Onde o mar nos levou - Capítulo IV

Um conto erótico de Rafael & Caio
Categoria: Gay
Contém 4393 palavras
Data: 02/08/2025 12:47:38

Capítulo IV — Onde o tempo se escondeu

Narrado por Rafael...

Três meses. Ou quatro. Eu perdi a conta logo depois que voltei pra cidade. Voltei... mas nunca mais fui o mesmo. Eu lembro exatamente do dia em que entrei no táxi e olhei pra trás. A casa dele ficando pequena na distância, a rua onde tudo aconteceu — onde ele me esperou, me acolheu, me beijou... e onde eu escolhi ir embora. Talvez não de propósito. Talvez fosse só medo. Talvez eu não estivesse pronto. Talvez...

A verdade é que eu tentei seguir em frente. Mas, em silêncio, eu me arrastei. A rotina me engoliu como uma onda. Comecei a trabalhar mais. Muito mais. Chegava cedo, saía tarde. Não por ambição, mas por necessidade de esquecer. Quase como uma anestesia.

Um dia em cima do outro. Tarefa atrás de tarefa. Relatórios, reuniões, cobranças. O mundo corporativo me apertava o peito e, ao mesmo tempo, me impedia de pensar em Caio. Eu deixava que ele fosse engolido pelos compromissos. Deixava, mas ele sempre voltava.

Voltava no meio da tarde, quando eu pegava meu celular e via uma nova mensagem. "Oi, Rafael... como você tá?" Ou só um: "Pensei em você hoje." E eu... eu encarava a tela como quem encara uma fotografia de um tempo que já não existe. Meu polegar tremia sobre o teclado. Eu começava a digitar: "Oi, Caio, também pensei em você." Mas apagava logo em seguida. Respirava fundo. Engolia em seco. Respondia com um: "Oi, tô bem, espero que você também esteja."

Seco. Frio. Rápido. Quase como um reflexo automático. Como se, ao manter as palavras no raso, eu evitasse mergulhar novamente.

E ele tentava. Ele insistia.

Uma vez mandou um áudio. A voz dele... Meu Deus. A voz dele me desmontou. Era doce. Era saudosa. Ele perguntava como eu estava, dizia que sentia minha falta. Contou de uma praia que havia visitado e disse que, por um segundo, achou que eu estaria lá. Que sentiu minha presença nas ondas, no vento, no céu. Eu ouvi aquele áudio dezenas de vezes... sem coragem de responder.

Às vezes, ele me ligava à noite. Eu via a chamada. O nome dele na tela. E era como se meu peito travasse. Como se minhas mãos perdessem o movimento. Eu não atendia. Eu não conseguia. Não por desprezo, mas por medo. Medo do que ele podia despertar em mim se eu ouvisse a voz dele em tempo real. Medo de querer largar tudo e correr até ele. Medo de admitir que eu já não vivia mais — apenas me mantinha em movimento.

Eu me afundei nos esportes. Voltei a correr todas as manhãs. Me joguei nas lutas, nos treinos exaustivos de jiu-jitsu. Cada queda no tatame era uma tentativa de expulsar a imagem dele da minha cabeça. Mas o problema é que ele estava em tudo. Estava nos meus fones de ouvido quando tocava aquela música que ele cantarolou. Estava na água gelada da garrafinha pós-treino, como quando ele me ofereceu água na praia. Estava nas roupas que eu escolhia, na comida que eu evitava — porque me lembrava dele.

Eu tentei sair com outras pessoas. Fui a bares com amigos. Aceitei um ou outro convite. Mas eu sabia, lá no fundo, que não adiantava. Eu não consegui me entregar. Nem sequer beijar alguém. A imagem dele vinha como um raio na mente. E o meu corpo, mesmo querendo, não respondia. Porque... não era o Caio. E nenhum toque se comparava ao dele. Nenhum sorriso iluminava como o dele. Nenhuma voz tinha a mesma cor.

Os dias passaram. Os meses escorreram por entre os dedos como areia molhada. E quanto mais eu tentava me afastar, mais o sentimento se fazia presente. Mas, ainda assim... eu não respondi. Não retribuí. Fiquei em silêncio.

Por covardia. Por não saber lidar com o que ele despertava em mim. Porque, talvez, se eu dissesse "sinto sua falta", isso abrisse uma brecha por onde ele pudesse voltar. E eu... eu não sabia se podia lidar com isso. Eu tinha medo do que viria depois. Medo de me perder de novo. Medo de amar de verdade.

E então... fui me apagando devagar. Mantive o foco no trabalho, nos relatórios, nos relatórios sobre relatórios.

Chegava em casa tão cansado que mal conseguia pensar. Mas, antes de dormir, meu pensamento era sempre o mesmo: "Será que ele ainda pensa em mim?"

A resposta estava lá, em cada mensagem não lida, em cada chamada perdida, em cada áudio que eu ouvia escondido como se fosse um segredo precioso. Mas eu não respondia. Eu apenas guardava. Como quem espera... sem saber o quê.

Caio. Era o nome que continuava vibrando dentro de mim. Mesmo no silêncio. Mesmo na distância. Mesmo agora. E talvez — só talvez — eu estivesse chegando ao limite do que era possível suportar sem ele.

A vida tem um jeito estranho de dar sinais. Às vezes é sutil, quase imperceptível... Outras vezes, ela escancara a porta e grita na sua cara. No meu caso, ela fez exatamente isso.

Fui demitido.

Sem muito alarde, sem drama. Um comunicado frio, protocolar, com palavras que pareciam ensaiadas e olhares que evitavam o meu. Diziam que a empresa estava passando por uma “reestruturação”, que “nada pessoal”, que eu tinha sido um bom funcionário, mas... você sabe. Aqueles discursos que maquiam o desprezo com falsa empatia.

Eu deveria ter me revoltado, talvez... Mas tudo que consegui sentir foi alívio.

A verdade é que eu já estava no limite.

Meses vivendo em piloto automático.

Trabalho. Estudo. Cobrança. Pressão.

Uma vida que não me servia mais.

Desde que voltei do litoral, desde que me despedi do Caio naquele último beijo com gosto de mar e saudade, nada mais foi igual. Tudo parecia abafado, sem cor. Meu corpo estava aqui, mas minha alma... Ela nunca mais voltou completamente.

A demissão, naquele momento, foi como uma brecha no tempo. Um intervalo no caos. Uma chance de fazer algo que eu vinha adiando, negando, reprimindo: voltar.

Voltar não só ao litoral.

Mas voltar a mim.

Voltar a ele.

Comprei a passagem naquele mesmo dia. Quase automático. Não consultei ninguém, não calculei nada. Era como se meu coração tivesse tomado o controle do corpo. E eu só obedeci.

Na manhã seguinte, o avião cortava o céu claro enquanto eu, encostado à janela, observava as nuvens como quem procura respostas. Mas eu já sabia o que queria. Eu queria ver o Caio. Sentir o cheiro da pele dele de novo. Ouvir aquela risada debochada, o jeito moleque de me olhar, de me provocar.

Cheguei ao litoral com o coração acelerado e as mãos suando. Me hospedei num hotel simples, desses que têm cheiro de maresia e paredes com textura de sal. Um quarto modesto, cama pequena, mas com uma vista linda para o mar. Era o suficiente. Eu não queria conforto. Eu só queria ele.

Demorei horas até criar coragem de sair. Sentei na cama, levantei, troquei de roupa três vezes, pensei em desistir. O medo da rejeição, do julgamento... de ver nos olhos dele o quanto eu o magoei. Mas era tarde demais pra voltar atrás. E cedo demais pra desistir.

Peguei meu celular, olhei nossas últimas mensagens. Li e reli as que ele havia me mandado — as que eu respondi de forma curta, fria, tentando manter uma distância que me protegesse. Mas que, na verdade, só o feriram.

Respirei fundo e saí.

Fui direto para o lugar onde tudo começou. O mesmo quiosque, o mesmo banco de madeira. Lembro até do gosto do suco de manga — horrível, por sinal. O dia estava claro, o céu limpo, o sol brilhando com força, como naquela primeira vez. Mas ele... ele não estava lá.

Pedi uma água de coco e fiquei sentado, olhando o mar. Imaginando se ele ainda passava por ali. Se lembrava de mim. Se tinha me apagado ou se ainda doía.

Depois de quase uma hora em silêncio, resolvi andar pela praia. Pés descalços, areia quente, o vento bagunçando meu cabelo. Fui andando, sem rumo, como quem busca algo que talvez nem queira encontrar. Meu coração batia rápido demais, quase doendo. Me sentia um estranho na própria pele.

E então... eu vi.

Ali, mais à frente, perto das pedras, ele estava.

Camisa branca colada ao peito pelo suor, bermuda azul, ele tava lindo. Os alunos em volta, rindo, pegando pranchas, ouvindo instruções.

Caio.

Meu coração parou por um segundo. Uma batida só.

Era ele. Vivo. Real.

Tão bonito quanto eu lembrava. Talvez até mais.

Me escondi atrás de uma barraca de palha, como um covarde. Só conseguia observá-lo. Cada gesto. Cada sorriso. A forma como ele falava com os alunos, como colocava a mão no ombro de um, como mostrava o movimento com o corpo. Ele estava em casa. Ali era o mundo dele. E, de longe, parecia feliz.

Aquilo me doeu. Mais do que qualquer coisa. A ideia de que ele podia estar bem sem mim.

Esperei. Esperei o sol começar a cair. Esperei o último aluno sair do mar, pegar a prancha, dar tchau. Esperei ele sentar na areia, cansado. Só então... caminhei até ele.

— Caio...

Ele se virou. Devagar. O olhar dele me atravessou como uma lâmina. Não havia surpresa. Havia incredulidade.

— Rafael?

Meu nome na boca dele soou mais como uma pergunta amarga do que uma saudade.

— Eu... eu voltei — tentei sorrir, mas minha voz saiu embargada.

Ele levantou, encarando-me de cima a baixo. Havia algo nos olhos dele que misturava choque, mágoa e raiva.

— Você voltou? — ele riu, seco. — E acha que isso é o suficiente?

— Eu sei que não. Eu só... precisava te ver. Precisava te dizer que eu...

— Que você o quê, Rafael? Que pensou em mim? Que se arrependeu? Que tá arrependido agora que a sua vida foi pro caralho?

— Caio... eu pensei em você todos os dias. Eu juro. Você ficou comigo o tempo inteiro...

— Engraçado — ele interrompeu. — Porque o cara que respondia minhas mensagens como se fosse um estranho não parecia alguém que pensava em mim.

— Eu tava mal. Muito mal. Eu nem sabia quem eu era mais. O trabalho, os problemas... eu tava me perdendo de mim, Caio. E eu fugi. Eu fugi porque tava com medo de sentir o que eu tava sentindo.

— Covarde. — Ele cuspiu a palavra com desprezo. — Você me fez acreditar que a gente tava construindo algo. Você me deixou me apaixonar. E depois me apagou. Como se eu fosse só... mais um.

— Você nunca foi só mais um. — tentei tocar o braço dele.

— Você voltou... — ele repetiu, quase num sussurro. — E por que, exatamente? Ficou entediado da sua vida perfeita?

— Não — balancei a cabeça. — Caio, por favor... Não começa assim. Eu tô aqui porque eu precisei. Porque eu não aguentava mais ficar longe de você.

Ele deu uma risada seca. Rápida. Cheia de sarcasmo.

— Você não aguentava? — cruzou os braços, a respiração pesada. — Você não aguentava? Rafael, pelo amor de Deus. Você tá falando como se tivesse sido difícil pra você. Como se tivesse sido vítima de alguma coisa.

Ele se afastou. E num segundo... Tentei tocá-lo, o soco veio. Rápido. Frio. Preciso.

Senti o gosto metálico do sangue na boca. Meu corpo caiu de joelhos na areia. Olhei pra cima, tonto, com os olhos ardendo. Mas ele... ele já tinha virado as costas.

— Você mereceu. — disse, antes de se afastar. — Tenta inverter as coisas e sequer pensou em como me senti.

— Eu não tô tentando inverter nada. Eu sei o que eu fiz. Eu sumi. Eu fugi. E não tô aqui pra fingir que foi bonito. Mas... foi tudo tão confuso pra mim. Eu me senti preso, sufocado. O trabalho, minha família, as expectativas. E aí você... você apareceu. Me desmontou. E eu entrei em pânico, Caio.

— Pânico? — ele repetiu, os olhos se estreitando. — Você teve pânico, Rafael? Eu tive noites inteiras em claro, esperando uma mensagem sua. Um áudio. Um “oi”. Qualquer merda que mostrasse que você se importava. Mas tudo que eu recebia era silêncio. E, quando você respondia, parecia um estranho.

— Eu não sabia lidar com o que eu tava sentindo... Eu fiquei com medo de tudo que você mexeu em mim. Você foi como um espelho. E eu não gostei do que vi.

— Que conveniente — ele rebateu, com a voz tremendo de raiva.

— Muito conveniente sumir quando as coisas apertam. Me deixar aqui com o peso da dúvida. Me fazer acreditar que eu tinha inventado tudo. Que aquele cara que me beijava com vontade, que me olhava com desejo, que dormia abraçado comigo... não era real.

— Eu fui real, Caio! — avancei, a voz mais alta. — Cada toque, cada palavra, cada noite. Tudo foi real pra mim. Eu só não sabia como manter aquilo no mundo de onde eu vinha. Eu não sou como você. Eu... — minha voz embargou. — Eu não sou livre.

— E eu sou? — ele explodiu, finalmente. — Você acha que é fácil pra mim também? Acha que eu não carrego peso nas costas? Que eu não tenho fantasmas? A diferença, Rafael, é que eu escolhi viver. Escolhi me entregar. E você... você escolheu fugir.

— Eu não tô aqui pra fugir mais! — gritei, o peito ardendo. — Eu vim atrás de você! Eu vim pra tentar consertar o que eu estraguei!

— Consertar? — ele deu um passo pra trás. — Você não conserta algo quebrando mais ainda. Você me quebrou, Rafael. Você partiu de um jeito que eu nunca imaginei que alguém pudesse partir. E pior: você fez isso em silêncio. Frio. Covarde.

— Eu sei que fui covarde. Eu sei. Mas eu te amo, Caio. Eu...

— Não! — ele interrompeu, a voz embargada agora. — Não diz isso. Não se atreve a dizer isso agora. Amor não é isso. Amor não é abandonar. Amor não é largar o outro com lembranças e sumir como se fosse fácil apagar tudo.

— Eu pensei em você todos os dias — minha voz virou um sussurro. — Eu dormia lembrando do teu cheiro, da tua pele. Eu lia nossas conversas. Você não saiu de mim nem por um segundo.

— Você leu? — ele sorriu com desdém. — Parabéns. Enquanto você lia, eu chorava. Enquanto você lembrava, eu tentava esquecer. Você não tem ideia do que fez comigo.

Dei mais um passo. Tentei tocar no braço dele. Um gesto simples. Mas ele reagiu como se eu tivesse puxado uma arma.

- Quer saber? Me deixa em paz, Rafael. Vou embora.

Eu fiquei ali.

Com a areia nos joelhos, enquanto ele deu de costar e foi embora. Meu rosto tava latejando.

Voltei pro hotel andando devagar, sem enxergar direito. Gente passava por mim e eu nem percebia. O mundo parecia em silêncio. E tudo dentro de mim gritava.

Entrei no quarto, joguei a chave na mesa, tirei a camisa. Me olhei no espelho e não vi o homem que Caio conheceu. Vi um moleque ferido, perdido, quebrado.

E então chorei. Chorei até perder a força. Até o travesseiro se encharcar. Chorei por mim. Por ele. Pelo que a gente viveu. E pelo que talvez... a gente não viva mais.

Narrado por Caio...

Eu juro que por alguns segundos achei que tava vendo coisa. Uma miragem. Um reflexo do sol batendo em alguma coisa e brincando com minha memória. Mas não... Era ele. Era o Rafael.

Eu tinha acabado de terminar a última aula do dia. Os alunos já estavam recolhendo as pranchas, se despedindo, indo embora. E ali, de longe, entre as pedras, perto das barracas fechadas, ele tava me olhando. Aqueles olhos que eu sonhei tantas noites. Que eu xinguei em pensamento tantas outras. Ele tava lá.

O coração bateu tão forte no peito que, por um momento, achei que ia cair de costas na areia.

Mas ele não se aproximou. Não na hora.

E eu, orgulhoso, ferido, fiquei ali fingindo que não vi.

Voltei pra casa naquele dia com a cabeça virada. Eu não conseguia parar de pensar na cara dele. No jeito como ele me olhava de longe, com culpa, medo, saudade. E raiva também. Tinha raiva nos olhos dele. E nos meus também, provavelmente.

Naquela noite, após a discussão fui andar pela praia sozinho. O vento tava frio, o céu cheio de nuvens. E cada passo que eu dava me lembrava de tudo. De como ele sumiu. Das mensagens sem resposta. Da forma seca como ele reagiu quando eu ainda insistia em manter algum contato. Das madrugadas em que eu ficava olhando pro celular esperando um “oi”. Mas, acima de tudo, doeu lembrar do quanto eu me senti idiota. O quanto eu amei um cara que parecia ter esquecido de mim tão fácil.

E mesmo com tudo isso, sabe o que era mais doido? Eu queria ele. Ainda queria. Na manhã seguinte, respirei fundo e mandei a mensagem.

— Se você ainda tá por aqui, me encontra no mesmo lugar. No fim da tarde.

Demorei pra apertar “enviar”. Tive que reler a frase umas cinco vezes. Meu dedo tremia. Mas fui.

E ele respondeu:

— Eu vou.

O resto do dia foi um caos por dentro. Eu tentei manter a rotina, dar aulas como se nada tivesse acontecido. Mas por dentro... era uma tempestade. Quando o sol começou a baixar, coloquei a mesma camisa branca que usei no dia que conheci ele. Por bobeira. Por alguma memória idiota que me fazia querer sentir que tudo podia ser de novo.

Cheguei primeiro. O mar já tava escurecendo, ganhando aquele tom prateado. As ondas quebravam com força, como se refletissem o que tava aqui dentro.

E então ele apareceu. Andava devagar. Olhar baixo. O rosto... marcado. Um hematoma roxo no canto do olho, a pele avermelhada no maxilar. E por um segundo, meu estômago revirou de culpa. Fui eu. Fui eu quem fez aquilo. Ele parou a alguns passos de mim. A gente se olhou por longos segundos, e nenhum de nós conseguia dizer nada. Só o som do mar. Só o peso do que ficou entre nós.

— Eu não sabia se você viria... — ele disse, por fim, a voz baixa, quase engolida pelo vento.

— E eu não sabia se você me responderia — retruquei.

— Mas você veio. E eu tô aqui.

Mais silêncio.

— Eu... — ele começou, mas engoliu as palavras.

— Posso falar primeiro? — pedi.

Ele assentiu, com um olhar cansado. Tão diferente daquele Rafael seguro, todo certeiro, que eu conheci meses atrás.

— Eu achei que nunca mais fosse te ver — comecei. — E por um tempo, eu desejei isso. Quis esquecer. Quis te apagar de mim. Mas não deu. Eu te odiei, Rafael. Eu te odiei tanto... — minha voz falhou — ...porque eu te amei demais.

Ele fechou os olhos. Uma lágrima desceu.

— Cada dia em que você não respondia... cada hora em que eu me culpava achando que tinha feito algo errado... Eu me quebrei por dentro. Me fechei pra tudo. Tentei seguir. E não consegui.

— Caio... — ele sussurrou. — Eu errei. Eu fugi. Eu... eu não soube lidar com o que eu tava sentindo.

— E você achou que sumir era o melhor jeito de lidar? Me deixar afundando na saudade enquanto você se escondia?

— Eu tava mal, Caio. Mal de verdade. Eu me perdi. O trabalho, a pressão, minha cabeça... E eu tinha medo. Medo do que a gente tava construindo, medo de me entregar, medo de não dar certo. Eu fiz tudo errado.

— Você me mandou embora com o silêncio — rebati. — Me tratou como se eu fosse só um passatempo de verão.

— Não era. Nunca foi. Você foi o único que me fez sentir algo real. E eu estraguei tudo.

— Sim — ele sussurrou. — Você estragou.

Houve uma pausa longa. A dor pesava no ar.

— E ainda assim... — completei, com a voz embargada

— ... eu não consegui te odiar completamente. Nem depois daquele soco. Nem agora, olhando pra esse roxo no seu rosto. Eu me arrependo disso, Rafael. Me arrependo de ter deixado a raiva me cegar. Eu devia ter te escutado. Mas... você tinha que ter falado também.

Ele se aproximou devagar. Os olhos marejados. As mãos trêmulas.

— Eu tô aqui agora. E se você deixar... eu quero consertar o que fiz. Mesmo que leve tempo. Mesmo que você não me perdoe agora. Eu não quero ir embora outra vez.

Ficamos em silêncio, encarando um ao outro. O céu já tava quase escuro. As ondas quebravam perto dos nossos pés. E ali, no meio da dor, do orgulho, dos erros... ainda existia um fio de esperança.

— Não sei o que vai ser daqui pra frente — eu disse, com a voz baixa. — Mas a gente precisa começar sendo verdadeiros. Sem sumiços. Sem máscaras.

— Eu prometo. — ele falou. — Pela primeira vez, de verdade.

Ele se aproximou mais um passo. Eu deixei. Nossas mãos se encostaram. E foi como se tudo dentro de mim tremesse. A história da gente ainda tava machucada. Mas viva. E talvez... talvez ainda desse tempo de recomeçar.

No carro, o silêncio entre os dois era menos incômodo do que antes. Era como se as palavras estivessem se ajeitando dentro deles, buscando o momento certo para brotar. Rafael olhava pela janela, vendo a praia ficando para trás, sentindo que algo dentro dele estava mudando. E Caio, com as mãos firmes no volante, o observava de relance, preocupado, mas também determinado.

— Tá doendo muito? — perguntou de repente, quebrando o silêncio.

Rafael ergueu os olhos, meio surpreso.

— Um pouco. — respondeu, passando os dedos com cuidado na lateral do rosto. — Mas... já doeu mais aqui dentro — completou, levando a mão ao peito.

Engoliu seco.

— Eu queria poder apagar tudo que eu disse aquele dia. Queria voltar no tempo, Rafa... Queria ter corrido atrás de você antes.

— E por que não correu? — Rafael perguntou, olhando direto para ele.

— Porque eu fui covarde. Porque eu me senti traído... e depois fui orgulhoso demais pra admitir que tinha errado. Mas não passou um dia sem que eu pensasse em você. E cada mensagem que você não respondia era uma dor diferente...

Rafael suspirou, fechando os olhos por um momento. O carro então parou em frente ao hotel. Caio desceu primeiro, oferecendo a mão para Rafael sair. Ele aceitou, hesitante, e entraram juntos para pegar os pertences que Rafael ainda tinha ali. Não falaram muito durante o processo. Apenas se olhavam, trocando olhares carregados de passado e de tudo o que ainda ardia no presente.

Minutos depois, já no apartamento de Caio, Rafael deixou a mochila no canto e afundou no sofá da sala, cansado e ainda machucado. Caio foi até o banheiro e voltou com uma pequena maleta de primeiros socorros.

— Deixa eu cuidar de você. É o mínimo que eu posso fazer agora — disse ele, ajoelhando-se à frente de Rafael.

— Não precisa...

— Precisa, sim. Você não tá sozinho, Rafael. Não mais.

Caio abriu o estojo, pegou um pedaço de gaze e um antisséptico. Enquanto limpava com cuidado o ferimento no supercílio, o silêncio era pesado. Mas havia algo diferente. Os olhos de Caio tremiam. Ele parecia conter algo maior que o simples cuidado físico. Quando terminou de limpar, pousou a mão na perna de Rafael, que o observava calado.

— Me desculpa — Caio murmurou. — Por ter duvidado de você... por não ter ido atrás... por te deixar se perder enquanto eu me escondia no meu orgulho.

Ele abaixou a cabeça, e uma lágrima caiu, pingando na coxa de Rafael. O gesto desarmou o outro por completo.

— Caio... — Rafael murmurou, tocando o rosto dele. — Eu também me perdi. Fiquei com raiva, com mágoa. Fiz merda, me joguei no escuro... mas eu voltei. Voltei porque só em você eu consegui enxergar algum tipo de paz.

Caio segurou as mãos de Rafael com força, encostando a testa na dele.

— Então fica. Mas fica de verdade. Dessa vez, sem fugir.

Rafael assentiu, os olhos marejados. E foi nesse instante que os dois se beijaram. Um beijo lento, úmido, cheio de urgência, mas também de ternura. Não era luxúria. Era saudade. Era desejo de se reconhecerem novamente na pele um do outro.

Caio se levantou, puxando Rafael pela mão até que ele também ficasse em pé. Os dois se abraçaram forte, e logo se beijaram outra vez, dessa vez com mais intensidade. Rafael deixou que Caio o conduzisse até o tapete da sala, onde se deitaram juntos, emaranhados.

Caio beijava cada pedaço do rosto machucado de Rafael, como se quisesse curar com a boca as dores que ele sentia.

— Me deixa te amar de novo... do jeito certo — sussurrou entre os beijos.

— Eu sou teu, Caio. Sempre fui — respondeu Rafael, ofegante.

Caio puxou a blusa de Rafael com cuidado, expondo seu corpo aos poucos, como quem desembrulha algo precioso. Os dois se despiram ali, devagar, saboreando o momento. Os corpos se colaram como se nunca tivessem se separado, e a respiração de ambos acelerou.

— Eu senti tanto a sua falta... — Rafael murmurou, passando as mãos pelas costas de Caio, cravando os dedos ali. — Era o teu toque que eu procurava em todos os silêncios.

Caio passou os lábios pelo pescoço de Rafael, até chegar ao peito dele. Seu corpo, mais firme e quente, deslizava com reverência sobre o de Rafael, que se arrepiava a cada toque.

— Eu pensei em você todas as noites. Me imaginei aqui, te tendo assim, de novo — sussurrou Caio.

Ele então o penetrou com cuidado, com olhos nos olhos. Rafael arqueou as costas, gemendo baixo, entregando-se por completo. Não havia pressa. Era lento, tenso, mas carregado de amor, de entrega. Era como se cada investida fosse um pedido de desculpas, e cada gemido uma resposta de aceitação.

— Me sente, Rafa... Me sente inteiro... — Caio pedia, apertando sua cintura, sem parar de se mover dentro dele.

— Eu tô aqui, amor... Eu tô aqui... — Rafael chorava e sorria, sentindo o corpo vibrar sob o do outro. — Fica comigo. Me refaz com teu amor...

E Caio ficava. Beijava suas lágrimas, segurava sua mão, entrelaçava os dedos. Eles fizeram amor ali, sobre o tapete da sala, como se o mundo inteiro tivesse parado só para que pudessem se reencontrar.

Quando terminaram, os dois ficaram deitados, abraçados, ainda nus, com os corpos colados e os corações batendo em compasso. O cheiro de sal, de suor, de lágrimas e desejo preenchia o ambiente.

Caio acariciava os cabelos de Rafael com carinho.

— Eu não vou mais te soltar — ele disse, firme.

Rafael, com os olhos fechados, apenas sorriu, com o rosto colado ao peito dele.

— Nem eu.

E ali, no chão daquela sala, com as feridas expostas, mas começando a cicatrizar, os dois selaram uma nova promessa. Não mais de começo. Mas de continuidade.

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 0 estrelas.
Incentive T. Lys. R a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.
Foto de perfil de T. Lys. RT. Lys. RContos: 6Seguidores: 4Seguindo: 2Mensagem "Escrevo com o coração em carne viva, transformando dor, amor e redenção em capítulos que sangram poesia — onde cada palavra carrega o peso da verdade e o alívio da esperança."

Comentários

Foto de perfil genérica

Que cara covarde meu pai fugir,medo,e amor? Não conta,???

0 0
Foto de perfil genérica

Que cara covarde meu pai fugir,medo,e amor? Não conta,???

0 0