Capítulo 17 – O Peso das Palavras
Marcos passou boa parte da manhã em silêncio, diante do caderno. As palavras lhe vinham devagar, como se cada uma carregasse o peso de um gesto. Clara passava por trás dele de tempos em tempos, silenciosa, mas com os olhos atentos. Júlia, no quarto ao lado, apenas ouvia o leve som da caneta contra o papel.
Quando ele terminou, respirou fundo. Estava pronto — ou pelo menos achava que estava.
Naquela tarde, na sala da terapeuta, sentados como em um pequeno círculo íntimo, Luísa o incentivou com um gesto sutil:
— Pode começar, Marcos.
Ele abriu o caderno. A voz falhou de início, mas Clara tocou levemente seu joelho. Ele recomeçou:
“No dia da volta da moto, eu percebi que algo havia mudado em mim. Não era mais apenas desejo — era um tipo de reconhecimento. Quando Clara se ajoelhou à minha frente, percebi que não era eu o centro daquele ritual, mas sim o recipiente de algo maior. Quando ela apertou aquele ponto específico em mim e tudo se apagou, eu entendi que não era sobre prazer, era sobre entrega.”
“Na noite do silêncio, diante de Júlia, eu pensei que sentiria vergonha. Mas a presença dela me ensinou outra coisa: que ser visto é também ser compreendido. E quando pedi para me liberar, foi como se cada sílaba tirasse um tijolo da barreira entre mim e minha verdade.”
Silêncio. Clara olhou para Luísa. Júlia tinha os olhos marejados.
— Obrigada, Marcos — disse Luísa. — Você nomeou coisas que poucos homens têm coragem de tocar.
Ela folheou o caderno de anotações e continuou:
— A partir de agora, teremos regras adicionais:
✦ Novas Regras Propostas:
Marcos deve escrever uma nova carta após cada interação íntima ritualística.
Antes de cada clímax, ele deve pedir verbalmente, com clareza e humildade.
Não poderá falar durante rituais a menos que seja solicitado.
Será criado o “Diário da Obediência”, com tarefas escritas por Clara e revisadas pela terapeuta.
Júlia poderá sugerir tarefas simbólicas para explorar suas próprias percepções sobre poder e afeto.
Toda sexta-feira será o “Dia da Palavra Silenciosa”, em que Marcos só poderá se expressar com gestos.
A palavra “coelhinho” será usada como um selo: ao ouvi-la, Marcos entende que está em modo de entrega.
Ao final de cada semana, Marcos escreverá um trecho poético sobre o que aprendeu emocionalmente.
Caso falhe em obedecer, deverá propor uma forma ritual de reparação.
Durante sessões com a terapeuta, cada um terá 5 minutos para expressar algo difícil sem interrupção.
— A submissão consciente não é servidão — explicou Luísa. — É escuta e resposta. Marcos, você é um homem que está aprendendo a se escutar. E essa é a raiz de toda reconstrução emocional.
Júlia, que permanecera calada até então, ergueu os olhos:
— E se... e se ele tiver medo de falhar?
Luísa sorriu.
— Ele já está aprendendo que falhar também é parte do ritual. E que toda falha contém dentro de si a semente do aprendizado.
Clara cruzou as pernas e pegou o caderno.
— Então, o próximo exercício será feito hoje à noite. Quero Marcos deitado, vendado, sem tocar. Ele só poderá sentir. E só poderá falar se pedir permissão.
— Posso observar? — perguntou Júlia.
Clara olhou para Luísa, e a terapeuta respondeu com a mesma serenidade:
— Sim. Mas sem julgamentos. E sem intervir.
Clara se aproximou de Marcos, acariciou-lhe o rosto com ternura e disse:
— À noite, coelhinho... começa o “Espaço da Palavra Interna”.
E Marcos entendeu que não havia mais retorno. Mas também que, talvez, ele não quisesse mais voltar atrás.