Onde o mar nos levou - Capítulo VIII

Um conto erótico de Rafael & Caio
Categoria: Gay
Contém 4069 palavras
Data: 14/08/2025 12:43:05

Capítulo VIII - Ponto de equilíbrio...

Rafa narrando...

Acordei com a luz da manhã filtrando pelas cortinas do quarto. Me espreguicei devagar, sentindo o peso da noite anterior ainda pressionando meu peito. Levantei sem fazer barulho. O apartamento estava silencioso, mas sabia que Caio ainda estava na sala. Ou melhor… no sofá.

Porque foi ali que ele decidiu dormir — e eu não impedi.

Fui direto para a cozinha. Abri os armários sem muito propósito, como se estivesse procurando respostas entre as prateleiras. Peguei o café, coloquei a água para ferver. Enquanto esperava, preparei algumas torradas e frutas, quase no automático. Não era só pelo café, era sobre tentar dar um passo, mesmo com o chão trincado.

O cheiro do café recém-passado começou a tomar conta do ambiente e, por um instante, me fez lembrar dos nossos primeiros cafés da manhã juntos — quando as palavras eram doces, os olhos brilhavam, e o ciúme não ocupava tanto espaço entre a gente.

Ouvi passos lentos atrás de mim e, pelo canto do olho, vi Caio parado na entrada da cozinha, com os cabelos bagunçados e a expressão fechada. Ele parecia cansado. Ou triste. Ou magoado. Ou tudo isso junto.

Mas eu não disse nada.

Simplesmente deixei o café pronto, organizei a mesa e, antes que qualquer palavra tentasse surgir entre nós, fui até a varanda. Precisava de ar. De silêncio. De tempo pra não explodir.

A cidade de São Paulo estava viva como sempre. Abaixo de mim, buzinas e pressa, uma rotina que voltava a me engolir. Mas eu não queria pensar nela… Queria apenas me proteger do que estava ali dentro, entre aquelas quatro paredes.

Fiquei alguns minutos ali, observando a movimentação na rua, até pegar as chaves e sair. Não expliquei nada. Apenas deixei Caio ali, com seu silêncio, com seus próprios fantasmas.

Passei o dia resolvendo pendências da rescisão, indo ao banco, organizando papéis. A cabeça latejava. O coração também. Eu sabia que precisava voltar, mas sabia também que o reencontro depois da distância da manhã não seria doce.

E não foi.

Cheguei no fim da tarde. A porta estava destrancada. Caio estava na sala, sentado no mesmo sofá em que dormiu. Quando me viu, não disse nada.

Fui até a cozinha, guardei algumas coisas e respirei fundo antes de olhar para ele.

— Não vai me perguntar onde eu estava? — perguntei, com a voz calma, mas carregada.

Ele ergueu os olhos, sem sorrir.

— Você deixou claro que queria espaço, Rafael. Então eu te dei.

Me aproximei devagar, mas mantive distância.

— A gente precisa conversar, Caio.

— Sobre o quê? Sobre o Lucas? — ele respondeu de forma rápida, seca, cortante.

— Sobre tudo, Caio! — levantei a voz pela primeira vez.

— Mas principalmente sobre como você me feriu ontem com aquelas insinuações...

Ele desviou o olhar, mas eu continuei.

— Você acha mesmo que depois de tudo que passamos… depois do que eu senti por você esse tempo todo, eu seria capaz de te trair? Foi por isso que dormimos separados? Por uma cena de ciúmes infantil?

— Infantil? — ele retrucou, se levantando. — Você some por três meses e volta como se nada tivesse acontecido! Eu passei noites em claro, Rafael. Sem saber se você estava bem, se ia voltar… e quando volta, traz um “colega de trabalho” em casa e ainda apresenta ele como se fosse teu irmão de infância!

— Você não confia em mim… — sussurrei, sentindo a garganta fechar. — Você não faz ideia do quanto me doeu me afastar de você. E agora... você joga tudo no lixo por uma frase, por um nome?

Ele passou a mão nos cabelos, tenso. Eu virei de costas, indo até o quarto. Dessa vez, eu não ia implorar por compreensão. Deitei, sentindo o travesseiro gelado e o coração quente demais.

Caio ficou ali, parado. E a noite terminou assim: eu no quarto, ele no sofá… outra vez.

Narrado por Caio...

As horas pareciam se arrastar naquele apartamento abafado de emoções não ditas. Rafael havia saído cedo, mais uma vez. Disse apenas que precisava resolver umas coisas, e saiu com o rosto fechado, cansado, e um silêncio que ainda pesava sobre mim como um lençol úmido.

Desde a nossa discussão, dois dias atrás, não dormimos juntos. Ele ficou com o quarto. Eu, com o sofá — onde o sono era raso, incômodo, interrompido pelo eco do que dissemos um ao outro, e principalmente pelo que não conseguimos dizer.

Eu andava pela casa como se estivesse num campo minado. Sentia sua ausência, mas também a dureza de sua presença recente. Estávamos ali, sob o mesmo teto, e tão distantes. Eu queria abraçá-lo, mas sentia que talvez não fosse mais bem-vindo.

Foi quando a campainha tocou.

Abri a porta com um certo receio. E me deparei com uma mulher elegante, bem vestida, cabelos em tons de castanho claro, traços finos, um perfume doce e sofisticado.

— Boa tarde… — ela disse, me olhando com gentileza. — Desculpe aparecer assim... Eu sou Eloísa. Eloísa Santos Montenegro. Sou mãe do Rafael.

Por alguns segundos, fiquei sem reação. Abri a porta um pouco mais, surpreso!

— Ah... Claro, senhora Eloísa. Entre, por favor — falei, me afastando.

Ela entrou devagar, como se já sentisse a tensão no ar. Seus olhos percorreram o ambiente com curiosidade contida.

— Rafael não está? — perguntou.

— Não… ele saiu cedo, acho que foi resolver algumas coisas.

Ela assentiu com um sorriso que escondia a decepção.

— Que pena… queria muito vê-lo hoje. Mas talvez seja até bom que ele não esteja… assim posso falar com você.

Olhei para ela com estranheza, mas não disse nada. Apenas me sentei, e ela fez o mesmo, cruzando uma perna sobre a outra com elegância.

— Eu sei quem você é, Caio. E não só porque o Rafael me contou… mas porque eu vi nos olhos dele. — Ela fez uma breve pausa. — Eu não via aquele brilho no olhar do meu filho desde que ele era adolescente.

Fiquei quieto. Sentia um nó se formando na garganta.

— Ele é um homem reservado… mas muito sensível. Sabe, Rafael sempre teve esse jeito fechado, meio durão por fora. Mas por dentro… ele é pura emoção. Quando ele ama, ama inteiro. E sofre com a mesma intensidade.

— A gente… brigou — confessei, baixando o olhar. — Tem dois dias que a gente nem se fala direito. Ele dorme no quarto, eu aqui na sala. E eu me sinto um idiota.

Ela me olhou com empatia, inclinando o corpo para frente.

— O Rafael é complicado… mas não é por mal. Ele carrega feridas que nunca cicatrizaram direito. O pai dele sempre foi muito duro, exigente. Eu fiz o que pude para protegê-lo, mas às vezes... o amor de mãe não basta.

— Eu não queria magoar ele. Mas, às vezes, eu me sinto inseguro. Ele é bonito, tem dinheiro, é inteligente… onde quer que a gente vá, ele chama atenção. Das mulheres, dos homens… de todo mundo. E eu fico com medo de não ser suficiente pra ele.

Dona Eloísa estendeu a mão e tocou meu rosto com delicadeza. O gesto me desarmou.

— Caio… escute bem o que vou te dizer. O Rafael sempre foi assediado, desde muito novo. Ele tem essa luz, essa força que atrai. Mas ele nunca ligou pra isso. Sabe o que sempre importou pra ele? Ser visto de verdade. E, quando fala de você, os olhos dele brilham. Ele te enxerga. Ele se sente visto por você.

— Eu não sei… às vezes parece que eu só atrapalho a vida dele.

— Você é o primeiro homem que ele trouxe pra perto — revelou ela, com os olhos marejados. — Os outros… eram passageiros. Medo, culpa, vergonha. Mas com você, ele fez diferente. Ele quis viver. Você entende o que isso significa?

Fiquei em silêncio. As palavras dela me atingiram em cheio.

— Quando o Rafa era criança — ela continuou, com um sorriso nostálgico — ele adorava nadar. Passava horas na água. Mas não era só brincadeira… ele dizia que só ali conseguia respirar direito. E, quando estava triste, ele escrevia. Eu ainda tenho vários cadernos com poesias dele escondidos no meu closet. Ele sempre teve esse coração grande, mas nunca confiava em ninguém o bastante pra mostrar.

Ela me olhou firme.

— Ele mostrou pra você, Caio. Não destrua isso por causa dos seus medos.

As lágrimas escorriam pelos meus olhos sem que eu pudesse impedir.

— Eu amo ele — sussurrei.

Ela sorriu, com uma ternura que só mães sabem oferecer.

— Então ame. Mas com coragem. Porque amar um homem como Rafael é aceitar que, às vezes, ele vai se esconder. Mas ele sempre vai querer ser encontrado. Rafa, precisa de você, muito mais do que você precisa dela, meu filho.

Nos despedimos com um abraço silencioso. Ela prometeu voltar outro dia, quando ele estivesse em casa. E eu fiquei ali, no sofá, com o coração completamente atravessado.

Horas depois, Rafael entrou. Estava com o rosto cansado, mas havia uma calma diferente nos olhos dele.

— Sua mãe esteve aqui — falei, antes que ele dissesse qualquer coisa.

Ele arregalou os olhos.

— Minha mãe?

— Sim. Veio te ver. Mas acabou falando comigo.

Rafael suspirou e sentou na poltrona, parecendo surpreso e curioso.

— O que ela disse?

— Que você é um cara sensível. Que ama com profundidade. E que quando ama, ama de verdade. — Meus olhos voltaram a se encher de lágrimas. — E que eu não devia deixar o medo destruir isso.

Rafael me olhou com os olhos marejados, em silêncio.

— Me perdoa, Rafa. Por ser inseguro, por não saber lidar. Eu só… eu só tenho medo de te perder. Porque você é a melhor coisa que já me aconteceu.

Ele respirou fundo, se aproximou e sentou ao meu lado no sofá. Pegou minha mão.

— Eu também tenho medo, Caio. Mas a gente só vence isso junto.

Nos abraçamos, pela primeira vez em dias. Um abraço longo, verdadeiro. Desses que não precisam de palavras.

Aos poucos, o amor foi voltando a caber entre a gente.

E no fundo, eu sabia: ainda tínhamos muito o que construir juntos. E agora, mais do que nunca, eu estava disposto a aprender como.

Narrado por Rafael...

A água quente escorria pelos meus ombros enquanto eu tentava, em silêncio, organizar as vozes dentro da minha cabeça. O vapor preenchia o banheiro, mas não apagava o peso dos últimos dias. Fechei os olhos e deixei a lembrança do olhar da minha mãe com Caio ocupar aquele espaço, do jeitinho que eu imaginava.

Aquele gesto dela... aquela conversa... foi como uma bênção que eu jamais esperei receber.

Saí do banho e me enrolei na toalha, caminhando até o quarto com o coração mais leve. Do lado de fora, Caio mexia em alguma coisa na cozinha. O cheiro era bom. Ele tava concentrado, de costas pra mim, o cabelo um pouco bagunçado, a camiseta folgada no corpo. A cena mais comum... e mais bonita do mundo. Sorri, em silêncio.

— Ei, o jantar tá quase pronto — ele falou, ainda de costas. — Fiz aquele macarrão que cê ama.

— Que sorte a minha — respondi, me aproximando dele.

Sentamos à mesa, jantamos devagar, trocando olhares. Estava tudo calmo, até demais. Como se depois de toda a tempestade, a gente ainda estivesse com medo de abrir as janelas.

Mais tarde, fomos pro quarto juntos. Era a primeira vez que deitávamos na mesma cama desde a nossa última discussão. Ficamos ali, de frente um pro outro, os corpos se buscando como se fossem abrigo. Ele me puxou devagar, e eu deixei. Me encaixei no peito dele e fechei os olhos por alguns segundos.

— Rafa... — ele murmurou, com a voz baixa, — me perdoa mais uma vez... Eu não queria ter dito aquelas coisas. Às vezes... eu sou inseguro.

Levantei o rosto e olhei nos olhos dele. — Eu sei, Caio. E tá tudo bem ser inseguro... O que não pode é a gente se machucar tentando se proteger. Mas... eu te perdoo. Porque te amo. E porque... nada e ninguém vai separar a gente. Eu só tenho olhos pra você.

Ele respirou fundo, como se meu perdão tivesse tirado um peso de dentro dele. Me beijou. Um beijo doce, longo, cheio de tudo o que a gente precisava sentir de novo. E então, com as mãos firmes, ele me virou devagar, tomando o controle da situação.

— Hoje é comigo, amor. Agora... é a minha vez de te fazer gemer no meu ouvido.

Eu sorri, provocando: — E quem disse que eu vou gemer?

— Você vai — ele respondeu no meu ouvido, com aquela voz rouca, quente, que me deixava completamente entregue. — Vai gemer meu nome, vai pedir mais. Hoje você vai sentir o quanto é meu.

A mão dele escorregou pela minha cintura e me puxou pra perto. Ele era firme, mas ao mesmo tempo cuidadoso. Seu toque era dono de um domínio que não vinha da força, mas do desejo. Eu senti o arrepio subir pela espinha quando ele mordeu meu pescoço, me virando de costas, colando o corpo dele no meu.

— Você me provoca, Rafael... — ele sussurrou, as mãos explorando cada curva minha com precisão. — Me deixa louco com esse seu jeito de se jogar, de me olhar... Você não faz ideia do que causa em mim.

— Então me mostra — provoquei, olhando por cima do ombro. — Mostra o quanto tá louco por mim.

Quando Caio assumiu o comando, uma onda de surpresa e excitação me tomou. Seu olhar ardia como fogo, suas mãos estavam firmes, mas gentis — dominando, sem nunca perder a ternura que só ele sabe ter. Senti o corpo dele colado ao meu, cada centímetro da nossa pele reconhecendo a fome reprimida desses últimos dias.

— Você me deixou louco, Rafa — ele sussurrou no meu ouvido, a voz rouca e cheia de desejo. — Eu quero sentir você todo meu. Quero ouvir seus gemidos só pra mim.

Eu não resisti e sorri com aquela provocação. Me virei de lado, olhando nos olhos dele, e segurei o rosto do Caio com as duas mãos.

— Então me faz sentir isso... Me mostra que você é meu, que só quer me ter assim — respondi, meu peito já acelerado, o calor subindo pela pele.

Ele não precisou de convite. Seus dedos começaram uma dança lenta e precisa pela minha pele, arrancando arrepios e suspiros que escapavam sem controle. Seus lábios exploravam cada curva do meu corpo, mordiscando suavemente o lóbulo da minha orelha, descendo pelo meu pescoço, deixando marcas invisíveis mas intensas.

— Você sabe o quanto eu te desejei... cada dia longe foi uma tortura — ele falou entre beijos, a voz carregada de saudade e luxúria. — Agora eu tenho você de novo... e ninguém vai nos separar.

Sua boca encontrou a minha, num beijo quente, cheio de promessa e entrega. As línguas se entrelaçaram num ritmo que foi aumentando, puxando cada um pra mais perto do outro. Ele deslizou as mãos pelas minhas costas, segurando firme, me puxando pra mais, enquanto o corpo dele se encaixava perfeitamente no meu.

Sentir o corpo dele dominando, guiando cada movimento, me fez soltar as últimas barreiras que restavam. Gemia, me arqueava, me entregava sem medo. Ele era intenso, ora lento, ora rápido — como se soubesse exatamente a hora certa de acelerar e a hora de me deixar flutuar na calma do prazer.

— Gosta quando eu faço assim? — ele perguntou, a voz embargada, enquanto seu corpo pressionava o meu em movimentos profundos e decididos.

— Gosto demais... — eu respondi, perdendo o fôlego. — Quero tudo isso... e mais.

Caio sorriu, aquele sorriso safado que eu conheço tão bem, e me puxou para um beijo que misturava paixão e promessas. A gente se perdeu naqueles minutos — suor, respirações ofegantes, gemidos que preenchiam a casa, como se fossem a trilha sonora da nossa reconciliação.

Ele me virou com cuidado, me deitou na cama, e ficou por cima, controlando o ritmo, me guiando. Cada toque dele era uma declaração, cada gemido um laço que nos unia ainda mais. Naqueles momentos, não existia mais dor, ciúmes ou insegurança. Só o desejo profundo de ser um do outro, de pertencer.

— Você é meu, Rafa... — Caio murmurava, deixando as palavras caírem como carícias no meu corpo. — Só meu.

Eu respondi com um sorriso, puxando seu cabelo, chamando ele pra mais perto, mais fundo, mais intenso. O amor e o tesão se misturavam numa explosão que parecia não ter fim, a noite inteira se transformou num pacto silencioso de entrega e proteção.

Quando o suor escorria por nossas peles, e a respiração enfim começava a desacelerar, Caio me abraçou forte, como se quisesse me proteger de qualquer dor que ainda pudesse existir.

— Eu te amo, Rafael — ele repetiu, com a voz embargada e os olhos brilhando.

Eu sorri, sentindo o peito cheio daquele amor tão real e precioso.

— Eu também te amo... mais do que jamais pensei ser possível.

Ali, abraçados, com o coração batendo no mesmo ritmo, soubemos que, apesar dos tropeços, o que a gente tinha era mais forte que tudo. E que aquele amor, finalmente, tinha encontrado seu caminho de volta para casa.

Narrado por Caio...

Foram dias corridos, mas ao mesmo tempo cheios de significado. A cada caixa empacotada, a cada gaveta esvaziada, era como se a gente estivesse fechando um ciclo… e começando outro. Um novo capítulo, dessa vez juntos, sem mais despedidas, sem relógio marcando o tempo da volta.

Rafael estava decidido. Desde que recebeu o aviso da rescisão, ele não parou. Correu atrás dos trâmites como se tivesse pressa de respirar alívio. Em três dias, tudo estava resolvido. A rescisão saiu, ele assinou os papéis e, com isso, uma parte do peso que ele carregava nos ombros pareceu escorrer pelo ralo. Era como se ele estivesse limpando não só a conta bancária, mas a alma também.

Na primeira manhã depois do desligamento, ele acordou cedo, tomou um banho demorado e silencioso, e saiu ainda com os cabelos molhados. Quando voltou, por volta das onze, jogou a pasta de documentos sobre a mesa da sala e suspirou fundo.

— Deu tudo certo — disse, ajeitando a gola da camisa com os dedos. — Foi mais fácil do que imaginei... Nem parece que estou me desligando de uma história de quase seis anos.

— Talvez porque você já tenha se desligado faz tempo — respondi, cruzando as pernas e estendendo uma caneca de café para ele.

Ele pegou a xícara, mas ficou alguns segundos apenas segurando, como se buscasse alguma firmeza ali. O sorriso que deu foi breve, cansado, e no fundo dos olhos dele havia algo que ainda pesava — talvez uma parte dele que ainda queria, no fundo, a aprovação de alguém que nunca viria.

Durante os dias seguintes, fizemos as malas, organizamos documentos, limpamos o que dava. Rafael era metódico com os detalhes — conferia duas vezes se as contas estavam pagas, separava roupas que queria doar, embalava livros com o cuidado de quem respeita as histórias. De tempos em tempos, ele parava no meio da sala, olhava tudo e parecia estar medindo se era isso mesmo. Se aquele fim era realmente um começo.

— Não vou vender o apartamento por agora — disse ele numa tarde, sentado no chão com algumas caixas abertas à sua volta. — A gente nunca sabe o dia de amanhã. E, sinceramente, é a única coisa que tenho aqui em São Paulo que não me decepcionou.

Comentou que conversou com Dona Inês, a funcionária do prédio. Ela topou ficar responsável por tudo. Vai vir toda semana, abrir as janelas, passar um pano, olhar se está tudo certo. Ele confiava nela como se fosse uma tia distante. Achei bonito ver como ele cuidava até dos detalhes mais pequenos — como se estivesse deixando tudo certo até mesmo pra versão antiga dele que estava ficando pra trás.

Na penúltima noite antes da viagem, a gente jantou algo simples — um macarrão que eu preparei enquanto ele organizava os papéis no escritório. Depois, sentamos na varanda. O céu de São Paulo estava encoberto. Ventava. Rafael encostou a cabeça no meu ombro, calado.

— Você tem certeza disso tudo? — perguntei, encarando o céu junto com ele.

Ele ficou em silêncio alguns segundos. Depois virou o rosto na minha direção e murmurou:

— Tenho. E se um dia eu esquecer o porquê... eu olho pra você e lembro.

O abraço que trocamos ali foi mais que físico. Foi um pacto silencioso. Um juramento sagrado. A campainha tocou mais tarde. Estávamos prestes a dormir, as malas encostadas na porta. Rafael caminhou despretensiosamente até a porta. Abriu com um sorriso educado no rosto, que logo se desmanchou.

— Pai…?

A palavra saiu baixa, quase engasgada. Eu me levantei no mesmo instante. Me aproximei devagar. A presença do homem preencheu o ambiente de uma energia fria. Era alto, bem vestido, rígido. Os olhos dele me atravessaram com desprezo imediato.

— Então é isso mesmo — disse o homem. — O filho que criei com tanto esforço virou um… um desvio moral. Um viadinho de apartamento. E esse aí… é o quê? Seu namorado?

Rafael cerrou os punhos. A respiração dele já estava pesada.

— O nome dele é Caio. E sim. Ele é meu namorado. Meu companheiro. Meu amor. E eu não vou aceitar que o senhor fale assim com a gente.

O homem deu uma risada seca, debochada. Um som oco que soava como ameaça.

— Você era um orgulho pra essa família. E agora olha pra você... Jogando tudo no lixo pra viver uma fantasia nojenta ao lado de um moleque qualquer. Um desclassificado. Um erro.

Rafael se virou de frente pra ele, firme.

— Orgulho? O senhor nunca teve orgulho de mim. O senhor teve orgulho da imagem que criou de mim. De um boneco moldado pra caber na sua ideia de sucesso. E mesmo assim, eu tentei. Por anos. Tentei agradar, tentei ser o que esperava. Mas o que eu recebi em troca? Desprezo. Pressão. Silêncio. Eu me anulei até hoje. Mas não mais.

O pai dele ergueu a voz.

— Você vai se arrepender, Rafael! Vai se arrepender amargamente. Eu ainda vou tirar você desse lamaçal. Vou acabar com isso. Com esse lixo!

Fiquei em silêncio até esse momento. Mas não aguentei mais. Dei um passo à frente e, olhando firme nos olhos dele, falei:

— Com todo respeito, senhor... Eu amo o seu filho. Eu o respeito. E estou ao lado dele não pra levá-lo a lugar nenhum, mas pra estar com ele onde ele quiser estar. Eu sou mais homem do que o senhor jamais foi, porque eu não escondo o que sinto. Eu não preciso pisar em ninguém pra me sentir grande.

— Cala a boca, garoto! — rosnou ele, se aproximando de mim. — Você não tem ideia de quem está enfrentando.

— E o senhor não tem ideia do quanto está perdendo. Um filho incrível, corajoso, digno. Coisa que o senhor nunca soube reconhecer.

— Isso é guerra, Rafael. Guerra! — ele gritou, virando de novo pro filho. — Você quer mesmo enfrentar seu próprio pai por causa disso? Dessa pouca vergonha?

Rafael então deu o passo final. Chegou mais perto do pai e, com a voz firme, quase baixa, disse:

— Isso não é guerra, pai. Isso é liberdade. E o senhor perdeu o controle sobre a minha vida. Acabou. Eu não sou mais o menino que ficava calado. Eu sou um homem. E vou viver minha vida do meu jeito. Com o Caio. E se o senhor não pode respeitar isso… então não tem mais lugar ao meu lado. Vá embora e esqueça que sou seu filho.

Fechei a porta. Com força. Mas também com dor. O silêncio depois daquilo era ensurdecedor. Rafael ficou parado, encarando a madeira. A respiração pesada, o corpo tenso. Os olhos já brilhavam, cheios de lágrimas.

Me aproximei por trás e o abracei, puxando-o contra mim. Ele resistiu por alguns segundos. Depois se entregou. Desabou. Chorou baixinho, como se não quisesse fazer barulho. Mas cada lágrima parecia carregar anos de dor contida.

— Ele sempre me odiou… sempre — sussurrou com a voz trêmula.

— E eu ainda tentei tanto, Caio... tanto...

Apertei ele mais forte.

— Talvez ele não te odeie, Rafa. Ele só não sabe amar. Talvez nem tenha isso para oferecer. E você não precisa mais provar nada pra ninguém. Só ser você. Só isso.

Ficamos ali, sentados no chão frio da sala. Eu, firme como podia. Ele, tentando se manter inteiro. A madrugada chegou arrastando um silêncio denso. Rafael não conseguiu dormir naquela noite. Ficou deitado, olhos abertos no escuro. E eu fiquei ao lado dele, ouvindo a respiração dele, o peso daquilo tudo.

Naquele silêncio pesado, entendi que a maior parte da viagem dele ainda não tinha começado. E que a cura dele ia ser longa. Mas eu estaria lá. Em cada passo.

Sempre.

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Foto de perfil de T. Lys. RT. Lys. RContos: 9Seguidores: 4Seguindo: 2Mensagem "Escrevo com o coração em carne viva, transformando dor, amor e redenção em capítulos que sangram poesia — onde cada palavra carrega o peso da verdade e o alívio da esperança."

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