ADRIANO 1
No fone de ouvido está tocando “Só por uma noite” do Charlie Brown Jr. eu gosto de ouvir música quando ando de ônibus, quem nunca ficou na janela fingindo está em seu próprio videoclipe né? A ideia era ouvir uma triste, por ter mais haver com meu momento. Bem, não vamos nos precipitar, deixa eu te explicar o que aconteceu.
20 minutos antes…
— Boa noite, desculpe o atraso, tive que cruzar a cidade de ônibus, o Uber cancelou umas mil vezes sem exageros!
— Tudo bem Adriano, acabei de chegar também, não se preocupe — diz o homem gentil e bonito sentado na minha frente.
Doutor Mário é um homem com uma excelente forma física em seus quarenta anos, cabelos grisalhos sempre bem penteados, óculos de armação simples, porém muito elegantes e dono de uma barba cheia e robusta que me faz revirar os olhos sempre que sinto ela no meu cangote. Sua camisa social modelando seus músculos é um charme a parte, nem sei como foi que esse Deus grego da medicina me deu moral, mas estamos saindo a seis meses então alguma coisa certa eu fiz.
— Então, estou muito feliz, pensei que não ia conseguir te ver hoje — normalmente nós saímos no meio da semana, no fim de semana ele não gosta de sair de casa, e não ele não é casado, Mario é simplesmente perfeito! Enfim, quando ele me convidou para jantar em pleno sábado à noite, pensei que nossa relação está dando um novo passo rumo a algo mais sério e sólido, não sei por que, foi só o que passou pela minha cabeça, mas não poderia estar mais enganado.
— Pois é, precisamos conversar.
— Claro! — Ele vai me pedir em namoro, toma essa Caio, você disse que isso não iria acontecer, chupa essa agora!
— Bem, eu adorei lhe conhecer e esse tempo que ficamos juntos foram muito bons — espera, ele usou o verbo no passado?
Eu vesti a melhor roupa que eu tenho — que é uma calça jeans nova que mal usei, uma camisa polo branca e até consegui fazer meus cachos ficarem certinhos sem assanhar nos três ônibus que peguei para está aqui e ele vai me dar um fora? Como assim? Tá ele é lindo e enorme do jeito que eu amo, mas não sou tão feio assim né? Tipo tenho um metro e cinquenta e quatro, um corpo magrinho e sou branco, até um pouco rosa admito, mas não é esse o estereótipo que homens mais velhos amam?
— Acho que não entendi — me esforço para me manter fino e cometido.
— Adriano, você é incrível, me fez me sentir jovem de novo, mas sabíamos que nossa aventura chegaria ao fim em algum momento e temo que você esteja se apegando demais e não posso lhe corresponder dessa forma — é o que? Agora estou começando a ficar puto, esse canalha tá me chamando de emocionado! — Mas saiba que guardo com muito carinho o que vivemos nesses seis meses.
Nesse momento um garçom deixa um buquê de “cem mil” rosas na minha frente em cima da mesa. Tipo que porra é essa, quem te faz cruzar a cidade para levar um fora em um restaurante caro para cacete e ainda te dá um puta buquer de rosas vermelhas, tipo quem dá rosas vermelhas em alguem que se está chutando? Estou tão confuso que nem sei o que fazer agora.
— Tá, espera, você me fez vir até aqui para terminar comigo?
— Não pensei nisso como um término, e sim como um fim de um ciclo! — Ele tá me zuando só pode, levei um fora com papo de linkedin, onde que isso pode ser sério meu Deus?
— Obrigado? — É tudo que consigo dizer agora — Melhor eu ir então.
— Espera, vamos jantar, você já veio até aqui — seu sorriso é inacreditavelmente irritante, quero pegar esse buquê e atacar esse médico de merda feito um louco nesse lugar chique.
Aqui eu gostaria de dizer que joguei meu copo com água na cara dele e o ataquei com o buquê lhe dando várias “buquesadas” nas fuças, mas essa não é esse tipo de história, não me leve a mal eu sou empoderado, mas convenhamos, estou bem longe de casa, enquanto sou um operador de telemarketing e confeiteiro nas horas vagas, ele é um médico e estamos na zona dele, o que me faz pensar que não sou a primeira vítima sentado nessa cadeira.
Pensando nisso, fiz o que qualquer um no meu lugar faria.
…Agora no bar com meus dois melhores amigos…
— O que você fez? — Caio me pergunta apressado para saber a fofoca por inteiro.
— Deixa ele falar cara! — Fala Luan com rispidez, porém também interessado na minha resposta.
— Eu simplesmente pedi o prato mais caro do cardápio — falo me enchendo de orgulho de mim mesmo.
— Sério! Essa foi sua vingança — Caio está incrédulo e diferente de mim, um pouco decepcionado.
— Ele não é barraqueiro que nem você, Caio! — Luan me defende — Mas Adriano, por que você trouxe o buquê?
— Por que ele é trouxa, por que mais seria — Caio cai na gargalhada e Luan até tenta manter a pose, mas sei que está rindo de mim também, e posso culpá-los por isso? Peguei três ônibus com esse trombolho até chegar aqui.
Nessa vida eu tenho dois amigos que são minha família, Caio e o Luan, só tem um detalhe, eles se odeiam, tipo coma água e óleo, céu e inferno e todas as formas de comparar com coisas completamente opostas, já tentei fazer eles se tornarem amigos, ou pelo menos admitirem que eles gostam um do outro, até porque estamos sempre juntos, mas não adianta, Caio acha que o Luan é um troglodita mal amado enquanto Luan diz que meu outro amigo é depravado e completamente sem noção. A única coisa em que eles concordam na vida é que gostam muito de mim, por isso somos amigos, bom pelo menos eu sou amigo deles.
Caio é um pouco mais alto que eu, mas nem deve bater um e setenta direito, também é branquelo e magro, tem cabelos grandes e bem lisos que ele cuida muito bem e os olhos mais castanhos que já vi na vida. Ele mora com a mãe e está se jogando no mundo Drag, sua Drag Queen é a Carmen SanFortal, uma referência a Carmen Sandiego só que com um trocadilho da cidade. Caio ama colocar perucas ruivas e abusar na maquiagem pesada e nas roupas chamativas também em tons vermelhos.
Já o Luan é seu oposto em tudo basicamente, começando que o Luan sim é alto, ele mede mais de um metro e oitenta, é preto retinto e muito forte, o cara sempre pareceu um armário de tão grande, tem o cabelo curtinho quase careca, mas apesar de parecer um cara intimidador, ele é o cara mais doce e gentil que já conheci — menos com Caio é claro — Luan é o homem da casa, seu pai morreu muito jovem e ele vive só com a mãe, mais uma coisa que ele tem em comum com Caio, ele trabalha em um banco como um atendente lá, ele já explicou várias vezes, mas nunca entendi muito bem o que ele realmente faz lá, o maior e talvez único problema que ele tem, ou defeito se quiser chamar assim é que Luan é cento e dez por cento hetero, tipo muito hetero mesmo, sou o único amigo gay dele, daí você tira. Enfim e sua mãe que é duzentos mil por centro crente, por conta disso meu melhor amigo hetero é banhado em culpa cristã.
— Amigo só você que tem esse sangue de barata, eu teria dado um escândalo nesse restaurante, a esse doutor ia conhecer a Carmen SanFortal.
— Olha só, você conseguiu pensar em um homem que nunca te comeu, que surpresa! — Luan provoca.
— Eu sei que é seu sonho meter essa varinha que você tem aí em mim, mas não vai rolar, porque não pego macho escroto.
— Só nos teus sonhos que tu vai provar do preto aqui! Viadinho.
— Passou do ponto Luan — temos um acordo, eles podem se ofender o quanto quiserem, porém existem algumas pequenas restrições e sou o mediador, foi difícil, porém só depois que a lei foi instaurada foi que eu consegui está no mesmo ambiente que os dois ao mesmo tempo.
— Desculpa — Luan pede de mau humor.
— Estou acostumado com a homofobia desse crente falsificado e facista!
— Caio!
— Tá bom, desculpa, hetero!
— Tá desculpado viado!
— Luan? — Hoje eles estão inspirados.
— Tá bom, gay!
— Melhor — digo enquanto passo a mão no meu rosto — gente podemos invocar uma trégua só por hoje, acabei de terminar com o homem da minha vida.
— Até parece madrinha, a senhora sabia muito bem que esse bofé não era sério.
— Eu sei que você gostava dele, mas mesmo depois de seis meses ele nunca te levou para casa dele, isso é muito parecido com o que meu chefe faz com as raparigas dele — completou Luan.
— Será que eu devo fazer vocês brigarem de novo já que não vão me consolar?
— Desculpa amigo — Luan me abraça — Stella traz mais um copo por favor e outra rodada.
— Gente não sei se quero beber não — estou chateado até para isso.
— Ai não é madrinha, vai beber sim até esquecer esse merda do seu ex — Caio me serve assim que Stella coloca outra cerveja na mesa junto ao meu copo.
— Obrigado Stella! — Luan agradece todo sem jeito.
Stella é uma ruiva muito gostosa que trabalha aqui no nosso point favorito, ela é linda e muito simpática e tem um lance muito estranho com Luan, eles trepam a um tempão, mas toda vez que isso acontece meu amigo tem uma crise por conta da culpa cristã enraizada no ser dele e então eles ficam sem se falar por um tempo, até virmos beber de novo aqui e rolar o que acabou de acontecer, ele olha para ela, ela sorrir e temos certeza que ele vai com ela pra casa hoje, ah e provavelmente vai está bêbado.
— Eu pensei que ele me pediria em namoro, quem sabe até me chamaria para morar com ele e assim não teria que procurar outra pessoa lá para casa — a uns quatro meses eu herdei a casa da minha vó, a casa é perfeita, grande com três quartos e embora tenha uma arquitetura antiga ela foi construída pelo meu avô e com materiais de primeira, é um baita casa, tem garagem e quintal, enfim é uma casa grande. Minha mãe queria que eu vendesse a casa, só que a minha avó deixou a casa para mim justo por não querer que ela saísse da família, então não posso fazer isso.
— Você tem que ver o lado bom madrinha, aquela garota do seu trabalho era uma chata — ele está falando da Marina uma colega de trabalho que estava morando comigo para me ajudar com as contas, só que ela resolveu se juntar com o namorado e me deixou na mão, agora se eu não arrumar outra pessoa para dividir vou ter que vender meus rins na internet para conseguir arcar com as contas da minha casa enorme.
— Caio — meu amigo me corta antes que eu possa terminar a frase.
— Nem começa madrinha, você sabe que não vou deixar a casa da mamãe tão cedo, ser drag queen de qualidade requer dinheiro e ainda não estou trabalhando.
— Deve ser por isso que sua drag é tão feita, tá explicado — Luan não deixa a oportunidade passar.
— Ninguém pediu sua opinião pastorzinho!
— Mesmo assim você devia desistir, está só gastando o dinheiro da sua mãe com essa brincadeira.
— Ser Drag é mais do que uma brincadeira, mas não espero que alguém que tem que pedir a deus para trepar possa entender, talvez se você batesse punheta se sentir culpado conseguiria superar esse bloqueio cristão.
— Gente por favor — me coloco entre os dois para evitar que se pegue na porrada! — Luan.
— Desculpa amigo, mas também não posso, você sabe como minha mãe é, só posso sair de casa se for casado.
— Que conservador!
— Melhor do que ser uma pessoa perdida como você, Caio!
— O que eu vou fazer então? — Não quero decepcionar minha vozinha, mas não faço ideia de como vou manter minha casa sozinho, o que eu ganho mal está dando para pagar minhas contas, minhas outras contas no caso.
— Amigo vai dar certo.
— É madrinha o brutamontes tem razão, qualquer coisa a gente te ajuda — Luan faz que sim com a cabeça, fico aliviado por saber que posso contar com eles, mas não quero ter que chegar nesse ponto, ambos os meus amigos tem suas preocupações, não quero que eles fiquem ainda mais preocupados comigo, até porque eles já fazem tanto por mim, cada um à sua maneira.
— Relaxa mano!
— É madrinha, vamos relaxar e beber até esquecer nosso nome e o fora que você levou.
— Tá que se dane, vamos beber então — resistir não vai me ajudar então me jogo na ideia deles de tomar todas até esquecer o fora e também minha preocupação com as contas de casa, afinal não vai ser agora em um bar que vou conseguir resolver essa questão da casa.
Na manhã seguinte…
Onde estou? Ah é em casa, espera como foi que eu cheguei em casa? A luz do sol entrando pela janela me diz que já está de manhã, entrado na minha cama vejo o teto girar, ainda devo está bêbado de ontem, nossa não devia ter aceitado essa maluquice de beber tanto, eu preciso trabalhar, entro duas da tarde hoje. Depois de fazer uma rápida procura pelo quarto encontro meu celular que está descarregado — que ótimo! — Coloco ele no carregador para pegar um pouco de carga. Pelo menos descobri que ainda é cedo, meu medo é que eu já teria que sair para trabalhar, do jeito que estou aqui não é uma boa ideia, preciso de café e banho.
Meu quarto é o principal da casa e tem um banheiro, é o único suite. Depois de tomar meu banho minha segunda pendência agora é tomar café, só que quando eu chego na cozinha quase caio para trás. Tem um homem moreno, com o cabelo curto penteado para trás, ele tem olhos verdes claros — não sei por que notei isso, mas notei — seu corpo é de tirar o fôlego, ele é magro, porém muito, mais muito gostoso e dá para ver tudo já que ele está usando apenas uma bermuda folgada, que por sinal evidencia seu membro que deve ser enorme, pois mole ele já dá uma bela silhueta no tecido, enfim, porque tem um homem que eu nunca vi semi nu na minha cozinha.
— Bom dia Adriano, pensei que você não ia acordar agora, eu fiz café.
— Obrigado — me aproximo cauteloso e me sirvo com um pouco de café, pensando bem pode ter algo que ele tenha colocado, mas preciso tanto de café que teria de correr esse risco.
— Só queria te agradecer, porra mano você me salvou — ele me agradece por algo que não faço ideia do que foi, não tem nada no meu corpo que indique que eu tenha transado com ele, ainda bem eu acho.
— Tranquilo…cara — fico um pouco pensando no seu nome, mas nada me vem à mente.
— Agora eu preciso mesmo dormir um pouco, tenho que trabalhar amanhã, mas depois quero conversar com você para acertarmos os detalhes certinho, eu sei que você disse que não preciso me incomodar, mas faço questão, já que você me ofereceu um espaço não quero me aproveitar disso — quanto mais o estranho fala mais meu coração acelera, o que foi que eu fiz?
Volto para o meu quarto praticamente as presas, pego o celular e ligo pros meus amigos no grupo que temos, preciso saber porque tem um homem muito gostoso na minha casa me agradecendo por algo que não faço ideia do que seja, o primeiro a atender é o Caio, ele nunca sente ressaca e não importa o quanto a gente beba ele parece sóbrio todas as vezes, é incrível a resistencia dele.
— Bom dia madrinha, o que foi?
— O que eu fiz ontem? — Vou direto ao ponto.
— E mana tantas coisas, vai te que ser mais especifica.
— Oi gente — a voz rouca do Luan entra na chamada — vocês sabem como foi que eu vim parar na casa da Stella?
— Vocês são inacreditaveis, não sei pra que inventam de beber — Caio diz nos zuando.
— Isso é serio minha mãe vai me matar.
— Ai Luan, superar! — Caio diz sem paciência — você está careca de saber que quando encontra com a Stella não consegue segurar seu pauzinho nas calças, ai toda vez sou obrigado a ouvir você falar o quanto se arrepende por ter sido fraco.
— Não precisa ficar ouvindo Caio!
— E eu tenho escolha? Bom saber.
— Vocês dois querem parar por favor, tem um cara semi nu na minha casa me agradecendo por algo que eu fiz, o que foi que eu fiz gente?
— Ué você convidou o Ykaro para morar com você — disso o Luan lembra.
— Madrinha você não lembra, a Stella nos apresentou ele ontem, ela disse que ele era o novo barman e que estava procurando um lugar para morar, aí você o convidou.
— E ele aceitou assim?
— Não, mas eu lembro que você insistiu bastante — Luan tem uma memória muito seletiva pro meu gosto.
— Espera gente, eu convidei um estranho para morar comigo, por que me deixaram fazer isso? — Não consigo acreditar nisso.
— Madrinha não surta, a Stella já conhecia o bofé e foi ela quem o ajudou a arrumar esse emprego, fora que senti uma energia muito boa vindo dele.
— Ele é legal mesmo, conversamos muito ontem.
— Engraçado as coisas que você lembra né Luan.
— Desculpa Adriano, mas realmente você disse que estava bem quando chamou ele o que a gente ia pensar, fora que você insistiu muito, falou sobre perder a casa da sua avó e tudo.
— Verdade, tinha esquecido dessa parte, foi logo depois de você dançar em cima da cadeira — Caio lança assim como se não fosse nada, para o meu bem vou fingir que foi uma piada.
— O que você vai fazer? — Luan pergunta.
— O que vocês acham?
— Olha madrinha o bofé me parece do bem e realmente precisa de um lugar, você precisa de uma pessoa para dividir e fora que ele tem ótimas recomendações, afinal foi a peguete do Luan quem recomendou.
— Ela não é minha peguete, mas sim acredito que não custa nada você dar uma chance pro Ykaro.
— Muito bem então, valeu gente — digo pensativo e encerrou a chamada.
Agora que ouvi o nome dele começo a me lembrar de mais coisas de ontem, foi ele quem me trouxe para casa, Ykaro, meu novo colega de quarto, ainda não consigo acreditar que fiquei tão bêbado que convidei um desconhecido para morar comigo, mas já diz o ditado, está no inferno então abraça o capeta e Stella tem pontos comigo, ela sempre nos atende quando vamos beber no Vitrola, fora que o Luan e o Caio são ótimos julgando caráter, se eles gostaram desse cara é porque alguma coisa de bom ele tem, só espero não está enganado e que ele e eu possamos ser amigos…”Não sabia naquele momento, mas o Ykaro acabou se tornando meu melhor amigo, graças a um fora que levei!”