📖 Capítulo 21 – Espelhos e Nascimentos
Os dias seguintes se tornaram silenciosamente tensos. Júlia caminhava pela casa com o olhar distante, como se carregasse algo dentro de si — e não apenas no corpo. Marcos percebia sua quietude, mas não a invadia. Clara, por sua vez, observava. Como quem já intuía o que estava prestes a emergir.
Na manhã de domingo, Júlia saiu do banho com os cabelos ainda pingando e uma expressão diferente no rosto. Clara a esperava na sala, sentada com um chá quente. Júlia se aproximou devagar, sentou ao lado e falou, com voz baixa:
— Faz semanas... e nada.
Clara não perguntou “nada o quê”. Apenas segurou sua mão.
— Você já sabe, não é?
Júlia assentiu, com lágrimas contidas.
— Eu comprei o teste... e...
Clara a abraçou antes mesmo da frase terminar. Um abraço longo, que não pedia explicação. Quando se afastaram, Júlia parecia respirar de outro lugar — de mais fundo.
— Eu não sei o que fazer — confessou.
— Você não está sozinha — Clara respondeu. — Nunca esteve.
Naquela tarde, os três foram à sessão com Luísa. A terapeuta os recebeu com um olhar calmo, como quem abre as portas de um templo.
— Imagino que temos uma nova etapa para acolher — disse Luísa, com a voz quente.
Júlia, ainda insegura, apenas balançou a cabeça. Marcos segurava sua mão com força.
Clara tomou a dianteira. Como sempre.
— Júlia está grávida. E antes que ela imagine qualquer exclusão, quero deixar claro: ela faz parte. Nós somos três agora. Não só no corpo, mas na alma.
Luísa sorriu. Era o tipo de declaração que não precisava de validação, mas merecia reconhecimento.
— Então está decidido — disse. — Hoje fazemos a oficialização simbólica da tríade.
Ela caminhou até uma prateleira, retirou uma pequena caixa com três espelhos ovais.
— Cada um vai se olhar no seu espelho. Depois vai entregar o espelho ao outro — explicou. — Porque amar é também permitir que o outro nos veja por dentro. E que se enxergue através de nós.
O ritual começou.
Marcos olhou para si no espelho e depois o entregou a Júlia. Ela hesitou, mas aceitou. Depois, olhou Clara nos olhos antes de entregar o dela.
Clara, ao receber, apenas disse:
— Eu já te via... agora só falta você se ver também.
Quando o último espelho passou pelas mãos de todos, Luísa pegou uma vela alta e acendeu ao centro.
— A chama representa a vida que se forma — disse. — Mas também a luz que nos faz sermos três sombras e um só corpo.
Júlia chorou. Pela primeira vez sem medo. Marcos chorou também, discretamente. Clara segurava os dois.
Depois da sessão, já em casa, os três se recolheram no quarto grande. Não havia desejo urgente, nem pressa, nem confusão.
Júlia deitou no colo de Clara, e Clara acariciava seus cabelos, como se desenhasse o futuro com as pontas dos dedos.
— Isso é... muito maior do que eu imaginava — disse Júlia.
— Isso é amor maduro — respondeu Clara. — É o que sobra quando a pressa acaba.
Marcos, observando, apenas disse:
— Eu não sabia que era possível me sentir tão inteiro.
Júlia o olhou e, com um sorriso cansado, mas pleno, respondeu:
— Agora somos quatro corações... batendo no mesmo ritmo.
Do lado de fora, a casa parecia comum. Mas por dentro, ela abrigava o extraordinário: uma família nascida do afeto, da escuta, do toque e da escolha.
E, naquele momento, os três entenderam que amar também era refletir no outro aquilo que ainda não sabiam que podiam ser.