Parte 1.
Luiza voltou para casa com um suspiro que parecia carregar semanas de tensão. A conversa na sala de Roberto e Lorena tinha sido mais tranquila do que ela temia, e a sensação de ter finalmente pedido demissão lhe trouxe um certo alívio. Mas, por baixo dessa leveza, havia uma ansiedade estranha, como se cada passo a aproximasse de algo grande demais para prever.
Ainda era início da tarde quando deixou as chaves sobre a mesa e começou a arrumar as coisas. O apartamento estava silencioso, e esse silêncio só reforçava a importância daquele momento. Duas malas grandes foram enchendo aos poucos — vestidos, sapatos, lingeries e acessórios que, em sua maioria, tinham sido pagos por Roberto. Cada peça carregava memórias, e ela se perguntava o que aquilo tudo significaria dali para frente.
O sol já se inclinava no céu quando fechou o zíper da última mala. Foi até o banheiro e ligou o chuveiro, tomando um banho rápido, como se quisesse apenas tirar o pó da tarde e não mergulhar em lembranças. Ao sair, ficou diante do espelho por alguns segundos. O reflexo mostrava seios ainda pequenos, mas já moldando um contorno feminino que ela nunca imaginou ter. Passou a mão suavemente por eles antes de vestir a calcinha e o sutiã. Por cima, colocou a roupa masculina de costume — um disfarce que já não parecia fazer sentido, mas que ainda usava por hábito.
Sentou-se na beira da cama, pegou a bolsa e retirou o cartão que Bruna havia lhe dado no jardim do hotel. Olhou o nome e o número anotados, hesitou por um instante, e discou.
A voz do outro lado veio firme, com uma segurança quase fria:
— É a Luiza?
— Sim… — respondeu, reconhecendo de imediato que era Luana.
— Me passa o endereço.
Ela falou devagar, e ouviu o som de algo sendo anotado.
— Certo. Chego em alguns minutos.
A ligação encerrou sem despedidas. Luiza deixou o celular sobre a cama, pegou as malas e levou até a porta. Ficou em pé, olhando para o corredor, sentindo o peso da espera.
Parte 2.
O interfone tocou, interrompendo o silêncio do apartamento.
— É a Luana… já tô aqui — disse a voz firme e segura, quase como uma ordem suave. — Você desce?
— Desço — respondeu Luiza, tentando controlar o aperto no peito.
Com as malas já prontas, passou antes no sexto andar para entregar as chaves a Júlia. As duas se abraçaram forte, prometendo se falar sempre.
Na portaria, o Mercedes novo e impecável a esperava. Encostada na porta do passageiro, Luana observava Luiza com atenção. Ela vestia uma calça justa, saltos finos que a deixavam ainda mais alta, e uma camisa branca de seda levemente aberta no colo, deixando ver o contorno do sutiã. Os cabelos castanhos estavam soltos e perfeitamente alinhados, e os lábios pintados num tom de nude brilhante.
O olhar dela percorreu Luiza de cima a baixo, demorando-se nas roupas masculinas. Um sorriso enviesado surgiu no canto da boca.
— Coloca as malas no porta-malas e vem na frente comigo — disse, já abrindo a porta do carro.
Parte 3.
O Mercedes preto avançava suave pela avenida, como se nem tocasse o chão.
Luiza, com seu 1,68m e o corpo magro, parecia ainda menor ao lado de Luana — pernas longas marcadas por uma calça preta justa, saltos agulha que batiam com precisão, postura impecável de quem sabe que é observada.
O silêncio inicial que seguiu ao cumprimento foi quebrado por Luana, a voz baixa, curiosa:
— Então… você tem ideia mesmo no que está se metendo? Ou só está se jogando no escuro?
— Eu… acho que tenho — Luiza respondeu, sem muita firmeza.
Luana sorriu de canto. — “Acho que tenho”… — repetiu com deboche suave. — Foi assim que eu comecei. Mas Bruna não gosta de gente que “acha”. Ela gosta de ter certeza… e de moldar cada detalhe.
Luiza engoliu seco, e antes que a conversa morresse, arriscou:
— E você… quem é… pra Bruna?
Luana demorou um instante, como se saboreasse a pergunta.
— Digamos que eu fui como você. Só que com menos tempo e mais dívida pra pagar. — Virou o rosto, sorrindo de forma quase orgulhosa. — Ela me salvou… e depois me refez.
Luiza franziu a testa, curiosa. — Como assim… refez?
— Do zero — Luana disse, passando a mão pelo próprio corpo, dos seios fartos aos quadris marcados. — Peça por peça.
A ficha demorou um segundo pra cair. Quando caiu, Luiza arregalou os olhos.
— Espera… — ela se inclinou um pouco mais para o banco de Luana, quase sussurrando, mas com a voz carregada de espanto. — Você tá me dizendo que… você… não nasceu assim?
— Não, querida. — Luana soltou um riso baixo, seguro. — Nada aqui é por acaso.
— Meu Deus… — Luiza soltou, boquiaberta. — Não é possível… Eu juro que… em momento nenhum eu teria imaginado. Você é… perfeita.
Luana ergueu a sobrancelha, satisfeita com o impacto. — Pois é. E é assim que tem que ser.
Fez uma pausa, olhando de relance para o corpo de Luiza. — Você também pode chegar lá… se deixar.
Luiza ainda piscava mais rápido, como se tentasse processar.
— Então… quer dizer que… — ela hesitou, mas soltou, num misto de curiosidade e receio —… você já foi… um homem?
— Já — respondeu Luana, firme, quase se divertindo. — Mas isso ficou pra trás. Bruna me transformou… e, entre nós, acho que ela se divertiu mais do que devia nesse processo.
Luiza mordeu o lábio, sentindo um arrepio que não sabia explicar.
Luana, aproveitando:
— E vai por mim… se ela quiser, você nem vai se lembrar de como era antes.
Parte 4.
O portão de entrada se abriu com um clique suave, acionado pelo pequeno controle que Luana segurava entre os dedos pintados de vermelho.
O carro deslizou pela garagem bem iluminada. Não havia ostentação exagerada — apenas o cuidado e a organização típicos de um prédio bem administrado. Um porteiro uniformizado acenou discretamente, recebendo de volta um sorriso educado de Luana, que parecia conhecê-lo pelo nome.
— Vamos, princesa… — disse Luana, abrindo a porta e pegando uma das malas. O tom de voz, doce e seguro, fez Luiza engolir seco. Enquanto caminhava ao lado dela até o elevador, não conseguiu evitar pensar se um dia conseguiria ser tão feminina, tão… perfeita.
O elevador subiu silenciosamente até o último andar.
Parte 5.
O elevador abriu com um som suave, e assim que Luiza deu o primeiro passo para fora, notou que o corredor cheirava levemente a jasmim. Luana caminhava à frente, chave na mão, e abriu a porta com um giro elegante do punho.
— Pode entrar… — disse, num tom casual, mas com aquele sorriso que não revelava muito.
O apartamento parecia ter saído de uma revista: nada fora do lugar, cada almofada posicionada de forma impecável, cada quadro perfeitamente alinhado. Havia um aroma discreto de lavanda misturado ao de café fresco.
— Nossa… — Luiza comentou, olhando em volta. — Aqui parece cenário de filme. Tudo tão… organizado.
Luana soltou uma risada breve.
— Por enquanto, é função minha manter assim… mas quem sabe, em breve, você não ganhe uma função também? — disse, arqueando uma sobrancelha, como se testasse a reação de Luiza.
Luiza não soube se aquilo era um convite ou uma ordem velada, então apenas sorriu timidamente.
O tour começou pela sala: sofá branco impecável, tapete felpudo cinza-claro, e uma estante com livros organizados por cor. Luana apontou para uma poltrona próxima à janela.
— Essa é minha parte favorita.
Luana caminhou à frente, guiando-a até a cozinha. O ambiente era amplo, todo em tons claros, com armários planejados e eletrodomésticos de última geração.
— Aqui é a cozinha da Bruna — disse com um sorriso discreto. — Tento sempre manter as coisas como ela prefere… inclusive o café. — Apontou para a cafeteira de cápsulas. — Ela só toma dessa marca aqui, e sempre pela manhã.
Seguiram para a lavanderia, separada por uma porta de vidro. Um espaço prático, com máquina lava e seca, prateleiras e cestos etiquetados.
— É aqui que cuido das roupas dela. Ela gosta de tudo dobrado de um jeito específico… já me acostumei — comentou, rindo levemente.
Ao lado, a despensa revelava-se impecável, com potes transparentes e etiquetas, pacotes alinhados por tipo e data.
— Quase não precisamos ir ao mercado com frequência — explicou. — Eu sou encarregada de fazer as compras, mas sempre seguindo o gosto da Bruna. Ela é bem exigente com marcas e produtos, então aprendi a não trocar nada. — Tocou um pote de vidro cheio de castanhas. — Até as frutas secas precisam ser dessa padaria que ela gosta.
Voltaram para a sala. Luana apontou discretamente para uma porta lateral.
— Aqui é o lavabo. — Empurrou a porta para que ela visse o espaço pequeno, mas sofisticado, com papel de parede dourado e uma vela perfumada acesa.
Seguiram pelo corredor e entraram na suíte de hóspedes. A cama estava feita com lençóis claros, a cabeceira estofada e um pequeno vaso de flores frescas sobre o criado-mudo.
— É onde ficam os amigos ou parentes quando vêm visitar — explicou. — Bruna gosta que sempre tenha flores aqui, mesmo quando não tem ninguém hospedado.
No final do corredor, passaram por uma porta fechada.
— Esse quarto fica trancado. — A voz de Luana baixou levemente, quase num tom de cumplicidade. — É dela também… mas é reservado para coisas pessoais.
Por fim, pararam diante de outra porta. Luana apoiou a mão na maçaneta e olhou com um sorriso que misturava admiração e respeito.
— Agora… o quarto da Bruna. — Girou a maçaneta, empurrando lentamente, como se abrisse um espaço especial.
Luana caminha à frente, abrindo a suíte de Bruna. O contraste com o restante do apartamento era sutil, mas a imponência do espaço falava por si.
O quarto era amplo, com uma cama king-size de cabeceira estofada em veludo bege, adornada por almofadas em diferentes tamanhos e tons que iam do branco perolado ao dourado suave.
— Aqui… é o espaço da Bruna.
Ao lado direito, uma porta de vidro fosco levava ao closet — um verdadeiro sonho. Fileiras de sapatos organizados por cor e salto, prateleiras com bolsas de grife, cabideiros com vestidos impecavelmente pendurados, tudo protegido por capas transparentes.
Luiza parou por um instante, encantada. Seus olhos percorriam cada detalhe, e por dentro, ela imaginava como seria ter um espaço daqueles só para si. Era impossível não sentir uma pontada de admiração — e talvez inveja.
— É… realmente, qualquer mulher ia se perder aqui dentro — soltou, quase sem pensar.
Luana sorriu, percebendo o deslumbre dela. — Bruna costuma dizer que este closet é seu “templo”. Aqui, nada entra fora de lugar.
Mais adiante, a suíte se abria para um banheiro digno de hotel de luxo. Uma banheira de imersão oval, grande o suficiente para duas pessoas, ocupava o centro, posicionada junto a uma ampla janela com cortinas leves. A bancada dupla em mármore claro exibia dois lavatórios, cada um com seus próprios espelhos iluminados e organizadores cheios de cosméticos e perfumes. No canto, um box de vidro transparente abrigava um chuveiro de teto e nichos embutidos para shampoos e sabonetes.
Luiza, sem perceber, passou os dedos sobre a borda da banheira, imaginando a sensação de se afundar ali.
— Ela usa bastante? — perguntou, desviando o olhar para disfarçar seu próprio interesse.
— Sempre que pode — respondeu Luana. — Diz que é onde ela consegue desligar do mundo.
Luana saiu à frente, os saltos ecoando pelo piso enquanto fechava a porta da suíte de Bruna com cuidado. O corredor amplo, iluminado por luz suave, levava até outra porta ao fundo.
— Bom… agora vem conhecer nosso quarto — disse ela, com um gesto que misturava leveza e uma pontinha de provocação.
Quando a porta se abriu, Luiza parou no batente, piscando uma vez como se não tivesse entendido direito o que via. Uma cama de casal ocupava o centro do quarto, impecavelmente arrumada com um cobre-leito bege claro e almofadas alinhadas.
— É… bonito — disse Luiza, hesitante. — Mas… espera… nós vamos dividir a cama?
Luana apoiou a mão no quadril e soltou um meio sorriso.
— Eu também sugeri pra Bruna que você ficasse no quarto de hóspedes… mas ela disse que não.
— Não? — Luiza repetiu, franzindo o cenho.
— Não. Foi bem clara: “Vocês duas juntas.” — Luana fez aspas com os dedos, imitando até o tom firme de Bruna. — Primeiro, ela até ficou irritada quando eu perguntei. Depois… mudou o olhar. Sabe aquele sorriso dela que ninguém entende?
Luiza sentiu um arrepio leve na espinha, mas tentou disfarçar.
— Luiza olhou de novo os dois travesseiros, pensou um segundo e arriscou, com humor: — Só não ronca, por favor.
— Rony… o quê? — Luana fingiu espanto teatral e depois piscou, maliciosa. — Roncar não é meu problema, miga. Mas eu posso te surpreender de outras formas.
O olhar que trocou com Luiza foi rápido, mas suficiente pra deixar uma pontinha de curiosidade no ar antes de mudar de assunto.
Luiza riu, meio sem graça, e balançou a cabeça.
— Tá… agora fiquei até com medo de perguntar como você poderia me surpreender.
Luana apenas deu um sorriso enigmático e passou direto, puxando uma das malas de Luiza para perto do guarda-roupa.
— Vem, miga, vamos ver o que você trouxe.
Luiza, ainda olhando em volta, deu alguns passos pelo quarto. Seus olhos pararam na penteadeira cheia de maquiagens, perfumes e cremes, tudo meticulosamente organizado.
— Você é bem caprichosa, hein?
— Não é capricho, é sobrevivência. — Luana respondeu, enquanto abria o zíper da primeira mala. — Nesse apartamento, ou você se organiza… ou a Bruna organiza por você. E aí… é melhor não deixar chegar nesse ponto.
As duas riram, mas Luiza percebeu que havia um certo fundo de verdade na frase.
Luana começou a tirar as peças, separando automaticamente as roupas masculinas em uma pilha à parte.
— Essas aqui… vou ter que perguntar pra Bruna se você pode guardar.
— Perguntar? Por quê? — Luiza franziu a testa.
Luana ergueu os ombros, mas seu olhar dizia que já sabia a resposta.
— Vamos ver o que ela decide.
Luiza se aproximou do guarda-roupa e reparou que metade dele estava impecavelmente preenchida com vestidos, saias e blusas de Luana, algumas ainda com etiquetas.
— E a outra metade é minha?
— Por enquanto, sim. — Luana respondeu, encaixando cabides com movimentos rápidos. — Mas a gente se adapta.
Enquanto dobrava algumas peças, Luana perguntou casualmente:
— Quantos anos você tem mesmo?
— Vinte e seis. E você?
— Vinte e nove. — Ela sorriu de canto. — Vai ver, esses três anos de diferença vão pesar quando eu te ensinar umas coisas.
Luiza arqueou uma sobrancelha.
— Tipo o quê?
— Ah… nada que você precise saber hoje.
[ CONTINUA....]
Obrigada pelos comentários. Bjss 💋