📖 Capítulo 22 – Desejos e Redefinições
A notícia da gravidez se espalhou entre eles como uma nova estação: lenta, transformadora e inevitável. Mas agora o tempo não corria mais na mesma frequência. Cada dia parecia um capítulo novo da história escrita entre os três.
Júlia começava a mudar. Não apenas por fora — embora fosse impossível não notar o início de uma curva suave em sua barriga, o brilho diferente na pele ou o jeito como seus gestos se tornaram mais delicados — mas, sobretudo, por dentro.
Ela mesma sentia isso. Um calor interno, às vezes uma inquietação sem nome.
— Clara... — disse certa tarde, deitada no sofá com uma almofada entre as pernas — ...é normal sentir essas... coisas?
— Que tipo de coisas? — Clara perguntou, sorrindo.
— Fome de madrugada. Vontade de comer coisas improváveis. Hoje sonhei que comia goiabada com queijo e depois colocava por cima... azeitona.
Clara gargalhou.
— É o bebê pedindo novas combinações — brincou. — E além disso?
Júlia hesitou.
— Às vezes... sinto uma vontade estranha. Não só de comer, sabe? Mas de... toque. De calor. De me sentir viva. Como se meu corpo estivesse faminto de outra forma também.
Clara se aproximou, sentando ao lado dela. Colocou a mão suavemente sobre sua barriga ainda discreta.
— O corpo que gera também quer ser lembrado como corpo — disse com ternura. — E isso é bonito. É o desejo ganhando outra maturidade.
Com Marcos, os sinais também se intensificaram.
Júlia começou a provocá-lo de formas inocentes, mas eficazes. Usava camisolas largas com pequenos nós, lambia colheres de sorvete lentamente ou mordia frutas de forma quase teatral.
Certa noite, enquanto assistiam a um filme, ela sussurrou no ouvido dele:
— Acho que meu corpo está precisando de mais que vitaminas...
Marcos engasgou com o próprio chá. Clara apenas lançou um olhar cúmplice e divertidamente provocador:
— Parece que os desejos chegaram em todas as direções.
A terapeuta Luísa os recebeu para uma nova sessão. Havia algo diferente no ambiente. Almofadas no chão, flores frescas e música instrumental suave. Era a preparação para uma nova etapa.
— Hoje entramos no ciclo do “Espaço de Voz” — anunciou. — Cada um de vocês vai ter que dizer, em voz alta, três coisas: o que deseja, o que teme e o que precisa.
Marcos respirou fundo.
— Desejo ser forte para as duas. Temo não estar à altura. Preciso de tempo... para compreender tudo isso.
Júlia olhou para ele com carinho. Então disse:
— Desejo viver essa maternidade com alegria. Temo que me apaguem como mulher. Preciso continuar sendo vista... e tocada... com desejo.
Clara foi a última.
— Desejo equilíbrio. Temo perder a delicadeza. Preciso que a escuta entre nós nunca morra.
Luísa assentiu, satisfeita.
— A voz de vocês é o mapa. Continuem escutando uns aos outros. O desejo muda, o medo muda. O amor... acompanha.
Mais tarde, Clara preparava a ceia quando viu Júlia parada diante do espelho. Usava uma camisa de Marcos, desabotoada, deixando entrever a nova forma de seu corpo. As curvas estavam mais plenas, os seios mais sensíveis, o olhar mais maduro.
— Estou diferente, não estou? — perguntou.
Clara caminhou até ela, abraçando-a por trás.
— Está... linda. Como uma nova fase da lua.
Marcos as viu assim e sentiu o que jamais imaginou sentir: não ciúmes, mas reverência. Ele estava diante de algo sagrado. Três versões da vida. Três formas de amor. Um ciclo que se completava.
No café da manhã seguinte, Júlia, já vestida com um vestido leve e descalça pela casa, aproximou-se com um sorriso curioso no rosto. Clara lia o jornal, e Marcos passava manteiga nas torradas.
— Posso fazer uma pergunta... mais ousada? — ela disse, com os olhos faiscando.
— Claro — respondeu Clara, desconfiada.
Júlia olhou diretamente para Marcos.
— É que... esses hormônios estão me deixando com ideias. E de uns dias pra cá, descobri que ando... muito interessada na bundinha do nosso coelhinho.
A frase caiu como uma pedra na mesa.
Marcos arregalou os olhos, engasgou com a torrada e quase caiu da cadeira, levando as duas mãos instintivamente para proteger o território ameaçado.
— Júlia! — exclamou, vermelho como tomate.
— O que foi? — ela retrucou, com doçura provocadora — Achei que estávamos sendo sinceros por aqui.
Clara gargalhou e deu um beijo na testa de Marcos, que ainda estava imóvel.
— Não se preocupe, coelhinho. A caçada só começa quando você disser "SIM".
Suas preguinhas por enquanto estão salvas.
E assim, em meio a mudanças físicas, novas vontades e o fortalecimento da intimidade entre os três, Júlia se integrava ainda mais àquela dança sensível de vínculos e descobertas. Cada gesto, cada riso, cada toque... era agora um passo em direção a uma nova vida — dentro e fora dela.