Parte 1.
Luiza foi chamada à sala de Roberto poucos minutos depois de ele chegar. O corredor estava silencioso, o som abafado dos passos ecoando pelo carpete. Ao entrar, encontrou Roberto atrás da mesa, Aline sentada numa das cadeiras laterais e, para sua surpresa, Lorena — impecável como sempre — ocupando o assento à frente dele.
O coração acelerou. Ali, diante de todos, era o momento perfeito. Luiza percebeu isso só quando viu Lorena, o leve arqueamento de sobrancelhas dela e o sorriso educado que não chegava aos olhos.
— Lu… Luiz — corrigiu-se, de leve, com uma pequena tosse —, sente-se. — Roberto indicou a cadeira ao lado de Aline.
Luiza se acomodou. Roberto começou a falar sobre relatórios, metas, um cliente que fechara um contrato grande. O tom era firme, objetivo… mas Luiza só ouvia parcialmente. Cada palavra parecia um pano de fundo para o que realmente importava.
Quando Roberto respirou para passar ao próximo ponto, Luiza soltou:
— Tem algo mais imediato que preciso tratar.
O silêncio tomou conta da sala por dois segundos. Roberto piscou, ligeiramente confuso.
— Mais imediato que o fechamento do trimestre? — perguntou, meio em tom de reprovação.
Luiza endireitou a postura.
— Sim. Minha saída da empresa. Vim comunicar minha demissão.
Aline piscou rápido, surpresa, mas não exatamente chocada. Seu olhar desviou para o chão por um instante, como se absorvesse a notícia. Lorena manteve o sorriso, quase imperceptivelmente mais aberto agora, os olhos atentos.
— Desculpe, como é? — Roberto inclinou-se para frente.
— Eu vou viver como mulher a partir de agora. — A voz de Luiza soou firme, controlada, apesar do frio na barriga. — Minha família já sabe, e é uma decisão que não tem volta.
Aline inspirou fundo, os olhos se encontrando com os de Luiza por um segundo. Não havia julgamento, apenas um reconhecimento silencioso. Era como se dissesse, sem palavras: eu já sabia.
Roberto levou um instante para reagir. Olhou para Aline, depois para Lorena, e voltou a encarar Luiza.
— Você tem ideia do que está dizendo? Do impacto disso na sua carreira? — A voz subiu meio tom.
Antes que ele continuasse, Lorena pousou a mão suavemente sobre o braço dele.
— Amor… deixa eu conversar com ela. — Sua voz era baixa, mas carregada de autoridade. Virou-se para Aline com um sorriso polido: — Você pode nos dar um minutinho?
Aline assentiu e levantou-se, saindo com passos silenciosos. Roberto demorou meio segundo a mais, mas se levantou também, ajustando o paletó, claramente contrariado por deixar aquela conversa.
Lorena se pôs de pé e fez um gesto para Luiza.
— Vem comigo. — O tom era calmo, quase afetuoso, mas com algo implícito que Luiza não soube definir de imediato.
Enquanto caminhavam para outra sala, Luiza sentia o perfume elegante de Lorena à sua frente e a tensão que ficara para trás com Roberto. Algo lhe dizia que a conversa que viria agora poderia mudar o rumo das coisas ainda mais do que a própria demissão.
Parte 2.
Roberto ficou em silêncio por alguns segundos, ainda de pé, olhando para a porta por onde Luiza e Lorena tinham acabado de sair. A tensão marcava a linha de seu maxilar, o dedo batendo contra a mesa em um gesto impaciente.
— Isso… — ele balançou a cabeça, respirando fundo — pode ser um problema, Aline. Você sabe que ela pode abrir a boca pra Lorena a qualquer momento.
Aline se recostou na cadeira, cruzando as pernas devagar, como se tivesse todo o tempo do mundo. Um sorriso enviesado surgiu nos lábios dela, carregado de ironia.
— Roberto… — ela soltou num tom baixo, quase divertido — você realmente acha que a nossa “menina” vai ter coragem pra isso?
Ele a encarou sério. — E por que não teria? Ela tava com um ar decidido hoje.
— Ar decidido? — Aline deixou escapar um riso curto, debochado. — Aquilo era coragem emprestada, não se engane. Você conhece a Luiza tanto quanto eu… — inclinou-se um pouco à frente, apoiando o cotovelo na mesa. — Ela é boazinha demais pra ser má, e submissa demais pra te prejudicar. Mesmo que quisesse, não teria estômago pra isso.
Roberto ainda parecia hesitar, e Aline completou, com um tom maliciosamente tranquilizador:
— Aliás… ela já foi longe demais nesse papel de “menina bem comportada”. Pode até se fingir de brava, mas no fundo? — ergueu uma sobrancelha. — Ela só sabe baixar a cabeça. É exatamente por isso que sempre foi perfeita pra você… e por isso que nunca vai abrir a boca.
Ele soltou um suspiro, relaxando um pouco, mas ainda com o semblante desconfiado. — Espero que você esteja certa.
— Eu tô — respondeu Aline, convicta e com aquele sorrisinho de quem sabe mais do que diz. — Confia em mim.
Parte 3.
Luiza se acomodou na beirada do sofá, as mãos repousando sobre os joelhos. Lorena sentou-se bem próxima, de frente para ela, tão perto que as pernas quase se encostavam. A postura de Lorena era elegante, mas ao mesmo tempo acolhedora, e o perfume doce e sofisticado parecia envolver o ar ao redor.
— Eu sei que essa decisão não deve ter sido fácil pra você — começou Lorena, olhando-a nos olhos com uma expressão calma, quase maternal. — Mas preciso que saiba que a porta estará sempre aberta. Você é uma profissional impecável, Luiza... — fez uma breve pausa, sorrindo de canto — e sim, eu já me acostumei a te chamar assim.
O coração de Luiza bateu mais forte. Aquele tom suave, sem julgamento, fazia um aperto crescer no peito. Como pude ser amante do marido dela?, pensou, sentindo uma pontada de arrependimento profundo. Lorena não fazia ideia, e agora a tratava com tamanha consideração que parecia impensável qualquer traição.
— Agradeço muito, Lorena... de verdade — respondeu Luiza, com a voz baixa, quase um sussurro. — Mas eu realmente preciso seguir outro caminho.
Lorena franziu levemente o cenho, ainda mantendo o sorriso.
— Outro caminho? — inclinou a cabeça, com um brilho curioso nos olhos. — Tem homem no meio disso?
A pergunta fez Luiza prender a respiração por um segundo. Então, um pequeno sorriso tranquilo surgiu em seus lábios.
— Ainda não... — respondeu, escolhendo as palavras de forma leve, mas deixando escapar um tom que parecia prever o futuro.
Lorena arqueou uma sobrancelha, divertida. — “Ainda não”? — repetiu, e então soltou uma risada baixa e calorosa. — Pois se um dia você casar, quero estar lá. Não aceito desculpas.
Luiza retribuiu o sorriso, sentindo uma mistura estranha de calor e vergonha. — Pode deixar... — disse, e no fundo sabia que aquela promessa seria cumprida, se algum dia acontecesse.
Houve um momento de silêncio confortável. Lorena apoiou levemente a mão sobre o joelho de Luiza, num gesto simples, mas que transmitia cumplicidade. — Sabe, a Sofia... minha arquiteta... — começou, com aquele ar de quem vai contar algo divertido — ela sempre teve um radar pra certas coisas. Disse que, pelo jeito que você olhava para o decote dela, não era o olhar de um homem. Era desejo de ter o mesmo. — Lorena deu um leve riso. — E ela estava certa, não estava?
Luiza sentiu o rosto aquecer, mas não desviou o olhar. — Talvez estivesse... — respondeu num tom baixo, sem negar.
Lorena apertou levemente seu joelho antes de soltar. — Então é isso, minha querida. Não vou te segurar... mas quero que saiba que pode ser a mulher que você quiser, e ainda assim trabalhar comigo, se um dia decidir voltar. O que importa é a sua capacidade, não como você se apresenta.
Luiza respirou fundo, sentindo que, apesar de estar deixando a empresa, estava ganhando algo mais valioso: o respeito e a amizade de Lorena.
E, no fundo, também sabia de outra coisa: nunca mais se permitiria ser amante de um homem casado.
Parte 4.
Lorena se levantou primeiro, ajeitando a saia de forma impecável antes de estender a mão para Luiza.
— Vamos lá, minha querida. — o tom era suave, mas firme. — Vou pedir pra Aline já organizar seu afastamento. Quero que saia tranquila, sem pendências.
Saíram juntas da pequena sala e voltaram ao corredor. Assim que chegaram na área administrativa, Lorena chamou Aline com um aceno.
— Aline, querida, preciso que preencha toda a papelada do desligamento da Luiza — disse, usando o nome feminino de forma natural. — E anota aí: as portas desta empresa estarão sempre abertas pra ela, caso um dia queira voltar.
Aline olhou de Luiza para Lorena, surpresa com a formalidade e ao mesmo tempo com a delicadeza da frase.
— Pode deixar, Lorena — respondeu, com um leve sorriso.
Lorena virou-se para Luiza e segurou suavemente sua mão. — Fica bem, tá? — E, como quem selava um pacto silencioso, acrescentou num tom baixo e sincero: — Você tem muito mais pela frente do que imagina.
Roberto, que aguardava próximo à porta, juntou-se a elas. Os três caminharam juntos até o elevador. Ao se despedir, Lorena tocou o braço de Luiza com carinho. — Qualquer coisa, me liga.
Assim que as portas do elevador se fecharam com Lorena e Roberto dentro, Aline agarrou o braço de Luiza e praticamente a arrastou até sua sala. Trancou a porta com um clique seco e se virou, encarando-a como se quisesse atravessá-la com o olhar.
— Me diz que eu ouvi errado… — começou baixo, quase num rosnado. — Depois de tudo que você fez pra aquele canalha… pagou boquete pra ele, chupou até ele gozar na tua boca… e ainda engoliu como uma boa putinha… agora me diz que acabou?
Luiza franziu a testa, mas Aline não deu tempo pra resposta.
— E nem vem fingir, porque eu vi a sua cara no dia que você saiu do apartamento dele… parecia que tinha dado a bunda a noite inteira. — Um sorriso torto, cruel. — Aposto que ele enfiou até você gemer no travesseiro.
Luiza cruzou os braços, controlando a respiração. — Aline… acabou. Eu tô decidida.
— Decidida? — Aline deu uma risadinha sarcástica. — Ah, claro… depois de fazer ele virar do avesso com essa boquinha e esse cuzinho, agora resolve ficar santa?
Luiza deu um passo à frente, sem baixar o olhar. — Até o fim do dia, deixo as chaves do apartamento com a Julia, avisa ela depois.
Isso fez Aline parar por um instante. — Pra onde você vai? — perguntou, com a curiosidade rasgando o tom irritado.
Luiza sorriu de canto, quase como quem joga isca. — Depois eu te conto melhor… mas pode ficar tranquila, eu tô bem.
Aline arqueou uma sobrancelha, descruzando os braços lentamente. — Você tá bem… mas não quer dizer pra onde vai. — Mordeu o lábio, olhando de cima a baixo. — Sabe que você não engana ninguém, né?
— Não tô tentando enganar. — Luiza respondeu, ainda firme.
— Uhum… — Aline se recostou na mesa, apoiando as mãos atrás. — Quer saber? Eu aposto que tem mulher no meio dessa história. — Deu uma risada curta. — Ou pior… tem Bruna no meio, não é?
Luiza apenas riu baixinho, sem responder, e foi em direção à porta.
— Tá… — Aline disse, já mais calma. — Seja lá o que for… só não desaparece sem me contar. — Fez uma pausa, olhando com um misto de carinho e provocação. — Você é boazinha demais pra ser ruim, Luiza… submissa até o último fio de cabelo. Isso… nunca muda.
[ CONTINUA.....]
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