé, empurrando-o para o lado. — Me beija o pé e pede perdão por essa burrice! Rápido!
O desespero tomou conta de Júnior. As risadas dos amigos ecoavam, o olhar impaciente de Gabriel pesava. Com as mãos trêmulas, ele beijou o pé de Thiago e, em seguida, pegou o último par, torcendo para ser a medida certa para João Guilherme, mas para sua agonia, a chuteira também não serviu, ficando folgada demais, e João Guilherme não poupou o deboche.
— Não acredito que você não consegue fazer uma coisa tão simples! — esbravejou João Victor. — Tenta de novo! E não para até acertar!
Júnior, sem opção, começou o processo novamente, com cada amigo estendendo um pé e Júnior tentando, um por um, cada chuteira. A cada falha, um xingamento, uma risada ainda mais cruel, um empurrão leve para apressá-lo. A humilhação se aprofundava a cada tentativa errada, até que, finalmente, depois de várias trocas e muita agonia, ele conseguiu encontrar os pares certos para cada um. Exausto, ofegante e com as mãos e joelhos doloridos, ele calçou as últimas chuteiras nos pés de Thiago, amarrando os cadarços com a precisão mecânica de quem opera sob pressão.
Ele começou a caminhar em direção ao campo improvisado. Os amigos o seguiram, zombando de Júnior, que se arrastava atrás.