Capítulo 15 – O Jogo de Espelhos
O consultório da terapeuta Luísa estava com as janelas abertas, e uma brisa suave entrava junto ao aroma de incenso de sândalo. Clara, Marcos e Júlia estavam sentados como vértices de um triângulo invisível, a terapeuta ao centro, conduzindo com a calma de quem sabia que a próxima travessia seria delicada — e essencial.
— Hoje vamos experimentar um jogo — disse Luísa. — O Jogo de Espelhos. Cada um de vocês vai assumir o lugar do outro, simbolicamente. Falar como se fosse o outro. Sentir. Ver-se do lado de fora. Só assim podemos compreender as camadas ocultas do desejo e da resistência.
Marcos ficou visivelmente tenso. Júlia, ao contrário, demonstrava um entusiasmo contido, talvez provocado pela vivência anterior. Clara apenas observava, com aquele olhar atento que carregava sempre mais do que dizia.
— Vamos começar com Júlia — sugeriu Luísa. — Fale como se fosse Clara. Assuma o que você imagina que ela sente, deseja, teme e controla.
Júlia respirou fundo. Olhou para Clara, depois desviou o olhar, constrangida e fascinada ao mesmo tempo.
— “Eu sou Clara... e controlo porque amo. Porque sei o que está além da vergonha. Sei que Marcos precisa de espaço para ser pequeno antes de ser inteiro. E quando eu toco aquele ponto... o que chamamos de ‘botãozinho’... eu não estou apenas estimulando — estou desbloqueando. Sou jardineira e arqueóloga. Quero ver ele florescer. E, talvez, quero que Júlia veja também. Porque eu sinto que ela é um espelho meu... e quero saber até onde ela me refletiria.”
Houve silêncio. Clara, com um sorriso contido, apenas assentiu.
Luísa então olhou para Marcos.
— Agora, Marcos. Você vai ser Júlia. O que ela sente? O que ela talvez não diga?
Marcos pigarreou. Estava corado. Mas começou:
— “Eu sou Júlia... e estou dividida. Sinto o fogo da curiosidade e o gelo da cautela. Eu olho para Marcos e não sei se é ternura, desejo ou os dois. Sinto que Clara me testa, me treina, e talvez me escolha. Mas não quero tomar nada de ninguém. Só quero... ser vista. Ser tocada... emocionalmente. E talvez... ser usada. Com respeito. Com rito. Com verdade.”
Dessa vez, Júlia não segurou o rubor. Ela olhou para o chão, depois para Clara, e seus olhos brilharam.
— Forte — murmurou ela.
Luísa então disse:
— Clara, sua vez. Seja Marcos.
Clara cruzou as pernas e falou sem hesitar, com uma precisão desconcertante:
— “Sou Marcos. Fui criado para controlar, performar, resistir. Mas dentro... sou feito de vidro. Clara me viu primeiro. E agora Júlia me vê de outro ângulo. Sinto vergonha, mas também uma excitação que não consigo nomear. O botão que ela aperta... é mais que carne. É meu código secreto. Eu tenho medo do que acontece quando ele é pressionado. Mas... também espero por isso.”
Marcos engoliu em seco. Estava entregue.
Luísa anotou algo em silêncio e então propôs:
— Vocês foram longe. Agora, quero que repitam um cenário, mas sob nova lente. Clara, peça à Júlia que repita a entrada de moto. Com a roupa. O ritual. E depois, repitam a cena do quarto — com você abaixada diante de Marcos... mas desta vez... com a mão no botão.
Marcos abriu a boca, surpreso.
— Eu...
Luísa ergueu a mão suavemente.
— Calma, ainda não terminou. Marcos, você vai precisar cumprir a Regra da Permissão. Nada de descargas sem verbalizar o pedido. Precisa dizer: “Posso me liberar?”
Ele corou.
— Isso é... demais. Eu não sei se consigo. Essa parte do... do toque lá... do fio... é...
Luísa o interrompeu com gentileza.
— Não é uma questão de gostar. É uma questão de prática e acesso. Você não está sendo invadido. Está sendo convidado a sentir de outro modo. Confiar que há potência onde você antes via fraqueza.
Júlia então falou, com voz firme pela primeira vez em todo o encontro:
— Eu... posso falhar nesse exercício. Posso me perder no meio. Mas acho que precisamos praticar. Não pelo sexo. Mas pela escuta. Pela presença.
Luísa sorriu, como quem testemunha um broto abrindo.
— Exatamente. O corpo é um campo. E vocês estão aprendendo a plantar.
Marcos parecia dividido entre pânico e excitação.
— Eu vou tentar... mas se eu... travar...
— Diga “vermelho” — respondeu Clara. — Como combinamos. Mas só se for real. Não por medo de se ver.
Luísa concluiu a sessão com um toque cerimonial.
— Para o próximo encontro, tragam o relato. Júlia, observe-se. Marcos, permita-se. Clara, conduza com doçura. E lembrem-se: o espelho nunca devolve apenas o que está fora... mas tudo o que está dentro.
Ao sair do consultório, Júlia foi a primeira a romper o silêncio.
— Eu quero repetir a volta de moto amanhã. Com o chapéu. Com o couro. Quero saber o que acontece quando volto para a casa... e os dois já me esperam prontos.
Clara assentiu. Havia brilho nos olhos das duas. E Marcos... bom, Marcos já sentia o laço branco no pulso apertar sozinho.