O Escolhido de Eldoria ☆ Capítulo 9

Um conto erótico de Tiago e Lucas
Categoria: Homossexual
Contém 1608 palavras
Data: 28/08/2025 02:14:21

✧ A Cicatriz do Vínculo ✧

(Tiago)

O momento em que meus pés tocaram a rocha sólida do outro lado do desfiladeiro foi como emergir de um afogamento. O ar encheu meus pulmões em uma golfada dolorosa, cada inspiração um alívio agridoce, pois o perigo iminente ainda pairava. Por um instante, o mundo inteiro se resumiu à sensação reconfortante da terra que não se movia, que não balançava sob meu peso. A vertigem, antes um vórtice cruel, parecia recuar, um fantasma a ser dissipado. Mas a segurança foi um luxo efêmero. Assim que pisei em terra firme, a mão de Lucas me soltou do braço como se eu estivesse em brasa. Fui empurrado para longe com uma força que me fez cambalear, a lama seca e a poeira se levantando em uma nuvem fina. Tropecei novamente, caindo de joelhos na beira poeirenta do penhasco, a gravidade uma vez mais me lembrando da minha insignificância. A vertigem ainda girava em minha cabeça, um eco dissonante daquele momento de pânico, mas foi o silêncio gelado que emanava de Lucas que realmente me aterrorizou.

(Lucas)

Assim que o puxei para fora daquela armadilha mortal, a represa da minha paciência, já fragilizada, rompeu-se de forma catastrófica. Toda a frustração acumulada, um caldo amargo de eventos adversos, explodiu de mim com a força de um vulcão. Os goblins, com sua agilidade traiçoeira; o mapa inútil, que nos “guiou” para a beira do abismo; o fedor intrusivo de peixe que ainda pairava sobre nós, uma lembrança olfativa da minha própria falha; e agora, essa demonstração patética de fraqueza, a paralisia diante do abismo. Tudo isso se misturou em um coquetel tóxico de desprezo. Eu o empurrei para o chão, não com a intenção de ferir seu corpo, mas de afastar a proximidade, de me livrar do contato com a covardia que ele exalava. “Medo de altura?”, cuspi as palavras, cada sílaba carregada com o desprezo que me consumia. “É isso que o Escolhido é? Um garoto assustado que não consegue nem colocar um pé na frente do outro? Malakor deve estar tremendo de medo. Talvez você possa fazer chover anchovas na cabeça dele. Quem sabe ele não escorrega e quebra o pescoço?” Minha voz ecoou pelo cânion, um grito de fúria e desilusão.

(Tiago)

As palavras de Lucas não foram lâminas afiadas, mas martelos contundentes, esmagando o pouco que restava da minha dignidade. Cada insulto era uma verdade terrível que eu já sussurrava para mim mesmo no escuro da minha própria alma: “Covarde”. “Inútil”. “Piada”. A humilhação era tão avassaladora, tão completa, que não havia mais espaço para raiva ou medo. Havia apenas uma dor oca e profunda, um vazio crescente no peito. A visão do desfiladeiro, antes nítida, ficou turva, embaçada pelas lágrimas que começaram a subir. Um calor úmido subiu pelo meu rosto, uma ignição lenta e inevitável. Tentei segurar, engolir o soluço que ameaçava rasgar minha garganta, mas ele escapou, um som rasgado e patético no silêncio opressor que se instalou entre nós. As lágrimas vieram em seguida, quentes e incontroláveis, escorrendo pela poeira e pela sujeira em minhas bochechas, traçando caminhos limpos em meio à desolação.

(Lucas)

Eu o vi encolher-se, o corpo dobrando-se sob o peso das minhas palavras cruéis. Esperava uma réplica, uma explosão de magia estúpida, qualquer manifestação de sua suposta “escolha”. Mas ele apenas começou a chorar. Eram lágrimas diferentes das minhas. Não eram soluços silenciosos de autocomiseração; eram soluços profundos e devastadores, o som de algo se partindo por dentro, de uma estrutura interna cedendo. Através do Vínculo, a dor dele me atingiu com uma força inesperada, não como a maré pegajosa e difusa de antes, mas como um caco de vidro penetrando fundo no meu peito. Era um sofrimento tão puro e absoluto que, por um momento, me sufocou, roubando-me o ar. Minha raiva, que antes era uma fornalha incandescente, vacilou, a chama diminuindo sob a torrente daquele desespero cru e desprotegido.

(Tiago)

Meu choro, inicialmente silenciado, transformou-se em palavras, saindo de mim em uma torrente descontrolada, desabafando a angústia que me sufocava. “Você acha que eu pedi por isso?”, gritei para ele, a voz embargada pelos soluços, mas repentinamente carregada de uma fúria que eu não sabia que possuía. “Você acha que eu pedi para ser o Escolhido? Para ter essa… essa coisa caótica dentro de mim que faz chover peixes quando eu deveria lançar fogo? Uma semana atrás eu era um aprendiz de mago! Eu era feliz! Agora estou perdido, fedendo a peixe podre, sendo caçado por monstros e sendo arrastado por um carrasco que me olha como se eu fosse um verme!” Meu peito ardia, cada palavra arrancando um pedaço da minha alma e jogando-o aos pés dele, exposta e vulnerável.

(Lucas)

As palavras dele me atingiram com a força de um soco no estômago, roubando-me o fôlego. “Carrasco”. A palavra ecoou na minha mente, um réptil frio rastejando em meu âmago. Eu olhei para ele, uma nova perspectiva se desdobrando diante dos meus olhos. Não vi mais o Escolhido, o fardo inútil que me fora imposto. Vi o jovem ajoelhado na poeira, o rosto manchado de lágrimas e lama, uma imagem de pura desolação. Um aprendiz de mago. Ele não era um guerreiro treinado desde o berço, como eu. Não tinha passado a vida se preparando para a batalha, para o confronto, para a dor. Ele era apenas um garoto, arrancado de sua vida pacata e jogado em um pesadelo sem sentido, com um fardo que ele não entendia e um poder que ele não controlava, um poder que se manifestava de formas caóticas e desastrosas. E eu… eu não estava sendo seu protetor, seu guia. Eu estava sendo seu algoz, sua maior fonte de tormento. A percepção da profundidade da minha crueldade desabou sobre mim com um peso avassalador, esmagando-me com a força de uma montanha.

(Tiago)

Meu longo desabafo me deixou vazio, exausto, esgotado de toda a energia. Fiquei ali, de joelhos, esperando outro grito de raiva, outro empurrão, outra humilhação. Mas Lucas permaneceu em silêncio, sua fúria anterior substituída por algo que eu não consegui identificar através do nosso Vínculo. Era confuso, quieto, carregado de uma intensidade diferente. Foi nesse silêncio que eu o notei de verdade. Ele não estava apenas tenso de raiva; havia uma rigidez em sua postura que denunciava dor. Ele segurava o braço esquerdo junto ao corpo com a mão direita, e agora que a adrenalina da luta e da minha explosão havia baixado, vi o grande rasgo em sua túnica escura, um corte profundo onde a lâmina de um goblin o havia ferido na batalha de mais cedo. O sangue, já seco, manchava a sua mão, um testemunho silencioso de sua própria vulnerabilidade.

(Lucas)

Eu estava perdido em meus próprios pensamentos, revendo cada palavra dura, cada gesto brusco, cada instante de desrespeito, quando senti o olhar dele sobre mim. Não era mais o olhar de medo e humilhação que eu vira antes, mas algo diferente. Era um olhar de… preocupação? A mudança foi tão abrupta, tão inesperada, que me desequilibrou. Meu instinto gritou para que eu o repelisse, para que eu rosnasse e o mandasse embora, para manter a minha armadura de raiva intacta, a última defesa contra a fragilidade que eu sentia. Mas o latejar em meu braço se intensificou, um lembrete cruel e constante de nossa situação precária, da urgência em seguir em frente. Eu vi Tiago se levantar lentamente, seus movimentos ainda relutantes, e dar um passo hesitante em minha direção. Por instinto, meu corpo se tencionou para recuar, preparar-me para o impacto, mas eu não me movi. Algo em seu olhar me prendia.

(Tiago)

Eu não sei o que me moveu. Talvez fosse a culpa, um peso crescente em minha consciência. Talvez fosse uma súbita e estranha onda de empatia que cortou através da minha própria miséria, da minha própria dor. Eu só via a sua dor, uma coisa honesta e simples em meio a toda a confusão e ao caos da nossa jornada. Sem pensar, sem planejar, estendi a mão, e com os dedos ainda trêmulos pela adrenalina e pelo medo, toquei a borda do ferimento em seu braço. Eu não murmurei nenhuma palavra de poder, não tentei invocar nenhuma magia complexa. Eu só queria… eu não sabia o quê. Talvez oferecer algum tipo de consolo, uma pequena trégua na batalha constante. No momento em que minha pele tocou a dele, uma sensação de calor suave e reconfortante fluiu da minha mão, uma luz suave e verde-esmeralda brilhou por um instante sob meus dedos.

(Lucas)

O toque dele foi hesitante, quase tímido, mas a sensação que se seguiu foi tudo menos isso. Um calor profundo e calmante se espalhou pelo meu braço, não como o fogo da cauterização que me atormentava, mas como a carícia do sol da manhã, dissipando o frio da noite. A dor latejante que me atormentava há horas simplesmente se dissolveu, desaparecendo como fumaça ao vento, deixando um alívio profundo e inesperado. Olhei para baixo, incrédulo, enquanto Tiago afastava a mão, um leve rubor em seu rosto. Afastei a manga rasgada, espiando o ferimento. O corte, que antes era feio e profundo, aberto e doloroso, agora não passava de uma fina linha rosada, a pele já completamente cicatrizada, como se o tempo tivesse sido revertido. Não houve peixes. Não houve caos. Apenas um poder puro, silencioso e restaurador emanando dele. Levantei meu olhar para o rapaz na minha frente, e pela primeira vez, eu não vi um fardo, um obstáculo em meu caminho. Vi uma força que eu não conseguia começar a compreender, uma luz que brilhava em meio às trevas. Vi um aliado.

Continua…

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