Estava a caminho quando o celular vibrou no console.
Daniel.
Tô saindo agora também.
Sorri leve.
O tempo que levaria até o Shopping da Bahia seria o suficiente.
Final de tarde em Salvador raramente era tranquilo.
E aquela avenida… era uma das piores.
Sempre congestionada, sempre arrastada, como se a cidade também estivesse cansada da própria pressa.
Enquanto avançava devagar, entre um semáforo e outro, aproveitei pra mandar uma mensagem.
“Vou chegar um pouco mais tarde. Mas fica tranquila, tá tudo bem.”
Enviei.
Era pra minha esposa.
A resposta não demorou:
“Tá bom.”
Simples. Sincera.
Como quase tudo entre nós sempre foi.
No fundo, ela sabia.
Sabia que eu sempre fui um homem de confiança.
Sem desculpas. Sem desvios.
Nunca precisei esconder nada.
E talvez fosse justamente por isso que doía mais agora.
Porque eu sabia que isso estava mudando.
Estava mudando... ali.
Dentro de mim.
E eu não sabia se conseguiria conviver com isso por muito tempo.
O trânsito seguia lento.
O céu, cada vez mais dourado.
E a vida...
continuava se movendo.
Mesmo que eu ainda não soubesse em qual direção.
A viagem, que normalmente levava uns 10 ou 15 minutos, se estendeu por quase 40.
Trânsito caótico.
Final de tarde em Salvador era quase sempre assim.
Mas hoje parecia ainda mais lento.
Cheguei ao Shopping da Bahia por volta das 18h.
Fui subindo devagar os andares do estacionamento até encontrar uma vaga no terceiro piso.
Estacionei, desliguei o carro e peguei o celular.
“Demorei um pouco. Muito trânsito. Mas já tô no shopping.”
“Onde você tá?”
A resposta não demorou:
“Ainda no trânsito.”
“Devo chegar em 10, 15 minutos.”
Respirei fundo.
Guardei o celular no bolso e desci, atravessando os corredores do shopping até o Outback.
O restaurante estava relativamente cheio — o que era comum pra um início de noite.
Era um dos lugares mais frequentados da região.
Fazia tempo que eu não ia ali.
Assim que entrei, percebi que tinha mudado.
Havia passado por alguma reforma.
As luzes pendentes estavam mais suaves.
O ambiente parecia mais... contido.
Mais íntimo.
Segui até a recepcionista.
— Boa noite! Mesa pra dois — pedi. — De preferência em um canto mais reservado.
Ela assentiu com um sorriso profissional e fez um gesto com a mão.
— Me acompanha, por favor.
Caminhei atrás dela entre as mesas.
Gente rindo, garçons indo e vindo com pratos fumegantes, taças tilintando.
Fui levado até um espaço lateral, menos iluminado.
Uma das mesas do fundo.
Luz quente, ambiente abafado pelo som ambiente e pelo barulho de talheres.
Não era porque eu queria me esconder.
Era só... mais confortável assim.
Sempre gostei de ambientes mais discretos.
E ali... parecia que o tempo podia andar mais devagar.
Me sentei.
Encostei na cadeira.
E esperei.
Eu tava acomodado naquele banco acolchoado, encostado de leve no encosto de madeira escura, quando uma moça se aproximou com um sorriso educado.
— Boa noite. Eu sou a Milena, vou cuidar do seu atendimento hoje, tá bom?
Assenti com um sorriso contido.
— Tá esperando alguém? — ela perguntou.
— Tô, sim — respondi, mantendo as mãos entrelaçadas sobre a mesa.
— Gostaria de beber alguma coisa enquanto espera?
— Por enquanto não, obrigado.
— Tudo bem. Qualquer coisa, é só me chamar.
Ela se afastou por alguns instantes.
Logo depois, voltou com a tábua de madeira nas mãos, equilibrando o tradicional pão australiano do Outback.
Colocou à minha frente, junto com um potinho de manteiga, e se retirou com aquele mesmo profissionalismo gentil.
Mas eu mal reparei.
As mãos continuaram ali, entrelaçadas sobre a mesa.
O pão ficou intocado.
Eu só… esperava.
E enquanto esperava, pensava.
Não sobre o que dizer.
Mas sobre o que estava sentindo.
Foi então que ouvi.
— Demorei, mas cheguei.
Levantei os olhos.
E ali estava ele.
Daniel.
Mas não o Daniel da praia.
Nem o do bar no domingo.
Nem o do acidente.
Aquele era outro homem.
De terno preto.
Quase todo preto.
Camisa branca. Paletó preto. Sapato lustrado.
Cabelo arrumado com cuidado. Óculos perfeitamente ajustados.
E eu…
Eu fiquei sem reação.
Ou melhor: minha reação foi admirar.
Ele estava absurdamente bonito.
E nem era sobre o terno em si.
Era sobre a postura. O jeito de andar. A presença.
O contraste entre o que eu lembrava e o que estava ali, na minha frente agora.
Pro cara que, um dia atrás, ficou se perguntando como cumprimentar aquele homem “estranho” no restaurante…
dessa vez, foi automático.
Levantei.
Estendi a mão.
Ele apertou de volta.
Mas não durou mais que dois segundos.
Foi quase instantâneo.
Nos puxamos para um abraço.
Sem hesitação.
Aquele tipo de abraço que não precisa ser explicado.
Que acontece quando o corpo chega antes da razão.
Demorou pouco.
Mas o suficiente pra deixar tudo mais claro…
ou mais confuso.
A verdade é que eu ainda não sabia dizer.
Daniel se sentou no banco à minha frente.
Mais uma vez... frente a frente.
Ele sorria.
Eu também.
Por um segundo, nenhum de nós disse nada.
Até que ele respirou fundo, olhando direto pra mim:
— Caramba... você tá muito mais bonito hoje.
Fez uma pausa curta, e completou, meio rindo:
— Não que ontem você não estivesse. Mas... hoje você tá mais... não sei dizer... diferente. Mas ontem também tava bonito, viu?
Sorri.
Meio sem jeito.
Meio sem saber onde enfiar os olhos.
Eram elogios que eu ainda não tinha ouvido da boca dele.
— Então somos dois — respondi, ainda sorrindo. — Porque você tá muito bonito também. Muito diferente da madrugada... muito diferente de ontem.
— Hoje você tá... sei lá, parece até que acabou de casar.
— Tá legal. Muito bonito você de terno.
Daniel soltou uma risada, encostando as costas no banco.
Rimos juntos.
E, por alguns segundos, a conversa era só isso: leveza disfarçada de piada.
— E aí? Vamos beber alguma coisa? — perguntei.
— Já que os dois tão de carro hoje... acho que vamos de chá gelado mesmo — disse Daniel, ainda sorrindo.
Peguei o celular, já tinha olhado o cardápio pelo QR Code.
Levantei a mão quando vi Milena passando por perto.
Ela veio até a mesa, simpática.
— Vamos pedir os chás, por enquanto? — perguntei.
— Pode ser — Daniel respondeu. — O meu é de pêssego.
— E um de limão pra mim — completei.
Milena anotou e se afastou.
— Depois a gente vê o que pedir pra comer — falei, voltando o olhar pra ele.
— Me conta — ele disse, ajeitando o paletó com leveza. — Como foi seu dia?
Resumi a manhã.
Contei da reunião com os engenheiros, da parte burocrática, das planilhas e e-mails.
E finalizei com a parte do vídeo pro social media.
Daniel começou a rir antes mesmo de eu terminar.
— Cara, não consigo te imaginar falando pra câmera. Sério.
— Você tem cara de que trava no “boa tarde”.
Balancei a cabeça, sem esconder o constrangimento.
— Eu também não me vejo, acredita?
Mas a equipe lá diz que tem gente que gosta.
O pessoal do marketing diz que vídeo comigo dá mais engajamento.
Não entendo essas coisas.
Ele riu mais ainda.
— Quero ver isso depois, viu?
— Aposto que tá no Instagram da empresa... e com o nome estampado no peito da sua camisa...
Fiz que não com a cabeça, rindo junto.
— Você não presta.
Ele ergueu os dois braços, com aquele sorriso sapeca.
— Eu só gosto de pesquisar minhas referências.
Daniel continuou com aquele mesmo sorriso, meio debochado, meio admirado.
— Talvez você seja o garoto propaganda da empresa e nem saiba, viu?
— Bonito você é. Tem uma voz linda.
— Eu só realmente não consigo te imaginar gravando roteiro. Sei lá...
— Não que você não seja capaz — ele emendou rápido — mas é que você parece o tipo que foge desse tipo de coisa.
— De exposição. De aparecer na internet. Mas é importante, né? Hoje em dia as redes fortalecem muito as empresas. Essa proximidade, esse alcance... é interessante.
Dei uma risada leve e balancei a cabeça.
— Eu só não gosto mesmo. Mas eu faço.
— E a equipe é muito boa. Depois que editam, parece até que eu gravei tudo de primeira.
— Mas na real, são umas três, quatro vezes repetindo até conseguir terminar uma frase.
Daniel riu de novo, jogando o corpo um pouco pra trás no encosto largo do banco.
— Acho que vou seguir a empresa no Instagram só pra ver isso.
— Não faz isso, não — respondi, rindo também.
— Já tô pensando no comentário que vou deixar.
— Bloqueio você.
A risada ficou solta, leve. Como se a tensão das primeiras conversas tivesse se dissolvido ali, entre o humor e os elogios disfarçados.
Aproveitei e mudei o foco:
— E sua audiência?
Você comentou que foi favorável pro cliente... foi bom assim?
Daniel assentiu, animado.
— Foi, sim. Deu trabalho, mas consegui reverter a tese da empresa.
Cliente saiu aliviado.
— Advogado trabalhista, né? — brinquei. — Tá acostumado a defender o povo contra a firma.
Quando for alguém contra a minha empresa, me avisa, tá?
Ele me olhou com um sorriso.
— Aviso nada. Eu derrubo em silêncio.
— Brincadeira, viu? — falei rindo. — Mas graças a Deus, nunca levei um processo.
Sempre tento ser o mais correto possível com todo mundo.
Justo, pelo menos na minha visão de justiça.
Mas sei que às vezes as pessoas enxergam o que é justo só pelo que lhes convém.
Daniel assentiu, sério por um segundo.
— É. E isso é mais comum do que parece.
Ele tirou o paletó e apoiou nas costas do banco ao lado, ficando só com a camisa social branca por baixo da gravata.
Desabotoou o botão de cima. Relaxou os ombros.
O banco era largo.
Daria fácil pra duas pessoas de cada lado.
Mas ali, só nós dois.
Eu o olhei por alguns segundos a mais.
Discretamente.
E ali, naquela posição... ele parecia ainda mais bonito.
A luz quente do ambiente tocava o rosto dele de um jeito suave.
Os traços firmes, o cabelo ainda bem penteado, a barba por fazer, os óculos alinhados.
E pela primeira vez...
Eu imaginei coisas.
Coisas que iam além do que eu tinha deixado pensar até então.
Imaginei, por um segundo só, o gosto da boca dele.
O toque de um beijo.
O som da respiração perto demais.
As mãos.
Os olhos fechados.
Não demonstrei nada.
Mas algo em mim... já tinha mudado.
Milena chegou com os chás — duas canecas grandes, de 500ml, uma de limão e outra de pêssego.
Colocou na mesa com cuidado, uma de cada lado.
— Qualquer coisa, é só me chamar — reforçou, sorrindo.
Daniel agradeceu com um aceno de cabeça.
Eu também. Só inclinei levemente o rosto.
Ela se afastou.
Ficamos ali.
Os dois com as mãos nas canecas.
O cheiro cítrico do limão e adocicado do pêssego se misturavam no ar.
A conversa recomeçou aos poucos.
Assuntos leves, cotidianos.
Coisas de trabalho, pequenas lembranças, alguma piada sobre trânsito, sobre redes sociais.
E, às vezes...
vinha o silêncio.
Não um silêncio desconfortável.
Mas um silêncio carregado.
Aquele tipo de pausa onde o olhar se perde na mesa, no copo, no celular.
Como se ambos buscassem um ponto de fuga.
Um jeito de respirar por dentro.
Daniel mexia o chá com o canudo, distraído.
Depois olhou pra mim, hesitou.
Respirou fundo.
— Posso te falar uma coisa? — perguntou, baixo.
— Claro — respondi, direto.
Ele desviou o olhar, como quem precisava da coragem de não me encarar.
Respirou de novo.
— Isso tudo é muito louco pra mim... — começou.
— Não faz sentido.
As palavras vinham com dificuldade, mas sinceridade também.
— Me perdoa, tá? Eu sei que você é casado...
Eu nem sei o que você curte, eu nem sei o que eu tô falando exatamente agora, nesse momento...
Mas eu gostei da sua companhia.
Tô gostando de estar aqui.
E isso me assusta, porque tudo tá acontecendo rápido demais.
Ficou em silêncio por um instante.
Olhou pro copo como se fosse encontrar as palavras ali.
— Eu saí de um relacionamento de quase quatro anos.
Quatro anos.
E descobri uma traição do nada.
Numa notificação de celular, madrugada adentro.
E aí, naquela mesma madrugada…
aconteceu aquilo.
Você.
A gente.
Fez uma pausa. A voz ficou mais baixa.
— Não sei se era pra ser assim.
Não sei se era destino, sinal, coincidência…
Só sei que parece que eu tinha que te encontrar ali.
Naquele exato momento.
No meio de tudo.
E então ele se calou.
Mas o que ficou… foi mais forte do que o que foi dito.
Eu fiquei um tempo em silêncio depois que ele falou.
Não por falta do que dizer.
Mas porque, por dentro, eu lutava com cada palavra que queria escapar da minha boca.
Até que, com calma, olhei pra ele.
— Daniel... olha pra mim.
Ele levantou os olhos, devagar.
Me encarou. Sem defesa.
— Olha nos meus olhos. E presta atenção no que eu vou te falar.
Porque o que eu vou te dizer agora...
é verdade.
Doída, mas verdade.
Respirei fundo.
Dei um passo sem volta.
— Isso tudo é totalmente assustador pra mim.
Nunca... nunca me envolvi com um cara.
Nunca.
Mas isso... isso é algo que eu sinto, de algum jeito, desde sempre.
A voz saiu firme, mas baixa.
— Só que... por questões familiares, pela criação que tive, por não querer decepcionar meus pais...
eu fui me moldando.
A vida inteira.
A me encaixar.
A ignorar.
A me impedir de ir fundo nesse conhecimento. Nesse desejo.
E talvez até em mim mesmo.
Engoli seco.
— Então... é assustador. Sim.
Porque eu sou casado.
Sou pai de dois filhos.
Tenho uma vida estável, uma rotina, um controle quase obsessivo sobre tudo o que eu faço no trabalho, na casa, nas emoções.
E, de repente...
apareceu você.
Naquela madrugada.
E tudo bagunçou.
Baixei o olhar por um segundo. Voltei pra ele.
— Tá tudo bagunçado.
E eu também não tô sabendo lidar.
Fiz uma pausa.
Deixei o peso dessas palavras se acomodar entre nós.
— E não é só o fato de ser casado.
É o que isso representa.
Tudo o que vem junto.
Mas...
mesmo com tudo isso...
— Eu também gostaria de te conhecer.
Também gostaria de estar aqui.
E tô.
Olhei fundo nos olhos dele.
— Minha dúvida é:
onde isso vai?
Até onde eu posso permitir que vá?
Até onde você quer ir?
Daniel manteve o olhar fixo em mim por um instante.
Depois respirou fundo.
E respondeu:
— Eu... também não sei onde quero ir com isso.
Mas... eu tô disposto a descobrir.
A me deixar levar, entender.
Sentir o que isso é.
Fez uma pausa, desviou o olhar, depois voltou pros meus olhos.
— Pra mim... isso é um sinal de alguma coisa.
E olha que eu nem costumo acreditar em sinais.
Nem em amor à primeira vista.
Mas... sei lá.
Ele deu um sorriso curto, meio sem graça, mas honesto.
— Foi tudo muito louco.
A forma como a gente se conheceu.
A rapidez.
A intensidade.
Tudo acontecendo assim, tão... fora do roteiro.
E eu também tô com medo.
Mas... o que eu sinto agora — nesse momento aqui com você — é que eu tô bem.
Muito bem.
Abaixou o olhar por um instante.
— Mas...
eu também não quero ser o responsável por nada ruim na sua vida.
De verdade.
Eu não quero carregar esse peso.
Eu o encarei com calma.
Sorri de leve.
E respondi:
— Não, Daniel.
Se acontecer qualquer coisa na minha vida... qualquer coisa mesmo... eu vou ser o responsável.
Só eu.
Pelas escolhas que eu fizer.
Abaixei os olhos por um segundo. Voltei a encará-lo.
— Eu sou um cara que sempre prezou pela verdade.
Sempre evitei mentiras, traições.
Mas... eu passei a vida toda evitando outras coisas também.
Desejos.
Sentimentos.
Partes de mim que eu aprendi a silenciar.
Parei por um segundo.
— E, sinceramente... eu não quero mais viver assim.
Não agora.
Não depois de tudo isso.
Veio o silêncio.
Denso.
Cheio.
Mas não desconfortável.
Daniel olhou pro copo, girou o canudo entre os dedos, respirou fundo.
E perguntou, num tom mais baixo:
— Me perdoa a pergunta...
mas... o convívio com a sua esposa… é bom?
Eu levei um tempo pra responder.
Não porque não soubesse.
Mas porque era difícil colocar em palavras certas.
— É... bom.
É respeitoso.
Tem parceria, cuidado.
A gente construiu muita coisa junto.
E eu a amo. De verdade.
Suspirei.
— Mas como eu disse...
eu nunca tive espaço — nem dei espaço — pra entender esse outro lado meu.
Esse que sente algo diferente.
Esse que... olha pra você assim.
E fica confuso.
E curioso.
E com medo.
E... feliz.
Dei um pequeno sorriso, quase triste.
— Eu tô começando a me perguntar quem sou eu... de verdade.
E talvez você tenha sido só o catalisador disso tudo.
Ou talvez... você seja muito mais do que isso.
Eu ainda não sei.
E então...
um silêncio caiu.
Denso, mas não incômodo.
Como se ambos estivessem tentando encontrar espaço pra organizar o que sentiam.
Foi Daniel quem quebrou, com um sorriso leve:
— Vamos... pedir alguma coisa pra comer?
Assenti, aliviando um pouco a tensão.
— Boa ideia.
— Gosta da batata? — ele perguntou. — A batata deles é ótima.
— Gosto, sim. — respondi. — E a cebola também. Mas a batata...
— ...a batata é imbatível. — completou, rindo.
Milena reapareceu com aquele timing certeiro de quem já sabia que seria chamada.
— Podemos pedir a batata? — Daniel perguntou.
Ela anotou com o mesmo sorriso profissional de sempre.
— E mais alguma coisa?
— Mais um chá pra mim, por favor — eu disse.
— Igual ao primeiro?
— Isso. Limão.
— O meu, pêssego de novo — Daniel completou.
Ela anotou tudo e se afastou.
Quando olhei pra mesa, percebi que a caneca já estava vazia.
Na verdade, Daniel ainda dava o último gole no dele, inclinando a caneca com cuidado e deixando o canudo de lado.
Nos olhamos por um instante.
Mais um instante que disse mais do que precisava.
— Que loucura... — ele disse, baixo.
— Que loucura... — repeti, no mesmo tom.
Daniel me olhou mais uma vez, agora com um ar curioso.
Mas havia também algo delicado, quase tímido, no olhar dele.
— Então... você realmente nunca ficou com um cara?
Neguei com a cabeça.
— Nunca.
Pousei os olhos na mesa por um segundo.
Depois voltei pra ele.
E antes que o silêncio se formasse de novo, perguntei:
— E você...?
Costuma... ficar com muitos caras?
A pergunta saiu meio atravessada.
Como quem fala sem saber bem o que quer dizer.
— Desculpa perguntar.
Ainda mais agora, né... solteiro. Desimpedido.
Me arrependi na hora.
Ele tinha acabado de sair de um relacionamento de quase quatro anos.
Não fazia sentido aquela pergunta.
Daniel me olhou por mais alguns segundos depois da minha pergunta.
Deu um pequeno sorriso, encostou as costas no banco, ajeitou os óculos e respondeu, com sinceridade:
— Eu nunca fui de ficar muito por aí, pra falar a verdade.
Não gosto de pegação, de rolo.
Sempre fui o tipo que preferia me envolver com alguém... fixo.
Fez uma pausa. Respirou mais fundo.
— Com o Fabiano foi assim.
A gente se conheceu, começou a sair, em pouco tempo já tava morando junto.
Foram quase quatro anos.
Uma vida feita. Uma rotina. Planos.
Olhou pro copo vazio.
— E aí... do nada... tudo desmorona.
A voz dele não tremeu, mas ficou mais baixa.
Como quem ainda sente o gosto da mágoa, mesmo tentando disfarçar.
— E o mais louco... é que eu nem tive tempo de entender tudo.
Porque... logo depois de descobrir a traição, aconteceu o acidente.
E aí... você.
Levantou os olhos e me encarou de novo.
— Como é que a vida faz isso com a gente, né?
Termina um ciclo e, no mesmo dia, joga outra pessoa na nossa frente.
Como se dissesse: "anda".
Fez uma pausa curta.
— E o mais estranho... é que eu não consigo te ver como uma coincidência.
Você parece... sei lá... um cara muito bom.
Gente boa de verdade.
Legal. Inteligente. Cuidadoso.
E eu... eu tô disposto a te conhecer.
O máximo possível.
Ele abaixou os olhos, como quem não sabia se podia dizer aquilo tudo.
Mas disse.
Disse tudo.
E eu, do outro lado da mesa, apenas sorri.
Um sorriso lento. Calado.
Mas cheio de coisa.
Assenti com a cabeça.
E fiquei ali.
Sentado, olhando pra ele, pensando em como algumas histórias começam…
justamente quando a gente achava que já sabia o final da nossa.
Daniel se ajeitou na cadeira, respirou fundo, e então disse:
— Com licença... vou ao banheiro rapidinho.
Assenti com um leve gesto de cabeça.
— Vai lá.
Ele se levantou e saiu com passos calmos, desviando pelas mesas próximas.
E, assim que desapareceu no corredor lateral, algo em mim... afundou.
Aquele pequeno intervalo de ausência dele pareceu puxar tudo o que eu vinha tentando manter sob controle.
A apreensão voltou.
Pesada. Silenciosa.
Minha mão ainda estava sobre a mesa, próxima da caneca vazia. E eu ficava passando o dedo pela borda úmida do vidro, como se aquilo fosse me distrair do redemoinho que girava por dentro.
Era louco.
Tudo era absurdamente louco.
Eu ali.
Naquele lugar.
Com outro homem.
Sentindo... o que estava sentindo.
E, pior, gostando de sentir.
Eu, que sempre achei ter controle de tudo.
De quem sou, do que quero, do que construí.
Agora, parecia viver em um universo novo.
Um universo onde cada gesto, cada palavra, cada silêncio me fazia duvidar do que eu achava que sabia sobre mim mesmo.
E no fundo... o que mais doía não era o medo de me perder.
Era o medo de perder tudo que fazia sentido até ali.
Minha família. Minha rotina.
Minha identidade, talvez.
Fechei os olhos por um segundo.
Tentei respirar mais fundo.
Mas só consegui suspirar.
Fiquei ali.
Refletindo demais.
Sentindo demais.
Até que ouvi a voz dele.
— Voltei.
Levantei os olhos.
Daniel estava de volta, ajeitando a manga da camisa e sorrindo leve.
Sorri também, automático.
— O que foi?
— Nada. — falei. — Tava só... pensando demais.
Ele assentiu com um sorriso compreensivo.
— Imagino.
Nesse exato momento, chegou Guilherme — um garçom alto, com sorriso prestativo — trazendo a tábua com a porção de batatas fritas cobertas com cheddar e bacon, ainda borbulhando.
— Aqui está! — disse, colocando a travessa no centro da mesa. — E os chás, como pediram.
Colocou uma caneca na frente de cada um.
O vapor leve subia do líquido gelado como uma ironia silenciosa.
— Qualquer coisa, é só chamar, tá bom? — completou, antes de se afastar.
Ficamos olhando a batata por uns segundos.
Mas, pela primeira vez, era só comida.
O silêncio, agora, era mais leve.
Como se depois da tormenta, sobrasse só o calor de algo... real.
A gente foi comendo devagar. Dividíamos as batatas, revezando os molhos, enquanto as canecas de chá, agora novamente cheias, esfriavam devagar sobre a mesa.
O Daniel me olhou, curioso, e puxou assunto:
— E me conta mais do seu trabalho. A empresa executa só reformas? Vocês têm arquiteto?
Limpei os dedos num guardanapo antes de responder.
— Temos sim. Arquiteto, engenheiro responsável, técnico de segurança quando precisa. A gente atua com reformas, construções, revitalização de fachadas, pintura, parte elétrica, hidráulica... o que o cliente precisar dentro da construção civil, basicamente. Tanto residencial quanto comercial.
Ele pareceu realmente interessado.
— Interessante. Tava pensando em fazer umas mudanças no meu apartamento. Nada grande, mas queria mexer em uns acabamentos. Quem sabe eu não falo com vocês?
Dei um leve sorriso.
— Quando quiser. A gente atende até na Barra, acredita?
Ele riu. Eu ri junto. E, por algum motivo, aquele detalhe bobo fez tudo parecer mais leve.
Rebati a curiosidade.
— Mas e você? Já falou um pouco, mas me conta... Qual foi o caso mais difícil que você pegou?
Daniel se encostou um pouco mais na cadeira, pensativo. O jeito dele pensar antes de falar sempre me chamava atenção.
— Ah... essa é difícil mesmo. Já teve de tudo. Empresa que atrasava salário cinco meses, demissão de funcionária grávida com justificativa falsa... Mas acho que o mais marcante foi um caso de assédio moral pesado. Um gerente que fazia terror psicológico com os subordinados.
Ele fez uma pausa. Os olhos foram um pouco mais baixos.
— Consegui reverter. A cliente ganhou a indenização e foi chamada pra um cargo novo em outra empresa. Hoje em dia, ela me manda mensagem no aniversário.
Assenti, impressionado. Era bom ouvir essas coisas.
— Isso deve ser... gratificante.
Ele sorriu, de leve, com um canto da boca.
— Muito. Eu reclamo do estresse às vezes, mas sou muito grato pelo que faço. Já ajudei muita gente que não fazia ideia dos próprios direitos. E, sinceramente? Tem muita empresa que acha que tá certa, mas vive desrespeitando funcionário. Coisas básicas, sabe?
Concordei com a cabeça.
— Imagino. Mas também sei que tem muito funcionário que abusa da lei, né?
Ele riu.
— Exatamente. Tem os dois lados. Já defendi empresa também. Mas... meu coração é meio parcial. Eu gosto da luta justa. Gosto de fazer a balança pesar onde precisa.
Fiquei olhando pra ele. Não só ouvindo. Admirando mesmo. A firmeza na fala. A forma como ele sustentava as ideias. Era bonito isso nele. E, confesso, eu tava gostando cada vez mais de escutar. Não só o conteúdo, mas o jeito. A voz. O olhar. Tudo parecia... certo, de algum modo.
Depois de algumas canecas de chá, porções de batata e boas conversas sobre o dia a dia, deixando os sentimentos um pouco de lado, mesmo que por instantes — nós dois sabíamos que era hora de ir.
Dessa vez foi o Daniel quem chamou o garçom. — Pode trazer a conta, por favor — ele disse, antes mesmo que eu pensasse em mexer um dedo.
Aí virou pra mim com aquele sorriso travesso:
— E nem ousa, Pedro. Dessa vez é por minha conta, tá? Senão a gente vai brigar aqui.
Fez uma pausa e completou, dramático:
— Tu é até grande, mas você não é dois. Então para com isso. Deixa eu pagar. Faço questão.
Ri. Levantei as duas mãos, me rendendo.
— Tá certo. Tudo bem. Você venceu.
Levantei devagar e peguei a carteira no bolso de trás.
— Vou ao banheiro rapidinho — avisei. — Já volto.
Ele assentiu com um sorriso leve.
Caminhei até o corredor lateral, passei pela porta do banheiro e fui até a pia depois de fazer o que precisava. Fiquei ali um tempo, me olhando no espelho. Respirando fundo.
“É isso mesmo?”
A pergunta voltou. E, como sempre, ninguém podia responder por mim.
Voltei pra mesa poucos minutos depois. A conta já estava paga.
— Nem precisava ter levantado — ele comentou, dobrando o comprovante e guardando na carteira. — Eu falei que ia pagar.
— Fui só cumprir o ritual de ser besta mesmo — brinquei.
A gente riu junto.
Ele pegou o paletó que estava ao lado do banco e jogou por cima do ombro. Já estava de pé quando eu terminei de ajeitar a carteira no bolso. Fomos saindo juntos, atravessando o restaurante agora ainda mais cheio até a saída.
Conversamos sobre qualquer coisa — notícias, restaurantes, bobagens do dia.
Paramos nas máquinas de pagamento automático, pegamos os tickets e seguimos em direção ao estacionamento.
O silêncio veio. Mas, dessa vez, não era pesado.
Era tranquilo. Como se ambos soubéssemos que, depois daquela noite, alguma coisa tinha mudado.
O estacionamento ainda tinha um bom número de carros.
Menos do que quando havia chegado, mas ainda assim, considerável.
Caminhamos juntos até o meu carro, que estava mais próximo.
Paramos ao lado da porta do motorista, e eu indiquei com um gesto leve:
— Então é isso.
Mais uma despedida.
Tenho que ir pra casa... você também.
E... quem sabe quando a gente se vê de novo, né?
Mostrei a porta.
— Olha aí. Tá nova. Eu disse que era só um polimento.
Ele se aproximou, passou a mão pela lataria.
— Nem parece que aconteceu alguma coisa.
No dia, juro que fiquei em choque.
Foi tão rápido.
Parece até que me dá gatilho ver esse carro.
Riu, mas havia algo real naquilo.
— Mas... ainda bem que ficou tudo bem.
Assenti.
Ficamos ali, por um segundo. Sem dizer nada.
Aquele tipo de silêncio que parece dizer tudo sozinho.
Estendi a mão.
Ele estendeu a dele.
Nossos olhos se encontraram e, naquele gesto simples, havia um universo inteiro.
Apertei firme.
Ele também.
E sem pensar, puxei.
Trouxe ele pra perto.
Pro meu corpo.
Pro meu abraço.
Daniel encostou a cabeça no meu ombro.
Eu o segurei com força.
Apertei como quem segura um segredo.
Foi um abraço longo.
Quente.
Com cheiro de perfume, com som de respiração descompassada.
Ficamos ali.
Como se o tempo tivesse prendido a respiração junto com a gente.
Quando nos afastamos, ele passou a mão no meu rosto.
Devagar.
Pela barba, pelo nariz, até contornar minha boca com o dedo.
Me olhou.
E naquele olhar, eu ouvi tudo que ele não disse.
Eu respirei fundo.
Minha garganta secou.
— Quer saber...? — sussurrei.
Fiz uma pausa. Me ouvi dizendo aquilo antes mesmo de pensar.
— Foda-se.
E puxei ele de novo.
Dessa vez, pro beijo.
Foi imediato.
Quente.
Intenso.
Como se o mundo não existisse mais do lado de fora do meu corpo.
Eu o beijei como quem precisava disso pra viver.
Como quem se afogava e encontrou ar pela primeira vez.
Não havia técnica.
Era instinto.
Ele me beijou de volta.
Com a mesma fome.
Com as mãos na minha nuca, nas minhas costas.
Apertando, buscando.
O paletó dele caiu do ombro. Nem notei.
Eu só sentia.
Os lábios, os dedos, o peito contra o meu.
O tempo parado.
O mundo em suspenso.
Estávamos no estacionamento de um shopping.
Mas podíamos estar em qualquer lugar.
Porque naquele momento… só existia a gente.
Beijei ele como se não houvesse mais tempo.
Como se tudo que estivesse represado em mim há anos tivesse finalmente achado por onde vazar.
E ele... me beijava de volta.
Com fome.
Com urgência.
Com entrega.
As mãos dele não ficaram paradas.
Elas passeavam pelo meu corpo com precisão e intenção.
Vieram pelo rosto, depois pelo pescoço, pelo ombro, até se apoiarem no meu braço, me apertando com força.
Desceram devagar, contornando o peito, passando pelas costelas, até encontrarem meu abdômen.
E ali... pararam um pouco.
Mas só um pouco.
Logo depois, ele foi mais fundo.
Desceu mais.
Me tocou pela lateral da coxa.
E então... pressionou.
Ali. Entre as pernas.
O toque foi firme. Quente. Inesperado.
Senti.
Senti o arrepio.
Senti o calor subir como um incêndio súbito no meu peito.
Senti o sangue correr pro lugar errado.
Ou pro certo.
Não sei.
Fechei os olhos por um instante. Respirei fundo.
O beijo continuava.
Nossas bocas se encontrando como se se conhecessem há anos.
Mas aí... eu precisei parar.
Afastei o rosto, ainda com a testa encostada na dele.
Ainda sentindo o perfume dele, a respiração dele, a pressão dos dedos dele ainda presente na minha pele.
— Eu tenho que ir pra casa — murmurei.
Ele piscou, parecendo voltar de um transe.
Me olhou sério por um segundo, depois assentiu.
— Me desculpa se fui invasivo — acrescentei, quase num sussurro.
Mas antes que eu completasse o pensamento, ele balançou a cabeça.
— Não. De jeito nenhum.
Não foi.
Eu adorei isso.
E então, antes que eu me afastasse de vez, ele roubou mais um beijo.
Rápido.
Úmido.
Cheio de significado.
Do tipo que diz “eu queria mais”, mas aceita que agora é hora de parar.
Eu sorri. Não consegui evitar.
Mas ainda assim falei:
— Sério. Eu preciso ir.
— Eu sei.
— Tá tudo bem.
Nos encaramos por mais alguns segundos.
Depois apertamos as mãos mais uma vez.
Dessa vez com mais carinho do que formalidade.
E eu disse:
— Me avisa quando chegar. Quero saber que chegou bem.
— Você também.
— Me avisa.
Assenti.
Dei dois passos pra trás, sem virar de costas ainda.
Ele fez o mesmo.
Girou o corpo devagar, pegando o paletó no chão e ajeitando sobre o braço.
Foi andando na direção do carro dele, que estava uns metros à frente.
E eu... fiquei ali.
Ofegante.
Com o coração disparado.
Com um calor estranho no corpo, nas mãos, no peito, entre as pernas.
Com a cabeça girando.
E a sensação de que, por mais louco que parecesse...
eu não queria voltar.
Mas voltei.
Entrei no carro e fechei a porta devagar.
Como se qualquer som acima do silêncio pudesse me fazer desabar.
Fiquei parado por um instante.
Sem dar partida. Sem encostar no volante.
Só ali… sentado.
Com os olhos fixos no nada.
E com tudo dentro de mim em movimento.
Eu estava em choque.
Não no sentido teatral da palavra.
Mas naquele silêncio absoluto de quem não acredita no que acabou de fazer.
Respirei fundo.
O peito subia e descia num ritmo irregular.
Minha mão tremia um pouco, e só percebi quando levei até a boca.
O sangue estava esfriando.
E, junto com ele, vinha a lucidez.
E com a lucidez… o pânico.
Não tinha mais volta.
A gente se beijou.
A gente se tocou.
Ali, no estacionamento de um shopping movimentado, onde qualquer um poderia ter passado.
Bastava uma pessoa. Uma.
Uma pessoa errada, no momento errado, na direção errada.
E tudo… tudo poderia ruir.
Meus filhos.
Minha esposa.
Meu nome.
Minha vida inteira que eu construí tijolo por tijolo durante anos, poderia cair como uma torre mal equilibrada.
Mas…
Mas eu estava excitado.
E isso era um problema ainda maior.
Porque mesmo com o medo.
Mesmo com a culpa.
Mesmo com a consciência esmagando cada centímetro da minha lucidez…
Eu desejava mais.
Eu me vi indo além.
Literalmente.
Fazendo tudo.
Me imaginei nele.
Com ele.
Contra ele.
Imaginei cada toque, cada gemido, cada palavra sussurrada no escuro.
E isso… me apavorava.
Porque não era uma fantasia qualquer.
Era desejo real.
Era vontade de novo.
Era fome.
Passei as mãos pelo rosto, tentando me recompor.
Olhei ao redor.
Estava num estacionamento. Aberto.
Sim, era o terceiro piso, um pouco mais vazio.
Mas ainda assim… visível.
Era um shopping.
A volta era grande… mas pequena o suficiente pra alguém me ver.
Alguém me reconhecer.
Meu estômago revirou.
E, ao mesmo tempo…
Eu sorri.
Sorri porque foi bom.
Porque eu gostei.
Porque meu corpo inteiro ainda vibrava por dentro, como se quisesse repetir.
Era como se duas partes de mim tivessem finalmente se enfrentado.
E nenhuma das duas tivesse vencido.
Apenas se olhado no espelho pela primeira vez.
E ali, dentro daquele carro, com o coração acelerado e os pensamentos embaralhados, eu entendi uma coisa:
Talvez eu estivesse prestes a perder o controle de tudo.
Mas, pela primeira vez em muito tempo…
eu estava sentindo alguma coisa de verdade.
Eu ainda tava com o corpo quente.
O sangue fervendo.
A respiração mais curta do que deveria.
Mas não era arrependimento.
Não era culpa.
Era ansiedade. Daquelas que vêm sem nome, sem forma... só vêm.
Fiquei dentro do carro, no estacionamento, com as mãos no volante.
Olhei ao redor. O estacionamento não tava mais tão cheio. Mas ainda assim, tinha gente demais.
Pessoas passando. Luzes acesas. Barulho de motor ao longe.
Minha cabeça rodava.
E eu comecei a duvidar de mim mesmo.
Eu tava feliz pelo que aconteceu.
Não era sobre isso.
Era sobre o depois.
Sobre o que fazer agora.
Sobre o que isso significava.
E aí veio o medo.
Do julgamento.
Da mudança.
Da vida que podia ruir.
Senti um nó na garganta. O peito apertando.
E então veio a pergunta:
“Será que eu consigo dirigir agora?”
Não.
Nem deveria tentar.
Peguei o celular.
Abri a conversa com meu irmão.
Henrique.
A única pessoa nesse mundo com quem eu podia falar sobre aquilo.
Digitei:
“Henrique, tá por onde?”
A resposta veio em menos de um minuto:
“Em casa. Por quê?”
Fui direto:
“Você pode pedir um Uber e vir aqui? Tô no Shopping da Bahia. Não me sinto bem pra dirigir. Preciso muito falar com você. Mas muito mesmo.”
Silêncio por alguns segundos.
Depois os três pontinhos apareceram.
“Tô pedindo o Uber agora. Me espera. Tô a caminho.”
Respirei fundo.
Encostei a cabeça no banco.
Fechei os olhos.
Henrique vinha.
E eu... só precisava aguentar até ele chegar.
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Continua
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Madrugada de domingo, 10/08, às 01h15.
Quero pedir desculpas a todos que me acompanham desde o início dos meus relatos.
Infelizmente, enfrentei uma sequência de imprevistos — problemas pessoais e profissionais — e acabei vivendo uma verdadeira montanha-russa de acontecimentos. Precisei aprender a lidar com situações complexas demais para mim e, apesar de ter tentado em vários momentos revisar o que já havia escrito para publicar, o tempo acabou faltando.
Além disso, tive que lidar com crises de ansiedade em alguns dias. Foram momentos tão complicados que até pessoas próximas perceberam. Nesse período, ganhei de presente de um amigo o livro Como Evitar Preocupações e Começar a Viver, de Dale Carnegie. Nos poucos intervalos que tive, me dediquei à leitura — e confesso: tem me ajudado muito. Recomendo.
Mais uma vez, agradeço a todos que leem e gostam da minha escrita e da minha forma de narrar. Leio todos os comentários, mas não consigo responder mensagens privadas porque é necessário um plano premium para isso.
Prometo tentar ser mais breve no próximo.
Um abraço a todos!