Rafael e Lucas
Desde que Rafael conheceu Lucas na noite anterior, algo ficou no ar.
A troca de olhares, as palavras ditas com duplo sentido, os sorrisos enviesados… Tudo era flerte. Mas não um flerte raso, de quem só queria passar o tempo. Era como se os dois estivessem dançando em torno de algo maior. Medindo o terreno. Testando os limites. Procurando rachaduras onde pudessem entrar — ou talvez, pontes para se encontrarem no meio do caminho.
Parecia claro que queriam a mesma coisa. A mesma intenção oculta nos olhares demorados. O mesmo desejo de tocar sem pressa, de provocar sem queimar antes da hora. Mas havia algo além da atração imediata: uma curiosidade mútua. Um querer saber mais. Entender os silêncios, decifrar os gestos, explorar camadas.
Não era só físico. Era faísca com base, desejo com raiz.
Rafael estava jogando. Lucas também. Cada um com suas armas afiadas — o sarcasmo, o charme contido, a postura segura.
E isso era mais do que suficiente pra ser o princípio de um incêndio.
O tipo que começa devagar... mas quando acende, consome tudo por dentro.
***
Na piscina, naquele domingo a noite, Rafael tinha ficado com Lucas e Bárbara, Elisa havia ido embora. Os três jogavam conversa fora na varanda, com música baixa vindo do celular e algumas cervejas abertas. Rafael observava Lucas com o canto dos olhos enquanto ele falava algo animado sobre uma série que estava assistindo.
— E aí, vai me contar o segredo? — Rafael perguntou, inclinando-se um pouco.
— Que segredo? — Lucas respondeu, rindo, olhando pra ele por cima da garrafa de cerveja.
— Como você consegue deixar tanto macho desconcertado. Primeiro o Francisco, agora eu. Tô quase pedindo aula particular.
Bárbara gargalhou.
— Cuidado, Lucas. O Rafael quando mira, acerta.
— E quem disse que eu tô tentando desviar? — Lucas respondeu, com um sorriso meio atrevido, meio tímido.
Rafael ficou em silêncio por dois segundos, encarando-o. Depois, levantou-se e estendeu a mão.
— Bora ali fora. Quero respirar um pouco. E conversar, sem plateia.
Lucas hesitou, mas pegou a mão.
Eles foram até o jardim, iluminado pelas luzes amarelas da casa e pelos grilos que cantavam como trilha sonora. Caminharam em silêncio por alguns metros até pararem ao lado do muro coberto de trepadeiras, onde o vento era mais fresco.
— Sabe — começou Rafael — eu percebi que você tem um escudo bem construído. Irônico, sagaz, sempre no controle.
— E isso é ruim?
— Não. Só acho que você deve esconder algo bonito atrás dele.
Lucas o encarou. O escudo baixou, só um pouco.
— Por que você tá interessado em mim, Rafael?
Rafael sorriu, sincero.
— Porque eu sou bom em reconhecer pessoas que fingem que não precisam de colo.
Lucas desviou o olhar. Respirou fundo.
— E você... seria o colo?
— Eu posso ser muita coisa — respondeu Rafael, dando um passo à frente, perto o suficiente pra Lucas sentir o cheiro amadeirado do perfume dele. — Mas não tô aqui pra competir com ninguém. Tô aqui pra te descobrir, se você deixar.
Lucas encarou aquele rosto confiante, o brilho nos olhos de Rafael que não precisava provar nada, só oferecer.
— Você é direto, né?
— Só quando quero algo de verdade.
Lucas sorriu, mordendo levemente o lábio inferior.
— E se eu te disser que não sou tão fácil assim?
Rafael se inclinou, até o rosto deles quase se tocar.
— Me fazer trabalhar por isso só vai deixar tudo mais interessante.
Foi um beijo quente. Intenso. Selvagem.
Como se todas as provocações anteriores fossem apenas a centelha para o incêndio que vinha agora. Lucas puxou Rafael pelo pescoço, colando os corpos, e Rafael retribuiu com uma das mãos na cintura dele, segurando firme, dominando o ritmo. Os dois se beijaram como se precisassem provar um para o outro quem mandava — e falharam gloriosamente, porque ali não havia vencedor, só uma entrega mútua e voraz.
Quando o ar faltou, os lábios se separaram com um estalo úmido e lento. Lucas ainda respirava com dificuldade, os olhos meio fechados, enquanto Rafael sorria, com a boca marcada e o ego inflado.
— Então... — disse Rafael, ainda com a voz rouca — você beija assim todo mundo ou eu sou um caso especial?
Lucas mordeu o lábio e inclinou a cabeça.
— Eu só beijo assim quem acha que vai me dominar.
— E eu achei?
— Achou. Mas tô considerando deixar você tentar. — Lucas se encostou na parede do jardim, como se ainda sentisse o gosto do beijo pulsando nos lábios.
— Você tem um gosto perigoso — Rafael comentou, olhando pra ele como quem analisa uma obra de arte.
— E você tem a mania de achar que vai ganhar fácil.
— Eu gosto de jogos difíceis.
— E eu gosto de gente que sabe brincar sem se apaixonar logo na primeira rodada.
Rafael se aproximou de novo, mas não beijou. Apenas sussurrou no ouvido dele:
— Tarde demais pra isso?
Lucas soltou uma risada curta e empurrou levemente o peito dele.
— Tenta não ser tão bom, então. Vai facilitar o meu lado.
— Não prometo nada — disse Rafael, encarando-o.
Eles continuaram se beijando. A respiração pesada, os corpos colados, as mãos agora mais ousadas. Lucas deslizou os dedos pelo abdômen de Rafael e sentiu os músculos se contraírem sob o toque. Rafael gemeu baixo contra os lábios dele, apertando sua cintura com desejo.
Foi Lucas quem interrompeu primeiro. Ofegante, com os lábios ainda vermelhos e úmidos.
— Se eu ficar mais um minuto aqui… a gente não vai parar.
— E qual o problema disso? — Rafael rebateu, com um sorriso malicioso e um claro volume se formando na sunga.
— O problema é que você já tá pensando com a parte errada do corpo — Lucas riu, enquanto dava um passo para trás, tentando retomar o controle da situação — e eu não sou assim tão fácil, Rafael.
— Eu nunca disse que era fácil. Mas você me parece deliciosamente complicado.
Lucas rolou os olhos, rindo, e apontou para o portão.
— Vai me acompanhar ou vai ficar aí tentando me convencer a transar no jardim?
— Eu só queria te dar um bom motivo pra voltar logo — respondeu Rafael, ajeitando discretamente o volume evidente no meio das pernas.
Lucas fingiu que não viu. Ou talvez só estivesse aproveitando a visão.
Rafael foi até o portão com ele e, antes que Lucas saísse, segurou sua mão por um instante.
— Eu tô realmente interessado, tá?
— Eu sei. É isso que me dá medo. — Lucas piscou e saiu, deixando Rafael parado na calçada, ainda excitado, com um sorriso frustrado e encantado ao mesmo tempo.
Ele olhou pra baixo, murmurando sozinho:
— Isso não vai terminar calmo.
Depois de toda a tensão disfarçada de brincadeira na piscina, Rafael não parecia disposto a desistir tão cedo. Com aquele brilho travesso nos olhos — típico de quem está tramando alguma ousadia —, ele procurou Bárbara e pediu o número de Lucas.
Ela riu antes de entregar o contato.
— Boa sorte, viu. O Lucas gosta do Samuel, mesmo que diga que não. Vai ser difícil arrancar mais do que um selinho dali.
Rafael sorriu, malicioso.
— Engraçado… eu também já senti o mesmo por ele. E já arranquei um beijo digno de novela — Olhou o celular e completou: — Agora eu e o Lucas temos algo em comum. E quer saber? Eu vou fisgar aquele gatinho.
***
Na manhã seguinte, Samuel recebeu uma mensagem ousada:
“Sei que sonhou comigo, mas não se preocupe, vou passar aí. Me espera na entrada da faculdade. Tô com fome. E não só de comida.”
Ele riu sozinho, imaginando como aquele encontro seria.
Rafael apareceu pouco antes do final da aula, desceu do carro com um moletom preto, óculos escuros e aquele jeito de quem achava que o mundo girava em torno do seu charme.
— Olha só, o meu boy magia já tá aqui — disse, colocando o braço ao redor dos ombros de lucas. — Bora comer?
Lucas cruzou os braços e lançou um sorriso debochado.
— Só pra avisar... eu como bem devagar. Você tem paciência?
Rafael, sem perder o ritmo, respondeu de imediato:
— Eu tenho tudo, menos pressa. E com você, até o apetite aumenta.
A tensão entre os dois crescia, pontuada por provocações afiadíssimas e olhares desafiadores.
O restaurante era aconchegante, com mesas de madeira escura e uma luz suave que deixava o ambiente mais íntimo do que casual. Rafael escolheu a mesa do canto, aquela com vista para a rua, mas também perfeita para longas trocas de olhares.
Lucas sentou de frente pra ele, cruzando as pernas com naturalidade, o rosto neutro, mas os olhos atentos — como se lesse todas as entrelinhas.
— Então — disse Rafael, folheando o cardápio como quem fingia distração — o que um cara tão… contido quanto você faz pra se divertir?
Lucas ergueu uma sobrancelha, desdobrando o guardanapo sobre as pernas.
— Eu trabalho, estudo, assisto uns filmes. Às vezes, deixo alguém achar que tá no controle da conversa.
Rafael riu, sem disfarçar.
— E você costuma deixar alguém no controle?
— Só quando me interessa — Lucas rebateu, bebendo um gole de água com calma. — Mas e você? Costuma atacar todos os amigos dos seus amigos?
— Só os que me tiram o sono — respondeu Rafael, olhando diretamente pra ele. — E você tem esse efeito estranho.
Lucas sorriu, aquele sorriso inclinado, que não se entrega fácil.
— Estranho?
— É. Você me ignora e me cutuca ao mesmo tempo. Isso... me intriga. — Rafael se inclinou sobre a mesa. — Você é tipo uma charada que eu quero resolver.
Lucas apoiou os cotovelos na mesa, aproximando o rosto.
— E se a resposta for “não tô interessado”?
— Aí eu aprendo a gostar de jogos mais longos — murmurou Rafael, com um brilho travesso no olhar.
Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos, o suficiente pra perceberem que a tensão tinha saído do campo da brincadeira. O garçom chegou com os pratos e quebrou o clima, mas os olhares continuaram em faíscas por cima da comida.
Lucas provou um pedaço da carne e disse casualmente:
— Você é bem mais insistente do que imaginei.
— E você é bem mais provocante do que parece — Rafael respondeu, ainda sem tocar no prato. — Tô começando a achar que gosta disso tanto quanto eu.
Lucas soltou uma risada baixa, encarando-o.
— Talvez. Mas se eu gostar, não vou te contar de primeira. Eu sou bom em fazer durar.
Rafael mordeu o lábio inferior, lutando pra conter o sorriso.
— Então talvez seja você o problema. Porque eu sou péssimo em esperar.
E os dois continuaram comendo, trocando farpas, palavras de duplo sentido e olhares carregados de uma promessa implícita: aquilo estava longe de terminar ali.
A sobremesa chegou — um petit gâteau quente com sorvete de baunilha derretendo nas bordas — e trouxe com ela o silêncio de quem sabe que a conversa estava prestes a mudar de tom.
Rafael mergulhou a colher na massa do bolo com calma, observando Lucas por cima dos cílios.
— Você sente algo pelo Samuel? — perguntou, direto.
Lucas ergueu o olhar devagar, mas não pareceu surpreso. Deixou a pergunta no ar por um segundo antes de responder.
— Tá me perguntando por curiosidade... ou a pedido do Francisco?
Rafael inclinou o corpo pra frente, com um sorriso enviesado.
— Se eu dissesse que foi o Francisco, você mentiria?
— Eu desconfiaria da tua intenção — Lucas respondeu, pegando um pedaço do sorvete. — Mas já que a pergunta é sua... não. Não sinto nada além de carinho pelo Samuel.
— Tem certeza disso?
Lucas deu um sorriso breve, mas honesto.
— Tive um sentimento bonito por ele. Uma noite quente, cheia de saudade e confusão... Mas ficou lá atrás. Hoje ele é meu amigo. Um dos bons. E eu sei separar as coisas.
Rafael levou a colher à boca, mastigando devagar, como se saboreasse mais do que a sobremesa.
— Então por que você vive cutucando o Francisco?
Lucas riu, se recostando na cadeira com os braços cruzados.
— Porque eu quero ter certeza de que ele não vai fugir de novo. Quero ver até onde ele vai por esse amor todo que diz sentir. Se ele é homem pra segurar o Samuel... ou se vai correr como fez da primeira vez.
Rafael meneou a cabeça devagar, admirado.
— Você é maluco.
— Eu sou metódico — Lucas corrigiu, sorrindo. — E sincero.
— E bonito pra caralho — Rafael completou, encarando-o com um olhar que dizia mais do que qualquer provocação.
Lucas pegou o guardanapo e limpou os cantos da boca, mantendo os olhos em Rafael.
— Se eu sou bonito pra caralho, o que você vai fazer com essa informação?
— Ainda tô decidindo — Rafael disse, se inclinando um pouco mais, o sorriso crescendo. — Mas posso garantir que não vai ficar só na sobremesa.
Os dois ficaram em silêncio, mas o tipo de silêncio carregado, onde até a respiração é um convite.
Rafael jogou a última colherada na boca, sem desviar os olhos de Lucas. Depois, limpou os lábios e disse num tom tranquilo:
— Te levo pra casa?
— Só se prometer que não vai tentar subir — Lucas respondeu, já se levantando com um sorriso matreiro.
— Prometo nada — Rafael rebateu, rindo. — Mas posso tentar me comportar… até a próxima vez.
E os dois saíram do restaurante, lado a lado.
Rafael estacionou o carro em frente ao prédio de Lucas, mas não destravou as portas de imediato. Em vez disso, virou-se devagar e puxou Lucas pela nuca, colando seus lábios em um beijo quente, intenso, carregado do sabor do chocolate que haviam dividido minutos antes na sobremesa.
Lucas retribuiu com firmeza, os lábios se encaixando com precisão, a respiração entrecortada como se o ar do carro fosse pouco para tanto desejo. No auge da provocação, Rafael guiou a mão de Lucas até o volume evidente por cima da calça. Lucas soltou um sorriso em meio ao beijo e apertou, firme, fazendo Rafael soltar um suspiro grave, quase um gemido contido.
Quando os dois se afastaram, o olhar ainda ardia.
— Você vai mesmo me deixar assim? — Rafael perguntou com uma voz baixa, rouca, cheia de malícia.
Lucas lambeu os lábios devagar, ainda sentindo o gosto dele, e respondeu:
— Vou. Mas… se você aparecer de surpresa qualquer outro dia, quem sabe eu deixe você ir além do beijo.
Rafael soltou uma risada curta, encantado com o desafio, e assentiu como quem acabara de aceitar uma aposta perigosa — e deliciosa.
Enquanto Lucas saía do carro, Rafael já sabia: o jogo estava lançado. E ele não tinha a menor intenção de perder.