DISCERE - QUATRO ELEMENTOS - CAPÍTULO 8: JANTAR

Um conto erótico de Escritor Sincero
Categoria: Gay
Contém 3837 palavras
Data: 23/08/2025 01:05:40

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O pátio do Instituto Discere parecia ter saído de um festival de verão. Bandeiras azuis e brancas balançavam com o vento, enquanto baldes, mangueiras e centenas de balões coloridos enfeitavam o cenário. Era chegada a próxima etapa da Gincana dos Quatro Elementos: a temida e aguardada Guerra de Balões.

As regras eram simples: duas equipes por vez, tempo cronometrado, balões cheios de água colorida e um único objetivo — eliminar o maior número de adversários possível. O sorteio foi feito diante de todos. As turmas se enfrentaram aos poucos, entre gritos e provocações amistosas. O terceiro ano 'B' caiu contra o primeiro 'A'. O segundo ano 'A' enfrentou o terceiro 'A'. Um a um, os times foram sendo eliminados.

E, como se o destino tivesse planejado aquele desfecho desde o início, sobraram apenas dois grupos na reta final: o terceiro ano 'B', de Valentim, e o segundo ano 'A', de Noah.

Antes da última disputa, houve uma pausa para o almoço. As equipes se reuniram estrategicamente. A do terceiro ano sabia que Karla, do time de Noah, era o maior desafio. Ágil, imprevisível e praticamente inalvejável. A decisão foi unânime: neutralizar Karla primeiro.

Quando voltaram para a quadra — agora limpa e escorregadia —, os dois lados se posicionaram com olhos atentos e músculos preparados. Noah surgiu vestindo uma camiseta mais justa, os cabelos presos em um pequeno coque, com algumas mechas soltas caindo no rosto. Antes de se posicionar, lançou um olhar direto para Valentim... e piscou.

Valentim travou por um segundo, girando um balão entre os dedos. Desde que conversaram durante as férias, Noah estava diferente. Mais calado, porém presente. Sempre ali, num espaço entre o riso e o incômodo, entre o afeto e o desafio. Um lugar que Valentim ainda não sabia como ocupar.

— Vai com calma hoje. — Disse Karla, surgindo ao lado dele com um sorriso travesso. — O fedelho tá sensível.

— Não começa, Karla. — Murmurou Valentim, tentando esconder um sorriso.

Ela riu e se inclinou.

— Eu shippo vocês. Só não conta pra ninguém. — E saiu correndo de volta pro seu lado da quadra, deixando Valentim corado e nervoso.

— Será que o plano deles é me desestabilizar? — Se questionou Valentim.

O apito soou. O caos se instaurou.

Água para todos os lados. Gritos. Risos. Escorregões. As torcidas divididas gritavam, vibrando com cada eliminação. A energia era contagiante. Noah corria feito um raio. Desviava dos balões como se dançasse. Contra-atacava com precisão. Valentim tentava acompanhar, mas, sempre que chegava perto, hesitava. Porque em vez de mirar, acabava olhando demais. Porque cada sorriso de Noah parecia uma provocação feita só pra ele.

Karla logo se tornou alvo. Percebendo, ela usou toda sua destreza: eliminou quatro oponentes em sequência. Mas um balão disparado ao mesmo tempo por Berenice e um colega atingiu tanto Karla quanto a adversária. As duas estavam fora.

— E sobraram Valentim e Noah! — Gritou o professor, erguendo a prancheta com entusiasmo.

A quadra silenciou, atenta.

Os dois se encararam. Balões nas mãos. Sorrisos nervosos nos rostos.

— Vai me eliminar, idoso? — Provocou Noah, balançando um balão azul.

— Só se você prometer parar de me chamar assim. — Respondeu Valentim, erguendo o seu.

— Sem chance.

E antes que Noah pudesse se mover, o balão se espatifou contra o ombro dele, espalhando água gelada por todo o seu corpo.

Um segundo de silêncio. Frustrado, Noah lançou o balão no rosto de Valentim.

Valentim explodiu em risos. Primeiro contidos, depois incontroláveis. Sem ter o que fazer, Noah também riu. Riram como se nada mais existisse: nem os pontos, nem os julgamentos, nem os medos. Só eles — dois garotos molhados e confusos — rindo um do outro, rindo um com o outro.

O sol já se despedia, banhando os prédios altos da cidade com uma luz dourada e suave. O Instituto Discere parecia calmo depois do frenesi. Nas arquibancadas vazias, Karla e Valentim dividiam uma garrafinha d'água, enquanto a sombra da noite se aproximava.

A guerra tinha acabado, mas a mente de Valentim ainda estava em chamas. O riso de Noah. O quase toque. O quase beijo. As perguntas que ele não conseguia calar.

— Cê tá estranho. — Disse Karla, chutando o nada com o tênis. — Desde o começo das férias.

Valentim deu de ombros.

— Não é só isso. Eu tô... diferente. Perdido, talvez.

Karla o olhou com uma seriedade rara.

— Então deixa eu te ajudar ficando perdida também.

Valentim franziu o cenho.

— Como assim?

Ela respirou fundo, mantendo o olhar firme.

— Eu sou apaixonada por um homem trans, Val. Não é de agora. Só que... não queria que ninguém soubesse. Nem meu pai. Nem você.

O silêncio caiu pesado entre eles.

— Karla... — Ele começou, mas ela ergueu a mão, interrompendo.

— Eu terminei com você porque não era justo comigo. Nem com você. A gente era só fachada. E você tem o Noah.

Valentim engasgou.

— O quê? N-não tenho não! A gente mal se suporta. Ele é insuportável! Vive me chamando de idoso!

Ela soltou uma risada.

— E mesmo assim você não para de olhar pra ele. Nem de falar dele. Trouxe uma mala de presentes na viagem. Já se perguntou por quê?

Valentim ficou quieto. Karla pousou a mão no ombro dele.

— Seu pai quer que você seja outra coisa. E o meu também. Mas a gente não pode viver sendo o plano de ninguém. A gente tem que ser o nosso próprioplano.

Valentim baixou os olhos, sentindo o peso das palavras.

— Promete que não vai contar pra ninguém?

— Só se você prometer o mesmo.

— Fechado.

Eles entrelaçaram os dedos mindinhos, como faziam desde o ensino fundamental. E ali, naquele gesto simples e cheio de memória, Valentim entendeu: talvez amar alguém também fosse deixar as máscaras caírem. A dele ainda estava só trincando. Mas no fundo, ele sabia — logo, ela se quebraria de vez.

***

O vestiário estava silencioso, abafado apenas pelo som distante das arquibancadas esvaziando. Após a vitória na prova da gincana, Valentim seguiu sozinho para o vestiário, ainda ofegante, o coração acelerado não apenas pela competição, mas pelo que encontraria ali.

No banco de madeira, com o celular nas mãos, estava Noah. Os olhos fixos na tela, a expressão séria. Valentim se aproximou devagar e parou ao lado dele. No vídeo, Raphael, o pai de Noah, aparecia em uma entrevista coletiva. Sua voz era firme, carregada de emoção. Ele explicava que o vídeo polêmico que circulou nos últimos dias — aquele que quase destruiu sua reputação — havia sido uma armação orquestrada por seu inimigo político, Roberto Mendonça. O nome fez o estômago de Valentim revirar. O pai de Gabriel.

Sem saber o que dizer, Valentim apenas sentou ao lado de Noah. O outro garoto respirou fundo, pausou o vídeo e deixou o celular sobre o banco. Em silêncio, apoiou a cabeça no ombro de Valentim, como se buscasse refúgio ali, entre tudo o que desabava ao redor.

— Será que tudo vai voltar ao normal? — Murmurou Noah.

— Eu, eu não sei, Noah. — Respondeu Valentim com sinceridade, sua voz baixa, mas firme. — Mas saiba que estou aqui.

Noah permaneceu em silêncio por um instante, antes de perguntar, quase num sussurro:

— Por que você é tão legal comigo?

Valentim olhou para o nada por um segundo, antes de responder:

— Eu gosto de você. Sinto que tenho que te proteger.

Noah levantou a cabeça devagar e encarou Valentim. Seus olhos, até então cansados, agora brilhavam com algo mais suave.

— Me proteger? — perguntou, tocando o rosto de Valentim com delicadeza. Um sorriso pequeno surgiu em seus lábios. — Eu tinha muitas impressões erradas sobre você.

Valentim riu baixinho, tentando quebrar a tensão.

— Como me achar um ogro? Eu lembro disso.

— Você tem certeza que gosta de mim? Até um dia desses você era hétero e tinha um relacionamento sério...

Valentim respirou fundo, sentindo o peso e a leveza da verdade ao mesmo tempo.

— Bem, Noah... o "b" não é de biscoito. — Argumentou com um sorriso torto, tentando aliviar a tensão. — É de bissexual.

Noah sorriu, mas dessa vez com os olhos. Um riso pequeno escapou de sua garganta, e antes que Valentim pudesse processar, ele se aproximou e deu um selinho nele — tímido, contido, breve.

Valentim arregalou os olhos, surpreso. Tocou os próprios lábios, como se quisesse ter certeza do que acabara de acontecer.

Noah recuou um pouco, mas antes que dissesse qualquer coisa, Valentim se virou para ele, colocou uma mão firme em sua nuca e o puxou devagar. Os olhos se encontraram por um instante, e então o beijo aconteceu — dessa vez, mais intenso, mais demorado. Um beijo de entrega.

As luzes baixas do vestiário criavam um clima quase mágico. O som abafado do mundo lá fora parecia desaparecer. Só existiam eles dois. O cheiro de sabão, suor e emoção preenchia o ar. O beijo não era apenas físico — era uma conexão. Os corpos se aproximaram naturalmente, sem pressa, apenas sentindo. Era isso. Era isso que Valentim não sabia que precisava. Era como voltar para casa depois de se sentir perdido por muito tempo.

Quando se afastaram, ainda com os rostos próximos, os dois respiravam entre sorrisos tímidos e corações acelerados.

— Uau. — Murmurou Valentim, a testa encostada na de Noah.

Noah riu.

— E agora? — Perguntou, com aquele brilho travesso nos olhos.

Valentim sorriu.

— Você topa sair comigo?

Noah fez uma careta pensativa, antes de responder com um sorriso provocador:

— Eu nunca saí com um milionário antes.

Eles riram juntos, leves, como se por um momento o mundo lá fora tivesse cessado. Ali, naquele vestiário, entre a confusão das emoções e a calmaria de um beijo sincero, algo novo começava. E, pela primeira vez em muito tempo, tudo parecia certo.

***

Karla estava sentada na beira da cama de Valentim, observando cada movimento dele com um sorriso divertido no rosto. O rapaz, nervoso, ajeitava-se diante do espelho pela terceira vez, como se ainda não tivesse certeza se estava realmente pronto para o encontro com Noah.

Ele havia escolhido um look despojado, mas cheio de estilo: uma jaqueta jeans clara, levemente dobrada nas mangas, sobre uma camiseta branca simples que trazia um ar descontraído. A combinação se completava com uma calça preta ajustada, que alongava a silhueta, e um par de tênis brancos impecáveis, que davam o toque final de frescor. Para arrematar, Valentim usava um relógio discreto no pulso e óculos escuros que, mesmo dentro do quarto, ele experimentava para conferir o efeito.

— Você está lindo, Val. — Disse Karla, cruzando os braços com uma expressão de aprovação. — Sério, o Noah vai pirar quando te vir assim.

Valentim soltou uma risada nervosa, tentando disfarçar a ansiedade que o consumia. No fundo, a roupa era apenas um detalhe, mas para ele aquele encontro parecia o início de algo muito maior.

Valentim deu uma última olhada no espelho, respirou fundo e pegou o celular em cima da cômoda. Karla, ainda no quarto, percebeu o gesto dele abrir o aplicativo e não pôde deixar de sorrir com a determinação silenciosa do amigo.

— Então vai ser assim mesmo? — Perguntou ela, inclinando a cabeça.

— Assim é mais seguro. — Respondeu ele, sem hesitar. — Não quero que meu pai desconfie de nada.

— Entendi.

— E tudo bem você ficar aqui sozinha?

— Sim. Vai se divertir, Val. Você merece. O Breno vai me ligar daqui a pouco. — Explicou Karla, que já estava acostumada em dormir na casa de Valentim.

Em poucos segundos, a corrida estava confirmada. Valentim desligou a tela e enfiou o celular no bolso da calça preta, ajustando a jaqueta jeans sobre os ombros como se fosse uma armadura. A ideia de chamar o motorista particular da família sequer passou pela sua cabeça; seria arriscado demais. Um carro de aplicativo era mais discreto, mais anônimo — exatamente o que ele precisava naquela noite.

Descendo as escadas em silêncio, teve a sensação de que cada degrau ecoava a ansiedade que guardava no peito. Do lado de fora, o carro o esperava discretamente no portão da mansão. Valentim entrou, ajeitou-se no banco de trás e respirou fundo, tentando controlar o turbilhão de pensamentos.

A surpresa que preparara para Noah estava guardada em uma pequena caixa no bolso da jaqueta — algo simples, mas cheio de significado. Durante o trajeto, ele olhava o celular a cada trinta segundos, revisando mentalmente o plano da noite. Estava tudo pronto. Só precisava dar certo.

Após alguns minutos, o carro parou. Valentim respirou fundo. Não demorou muito e Noah entrou no veículo. O rapaz estava absurdamente bonito — parecia saído direto de um editorial de moda urbana. Usava uma jaqueta de couro preta ajustada ao corpo, por cima de uma camiseta branca básica, mas que realçava o tom da sua pele e o desenho do peitoral. A calça jeans escura, justa e ligeiramente dobrada no tornozelo, valorizava suas pernas longas. Nos pés, botas pretas de cano médio completavam o visual com um ar rebelde. Um colar discreto pendia sobre o peito, e o toque final vinha da bandana vermelha amarrada na cabeça, que deixava alguns cachos escaparem com charme. O visual todo era despojado, provocante, impossível de ignorar.

Valentim engoliu em seco.

— Como é que eu vou agir naturalmente com ele assim? — Pensou, enquanto tentava controlar o rubor no rosto.

Noah abriu um sorriso tranquilo, como se nem desconfiasse do caos que estava causando no outro. Ele colocou o cinto e a viagem seguiu.

— E qual a programação? — Quis saber Noah, curioso, ajeitando a manga da jaqueta.

— Surpresa. — Respondeu Valentim, com um sorriso enigmático.

A palavra da vez era essa: surpresa. Depois de meses de uma relação que beirava o caos e a calmaria, Valentim decidiu testar os limites do improvável. Queria ver até onde ia a coragem do rapaz de língua afiada. Noah sempre tinha resposta para tudo... mas será que teria para esse jantar?

O carro seguia pela Avenida Brasil, enfrentando o trânsito que já se arrastava por conta do fim de tarde. Noah observava atento pela janela, como se conseguisse decifrar o destino apenas pelas ruas que cruzavam. Seus pensamentos, no entanto, tomavam um rumo catastrófico.

"Será que é uma armadilha?", pensou, segurando o riso interno. A cabeça já fabricava cenas de um filme de ação, com ele rolando pela calçada após pular de um carro em movimento, fugindo de capangas ou de um ex-namorado psicótico. Mas o devaneio terminou no instante em que sentiu a mão de Valentim tocar discretamente a sua.

Noah se virou com surpresa. Percebeu que a mão do amigo estava fria, trêmula. E, ao contrário do que imaginava, era Valentim quem parecia nervoso. O olhar dele estava perdido do lado de fora da janela, como se evitasse encarar qualquer coisa real dentro do carro.

Foi aí que Noah entendeu: talvez o momento fosse ainda mais difícil para Valentim. Talvez fosse a primeira vez que ele levava um homem para um encontro.

Noah respirou fundo, engolindo a ansiedade e apertou de volta a mão de Valentim, oferecendo um gesto silencioso de apoio.

Minutos depois, o carro parou. Noah ergueu o olhar e, surpreso, reconheceu o local. Estavam no Parque Ibirapuera.

"Passeio no Ibira e depois jantar?"

"Piquenique gourmet?"

"Um concerto ao ar livre?"

As possibilidades pipocavam na mente de Noah, mas todas evaporaram assim que ele viu a estrutura metálica se destacar no meio do parque. Um guindaste enorme se erguia acima das árvores, sustentando uma plataforma com cadeiras e uma mesa pendurada no céu.

Seu corpo congelou.

— Valentim, por acaso... vamos naquele restaurante que é içado por um guindaste?

Valentim abriu um sorriso satisfeito.

— Acertou. Vamos no Dinner in the Sky. É o meu restaurante favorito. Lá em cima, é só você, o céu e uma comida deliciosa.

— Não. — Noah respondeu de imediato, dando meia-volta, mas Valentim foi mais rápido e segurou seu braço.

— Ei! Cadê o Noah valentão?

— Ficou lá em casa. Nem morto que eu vou subir nesse treco. — Resmungou, cruzando os braços com indignação.

Valentim riu, embora soubesse que não seria fácil.

— Para com isso, vai. É superseguro, controlado, e... confia em mim?

— Não. — Noah retrucou. — Agora eu tenho pena da Karla. Imagina os lugares onde tu já enfiou essa menina...

— Nunca trouxe a Karla aqui, ok? Nem qualquer outra mulher. — Contou Valentim, mais sério agora. Ele respirou fundo, baixou o olhar e continuou. — Eu tô tentando, Noah. — Pegou na mão do rapaz novamente, dessa vez com mais firmeza. — Eu tô tentando descobrir o que isso significa pra mim. Pra gente.

Noah olhou para o guindaste novamente, depois para os olhos de Valentim. Tinha ali um medo legítimo, mas também um carinho sincero. A expressão de Valentim era a de um cachorro perdido — um que implorava por uma chance de ser entendido.

Ele bufou, revirou os olhos, e em seguida puxou Valentim para um abraço apertado.

— Mas se eu vomitar na minha jaqueta, eu vou querer uma nova.

Valentim riu, aliviado, enquanto o sol se despedia no horizonte e a cidade começava a se iluminar. Talvez o céu fosse mesmo o melhor lugar para descobrir o amor.

O pôr do sol em São Paulo tingia o céu com tons de laranja e lilás, enquanto a cidade começava a acender suas luzes. Os prédios se recortavam contra o horizonte como sombras gigantes, e as ruas lá embaixo pareciam correr em câmera lenta. Acima de tudo isso, suspenso a cinquenta metros de altura, um restaurante flutuava silenciosamente, iluminado por luzes de néon que contrastavam com a serenidade do entardecer.

Valentim segurava a mão de Noah com força, como se não acreditasse no que estava prestes a acontecer. O Dinner in the Sky, um restaurante suspenso por um guindaste e cabos de aço, fora reservado exclusivamente para os dois. A mesa retangular era cercada por vinte cadeiras presas firmemente à estrutura metálica, todas voltadas para dentro, onde um pequeno balcão permitia que os chefs preparassem os pratos diante dos convidados. Mas naquela noite, só havia dois convidados.

Foram recepcionados no solo por uma moça elegante e sorridente. Ela se chamava Eduarda, e os conduziu até a base da plataforma. Explicou calmamente como funcionaria a experiência: um menu completo de quatro tempos — entrada fria, entrada quente, prato principal e sobremesa — preparado ali mesmo, no céu.

— Vocês não precisam se preocupar com nada. — Avisou ela, ajeitando um dos cabelos atrás da orelha. — Apenas aproveitem.

Em seguida, um rapaz de uniforme ajustou os cintos de segurança com precisão quase militar. Valentim foi o primeiro a sentar, os pés pendendo no ar, o corpo imobilizado pelos suportes acolchoados e travas metálicas. Noah o seguiu, ainda rindo de nervoso.

— Parece que a gente vai decolar. — Murmurou Noah.

— E vamos mesmo. — Respondeu Valentim, piscando um olho.

O rapaz checou os cintos mais uma vez, explicou como funcionavam os mecanismos de emergência e sinalizou para a equipe que tudo estava pronto. Em instantes, o guindaste começou a trabalhar. A estrutura se ergueu do chão com um leve tranco, e os dois foram levados para o alto, acompanhados por dois chefs e um garçom que mantinham os movimentos firmes, como se estivessem pisando em terra firme.

Lá em cima, tudo era surreal. As luzes de LED embutidas na estrutura iluminavam o interior com tons quentes e rosados, refletindo em taças de cristal, talheres impecáveis e pratos que já estavam sendo montados. A cidade se espalhava ao redor como um mar de prédios e janelas acesas. Era possível ver o Parque Ibirapuera ao longe, as luzes dos carros formando rios em movimento e o céu lentamente escurecendo, salpicado de estrelas que começavam a aparecer.

O vento leve bagunçava os cabelos de Noah, que observava a paisagem com os olhos brilhando.

— Isso é insano. — Sussurrou ele, sorrindo para Valentim. — Eu nunca vivi nada assim.

— Bem-vindo ao céu. — Respondeu Valentim, com um sorriso que misturava orgulho e nervosismo.

Eduarda, agora parte da equipe suspensa, reapareceu com as primeiras entradas. As taças foram preenchidas com suco de melancia com hortelã, e os dois brindaram, o som seco do cristal ecoando na noite como uma promessa silenciosa.

O vento frio da noite paulistana acariciava os rostos deles enquanto a plataforma suspensa balançava levemente, sustentada por cabos de aço a mais de cinquenta metros do chão. Sob os pés, apenas o vazio; ao redor, o espetáculo das luzes da cidade. Valentim observava Noah, tentando captar cada reação — desde o primeiro olhar de surpresa até o sorriso tímido diante do cardápio refinado.

O jantar começara com uma Salada Waldorf fresca e aromática, seguida de um delicado coquetel de camarão. Depois, um prato principal de ravióli recheado com ricota e limão-siciliano que parecia derreter na boca. Para fechar, a leveza açucarada de uma pavlova coberta com frutas vermelhas. A equipe, discreta, soubera manter a intimidade dos dois, servindo e se retirando sem interromper o clima.

Enquanto conversavam, a brisa trazia consigo o perfume distante das flores dos jardins suspensos e o som suave da música ambiente. Cada canção que tocava havia sido escolhida por Valentim — com a ajuda de Karla, ele descobrira o gosto musical de Noah e montara uma playlist inteira com o único objetivo de encantar o colega.

Noah, apesar de tentar disfarçar, estava profundamente tocado. Nunca tinha vivido nada parecido: não apenas o jantar a cinquenta metros de altura, mas, principalmente, a sensação de ter alguém olhando para ele com tanto cuidado e interesse. Aos poucos, suas barreiras iam se dissolvendo, deixando à mostra um lado vulnerável que raramente permitia que alguém visse.

— Obrigado, Valentim. — Agradeceu, segurando a mão dele.

— Eu estou feliz... Eu que deveria agradecer. — Valentim respondeu, o encarando com sinceridade. — Sabe, quando eu namorava a Karla, eu sentia que algo faltava. Isso até você chegar.

Noah abaixou o olhar, respirou fundo e, num impulso de confiança, começou a falar sobre Gabriel. Contou como ele tinha surgido de repente, quase como um acaso feliz. Eles conversaram muito, se aproximaram, ficaram juntos. Um relacionamento discreto, quase secreto. Mas o que começou com trocas de confidências e fotos íntimas acabou virando um pesadelo. Gabriel, numa guinada cruel, começou a chantageá-lo. Foi assim que Noah, ainda despreparado, foi forçado a se assumir publicamente — uma exposição que quase destruiu a carreira do pai.

Valentim apertou a mão dele com firmeza.

— Sinto muito, Noah. Ninguém merece passar por isso.

Antes que Noah pudesse responder, a plataforma girou lentamente. Ele soltou um grito surpreso, se agarrando ao encosto da cadeira.

— Calma! — Valentim riu, tentando tranquilizá-lo. — Faz parte da surpresa.

De repente, o céu acima deles explodiu em cores. Fogos de artifício riscaram a noite, refletindo nos vidros dos prédios e no olhar de Noah. Vermelhos, dourados, azuis e prateados dançavam lá em cima, como se toda a cidade celebrasse aquele momento.

— Você é incrível, Valentim. — Declarou Noah, virando para ele. Sua mão subiu devagar, tocando o rosto do amigo.

— Noah, você quer namorar comigo?

— Tem certeza?

— Sim. Eu quero tentar.

— Eu aceito, idoso. — Respondeu Noah.

Valentim sentiu o calor do toque contrastar com a brisa gelada. Sem pressa, se aproximou. Noah fechou os olhos, e então os lábios deles se encontraram. Um beijo lento, suspenso entre as luzes da cidade e o silêncio cúmplice do céu. Abaixo, São Paulo seguia seu ritmo; acima, apenas eles dois — e a certeza de que aquele instante não seria esquecido.

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NADA MELHOR DO QUE O IBIRAPUERA PARA UM ENCONTRO ROMÂNTICO. REPETINDO LOVE IS INTHE AIR. I LOVE TO LOVE.JE T'AIME MON AMOUR. USTED ME GUSTA.RSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS

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