Ela saiu de cima de mim devagar, como se ainda relutasse em se afastar. O corpo dela parecia hesitar, como se a pele ainda buscasse a minha. Voltou em silêncio para o banco do motorista. Lá, ajeitou a roupa com gestos contidos, sem pressa, sem esconder o cansaço bom do que tínhamos acabado de fazer. Mas não ligou o carro.
Ficou sentada ali, de lado, virada pra mim, me olhando.
Eu não conseguia sustentar o olhar. Meus olhos fugiam — primeiro pro vidro embaçado, depois pro teto do carro, pro reflexo apagado no retrovisor... pro nada. O silêncio entre nós era denso, quase tátil, como se o ar tivesse engrossado.
Até que, de novo, ela estendeu a mão e tocou meu rosto. A palma quente, suave, me forçando com delicadeza a encará-la.
Ficou ali. Apenas me olhando. Os dedos deslizando devagar sobre a minha pele, em carinhos que diziam mais do que qualquer palavra.
Os olhos dela ainda estavam marejados, mas agora havia algo a mais — um brilho sereno, quase satisfeito. Um fundo de felicidade contida, como se não tivéssemos acabado de atravessar uma linha proibida. Como se o certo e o errado não importassem mais— Ei, Carlinhos...
Antes que ela terminasse, eu interrompi, seco:
— Vanessa, já falei pra você não me chamar mais assim.
— Mas eu sempre te chamei assim...
— Era só você, Vanessa. Só você me chamava assim.
Pausei por alguns segundos. Olhei pro nada, depois encarei ela de novo.
— E agora ele também? Ele fala igual.
Fiquei em silêncio por um momento, sentindo a garganta apertar.
— Ele tá tirando tudo de mim. Primeiro você, e agora até isso. Até o que era só nosso. Até o jeito como você dizia meu nome.
Minha voz saiu mais baixa no fim, quase num sussurro:
— Ele tá levando tudo que eu mais amo.
Ela balançou a cabeça, a voz embargada:
— Não. Ele não tá tirando nada de você. Ele não tá me tirando de você. Isso não precisa terminar.
— Como assim?! — soltei, sem conseguir esconder a mistura de raiva e incredulidade.
— A gente pode continuar se encontrando... de vez em quando.
Eu pisquei devagar, sentindo o estômago revirar. A garganta apertou.
— Você não tá me propondo isso, né?
— Sim, qual o problema? Achei que você não quisesse me perder.
— Não quero, Vanessa. Isso é a última coisa que eu queria... — falei, tentando controlar o tom — mas eu não consigo acreditar que você me propôs isso.
— Eu não tô te entendendo, Carlos.
— Não tá me entendendo? — soltei, incrédulo. — Você me diz uma coisa daquelas... e agora finge que não entende?
— Não, eu realmente não entendo por que você ficou tão magoado. Tão nervoso. Só por causa disso.
— Vanessa... o que você sente por mim?
— Eu gosto muito de você. Eu amo você.
— Não, Vanessa. Você não me ama. Se me amasse, não teria me proposto aquilo.
— Eu não tô entendendo por que você tá assim.
— Tá sim. Você entende perfeitamente. E não, a gente não vai continuar se vendo. Muito menos às escondidas. Agora você é uma mulher comprometida de novo. E eu não posso... eu não consigo fazer isso.
Ela me encarou, os olhos apertando de leve, e disparou:
— Ah, comigo não pode. Mas com a Helena pode, né? Ela é casada também e você não tava nem aí. Por que comigo tem que ser diferente?
Respirei fundo, sentindo o peito pesar. Fiquei em silêncio por um instante antes de responder:
— Porque, Vanessa... ela não é a mulher que eu durmo pensando, que eu acordo pensando. Não é a mulher que eu sonho desde moleque.
Parei por um segundo, a garganta apertada.
— Ela não é a pessoa por quem eu sinto tudo isso. A pessoa que eu amo... é você. E se você me amasse de verdade, nunca teria me feito aquela proposta.
Ela respirou fundo, cruzando os braços, como se juntasse forças antes de continuar:
— E outra coisa, Carlos... você fala que eu não te amo, que você me ama... mas você nunca parou de ficar com outras mulheres?
— Porque você nunca me falou que isso te incomodava. Nunca prometeu exclusividade, nunca pediu que eu parasse. Se tivesse pedido, Vanessa, você sabe que eu teria largado tudo por você.
O rosto dela mudou de expressão, os olhos voltaram a marejar, brilhando com uma mistura de dor e esperança.
Ela ficou me encarando, imóvel, como se buscasse uma resposta na minha face.
— Por que você está falando desse jeito? — a voz dela saiu trêmula, quase um sussurro. — Você sabe que eu te amo.
Nesse instante, as lágrimas começaram a escorrer silenciosas pelas suas bochechas, um rastro quente que denunciava toda a sua vulnerabilidade.
— Você não tem noção do quanto eu amo você... — a voz dela quebrou no meio da frase. — Eu nunca te falei isso, mas sempre percebi o seu olhar naquela época. Aquilo mexia comigo... mas você era só um menino.
Ela suspirou fundo, um som pesado, como se o ar também carregasse dor. Os ombros subiram e desceram devagar, na tentativa de controlar o choro que já enchia seus olhos.
— Não é assim.
— Então me explica, Vanessa. — minha voz saiu baixa, mas firme. — Porque, do jeito que parece pra mim, é exatamente isso.
Ela respirou fundo, como se precisasse de força para falar.
— Eu não tive escolha, Carlos.
— Teve sim. Você só não me escolheu.
— Não, não foi por mim. — ela balançou a cabeça, lágrimas voltando a se acumular. — Se dependesse só de mim, eu ficava com você. Mas eu olhava pras meninas... — a voz dela falhou, e ela levou a mão ao peito, como se tentasse segurar a dor ali dentro. — Elas estavam desabando, Carlos. Não era só choro. Elas pararam de comer direito, estavam com problema na escola, tinham pesadelos quase toda noite. E o tempo todo pediam pelo pai, chamavam por ele... — ela respirou fundo, mas a voz saiu embargada. — Eu não aguentava mais ver elas sofrendo daquele jeito.
Fiquei em silêncio, sentindo o nó subir na garganta, mas ela continuou:
— E tem a Sônia também. Você sabe como ela pensa... você sabe que ela nunca ia aceitar a gente. Pra ela, Carlos, eu e você somos quase parentes. Porque, na cabeça dela, como eu cuidei de você quando era moleque, é como se eu fosse sua tia. E, além disso, você conhece o jeito dela... é antiga, conservadora. Pra ela, homem mais velho com mulher mais nova é normal. Mas mulher mais velha com homem mais novo... é errado. E ela não ia perdoar isso nunca.
Ela baixou os olhos, a voz ficando ainda mais baixa:
— E só de pensar em fazer alguma coisa que vá decepcionar aquela mulher... me dá um aperto no peito, uma sensação de que tô traindo quem me estendeu a mão a vida inteira.
— Eu também devo muito, muito à tia Sônia. Nunca a magoaria... mas, por você, eu estaria disposto.
Ela me olhou de lado, com os olhos cheios de lembranças, como se tivesse aberto uma porta que raramente permitia que alguém atravessasse.
— É diferente, Carlos. — A voz dela vacilou de leve, mas logo ganhou firmeza. — Ela é mais que uma irmã, é como uma mãe pra mim. Ela me criou. A gente quase não fala sobre isso, mas... o meu pai teve um caso com a mulher que me pariu. E quando eu nasci, ela me levou pro sítio e me deixou lá. — Vanessa respirou fundo, tentando controlar a tensão que tomava o rosto. — A dona Maria nem chegou perto, me rejeitou desde o começo. — Os lábios dela tremeram antes de continuar: — Mas, sabe? Eu nem culpo ela. Hoje eu entendo... ser traída dói, e imagina ter que criar a filha da amante?
Fiquei parado, apenas ouvindo, sentindo o peso de cada palavra dela como se caíssem sobre mim. Minhas mãos estavam inquietas sobre as pernas, mas eu não ousava interromper.
— Meu pai não parava em casa, então foi a Sônia que me criou. — Ela ergueu os olhos, e havia neles algo entre gratidão e orgulho. — Foi ela que me alimentou, que me deu amor. Quando casou com o seu tio e foi pra Capitão, me levou com ela. Porque sabia que, se eu ficasse aqui, a dona Maria não ia me aceitar, e meu irmão... — a voz embargou. — Meu irmão me trataria ainda pior.
Ela esfregou as mãos nos joelhos, como quem busca alguma firmeza no próprio corpo.
— Eu devo tudo àquela mulher. Jamais, nunca, nunca mesmo eu a decepcionaria.
Fiquei em silêncio por alguns segundos, tentando processar tudo aquilo. Uma parte de mim entendia, mas outra gritava que nada daquilo justificava o que eu estava sentindo.
— Então quer dizer que... por ela, por tudo que ela fez por você... você consegue abrir mão de mim? — minha voz saiu baixa, mas carregada de dor. — E por mim, Vanessa? Você não abriria mão de nada?
Ela respirou fundo, como se a pergunta tivesse lhe acertado no peito. Os olhos dela vacilaram, cheios de culpa, mas também de uma certeza que eu não queria enxergar.
— Carlos... — ela começou, mas não conseguiu terminar de imediato. Passou as mãos no cabelo, desviando o olhar como quem buscava força em outro lugar.
— Eu não consigo aceitar isso. — falei, e senti o nó na garganta apertar. — Uma parte de mim entende, mas não... não diminui nada do que eu tô sentindo agora.
Ela abaixou a cabeça, e as lágrimas caíram no colo dela — silenciosas, miúdas, como se até a dor tivesse aprendido a não fazer barulho.
Suspirei fundo, segurando o choro na garganta como quem segura um grito.
Ela chorava alto, os ombros sacudindo, a cabeça abaixada como se o peso da culpa não deixasse mais ela levantar.
Com cuidado — e quase medo —, ergui seu rosto com a mão.
Nossos olhos se encontraram.
Ali, naquele instante, minha mente era um redemoinho, um campo de batalha sem fim.
Confusão.
Amor.
Amargura.
Raiva de tudo que era impossível.
Desejo do que nunca deveria ter sido.
Gratidão pela mulher que me criou.
Medo de decepcioná-la.
Vergonha.
Carência.
Vontade de fugir.
Vontade de ficar.
Tudo ao mesmo tempo.
Tudo se chocando dentro de mim, como se minha alma tivesse se rasgado em partes que não sabiam mais onde pertencer.
Mas eu continuei ali, olhando pra ela.
Sentindo tudo.
E sem saber o que fazer com nada daquilo.
Cheguei bem perto dela, devagar, como se meu corpo soubesse que era a última vez.
Encostei meus lábios nos dela num selinho leve, quase tímido — mas não demorou muito até virar um beijo urgente, desesperado, cheio de tudo que a gente não conseguia dizer.
Era um beijo apaixonado, sim.
Mas sem prazer.
Só gosto de fim.
Salgado como suas lágrimas, que escorriam e se misturavam na nossa boca.
Salgado como a vida que a gente não podia ter.
Aquele beijo dizia tudo o que as palavras já não conseguiam.
Tudo o que doía demais pra ser dito.
Ainda colada em mim, ainda nos beijando, ela murmurou contra minha boca, com a voz trêmula:
— Eu te te...
Antes que ela terminasse, sussurrei de volta, com os olhos ardendo:
— Eu sei... Eu também...
Ela apertou meus braços, como se tentasse segurar o momento.
— Muito... muito...
E foi aí que eu senti meu peito se partir em silêncio.
Eu, com os olhos marejados, e ela ainda soluçando, ficamos ali, com as bocas coladas, respirando o mesmo ar quente e trêmulo. A respiração dela vinha forte, entrecortada, até que aos poucos os soluços foram cessando. Ela pegou minha mão com força, como se quisesse segurar aquele momento por mais um segundo. Ficamos assim: olhos nos olhos, sem dizer nada. O silêncio, denso, dizia tudo.
Depois, devagar, ela se ajeitou no banco, enxugou o rosto com a manga da blusa, virou a chave e o motor do carro gemeu, cortando o peso que pairava entre nós. Seguimos até o sítio. No caminho, ela ainda chorava em silêncio.
Quando chegamos na porteira do sítio, ela me lançou um último olhar. Era mais do que saudade. Era mais do que culpa. Tinha um cansaço naquele olhar, uma despedida silenciosa, um “me perdoa” e um “não posso” misturados. Eu senti. Senti tudo.
Vanessa suspirou fundo e entrou com o carro. Parou perto da varanda, colocou a mão no meu braço, apertou devagar, como quem tenta me segurar só mais um segundo. Não disse nada. Abriu a porta e saiu.
Quando abriu o porta-malas, o pessoal já vinha ajudar a descarregar. Paulo veio na nossa direção, sorrindo.
— Demorou, hein, amor.
Ela respondeu sem encarar.
— Não tinha tudo na vila… tivemos que ir na cidade vizinha.
Minha tia chegou perto, olhou direto pros olhos dela — vermelhos, inchados — e depois pros meus, iguais.
— Aconteceu alguma coisa? Por que você tava chorando, Vanessa?
Na hora, eu congelei. O estômago travou, o ar sumiu.
Mas ela foi mais rápida.
— A gente tava falando do passado... acabei entrando na minha história de antes. A senhora sabe como eu fico quando falo disso.
Tia Sônia se aproximou, deu um abraço apertado nela, um beijo na testa e sussurrou com carinho:
— Deixa isso pra lá, meu amor. Passado é passado. A vida anda pra frente. E eu te amo, viu?
Outro beijo na testa, agora mais demorado, e um abraço ainda mais forte.
Doía. Ainda doía. Eu não aceitava. Ainda não aceitava.
Mas naquele momento eu entendi… entendi por que a Vanessa não queria decepcionar minha tia Sônia. Entendi tudo. O peso, a prisão, a promessa.
Vanessa chorou mais um pouco, num soluço contido, e tentou disfarçar, limpando os olhos com as costas da mão.
Olhou pra mim e forçou um sorriso.
— Ai… eu lembrando do meu passado… fiz até o Carlos chorar. Olha isso.
Paulo riu baixo, puxou ela pela cintura, deu um beijo na boca e disse:
— Passado é passado, né? Agora é vida nova, meu amor.
Aquela frase me rasgou.
Ele não sabia. Ele não fazia ideia do que o passado significava ali. Ele não tinha o direito de dizer aquilo.
Ou tinha.
Mas ouvir “vida nova” da boca dele, com os braços em volta dela, me fez sentir como se ele tivesse enterrado o que houve — como se não valesse nada. Como se eu não tivesse valido nada.
Engoli seco e comecei a ajudar com as sacolas. As vozes ao redor viraram ruído.
Foi quando olhei pra cima da varanda. E vi.
Karina.
Encostada no batente da porta, os braços cruzados, observando em silêncio.
Primeiro, olhou pra Vanessa. O olhar era duro, crítico. Não de raiva, mas de quem não concorda. De quem pergunta com os olhos:
“É isso mesmo que você vai fazer?”
Mas também havia compreensão. Ela entendia. Talvez até demais.
E então ela olhou pra mim.
E naquele olhar tinha tudo.
Cumplicidade — o silêncio que diz: “Eu sei o que você sente.”
Um entendimento sem palavras, que atravessa o peito.
Era o olhar de quem conhece a sua dor, não porque foi dita, mas porque foi sentida junto.
Ela me via. Me entendia.
E só isso já bastava…
Depois que descarregamos tudo, ainda ajudei a levar algumas sacolas até a cozinha. Cumprimentei minha tia, troquei algumas palavras com o Paulo, fingi uma naturalidade que não existia. Por dentro, era só entulho emocional, empilhado de qualquer jeito — instável, prestes a desabar.
Quando ninguém mais precisou de mim, atravessei o longo corredor e entrei no quarto. Me joguei na cama de costas, sem tirar os tênis. A respiração curta, pesada, como se eu tivesse corrido uma maratona por dentro. Não chorei. Mas o peso no peito era um bloco de concreto prensando tudo.
Minutos depois, ouvi passos leves se aproximando. A porta rangeu devagar. Karina entrou sem bater, como quem sabe que é bem-vinda — ou como quem sente que não é hora de pedir licença.
Sentou-se ao meu lado em silêncio, deixando o colchão ceder levemente. Ficou quieta por um instante, até soltar, num tom que já dizia tudo:
— Pelo jeito vocês conversaram, né?
— Sim — respondi, sem encará-la.
— Terminaram?
Assenti devagar, quase num sussurro.
Ela encostou a mão no meu braço.
O gesto era simples, mas dizia tudo.
Cúmplice. Silencioso. Quente.
Não precisava de palavras.
Karina sabia. Sabia da minha dor, do meu amor, do peso que eu carregava.
E naquele toque... ela tava comigo.
— Sabe, Carlos... às vezes, a gente se machuca tentando proteger quem ama.
E eu acho que é isso que a Vanessa tá fazendo.
Não porque deixou de sentir... mas porque achou que precisava.
Mas eu tô aqui, vendo o que isso tá fazendo com você.
E, sinceramente? Você não merecia passar por essa dor.
Você só amou.
E eu tô com você, tá? Do seu lado. Sempre.
Levantei da cama sem responder. Comecei a mexer na mochila, dobrando a blusa com mais força do que o necessário, como se dobrar algo do lado de fora ajudasse a organizar o que estava por dentro.
— Onde você vai? Vai embora pra capital?
— Não. Vou pra casa da Andressa.
Karina arregalou os olhos por um segundo, surpresa. Mas não questionou. Só murmurou:
— Sério? Eu sei que você tá sofrendo, mas... meu pai e minha mãe vão ficar chateados se você sair assim, sem passar o ano-novo com a gente.
Fechei o zíper da mochila devagar, encarando o chão.
— Karina, eu não posso ficar aqui vendo os dois passarem o ano-novo juntos. Eu não posso.
— Tá bom... pelo menos avisa eles, tá? Vou lá chamar.
Ela respirou fundo, se levantou e saiu do quarto. Em menos de um minuto, voltou com meus tios. Os dois entraram com semblantes preocupados, como quem já sentia a resposta antes mesmo de ouvir.
— Tio, tia... a Andressa me chamou pra passar o ano-novo com ela. Eu sei que a gente tem essa tradição de passar juntos, mas... queria saber se vocês iam ficar chateados se eu fosse.
Meu tio respondeu primeiro, direto e firme:
— Claro que não, filho. Vai tranquilo. A gente entende.
Minha tia hesitou. Olhou pra mim com os olhos levemente marejados, como se não quisesse me deixar ir, mas soubesse que não adiantaria segurar.
— Ah, meu filho... sério que não pode ir depois do dia 31? No dia primeiro seu tio te leva lá.
Karina, percebendo que se eu ficasse ali acabaria me destruindo mais do que já estava, olhou para a mãe e disse:
— Deixa ele ir, mãezinha. Você viu como eles estavam próximos aquele dia... — falou piscando, insinuando que eu e Andressa estávamos tentando alguma coisa.
Como eu queria muito sair dali, não desmenti. Só dei uma risadinha meio sem graça. Meu tio entrou em cena:
— Mulher, deixa o garoto ir — falou, dando uma piscada para minha tia.
— Tá bom, meu filho... pode ir. Mas cuidado, viu?
Assenti com a cabeça. Eles saíram devagar, deixando a porta entreaberta.
Fiquei ali por um momento, em pé no quarto silencioso, respirando o ar abafado, carregado de lembranças. Depois finalizei a mochila e sentei na beira da cama.
O ano não tinha acabado, mas a minha virada já tinha começado ali.
Sentado na beira da cama, o colchão afundando levemente sob o meu peso, eu olhava o chão do quarto ainda meio bagunçado, com a luz amarelada da tarde entrando pelas frestas da cortina. O ventilador girava devagar no teto, espalhando um vento quente que passava pela pele como se o tempo também estivesse cansado. Peguei o celular com os dedos trêmulos, respirei fundo e disquei.
— Alô? — disse Andressa, do outro lado, com a voz suave e curiosa.
— Oi... é o Carlos.
— Oi, Carlos! Tudo bem?
— Tudo sim... e você?
— Estou bem — ela respondeu com um tom acolhedor, como se estivesse sorrindo.
Houve um breve silêncio. Meu coração batia alto demais.
— Lembra que a gente conversou sobre eu passar o Ano Novo aí?
— Lembro sim! Você vai vir?
— Sim... se você ainda me quiser aí.
— É claro que quero! Eu e meu pai íamos para a cidade mais tarde, mas se você disser que já está vindo, a gente muda os planos agora mesmo.
— Eu já tô indo. A Karina vai me levar... não dá mais pra mim aqui.
Andressa demorou meio segundo, talvez percebendo algo na minha voz.
— Entendo... — disse apenas, com doçura. — Vou avisar meu pai. Já, já a gente sai. Fica esperando lá na praça, tá? No máximo uns trinta minutos, a gente chega.
— Tá bom. Valeu.
— Até mais, Carlos.
O sol ainda não tinha se escondido atrás dos morros quando entramos na cidade. Era fim de tarde, e mesmo sendo um lugar pequeno, as ruas estavam cheias — gente saindo dos mercados com sacolas, crianças correndo pelas calçadas, carros indo e vindo como formigas em desespero. Era 30 de dezembro, e tudo parecia girar num ritmo apressado de quem tenta organizar a vida antes da virada do ano.
Karina diminuiu a velocidade ao passar pelo centro. As lojas ainda abertas brilhavam com luzes de Natal, e o som de uma música sertaneja escapava de um bar na esquina. Havia cheiro de carne assando em alguma churrasqueira, misturado com o perfume doce de panetone vindo de uma padaria.
No banco do passageiro, eu observava tudo calado. A movimentação lá fora contrastava com o peso que apertava meu peito por dentro.
Quando ela virou na rua da praça, a agitação começou a se dispersar. As pessoas estavam mais espalhadas, algumas sentadas nos bancos, outras só atravessando apressadas com as últimas compras do dia. O sino da igreja bateu, seis horas.
Karina estacionou devagar perto da pracinha. Olhou pra mim antes de desligar o carro.
— Vai dar certo — disse, com uma voz que tentava ser firme, mas carregava o mesmo receio que eu sentia.
Assenti. O coração batia forte, mas as mãos estavam frias.
— Obrigado por tudo — murmurei.
Ela sorriu de leve, colocou a mão sobre a minha por um instante e depois saiu. Ficou me olhando da calçada, como se não soubesse se ia embora ou esperar. Mas então respirou fundo, voltou pro carro e foi. Vi ela sumir na esquina enquanto a praça parecia crescer ao meu redor.
Fiquei ali, parado. O barulho da cidade ainda rondava ao longe — buzinas, vozes, o som abafado de um pagode — mas naquele pedaço específico tudo estava mais calmo. Sentei num banco e esperei. O céu já começava a escurecer devagar, tingido de laranja e azul.
De repente, um carro surgiu virando a esquina, os faróis cortando a luz tênue do fim de tarde e vindo direto na minha direção. Era o carro do pai da Andressa. Ela desceu apressada, os olhos brilhando enquanto vasculhava a praça até me encontrar.
— Oi — disse ela, com um sorriso aberto, tranquilo, aquele tipo de sorriso que só um amigo de verdade sabe dar.
— Oi.
O abraço veio firme, sincero, envolvente. O calor do corpo dela espalhou uma calma inesperada, como se o peso que eu carregava tivesse sido dissolvido por aquele gesto simples. Fiquei ali, um instante, segurando aquele abraço, deixando a amizade que ela oferecia me ancorar.
Fomos até o carro. Quando chegamos, entramos juntos — o pai dela me cumprimentou com um aperto de mão firme, um gesto respeitoso, e retribuí com um sorriso contido e educado.
— Desculpa a demora, tá? É que a gente resolveu passar no mercadinho e no depósito antes.
— Não, que isso! Imagina, não demorou nada.
No caminho, ela e o pai conversavam animadamente na frente, enquanto eu seguia no banco de trás, calado, observando pela janela as luzes que passavam depressa e o céu que escurecia. Só falava quando o pai dela me dirigia alguma pergunta direta. Apesar da conversa deles, havia algo reconfortante naquele silêncio meu: pela primeira vez em horas, minha cabeça começava a se acalmar, afastando-se da dor de ter que encarar a Vanessa ali, naquele mesmo lugar, ao lado dele — uma presença que queimava como um fogo lento e constante dentro de mim.
Quando enfim chegamos ao sítio, a noite já tinha caído por completo. De longe, a casa simples se destacava pela iluminação suave que escapava pelas frestas da varanda, como se estivesse nos esperando. Antes mesmo de descermos do carro, vi duas mulheres sentadas na varanda: a mãe da Andressa e a avó dela.
Ainda um pouco tímido, desci devagar do carro. A mãe dela se levantou e veio me cumprimentar com gentileza, dizendo para eu me sentir à vontade. Apertei a mão dela e retribuí o sorriso. A avó também me cumprimentou com um olhar doce, e logo depois, Andressa me pegou pela mão. A pele dela estava quente, o toque leve e firme ao mesmo tempo, como se dissesse “vem, tá tudo bem agora”. E eu fui.
Ela me puxou com naturalidade para dentro da casa.
— Não repara, viu? A casa é simples — disse ela, com um sorriso quase envergonhado.
— Imagina… — respondi. Mas nem terminei a frase. A verdade é que, ali, depois de tudo, não havia lugar no mundo que parecesse mais certo.
Seguimos até o quarto dela. Já estava tudo preparado. Um colchão inflável no chão e a cama de solteiro arrumada com capricho. Aquela simplicidade me envolveu como um cobertor quente depois de um dia gelado. O cheiro da casa — de comida caseira, madeira e lavanda — misturado à presença dela, me deu a sensação de estar começando, finalmente, a respirar de novo.
Coloquei minhas coisas lá em cima da cama. Depois, saímos para a sala. Ficamos ali um tempo, assistindo TV com a avó dela, enquanto o pai e a mãe dela terminavam de preparar a comida. O clima era leve, cheio de sorrisos e conversas descontraídas.
Mas dentro de mim, um silêncio sufocante. Depois do jantar, saímos pelo fundo da casa, para o pomar afastado, onde uma fogueira pequena queimava entre tocos de madeira. A luz laranja tremeluzia no ar frio da noite, lançando sombras longas sobre as folhas e a terra úmida.
Sentamos perto do fogo, e o peso daquilo tudo apertava meu peito como uma mão invisível, que me roubava o ar. O rosto dela refletia a chama, sereno, mas com uma atenção que me cortava.
— Eu não entendo — comecei, a voz baixa e embargada — por que ela voltou pra ele. Depois de tudo que a gente viveu, de tudo que parecia... real.
Ela ficou em silêncio, só me observando.
— Eu sei que ela tinha motivos — continuei — as filhas, a família, a minha tia... eu até entendo. Mas mesmo assim, dói. Dói demais. Porque eu teria enfrentado qualquer coisa por ela.
Minha garganta apertou, e a respiração ficou difícil. As lágrimas ameaçavam cair, mas eu as prendi.
— Eu saí daquele lugar pensando que tinha perdido tudo... E talvez tenha mesmo.
O fogo crepitava entre os galhos secos enquanto a brisa leve fazia o cheiro da fumaça se misturar ao do mato ao redor.
— E eu... eu errei — minha voz falhou —, eu não devia ter deixado acontecer aquela última vez. Tinha prometido pra mim mesmo que não ia mais. Mas a saudade, a solidão... me fizeram ceder.
Ela apertou minha mão, e eu senti o calor do toque, uma âncora no meio da tempestade.
— Eu não posso desfazer o que fiz, e isso me corrói. Não sei se ela ainda sente algo por mim, ou se era só um momento. Mas eu me sinto sujo, traindo o que eu queria ser.
Eu fechei os olhos, o peso da culpa esmagando meu peito.
— Eu queria tanto que tudo fosse diferente... mas agora só sobra arrependimento e essa dor que não me larga.
O fogo dançava em frente a nós, lançando sombras irregulares que pareciam acompanhar cada respiração minha, pesada e trêmula. Eu mal conseguia segurar as palavras dentro da garganta, que se apertava como se tivesse um nó invisível.
De repente, o que segurava por tanto tempo rompeu. As lágrimas escorreram, quentes e descontroladas, molhando meu rosto. A dor que eu carregava, toda junta, explodiu — a traição, o arrependimento, a solidão, o medo de nunca mais conseguir ser feliz.
Ela ficou ali, em silêncio, perto de mim, sem pressa, sem julgamento. Só segurou minha mão com firmeza e deixou que eu fosse. Eu chorei como há muito não chorava, cada soluço trazendo um pouco do peso embora.
— Eu não sei se vou conseguir... — minha voz falhou, quase um sussurro entre as lágrimas —... se vou conseguir superar tudo isso. Parece que quebrei em mil pedaços.
Ela apertou minha mão, deu um leve toque no meu ombro.
— Você não está sozinho — falou baixo, com uma calma que parecia segurar o mundo —. A dor é real, e vai doer um tempo. Mas ela também pode ser o começo de algo novo. De você se reencontrar.
— Mas e se eu nunca mais conseguir? — desabei, sentindo a angústia me engolir.
— Você vai conseguir — respondeu, sem dúvida —. Porque você tem coragem. Você já enfrentou tanto, e mesmo assim está aqui, vulnerável, buscando se curar. Isso é força. Não fraqueza.
Ela sorriu, um sorriso doce, e enxugou com o polegar uma lágrima que ainda insistia em escorrer.
— Deixa a tristeza vir, deixa o choro sair — ela continuou —. Porque só assim você vai conseguir abrir espaço para a esperança. E eu vou estar aqui, do seu lado.
O fogo crepitou, e o calor dele misturou-se ao conforto inesperado da presença dela. Pela primeira vez em muito tempo, a dor parecia menos pesada, como se pudesse, aos poucos, ser dividida. Ficamos ali por um tempo, o fogo e o silêncio preenchendo o espaço entre nós. Aos poucos, minha respiração foi se acalmando, e com ela, a confusão que dominava minha mente começou a se organizar, ainda que dolorosamente.
— Nunca pensei que abrir meu peito desse jeito fosse tão difícil — confessei, a voz ainda trêmula.
Ela sorriu, com um olhar que misturava compreensão e ternura.
— É porque até agora você só carregava tudo sozinho — disse —. E ninguém aguenta tudo isso só pra si. O que você está sentindo não é fraqueza, é ser humano.
— Eu só queria que as coisas tivessem sido diferentes — murmurei —. Que eu tivesse sido suficiente para ela ficar. Que não tivesse sido deixado pra trás.
— Eu sei — ela respondeu, com um suspiro quase inaudível —. Mas às vezes a gente ama e ainda assim não é suficiente. Isso dói demais, eu sei.
— Por isso dói tanto — admiti —. Porque eu me permiti amar demais, e no fim, me sinto vazio.
Ela se aproximou um pouco mais, segurou meu rosto com as duas mãos, os olhos firmes nos meus.
— Você não está vazio — disse com convicção —. Está aberto para sentir, para aprender, para se curar. Isso é muito mais do que muitos conseguem. E quando o tempo certo chegar, você vai se permitir amar de novo. Do jeito certo.
Um calor novo me invadiu. Era leve, mas firme, uma promessa silenciosa de que aquela noite marcava não um fim, mas um começo.
Meus olhos ainda brilhavam com as últimas lágrimas, mas havia ali, entre o fogo e o olhar dela, um sopro de esperança que eu não sentia há muito.
Depois daquela conversa, quando nos demos conta, já era quase meia-noite. Voltamos para casa em silêncio tranquilo, cada um imerso em pensamentos diferentes, mas com a sensação de algo mais leve entre nós. Ela foi para o banheiro e voltou usando um pijama simples, de algodão macio. Quando saiu, encontrou-me já deitado no colchão inflável no chão do quarto.
— Você devia dormir na cama, eu fico no colchão — ela insistiu, cruzando os braços.
— Tá tudo bem aqui — respondi com um meio sorriso.
Ela bufou baixinho, mas não insistiu. Apagamos a luz. A noite seguiu serena. Conversamos mais um pouco no escuro, as vozes baixas, como se não quiséssemos acordar nada do que tínhamos deixado para trás naquela madrugada. Aos poucos, o silêncio se estendeu entre nós — e adormecemos.
Acordei com o cheiro inconfundível de café fresco vindo da cozinha, quente, forte, quase acolhedor. A mãe dela veio me chamar com um sorriso discreto e voz gentil. Levantamos ainda meio sonolentos. Tomamos banho, e em seguida fomos para a cozinha tomar o café da manhã.
O dia correu com um ritmo bom. Ajudei o pai dela com os preparativos do churrasco, entre fumaça, carvão e conversa fiada. Ela, por sua vez, ficava mais perto da mãe, picando coisas, mexendo panelas, rindo de alguma lembrança qualquer.
O tempo passou rápido — o calor do dia, as conversas simples, o cheiro da carne assando, a cerveja gelada, o som ambiente vindo do rádio antigo da varanda. Quando me dei conta, já era fim de tarde.
À noite, veio o ano novo. Não havia fogos barulhentos nem grandes festas. Só nós cinco, naquela casa modesta, naquela cidade onde eu era um estranho. E ainda assim, ali, ao lado da Andressa, que eu conhecia há menos de uma semana, algo em mim sossegava. Era como se o corpo encontrasse, enfim, um lugar para repousar por dentro.
Aquela virada de ano, silenciosa e despretensiosa, acabou sendo uma das melhores da minha vida.
Fiquei ali por mais dois dias. No terceiro, fomos às cachoeiras e depois fizemos um passeio a cavalo, atravessando trilhas de terra vermelha e mato alto. Todas as noites, nós cinco nos reuníamos ao redor da mesa da varanda para jogar jogos de tabuleiro, rir, conversar, provocar uns aos outros. Eu e a avó dela sempre fazíamos dupla — e comemorávamos cada vitória como se fosse final de campeonato. Quando a gente ganhava, vibrávamos como crianças.
Foram dias que pareceram suspensos no tempo. Era como se aquele sítio fosse um universo paralelo, isolado do resto do mundo. Na minha cabeça, não existia Vanessa, não existia São Paulo, não existia o antes nem o depois. Só havia o agora — e eu me deixei levar, inteiro, por ele.
No terceiro dia do novo ano, bem cedo, acordei com a luz filtrando pelas frestas da janela. Tomei banho devagar, sentindo a água morna escorrer pelos ombros, como se quisesse prolongar cada segundo. No café da manhã, o cheiro de café coado e pão torrado preenchia a cozinha pequena, aquecida pelo riso leve da mãe dela e o silêncio cúmplice de dona Antônia, a avó da Andressa.
Na hora da despedida, Antônia me abraçou apertado — um abraço inteiro, firme, daqueles que falam mais do que palavras.
— Não vai não, meu fi... — ela murmurou, a voz embargada.
— Tenho que ir, dona Antônia. — respondi, tentando sorrir.
— Tá... mas volta, tá?
— Volto sim. Da próxima vez que eu vier aqui, eu venho ver vocês. Prometo.
Aquele “prometo” saiu baixo, mas pesado. Me despedi das duas com um último olhar, como quem tenta guardar o cheiro, o calor, o som da casa.
Andressa e o pai dela me levaram até a vila. No caminho, meu coração já começava a apertar. Era como se eu estivesse sendo arrancado de um lugar onde, por breves dias, tinha conseguido respirar.
Voltar significava encarar tudo aquilo que me corroía por dentro. E eu não queria. Não ainda.
No caminho para a cidade, dentro do carro, uma música sertaneja universitária tocava baixinho, quase como um pano de fundo melancólico. Nós três íamos em silêncio. Cada metro que nos afastava do sítio parecia pesar mais dentro do peito, como se aquela leveza que eu tinha sentido nos últimos dias começasse, pouco a pouco, a se dissolver no retrovisor.
A cidade apareceu devagar pela janela, como quem não quer interromper. Paramos na praça principal, e dentro do carro permanecemos por alguns minutos, sem pressa. Esperávamos meu tio chegar.
Andressa foi a primeira a quebrar o silêncio.
— Me manda mensagem quando chegar, tá?
— Pode deixar. Eu aviso sim. — respondi, com um aceno curto.
— E... daqui uns dias eu já volto pra capital. Já vou voltar a trabalhar. — disse, olhando pela janela.
— Eu ainda fico mais uns dias. Mas depois também devo ir. A gente pode se encontrar por lá, quem sabe fazer alguma coisa, comer alguma coisa... — falei, tentando manter o tom casual.
— Seria bom — ela disse, sem emoção forçada, apenas sincera. — Mas me avisa antes, pra eu ver meus horários lá.
Assenti, e por um instante nos calamos de novo. Não havia muito o que dizer — mas também não era desconforto. Era só... fim de ciclo.
O pai dela apenas observava, mãos firmes no volante, como se respeitasse aquele momento sem interferir.
Pouco depois, vimos o carro do meu tio dobrar a esquina devagar. Ele estacionou do outro lado da praça, e acenou pela janela.
— Acho que é minha deixa. — falei, soltando o cinto.
— Vai com Deus. E se cuida, viu? — ela disse, sem sorrir, mas com um olhar firme, acolhedor.
— Pode deixar. Obrigado por tudo.
Desci do carro, peguei minha mochila no porta-malas, e caminhei até o carro do meu tio. Ele nem desligou o motor.
— E aí? Como foi lá? — perguntou, enquanto eu jogava a mochila no banco de trás.
Fechei a porta e respirei fundo antes de responder.
— Foi bom. Foi... gostoso, sabe? Diferente. Um pouco de paz.
Meu tio apenas assentiu, engatando a marcha.
A cidade já começava a sumir pelo vidro traseiro. E a leveza também.
Conforme o carro se aproximava do sítio da família da minha tia, era como se cada metro rodado aumentasse o peso sobre meu peito. Eu afundava no banco, imóvel, sentindo o corpo rejeitar o destino que se aproximava. Quando vi a porteira, respirei fundo, tentando disfarçar o incômodo, e desci para abri-la. O caminho do carro até ali pareceu durar uma eternidade. Cada passo no cascalho seco me dizia que eu devia era ter ficado no sossego da casa da Andressa.
Abri a porteira num gesto automático. Meu tio passou devagar com o carro, e logo estacionamos na frente da varanda. Minha tia já nos esperava, de braços abertos.
— Oi, meu filho... tudo bem? — disse, me puxando para um abraço forte, desses que apertam o peito e amolecem as pernas.
— Tudo sim, tia.
— Como foi lá?
— Foi bom.
— Achei que você não ia querer voltar mais — comentou, sorrindo com um canto da boca.
Retribuí o sorriso, mas não disse nada. Entrei em silêncio e fui direto para o quarto. Quando empurrei a porta, vi Karina ainda deitada, encolhida no canto da cama, enrolada no lençol. Sentei devagar do lado dela.
— Oi, tonto... Achei que ia morar lá com a Andressa. Minha mãe tava quase tendo um troço aqui — disse, me olhando com os olhos semicerrados.
Soltei uma risada leve.
— Ela falou que achou que eu não ia voltar mais.
— Mas e aí? Parece que você tá até mais leve.
— Foi muito bom, sabe? Ficar um pouco longe dessa loucura toda. A família dela me acolheu de um jeito que eu não esperava.
— Eles são simples, mas muito acolhedores. Eu gosto muito de ir lá... Dona Antônia é uma fofa.
Abri um sorriso meio bobo, lembrando.
— Eu e ela se juntávamos pra roubar nos jogos e ganhar dos outros...
— Ai, meu Deus... Só a dona Antônia mesmo — riu Karina, se espreguiçando.
Ficamos um tempo em silêncio. A porta do quarto estava aberta, e eu olhava para o terreiro lá fora, onde o sol já começava a esquentar a terra vermelha. Karina virou o rosto pra mim e disse, com um tom mais baixo:
— Pode ficar tranquilo. Ela já foi.
— Vanessa?
— Sim. Eu e minha mãe ficamos muito putas. Ela tinha dito que ia ficar até o último dia, que íamos embora juntos. Aí ontem... ele começou a falar um monte pra ela, e foram embora. Eu sabia que aquela bondade dele ia durar pouco.
Não respondi. Apenas abaixei a cabeça. E era isso — um sentimento estranho me atravessava. Não era bem raiva, nem alívio. Tinha uma ponta de dó, talvez... mas misturada com aquela sensação amarga de quem já sabia como tudo ia terminar. Ela voltou pro marido, mesmo depois de tudo. Mesmo sabendo quem ele era.
Ficamos ali deitados, conversando mais um pouco, até o celular dela vibrar com uma notificação. Ela pegou, leu a mensagem e depois me cutucou:
— Tonto... Uns amigos me chamaram pra ir na cachoeira. Vamos?
— Ah, sei lá... não tô muito afim não.
— Ah, para! Você ficou esses dias todos longe de mim, agora vai ficar aí fazendo doce?
— Tá, tá bom...
— Vai, se arruma lá que eles já estão passando aqui.
Levantamos. Cada um foi pro seu canto se trocar. Quase onze da manhã, uma caminhonete barulhenta parou na frente do sítio, lotada de gente sorridente. Eu e Karina subimos na parte de trás, na caçamba. O sol já queimava forte, a poeira subia e o vento quente batia no rosto enquanto seguimos estrada afora.
O pessoal ria, cantava, jogava conversa fora. Algumas latinhas de cerveja passavam de mão em mão. O som alto do carro misturava-se com o barulho dos pneus no cascalho.
Quando chegamos à cachoeira, todos desceram animados, seguindo pela trilha estreita cercada de mata fechada. O som da água caindo já se misturava às vozes e risadas, ficando mais forte a cada passo. Logo chegamos a uma das quedas que eu ainda não conhecia — a maior de todas. A cortina de água despencava com força, formando um poço largo de um verde profundo.
O pessoal se espalhou rápido: uns mergulharam sem pensar duas vezes, outros ficaram preparando algo para comer na beira das pedras, enquanto alguns já bebiam e brincavam dentro d’água. O clima era leve, ensolarado, quase hipnótico.
Por volta de duas e meia da tarde, senti Karina se aproximar. Ela me chamou num tom baixo, quase cúmplice, e segurou minha mão.
— Vamos ali comigo.
— Onde você quer ir, tonta?
— Quero te mostrar uma coisa.
— Você tá aprontando, né?
— Para de ser bobo... vem logo.
Karina me puxou pela mão, um sorriso de desafio nos lábios, e seguimos por entre as pedras até um recanto escondido, protegido pela sombra das árvores e pelo som estrondoso da água caindo.
Encostei minhas costas na pedra fria, sentindo a aspereza da superfície contra a pele molhada, enquanto ela se aproximava lentamente, os olhos brilhando com desejo.
— Você tá com segundas intenções, né, sua safada? — provoquei, sentindo meu coração acelerar.
— Talvez… — ela respondeu, mordendo o lábio inferior.
Sem avisar, seus lábios encontraram os meus num beijo intenso e molhado, a língua dela invadindo minha boca com urgência. Suas mãos subiram pela minha nuca, puxando meus cabelos enquanto seus quadris pressionavam contra o meu pau. O tecido molhado não impedia o calor do contato, e a fricção entre nós era eletrizante.
Desci as mãos pelas costas dela, sentindo cada curva, cada músculo tenso sob a pele quente. Quando minhas mãos alcançaram a cintura dela, a delicadeza deu lugar à vontade. Suas costas arqueavam para meu toque, seu corpo respondia sem reservas.
A mão dela deslizou por baixo da camiseta fina que eu usava, tocando minha pele e passando pela barriga antes de subir até o peito. Senti seus dedos explorarem cada centímetro, apertando e acariciando com firmeza. Ela suspirou contra minha boca, o som rouco aumentando ainda mais minha excitação.
— Tava com saudade disso... — sussurrou no meu ouvido, o hálito quente fazendo a pele arrepiar.
A língua dela deslizou pelo meu pescoço, misturando o quente ao frio das gotas finas que caíam da cachoeira. A mão dela encontrou o elástico do meu short, entrando com firmeza e segurando meu pau por cima do tecido molhado da cueca. Começou a massagear lentamente, explorando cada reação que provocava.
— Tira! — pediu abaixando o meu short, com voz baixa e carregada de desejo.
Ela se ajoelhou na minha frente, com calma abaixou minha cueca, expondo meu pau duro e pulsante. As mãos dela, quentes e firmes, exploraram cada detalhe antes de a língua começar seu caminho lento da base até a glande, provocando arrepios por todo o meu corpo.
A boca dela envolvia meu pau com uma suavidade e intensidade que me deixavam sem fôlego. Ela alternava chupadas profundas com movimentos de língua delicados, seus olhos fixos nos meus, cheios de malícia e carinho. Minhas mãos seguravam os cabelos dela, guiando-a levemente, enquanto o prazer ia crescendo dentro de mim, devagar, irresistível.
Ela diminuía o ritmo quando sentia que eu estava perto, prolongando o momento para aumentar a tensão. Depois acelerava, sugando com força, fazendo meu corpo inteiro se contrair. A respiração estava pesada, o coração acelerado, e eu me perdia naquela boca quente e úmida.
— Continua assim... — murmurei, quase sem voz.
Quando finalmente não pude mais segurar, meu corpo explodiu em prazer, e gozei com força na boca dela. Karina engoliu devagar, lambendo os cantos dos lábios antes de se levantar, o olhar vitorioso e sedutor.
— Agora você pode voltar, tá mais leve — disse, me dando uma piscadinha e ajeitando meu short com naturalidade.
Mas eu não queria parar. A proximidade dela, a urgência do momento, tudo me incendiava por dentro. Puxei-a de volta para um beijo voraz, aprofundando o contato enquanto minhas mãos deslizavam para suas costas, apertando e explorando com desejo.
Desci para a cintura dela, sentindo a maciez da pele sob a blusa molhada. Ela arqueou o corpo para mim, e eu virei e a pressionei contra a pedra, sentindo a firmeza dos seus seios contra o meu peito.
Minhas mãos encontraram a barra da saia dela, levantando-a lentamente enquanto deslizo os dedos pelas coxas, explorando cada curva com uma mistura de fome e ternura. Ela gemeu contra minha boca, o som rouco e carregado de promessa.
Quando finalmente toquei sua pele, senti o calor dela em contraste com o ar fresco da cachoeira. Deslizei uma mão pela parte interna da coxa, subindo lentamente até alcançar a umidade que já se espalhava entre as pernas dela.
Karina suspirou fundo, inclinando a cabeça para trás enquanto minhas mãos exploravam seu corpo, provocando arrepios e tremores. Seus dedos se enroscaram nos meus cabelos, puxando-me para mais um beijo intenso e desesperado.
Com cuidado, ajoelhei-me entre suas pernas e afastei o biquíni de lado. O calor que escapava dela me envolveu de imediato, a fenda quente se abrindo para mim, o desejo estampado em cada suspiro. Minha língua encontrou a umidade macia da sua pele, explorando-a devagar, centímetro por centímetro, sentindo cada tremor e cada respiração acelerada responder ao meu toque.
O cheiro dela misturado à umidade da cachoeira criava uma sensação única, quase intoxicante. Karina arqueou o corpo para mim, prendendo a respiração enquanto eu aumentava o ritmo, alternando entre lambidas suaves e sucções firmes.
O corpo de Karina tremia sob meus lábios, cada músculo tensionado como uma corda prestes a se romper. Sua respiração vinha rápida e irregular, misturada aos gemidos que escapavam quentes, mesmo com o rugido da cachoeira tentando abafar tudo. O sabor da água se misturava ao gosto inconfundível do seu corpo, e cada reação dela parecia incendiar ainda mais o meu próprio desejo.
As mãos dela afundaram no meu cabelo, firmes, quase possessivas, guiando meus movimentos como se quisesse me prender ali para sempre. Seu quadril começou a se mover contra minha boca, num ritmo involuntário, urgente, buscando mais. O calor que emanava dela contrastava com o frescor úmido ao redor, criando um choque que me deixava arrepiado da cabeça aos pés.
Quando percebi que seus gemidos se tornavam mais curtos, quase soluços, mantive meu ritmo e a pressão exata, sentindo seu corpo inteiro endurecer por um instante. Então aconteceu — o prazer atravessou Karina como uma onda intensa, fazendo-a arquear as costas e soltar um gemido longo, rouco, que reverberou contra minha pele. Suas pernas me apertaram com força, prendendo-me ali enquanto ela se desfazia, tremendo, o corpo cedendo pouco a pouco à exaustão deliciosa.
Continuei acariciando suavemente, deixando-a saborear cada segundo do próprio prazer, até sentir que ela relaxava, o peito subindo e descendo mais devagar. Então subi lentamente, deixando beijos pelo seu ventre, subindo pelo seu peito, até finalmente encontrar seus lábios. Ela me recebeu com um beijo urgente, profundo, molhado, que misturava gratidão, desejo e cumplicidade, como se quisesse me devolver tudo que tinha acabado de sentir.
— Quero você — sussurrei contra a boca dela.
Ela sorriu, mordendo o lábio e afastando-se apenas o suficiente para que eu pudesse ajudá-la a tirar a saia e a calcinha molhada, deixando-a completamente exposta para mim.
Fiquei encarando seu corpo perfeito, iluminado pela luz filtrada das pedras e das árvores. Seus olhos brilhavam com vontade e entrega.
Com delicadeza, beijei o pescoço, desci pelo peito e segurei um dos seios entre as mãos, sentindo o calor e a maciez. Karina arqueou o corpo para o meu toque, gemendo baixinho.
Ela estava encostada nas pedras, firme, sentindo o frio da superfície contra as costas, enquanto suas mãos se apoiavam em meus ombros para se manter estável. Alinhei meu corpo ao dela com cuidado e comecei a penetrá-la lentamente, sentindo cada reação, cada pequeno movimento dela me envolvendo.
O calor do nosso contato invadia tudo, como um fogo que queimava por dentro, enquanto nossos corpos se ajustavam em perfeita sintonia. Meu ritmo era devagar, quase como um sussurro, deixando que cada toque, cada suspiro e cada gemido fossem sentidos em sua plenitude.
Ela puxava o ar entre dentes, apertando meus ombros, enquanto eu sentia o corpo dela responder, tenso e ao mesmo tempo entregue, numa mistura intensa de desejo e entrega.
À medida que o movimento ganhava força, eu acompanhava sua respiração, buscando um ritmo que nos levasse juntos, como um só corpo, para aquele clímax esperado.
Karina se moveu contra mim, abraçando meu corpo com força, seus dedos cavando na minha pele. Cada estocada era uma mistura de doçura e urgência, uma dança silenciosa onde só existíamos nós dois.
Quando o ritmo aumentou, as sensações se tornaram quase avassaladoras. O cheiro dela, o gosto da água misturado ao suor, o som das nossas respirações e gemidos se fundiam em uma sinfonia de prazer.
O calor se acumulava, os músculos se tensionavam, e eu sentia a iminência do meu próprio clímax se aproximando.
— Vai, tonto... — ela sussurrou, puxando-me para um beijo desesperado.
Com um último impulso, me entreguei ao prazer, sentindo o corpo explodir em ondas de sensação. Ela se apertou contra mim, os corpos tremendo em conjunto.
Depois, ficamos ali, ofegantes, abraçados, enquanto o som da cachoeira envolvia nossos corpos, como um testemunho silencioso daquele momento de entrega total.
Percebi que ela não tinha gozado. Então tirei o pau dela, a ponta melada de porra escorria pelas suas pernas, quente e pegajosa contra a pele. Comecei a esfregar a cabeça do pau lentamente no clitóris dela, sentindo a pele delicada, úmida e sensível sob a minha mão. Cada toque provocava um arrepio que se espalhava pelo corpo dela, a respiração dela ficou mais curta, o peito subindo e descendo com força, e um tremor sutil percorria suas coxas.
Ela arqueou o corpo, ofegante, os dedos cavando no meu braço, arranhando a minha pele com uma mistura de urgência e prazer. Eu aumentava a pressão e o ritmo, sentindo cada contração dela ficando mais intensa, como se a energia estivesse prestes a explodir.
Quando ela finalmente chegou ao ápice, um gemido rouco e profundo escapou da garganta dela, o corpo inteiro se arqueando contra mim, as unhas cravando com força no meu braço e nas minhas costas.
Foi um orgasmo explosivo, quase selvagem, que parecia queimar tudo ao redor, deixando um rastro de fogo e calor entre nós. A intensidade daquele momento foi tão forte que me fez arrepiar da cabeça aos pés.
Ficamos ali, ofegantes, colados um no outro, enquanto o som da cachoeira parecia cantar a nossa entrega completa.
"Se você curtiu a leitura, não esquece de deixar suas estrelinhas! Elas me motivam a continuar escrevendo e trazer novos contos cada vez mais quentes pra vocês."