O internato - Capítulo 34

Categoria: Gay
Contém 3362 palavras
Data: 31/07/2025 21:21:46

⚠️ Aviso de Conteúdo Sensível

Este texto contém cenas de abuso infantil, violência doméstica, traumas psicológicos e menções a suicídio. A leitura pode ser extremamente perturbadora para algumas pessoas. Recomendado apenas para maiores de 18 anos.

Se você ou alguém que você conhece está sofrendo qualquer tipo de abuso, denuncie.

📞 Disque 100 – Canal de denúncias anônimas de violações contra crianças e adolescentes no Brasil.

🧠 Para apoio emocional, entre em contato com o CVV (Centro de Valorização da Vida) pelo telefone 188.

Sua segurança e saúde mental são prioridade. Você não está sozinho.

...

Capitulo 34 - A dor da perda:

...

Gabriel:

Acordei com os olhos pesados e a mente nublada. Uma luz branca no teto do hospital fazia meus olhos lacrimejarem. Levantei o braço por reflexo para protegê-los, mas uma dor aguda me lembrou de que algo estava errado. Meu braço esquerdo estava imobilizado — e foi nesse instante que tudo voltou.

O carro. A estrada. Gustavo gritando. O impacto.

E a última frase que ouvi antes de tudo escurecer:

"Ela não vai cozinhar mais porra nenhuma. Ela morreu."

Minha garganta secou.

– Mãe...? – murmurei, me erguendo rápido demais na cama. A náusea veio como um golpe.

– Deita, Gabriel – a voz de Jair ecoou suave ao meu lado. Pela primeira vez desde que entrou em nossas vidas, sua voz não carregava peso, nem ameaça. Era... estranhamente humana.

– Ela morreu? – perguntei, mesmo sabendo da resposta.

Ele assentiu com o olhar úmido. – Foi um assalto. Ela saiu do plantão e... reagiu. O cara estava armado. A polícia reagiu, mas era tarde.

Fechei os olhos. Tudo dentro de mim ruiu. Minha mãe, que por tantas vezes me abraçou em silêncio, me acalmou quando eu chorava escondido, agora era só ausência. Minha âncora se foi, e eu me sentia à deriva.

– E... Izac?

– Ele surtou quando soube – respondeu com pesar. – Pegou o carro e sumiu. Horas depois, você chegou aqui. Ele está em casa agora, cuidando do Pedrinho. Só teve escoriações.

Fiquei em silêncio.

– Me desculpa, Gabriel – Jair disse, tocando minha mão. – Eu amava sua mãe.

Retirei a mão devagar. – Pode sair, por favor?

Ele assentiu e saiu sem dizer mais nada.

Chorei até adormecer.

Dois dias depois

Voltei para casa. Jair dirigiu em silêncio. O rádio do carro estava desligado, as ruas pareciam distantes. Tudo parecia tão fora do lugar quanto eu mesmo.

Quando entrei, vi Izac no sofá. Pedrinho brincava no tapete com um boneco de super-herói. Ao me ver, ele se levantou num pulo e correu para os meus braços.

– Gabi! – gritou, me abraçando forte.

Abracei de volta, me segurando para não chorar. Não na frente dele. Ele era pequeno, mas entendia. A ausência da mamãe era visível demais.

– Desculpa – sussurrou Izac, parado ao nosso lado com olhos vermelhos. – Eu não queria...

– Só... me deixa, Izac – murmurei. – Não agora.

Ele não insistiu.

À noite

Revirei fotos antigas no celular até encontrar uma: nós três, abraçados, sorrindo, na beira da cachoeira em Macaé. Aquele final de semana foi um dos poucos momentos de paz real. Minha mãe rindo, Pedrinho feliz. Lembrei que naquele dia eu dormi sem medo. Ninguém gritou, ninguém invadiu meu quarto.

Três batidas suaves na porta.

– Gabriel, sou eu – a voz de Jair.

Abri devagar. Ele parecia exausto.

– Queria conversar... sobre Izac. Ele está instável. Não é má pessoa, só... não sabe lidar com a dor.

– Não é só a dor – murmurei, sem entrar em detalhes.

– Eu sei – respondeu, olhando para o chão. – Eu devia ter protegido vocês melhor.

Demorei a responder.

– Obrigado por não... fazer nada – falei, ainda com cautela.

Ele me olhou confuso.

– Digo, por respeitar meu momento.

Jair assentiu. – Eu mudei, Gabriel. A perda da sua mãe... me fez ver tudo de outro jeito. Só quero cuidar de vocês agora.

Dei um passo para trás. – Então me ajude a proteger o Pedrinho. Ele não merece carregar mais dor do que já sente.

– Eu prometo – respondeu com sinceridade incomum.

Nos dias seguintes

Gustavo parecia cada vez mais instável. Passava horas andando pela casa, murmurando coisas para si mesmo. Às vezes chorava, outras se escondia no quarto escuro. Havia algo dentro dele que ninguém conseguia alcançar. E isso me assustava.

Jair se mantinha afastado, evitando qualquer contato invasivo. Ele cumpria o que prometeu — por enquanto.

Eu dormia com a porta trancada. Escondia um canivete no criado-mudo, não por coragem, mas por medo. Era minha única defesa, caso o passado resolvesse bater à porta de novo.

Todas as noites, me agarrava à imagem da cachoeira. Aquele riso. Aquela luz. Minha mãe viva, presente, forte.

Ela se foi. Mas aquela lembrança me dizia que eu ainda podia sobreviver.

Era noite quando senti o colchão afundar atrás de mim. O quarto estava escuro, mas o som da respiração próxima, densa e pesada, fez meu corpo enrijecer. Um braço passou ao redor da minha cintura, apertando-me contra o calor de outro corpo.

— Estou com saudade de você — sussurrou Gustavo, com aquela voz trêmula, abafada, carregada de algo doente e confuso.

— Agora não, Gustavo — murmurei, tentando me afastar, mas meu braço engessado dificultava qualquer movimento. — Eu ainda estou machucado…

Minha voz se perdeu quando senti suas mãos ignorarem o que eu dizia. Ele não parecia mais ouvir. O Gustavo que me tratava com algum resquício de cuidado havia sumido, substituído pelo lado sombrio que tantas vezes me tirou a paz. Tentei resistir, me esquivar, protestar com palavras abafadas — mas ele não parava.

Meus olhos ardiam. Senti a garganta fechar, o peito apertar, um choro preso que queimava por dentro. Um nó de ódio, nojo e impotência tomava conta de mim.

Fechei os olhos e fugi para longe, dentro da minha mente, como sempre fazia. Pensei em outro lugar, em outra pessoa. Pensei em Nick. Lembrei de seu olhar doce, do toque gentil, da sensação de ser visto e respeitado. Como eu queria que fosse ele ao meu lado, e não essa sombra deformada que invadia minha existência.

Quando tudo terminou, Gustavo caiu para o lado, ofegante. Ficou em silêncio por longos segundos e, então, como num rompante de culpa, começou a chorar.

— Eu te odeio — murmurei, a voz falha.

— Eu sei… — ele respondeu, desabando num choro alto, histérico. — Eu me odeio também! Eu sou um monstro…

Ele se levantou e começou a derrubar tudo o que via pela frente. Livros, enfeites, porta-retratos. A fúria da culpa transformava o quarto num campo de batalha. Eu me encolhi, ainda trêmulo, sem saber se sentia mais medo dele ou de mim mesmo.

Foi quando ele encontrou o canivete que eu escondia no travesseiro.

— Não! — me ergui com dificuldade, tentando impedir.

Gustavo encarou a lâmina por um instante. Seus olhos vermelhos e perdidos refletiam a decisão de alguém que havia desistido de existir.

— Eu só queria que a dor parasse, Gabriel. Primeiro papai, agora ela… Eu não aguento mais.

— Eu também estou sofrendo — disse, me aproximando com cuidado —, mas você não precisa morrer. A gente ainda pode se proteger, um ao outro.

Gustavo hesitou. A faca tremia em sua mão. Então, finalmente, ele a baixou e me estendeu. Peguei devagar, tentando não demonstrar o desespero que borbulhava em mim.

Nos abraçamos. O irmão que me feriu agora chorava como uma criança assustada em meus braços. E eu... chorei também. Pela minha mãe. Por mim. Pelo que fomos obrigados a ser.

Quando finalmente abri a porta, Jair entrou às pressas no quarto, me puxando para um abraço apertado. Ele olhou ao redor, os objetos quebrados no chão, a bagunça, os olhos vermelhos de Gustavo, e entendeu que algo muito errado tinha acontecido — mesmo que, como sempre, fingisse não ver tudo.

Afastei-o com gentileza e o arrastei para fora do quarto antes que ele pudesse explodir.

— Ele está fora de si, Gabriel! — Jair sussurrou no corredor, indignado. — Não pode continuar assim. Olha o que ele fez com o quarto. Com você!

— Ele está sofrendo… — disse baixo, evitando o olhar dele — e eu preciso manter a calma. Só preciso de tempo.

Jair me olhou por um longo momento. Havia raiva nos olhos dele. Mas também havia desejo — aquele olhar que me fazia sentir um peso no estômago, como se algo estivesse apodrecendo dentro de mim.

— Você é forte demais pra carregar tudo isso sozinho — ele murmurou, passando os dedos devagar pelo meu rosto.

Fechei os olhos. Senti o toque como se fosse vidro quebrado sobre a pele. Mas não me afastei.

— Obrigado… por não ter feito nada ontem — murmurei. — Por me respeitar, pelo menos por um dia.

Ele sorriu, um sorriso que fingia ternura.

— Eu gosto de você, Gabriel. Pode parecer estranho… mas não é só desejo. Tem mais. Tem algo verdadeiro.

Assenti sem dizer nada. Me sentia sujo por cada palavra que trocava com ele, por cada sorriso forçado, por cada mentira dita pra sobreviver naquele lugar.

Mais tarde, já sozinho, tomei um banho demorado. Enquanto a água escorria, olhei para minhas pernas — ainda havia vestígios do que havia acontecido. Da dor. Do silêncio. Da sujeira que não saía com sabão.

Vomitei.

Não pela primeira vez.

E provavelmente não pela última.

Me sentei no chão do box e deixei a água fria cair sobre mim. Era ali que eu sempre acabava — escondido, quebrado, silencioso.

Mas algo dentro de mim ainda estava vivo. Um plano. Um propósito.

Sobreviver.

Proteger o Pedro.

Fugir.

Eu ainda tinha forças. Ainda tinha tempo. Ainda podia resistir.

E, um dia, quando ninguém esperasse… tudo isso ia acabar. De verdade.

...

– Quando você vai voltar? – perguntou Roberta assim que atendi à ligação naquela manhã. – Estamos com saudades. Pelo menos eu estou. Você é meu amigo.

– Você ainda não soube? – respondi, imediatamente me arrependendo da pergunta. Era óbvio que ela não sabia, ou não teria ligado daquele jeito. – Minha mãe morreu no sábado. E, pra piorar, sofri um acidente na serra quando meu... quando Gustavo foi me buscar.

– Eu não fazia ideia! – ela exclamou, chocada. – Me desculpa, Gabriel! Eu estava chateada com o seu silêncio, mas... eu sinto muito mesmo. Tem algo que eu possa fazer?

Olhei para Gustavo, ainda adormecido, e para o quarto bagunçado ao nosso redor. A luz da manhã entrava pela janela e deixava tudo ainda mais real. Bagunça. Rastro de raiva. Tristeza acumulada em cada canto.

– Você tirou carteira no mês passado, né?

– Tirei, sim. Quer sair um pouco?

– Quero.

Pouco tempo depois, Roberta buzinava lá embaixo, num Camaro prateado emprestado do pai. Avisei Jair que ia sair. Dei graças a Deus por Pedrinho estar com ele na sala – não precisei fazer o teatrinho nojento de "filho bonzinho e grato". Jair me deu cem reais como se fosse um pai amoroso, mas eu sabia muito bem qual o "investimento" por trás daquele gesto.

Fugi dali com alívio.

Mais tarde, no quarto de Roberta:

Ela falava dos nossos amigos do grupo gótico do colégio, tentando me distrair. Como sempre, Roberta sabia quando alguém precisava escapar dos próprios pensamentos. Era boa nisso – como se enxergasse além do que as pessoas diziam.

– Irina tá perdendo o controle da turma – ela comentou. – Se bobear, Everton vai acabar assumindo tudo.

– Acho que ela só tá surtando com as provas – falei, bebendo mais um gole do uísque que ela pegou do bar do pai. – Foi igual no ano passado.

– Mas no ano passado não tinha Everton tentando pegar o trono – ela riu e encheu os copos de novo. – Irina só ouve o Lorenzo, e ele vive no mundo próprio desde que perdeu o irmão e a mãe...

Ela parou de falar. Percebeu a merda que tinha dito.

– Desculpa, Gabriel...

– Tá tudo bem – sorri com amargura, pegando a garrafa. – Minha mãe morreu. Minha vida virou um lixo. Meu irmão surtou. E meu padrasto... bom, meu padrasto abusa de mim desde os n0ve anos.

Roberta parou. A expressão dela foi de puro choque. Eu sabia. Eu tinha dito demais. Disse porque o álcool soltou minha língua, porque eu estava cansado de guardar tudo.

– Isso é sério...? – ela murmurou.

– Cada palavra. E o Gustavo... também faz isso. Desde os d3z. Uma família de sonhos, né? E eu... eu ainda "faço o que ele quer", pra garantir que o Pedrinho não passe por nada disso.

Ela levou a mão à cabeça. Respirava rápido.

– Você já tentou se matar?

– Já. Mas falhei. E depois só fiquei pensando em proteger o Pedrinho. Ele é a única coisa boa que ainda me resta.

Roberta ficou em silêncio por alguns segundos. Então se levantou, cambaleando levemente, e fechou a porta do quarto.

– Me conta tudo – pediu. – Eu tô aqui por você.

Contei. Tudo. Sem os detalhes que ela não precisava ouvir, mas com a verdade suficiente para ela entender. Sobre o pai morto, sobre Jair, sobre Gustavo. Sobre o medo. Sobre a dor.

– E você não vai fazer nada? – ela perguntou, indignada. – Vai continuar nessa vida até quando?

– Eu tenho um plano. Quero colocar o Jair na cadeia. Se eu conseguir, ele perde a guarda do Pedro, e eu fico com meu irmão e o Gustavo. Não é o ideal... mas é o que dá.

– Gabriel... – ela falou com firmeza – O Gustavo não tem controle emocional. Você acha que o Pedrinho vai estar seguro com ele? Acha que você vai estar seguro?

Eu não sabia. Essa era a verdade. Meu medo era Pedro parar num abrigo. Ele era frágil. O trauma destruiria ele.

– Talvez a tia Izabel... – murmurei. – Mas e se ela não quiser?

– A gente só vai saber tentando – Roberta disse. – E se não der certo, você aguenta um abrigo por alguns meses. Depois sai. E briga pela guarda do Pedro com todos os seus direitos. Mas precisa sair daí. Agora.

Ela estava certa. E eu sabia disso.

No fim da noite

O pai de Roberta insistiu para que eu dormisse lá, mas eu recusei. Disse que precisava voltar. Ele, gentil, chamou um táxi e me deu um lanche embrulhado para levar. Na volta, minha cabeça girava. Estava bêbado demais pra pensar com clareza.

Entrei em casa e dei de cara com Jair no sofá.

– Eu disse pra não chegar tarde – ele resmungou, já com o hálito de cerveja.

– Foi mal... – murmurei, sentando do lado dele. Tonto. Enjoado.

– Tá bêbado?

– Você também – ri, cansado.

Ele sorriu. Aquele sorriso que me fazia arrepiar por dentro – e não de um jeito bom.

– Bêbado... e cheio de vontade – murmurou, se inclinando pra me beijar.

Eu devia ter retribuído. Parte do meu plano era esse. Mas não consegui fingir.

Ele tentou mais. Forçou. Puxou.

– Eu disse que não quero! – consegui me afastar.

Ele bufou. Começou a se tocar, ainda tentando me provocar.

– Tem certeza? – murmurou.

– Vai pro inferno – falei, me levantando com dificuldade. Na pressa, derrubei o controle do DVD no chão.

Me tranquei no quarto. Gustavo dormia profundamente, roncando. Dei graças por isso.

Caí na cama e apaguei.

No meu sonho, eu caminhava por uma estrada isolada, envolta por uma floresta densa cujas copas das árvores formavam um teto espesso que bloqueava quase toda a luz. O breu era quase total, interrompido apenas pelos feixes pálidos da lua que se infiltravam por entre as folhas e um par de olhos vermelhos, vívidos, que me observavam silenciosamente à minha esquerda, ocultos por uma moita.

Não sabia o que era aquela criatura, mas sua presença exalava algo primitivo, feroz. Uma sensação sufocante me invadia — era como se eu pudesse sentir a fome dela, uma fome de carne viva. Um odor pútrido, semelhante a carne em decomposição, se espalhava pelo ar.

Então ela rosnou. Um som grave e ameaçador que fez meu corpo estremecer e minhas pernas quase cederem. O estômago se revirou, dominado pelo pavor. Num instante, os olhos sumiram e um relâmpago cortou o céu. Logo em seguida, senti um sopro quente na nuca — denso, úmido, e impregnado de sangue e podridão.

Entrei em pânico. Me lancei em disparada, sem pensar, sem direção. Corria como se a estrada nunca fosse acabar. A cada passo, ouvia os galhos se partirem, o chão estremecer com a perseguição daquela coisa. O som da risada — uma risada grave, insana — ecoava por entre as árvores.

(EU VOU TE DESTROÇAR!)

Seguia correndo, cego de medo. Era uma caçada. E eu, a presa. A criatura me caçava como um predador cruel, daqueles que sentem prazer no desespero da vítima. Sabia que poderia me alcançar a qualquer momento, mas prolongava a perseguição como parte de algum ritual sádico.

(VOU RASGAR SUA CARNE E VESTIR SUA PELE NO INVERNO)

Gritos rasgavam o ar como flechas. Vozes infantis. Dor. Suplicavam de todos os lados, como se o próprio bosque estivesse gritando.

(VOCÊ É FRACO. NUNCA VAI ESCAPAR DE MIM)

A risada voltou, mais alta, mais perto. Meu coração disparava como um tambor prestes a explodir dentro do peito.

(AGORA É TARDE)

Foi quando tropecei. Uma pedra, invisível na penumbra, fez meu corpo voar e bater com força contra o chão. Ralei os joelhos, as mãos, mas não senti a dor — apenas o terror. Já sabia, desde o primeiro sussurro em minha mente, que não sairia dali com vida. Mas algo dentro de mim ainda resistia, ainda queria lutar.

Mesmo caído, tentei me erguer. Foi então que senti — mãos grandes, ásperas, envolveram meus ombros e me viraram com brutalidade. E eu encarei... o rosto do pesadelo.

Acordei sobressaltado no meio da noite. Estava coberto de suor e minha respiração vinha em rajadas curtas e irregulares. Tinha tido aquele pesadelo novamente — o mesmo de sempre, com gritos, correria, uma pedra no caminho… e o vulto, o monstro sem rosto que sempre me assombrava. Acordava toda vez antes de encarar a verdade. Talvez, no fundo, meu inconsciente me poupasse de reviver o que era insuportável.

Sentei-me na cama, sentindo a cabeça pesar, talvez ainda efeito do álcool. Peguei o celular: quatro da manhã. Me levantei tonto, peguei uma muda de roupa no escuro e fui direto para o banheiro. Um banho quente parecia a única forma de clarear a mente.

A água escorria pelo meu corpo enquanto eu tentava apagar as imagens do sonho. Não sobrava quase nada na memória — só os gritos, a escuridão e o peso da culpa.

Ao sair do banho, vesti uma bermuda e uma camiseta preta, por sorte fáceis de achar no escuro. Me olhei no espelho e, assim como naquela noite antes da festa junina, mal reconheci o garoto à minha frente. Olheiras profundas, cabelo malcuidado, a pele pálida. Um retrato de cansaço e dor. Um retrato que eles ajudaram a esculpir — Gustavo e Jair. Dois nomes que se tornaram sinônimos de sofrimento na minha vida. Mas faltava pouco. Logo tudo acabaria. Eu e Pedrinho estaríamos livres. Não seria fácil, mas juntos poderíamos enfrentar qualquer coisa.

Saí do banheiro e fui até a cozinha. A garganta seca pedia água. Foi então que o vi.

Pedrinho, acordado, sentado no sofá, encarando a televisão desligada com um olhar perdido. Me aproximei, preocupado, e me sentei ao lado dele.

– Está sem sono, maninho? – falei com carinho.

Ele apenas assentiu, com o boneco do Ben 10 apertado nas mãos. Aquele mesmo do meu pesadelo.

– Está pensando na mamãe? – tentei tocar seu cabelo, mas ele se encolheu com um sobressalto que me gelou por dentro.

Conhecia aquele gesto. Conhecia aquele medo.

– O que aconteceu, Pedro? – perguntei sério, sentindo o coração se apertar no peito.

Ele começou a chorar.

– Eu gritei… mas ninguém ouviu – sua voz saiu fraca, cortada – Ele colocou um travesseiro na minha cabeça…

Ele parou, engasgando no choro. E então disse algo que me fez o chão desaparecer sob meus pés:

– O papai me machucou.

Tudo parou. A cozinha, o mundo, o tempo.

– Não… – me levantei bruscamente, mas cambaleei e caí – Pedro… me diz que isso não é verdade…

Ele não precisou responder. Bastava olhar em seus olhos.

Eu sabia. Eu tinha recusado Jair horas antes, e ele… ele foi atrás de Pedrinho.

O ódio me subiu como uma corrente elétrica. A pulsação acelerou. Senti minha visão se turvar.

– Aquele desgraçado! – murmurei entre dentes cerrados.

Fui até a cozinha, abri a gaveta, e peguei a primeira faca grande que encontrei. O metal refletia a luz fraca da cozinha.

Naquele momento, não pensei em consequência, não pensei em justiça.

Só havia uma certeza: ninguém toca no meu irmão e sai impune.

Caminhei rumo ao quarto de Jair com passos silenciosos, mas com o coração aos berrosContinua...

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